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Doença de Whipple: O que o Endoscopista Precisa Saber

por Ivan R B Orso
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A doença de Whipple é uma condição infecciosa sistêmica rara causada pela bactéria Tropheryma whipplei, que acomete principalmente homens brancos, entre 40 e 60 anos. Como pode simular diversas patologias e afetar vários órgãos, inclusive sem sintomas gastrointestinais, é essencial que o endoscopista esteja atento a esse diagnóstico diferencial.

Um pouco de história…

Descrita pela primeira vez em 1907, a doença foi inicialmente chamada de “lipodistrofia intestinal” devido ao acúmulo de gordura nos linfáticos intestinais. A etiologia infecciosa foi confirmada em 1991 com a identificação do T. whipplei via técnicas moleculares.

Epidemiologia:

Apesar de ser rara (cerca de 30 casos/ano), o T. whipplei é está presente no ambiente, especialmente em esgoto e solo. É mais comumente detectado em trabalhadores da área rural e de pouco saneamento. A doença clássica é rara mesmo entre os portadores assintomáticos da bactéria.

Manifestações clínicas

A apresentação clássica envolve quatro sintomas principais:

  • Artralgias migratórias (geralmente anos antes dos sintomas digestivos)
  • Diarreia crônica
  • Dor abdominal
  • Perda de peso

Podem ocorrer manifestações isoladas no sistema nervoso central ou em válvulas cardíacas. A doença também pode ser desmascarada por uso de imunossupressores, muitas vezes prescritos para doenças reumatológicas presumidas.

Papel do Endoscopista no Diagnóstico

A endoscopia digestiva alta com biópsias do intestino delgado (jejuno/proximal do duodeno) é essencial.

Achados Endoscópicos Mais Comuns:

  1. Mucosa esbranquiçada ou amarelada
    • Aspecto de placas ou granulações finas na mucosa do duodeno ou jejuno.
  2. Edema da mucosa
    • A mucosa pode parecer espessada, pálida ou opaca, com perda das pregas normais.
  3. Linfangiectasia intestinal
    • Dilatação dos vasos linfáticos pode dar aspecto leitoso ou de mucosa brilhante e friável.
  4. Nódulos milimétricos
    • Pequenos nódulos na mucosa, principalmente no duodeno, conferem um aspecto de “mucosa em pedra de calçamento”.
  5. Aspecto de mucosa atrófica ou ulcerada
    • Em casos mais avançados, pode haver áreas de erosão, atrofia ou até úlceras superficiais.
Achados endoscópicos em um paciente com Doença de Whipple: pontos esbranquiçados com irregularidade de pregas duodenais e erosões. Na cromoscopia com NBI e magnificação se nota vilosidades engurgitadas com dilatação dos linfáticos.

Investigação

  • Histologia com coloração PAS positiva em macrófagos da lâmina própria
  • PCR para T. whipplei
  • Imuno-histoquímica

Doença de Whipple: macrófagos intensamente PAS-positivos ocupando a lâmina própria da mucosa. As células caliciformes também estão positivamente coradas. A borda em escova dos enterócitos aparece marcada (como uma linha roxa intensa). Fonte: Bures et al. Gastroenterology Research and Practice 2013.

Se a suspeita for alta, mas a endoscopia não for diagnóstica, é indicado investigar outros sítios acometidos (líquor, linfonodos, valvas, líquido sinovial).

Importante: mesmo pacientes com apresentação extraintestinal devem realizar endoscopia, já que a participação intestinal subclínica é comum.

Tratamento

A doença era fatal antes da era dos antibióticos. Hoje, o tratamento é efetivo e dividido em duas fases:

  1. Fase inicial (parenteral):
    • Ceftriaxona 2g IV 1x/dia ou
    • Penicilina G 2-4 MU IV 4/4h
    • Duração: 2 semanas (4 semanas se acometimento do SNC ou endocardite)
  2. Fase de manutenção (oral por 1 ano):
    • TMP-SMX (160/800 mg) 2x/dia

Importante: O T. whipplei é resistente a fluoroquinolonas e a atividade do TMP-SMX é atribuída apenas ao sulfametoxazol.


Considerações finais para o endoscopista

  • Suspeite da doença em pacientes com síndrome diarreica crônica, perda de peso e artralgias, especialmente se do sexo masculino e com exposição a solo ou esgoto.
  • A biópsia de intestino delgado é a chave diagnóstica.
  • O endoscopista pode ser o primeiro a levantar a hipótese diagnóstica.

Mesmo rara, a doença de Whipple é potencialmente fatal se não tratada, mas curável com antibioticoterapia adequada. Estar atento à possibilidade diagnóstica é essencial.

Referências

  1. Günther U, Moos V, Offenmüller G, et al. Gastrointestinal diagnosis of classical Whipple disease: clinical, endoscopic, and histopathologic features in 191 patients. Medicine (Baltimore) 2015; 94:e714.
  2. Lagier JC, Fenollar F, Lepidi H, et al. Treatment of classic Whipple’s disease: from in vitro results to clinical outcome. J Antimicrob Chemother 2014; 69:219.
  3. Apstein MD, Schneider T. Whipple’s disease. Uptodate. 2024.

Como citar este artigo

Orso IRB. Doença de Whipple: O que o Endoscopista Precisa Saber Endoscopia Terapeutica 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/doenca-de-whipple-o-que-o-endoscopista-precisa-saber/

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Doutor em Ciências em Gastroenterologia pela USP
Especialista em Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica da Gastroclínica Cascavel e do Hospital São Lucas FAG
Coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral e Professor de Gastroenterologia da Escola de Medicina da Faculdade Assis Gurgacz


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