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Estenose biliar indeterminada – importantes conceitos que você precisa conhecer

por Gerson Brasil
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A apresentação clínica das estenoses biliares é ampla, variando de imagens incidentais e achados laboratoriais a sintomas de icterícia, dor abdominal, prurido e colangite, logo, uma história clínica detalhada pode fornecer importantes informações acerca da sua etiologia.

Considera-se estenose biliar um estreitamento da árvore biliar que pode ser causado por uma miríade de etiologias, algumas benignas, outras conferindo risco de vida. Existem três classes de estenoses biliares: benignas, malignas e indeterminadas. Infelizmente, apenas a minoria delas (15% a 24%) é benigna. A diferenciação entre benignas e malignas requer uma avaliação diagnóstica complexa, sendo a Endoscopia uma ferramenta imprescindível, especialmente por permitir amostragem de tecido.

Estenose Biliar Maligna:

  • A causa mais comum de estenose maligna do ducto biliar é o adenocarcinoma de pâncreas. Como o câncer pancreático é frequentemente diagnosticado em estágio avançado, 70% dos pacientes já apresentam estenose no momento do diagnóstico.
  • A segunda causa mais comum é o colangiocarcinoma, um tumor primário do próprio ducto biliar.

Quanto a topografia das estenoses no ducto biliar:

  • Distais – a neoplasia maligna do pâncreas deve sempre ser a consideração mais importante, independentemente de existir massa identificável em imagens transversais ou não.
  • Proximais – a suspeita de colangiocarcinoma deve ser a mais aventada.

Estenose Biliar Benigna:

  • A causa mais comum é lesão iatrogênica, sobretudo pós-colecistectomia ou pós-transplante hepático.
  • Várias condições inflamatórias também podem resultar em estenoses, principalmente a Colangite Esclerosante Primária e a Colangite Esclerosante relacionada a IgG4. No entanto, como a maioria das estenoses biliares se revela maligna ao cabo da investigação, é sempre essencial descartar malignidade nesses pacientes.

Estenose Biliar Indeterminada (EBI):

  • Conceito: na maioria das publicações postula-se que o termo se refere a uma estenose cuja etiologia não foi estabelecida por radiologia, seja Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética (pelo fato de não possuir uma massa óbvia em imagens transversais) E a CPRE com biópsia transpapilar (guiada por fluoroscopia) e/ou escovado citológico também falhou em elucidar.
  • Observem que destacamos o “E” pois, apesar de ser o entendimento majoritário, há divergências no sentido de considerar que estas duas etapas seriam aditivas. Ou seja, a aparência imaginológica não conclusiva de malignidade conferiria o status de indeterminada, dispensando a realização da CPRE, visto que a acurácia diagnóstica dos procedimentos descritos acima não é boa.
  • É fato, contudo, que a CPRE com biópsia transpapilar (guiada por fluoroscopia) e/ou escovado continua sendo o procedimento padrão em muitos serviços nesses casos, sobretudo pela indisponibilidade da Colangioscopia. Porém, diante dos resultados atualmente publicados e muito promissores com as biópsias diretas guiadas pela Colangioscopia, é possível que haja mudança nesta sequência propedêutica.

EBI continuam a apresentar um desafio diagnóstico para os médicos e representam 20% de todas as estenoses biliares após a avaliação inicial. Muito embora a maioria das estenoses biliares seja considerada maligna, até 20% das peças cirúrgicas são descobertas como benignas, desta forma, o diagnóstico incorreto pode levar a cirurgias desnecessárias ou atrasos no tratamento (quando efetivamente malignas).

Um breve panorama das tecnologias mais acessíveis que podem ajudar a estabelecer a etiologia das estenoses indeterminadas

CPRE com escovado citológico e/ou biópsia transpapilar guiada por fluoroscopia:

  • continua sendo a abordagem inicial para avaliação, no entanto o rendimento diagnóstico é muitas vezes decepcionante
  • Navaneethan et al. realizaram uma metanálise demonstrando que a sensibilidade do escovado citológico é de 45%, com uma especificidade de 99% para o diagnóstico de estenoses malignas, enquanto a sensibilidade da biópsia foi de 48,1% e a sensibilidade foi de 99,2%. A combinação dos dois métodos aumenta a sensibilidade apenas para 59,4%. Da mesma forma, estudos prospectivos recentes mostraram uma sensibilidade de 46-56% e especificidade de 100% com biópsias e escovado associados. Isto sugere que tanto o escovado quanto a biópsia resultam em precisão semelhante, e a combinação das estratégias aumenta apenas modestamente a sensibilidade.

