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Litotripsia Intraductal na Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica

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Com o advento da colangioscopia digital de operador único em 2015 (SpyGlass™), superando a dificuldade técnica dos antigos aparelhos “mother-baby” que dependiam de dois operadores, diversas foram as utilidades desta nova tecnologia na colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): avaliação intraductal de estenoses indeterminadas das vias biliares, direcionar a drenagem de segmentos acometidos por estenose, litotripsia intraductal de coledocolitíase e hepatolitíase.

Os cálculos complexos possuem preditores para falha de remoção das vias biliares pelo método convencional, sendo: 

  • cálculos maiores que 1,5 cm;
  • cálculos múltiplos (mais de 10); 
  • cálculos com formatos em barril e longo;
  • cálculos intrahepáticos; 
  • anormalidades de colédoco distal (oblíquos, estreitos, angulados);
  • papila duodenal peridiverticular;
  • desproporção de tamanho do cálculo vs colédoco; 
  • associados a estenoses benignas e malignas;
  • alteração pós-cirúrgica do trato gastrointestinal alto

Seguindo os guidelines europeu e americano da ESGE e ASGE, após a falha de remoção convencional na CPRE, opta-se por dilatação balonada de grandes proporções (DBGP) da papila, que é definida de 12 a 20 mm, limitando-se até o diâmetro do colédoco distal, precedida de papilotomia prévia ou tática (saiba mais nesse post). Havendo a falha de extração após DBGP, os guidelines sugerem a litotripsia, que podem ser:

  • mecânica através do basket reforçado “through the scope” (convencional) ou “out the scope” (também conhecido como litotriptor de emergência);
  • intraductal com pulso eletro-hidráulico ou a laser através do uso de colangioscópio.

Caso Clínico

No vídeo a seguir, temos o caso de uma mulher jovem com coledocolitíase de 10 mm, com duas tentativas prévias de CPRE sem sucesso na remoção de cálculo devido a desproporção cálculo vs colédoco distal. Mesmo com papilotomia ampla prévia e dilatação balonada CRE até 18 mm, sem perda de cintura radiológica por fibrose de esfíncter, houve falha na apreensão do cálculo com basket trapezoid devido a impactação do cálculo em via biliar.

Neste caso, a abordagem cirúrgica seria difícil especificamente devido ao colédoco pouco dilatado, sendo optado por intervenção com colangioscopia (Spyglass) + litotripsia endoscópica a laser intraductal. Como resultado, a paciente evoluiu com alta no primeiro pós-operatório com resolução da retirada do cálculo, assintomática, podendo ser submetida a colecistectomia em seguida.

Discussão

Um estudo multicêntrico randomizado publicado na Endoscopy de Angsuwatcharakon et al. em 2019 comparou esses dois métodos, que permitia o crossover entre a litotripsia mecânica com basket de 30 mm (LithoCrush V, Olympus) e a litotripsia a laser (SpyGlass DS, Boston Scientific, com Dornier Medilas H Solvo, Wessling), chegando aos seguintes resultados:

  • 476 pacientes pós-CPRE, com 32 falhas pós-DBGP, sendo randomizados 16 em cada grupo;
  • Média do tamanho dos cálculos: 19.5 mm (5.63) no grupo laser vs 17.6 mm (3.37) no grupo litotripsia mecânica;
  • Remoção completa na primeira tentativa foi maior na litotripsia laser vs mecânica (100% vs 63%, p < 0,01);
  • Tempo de procedimento total foi menor no laser vs mecânica (83 vs. 66 min; P = 0.23);
  • Tempo de remoção foi menor no laser vs mecânica (53 vs. 39 min; P = 0.26);
  • Tempo de fluoroscopia e radiação menor no laser vs mecânica (21 vs. 11 minutes; P < 0.01 e (40 745 vs. 20989 mGycm2; P = 0.04);
  • Efeitos adversos e tempo de internação foram semelhantes entre os grupos.

As limitações do estudo estão na amostra relativamente baixa, que tange às indicações restritas da litotripsia após falha da CPRE e DBGP, bem como na avaliação de apenas a metodologia a laser, sem comparar a eletro-hidráulica, apesar da equivalência de efetividade dos dois métodos.

Embora os limites impostos pelo alto custo do dispositivo, com necessidade de expertise do uso de colangioscopia, e baixa disponibilidade desta tecnologia nos centros de endoscopia, Deprez et al. avaliou maior economia e menor custo no grupo da litotripsia intraductal devido a maior taxa de sucesso e menor número de CPREs no tratamento da coledocolitíase complexa. Salvo limitações do custo de saúde, país e moeda diferente do estudo, as justificativas de menor custo-efetividade são válidos.

Ademais, com o desenvolvimento de outras marcas de colangioscópios e a maior abrangência desta tecnologia, espera-se que esse método diagnóstico e terapêutico se popularize e se torne um novo arsenal ao endoscopista.

Referências

  1. Angsuwatcharakon P, Kulpatcharapong S, Ridtitid W, et al. Digital cholangioscopy-guided laser versus mechanical lithotripsy for large bile duct stone removal after failed papillary large-balloon dilation: a randomized study. Endoscopy. 2019 Nov;51(11):1066-1073. doi: 10.1055/a-0848-8373. Epub 2019 Feb 20. PMID: 30786315.
  2. ASGE Standards of Practice Committee; Buxbaum JL, Abbas Fehmi SM, Sultan S, et al. ASGE guideline on the role of endoscopy in the evaluation and management of choledocholithiasis. Gastrointest Endosc. 2019 Jun;89(6):1075-1105.e15. doi: 10.1016/j.gie.2018.10.001. Epub 2019 Apr 9. PMID: 30979521; PMCID: PMC8594622.
  3. Manes G, Paspatis G, Aabakken L, et al. Endoscopic management of common bile duct stones: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guideline. Endoscopy. 2019 May;51(5):472-491. doi: 10.1055/a-0862-0346. Epub 2019 Apr 3. PMID: 30943551.
  4. Deprez PH, Garces Duran R, Moreels T, et al. The economic impact of using single-operator cholangioscopy for the treatment of difficult bile duct stones and diagnosis of indeterminate bile duct strictures. Endoscopy 2018;50:109-18.

Como citar este artigo

Kum AST, Ide E, Nunes BCM. Litotripsia Intraductal na Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica. Disponível em Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 1. https://endoscopiaterapeutica.net/pt/litotripsia-intraductal-na-colangiopancreatografia-retrograda-endoscopica/

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Médico formado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP);
Fellow researcher na Harvard Medical School New Research Building, EUA;
Residência em Cirurgia Geral e Endoscopia pelo HC-FMUSP;
Preceptoria e Fellow de Endoscopia Avançada do HC-FMUSP;
Membro Titular da SOBED.

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Médico Supervisor do Serviço de Endoscopia do HCFMUSP
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo
Presidente da Comissão de Avaliação e Credenciamento dos Centros de Treinamento da SOBED (gestão 2021-2022)
Membro do Corpo Clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

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Médica formada em 2017 pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde pública (BA)
Especialista em cirurgia geral - Hospital Ana Nery (BA)
Residente de Endoscopia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo


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