Colangioscopia:

  • O sistema de Colangioscopia direta foi introduzido em 2007, sendo desenvolvido para exame com operador único. Atualmente, existem colangioscópios com melhor resolução de imagem, maior nitidez, melhor manuseabilidade e versatilidade no uso de acessórios.
  • Um recente estudo controlado randomizado (Gerges et al.) de 57 pacientes comparou o uso da colangioscopia digital de operador único com biópsias diretas à CPRE com escovado em pacientes com EBI. A sensibilidade da Colangioscopia foi de 68,2% vs. 21,4% para CPRE com escovado (p < 0,01). Da mesma forma, uma metanálise de Navaneethan et al. de 10 estudos (456 pacientes) calculou uma sensibilidade combinada de 60,1% e especificidade de 98% com biópsias guiadas por Colangioscopia.

Ultrassonografia Endoscópica (USE)

  • Ao contrário das outras modalidades endoscópicas, a USE também oferece a oportunidade de avaliação do parênquima pancreático e da linfadenopatia regional para potencial FNA. Ela tem sido frequentemente utilizada para a avaliação de doenças da árvore biliar e suas estruturas circundantes.
  • Em duas revisões sistemáticas, a sensibilidade da aspiração com agulha fina guiada por USE após uma CPRE não diagnóstica foi de 77% e 89%, com especificidade de 100%. Uma metanálise de Chiang et al. de 10 estudos (1.162 pacientes) mostrou um incremento de 14% após uma CPRE não diagnóstica. O rendimento diagnóstico USE depende em parte da localização da estenose. Uma meta-análise de 2016 de 13 estudos relatou uma sensibilidade combinada de 83% para aspiração por agulha fina de estenoses biliares distais em comparação com a sensibilidade combinada de 76% para estenoses biliares proximais.

Apesar da tecnologia atual ajudar na definição da etiologia das EBI em muitos casos, ainda existem alguns outros considerados “negativos” durante a investigação, mas que persistem com suspeita de malignidade e terminam por realizar cirurgia. Assim, espera-se das novas tecnologias não somente alta precisão diagnóstica, como também alto valor preditivo negativo, justamente a fim de  evitar cirurgias desnecessárias. Isto é especialmente válido para a Colangioscopia, cujos critérios endoscópicos ainda não estão totalmente estabelecidos e há falta de consenso sobre terminologia e descrição dos achados, razão pela qual a histologia continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico.

Referências Bibliográficas

  1. Nichol S. Martinez et al. Determining the Indeterminate Biliary Stricture: Cholangioscopy and Beyond. Current Gastroenterology Reports (2020) 22:58.
  2. Robert Dorrell et al. The Diagnostic Dilemma of Malignant Biliary Strictures. Diagnostics 2020, 10, 337.
  3. Chencheng Xie et al. Indeterminate biliary strictures: a simplified approach. Expert Review Of Gastroenterology & Hepatology, 2018.
  4. Petko Karagyozov et al. Role of digital single-operator cholangioscopy in the diagnosis and treatment of biliary disorders. World J Gastrointest Endosc 2019 January 16; 11(1): 31-40. DOI: 10.4253/wjge.v11.i1.31.

Como citar esse artigo

Brasil, G. Estenose biliar indeterminada – importantes conceitos que você precisa conhecer. Endoscopia Terapêutica 2022, vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estenose-biliar-indeterminada-importantes-conceitos-que-voce-precisa-conhecer

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  • Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (HUOC-UPE);
  • Preceptor da Residência Médica em Gastroenterologia do HUOC-UPE;
  • Especialista em Endoscopia Digestiva pelo HC-FMUSP;
  • Professor da Disciplina de Gastroenterologia da UniNassau (Recife-PE);
  • Membro Titular da SOBED e FBG;
  • Ex-Presidente da SOBED-PE 2017/2018;
  • Sócio e Endoscopista da MultiGastro - Serviço de Endoscopia Digestiva dos Hospitais Memorial São José e Esperança Olinda (Rede D'Or São Luiz) - Recife/PE.

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