Home » Atualizações nos Critérios Diagnósticos da Esofagite Eosinofílica (EEo) – parte 1

Atualizações nos Critérios Diagnósticos da Esofagite Eosinofílica (EEo) – parte 1

por Gerson Brasil
Compartilhe:

CASO CLÍNICO

Homem, 30 anos, previamente hígido e sem comorbidades, foi submetido à Endoscopia Digestiva Alta como propedêutica de leve disfagia recorrente, principalmente com alguns alimentos, além de episódios esporádicos de sensação de entalo, há cerca de 3 meses.

É possível constatar a presença de edema, sulcos longitudinais, exsudato e anéis, todos achados endoscópicos contextualizados à Esofagite Eosinofílica, que juntamente com a história clínica e perfil epidemiológico do paciente tornam esta hipótese diagnóstica provável.

Os aspectos endoscópicos, classificações e forma correta de realizar as biópsias serão abordados numa publicação futura, dentro da segunda parte das atualizações nos critérios diagnósticos.

Por ora, vamos focar na forma mais atualizada de como concluir um diagnóstico de EEo.

Neste caso em tela, qual seria sua conduta, após receber as biópsias realizadas que evidenciaram acentuada eosinofilia esofágica?

  1. Realizar teste terapêutico com inibidores de bomba protônica, reavaliar resposta clínica e repetir EDA com biópsias (constatar regressão da eosinofilia) para saber se o diagnóstico é aplicável ou não.
  2. Diante do resultado das biópsias, já confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento.

Pois bem, para você que ainda considera o teste com IBP parte integrante e imprescindível da formulação do diagnóstico de EEo, trago algumas atualizações que podem modificar sua compreensão da doença. Boa leitura!

MUDANÇAS NOS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

As primeiras diretrizes diagnósticas sobre Esofagite Eosinofílica (EEo) foram publicadas em 2007 e atualizadas em 2011. Ela foi definida como uma condição clínico-patológica imuno-mediada, caracterizada clinicamente por sintomas de disfunção esofágica e histologicamente por 15 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento, com consenso de especialistas determinando que a melhor abordagem para descartar inflamação relacionada à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) seria com uso de inibidor de bomba de prótons (IBP) em altas doses por 8 semanas ou através do monitoramento de pH (pHmetria). Naquela época, EEo e DRGE eram consideradas mutuamente excludentes.

Durante a década seguinte, pesquisas e experiências clínicas adicionais forneceram novos insights sobre a resposta aos IBP’s. Vários investigadores observaram que uma grande proporção de pacientes com sintomas e eosinofilia esofágica (≥15 eos/cga) responderam ao tratamento com IBP, mas não tinham apresentação clínica consistente com DRGE. Por causa disso, as diretrizes diagnósticas publicadas em 2011, 2013 e 2014 definiram uma nova condição denominada Eosinofilia Esofágica Responsiva ao IBP (PPI-REE). Pacientes com PPI-REE tinham sintomas de disfunção esofágica e ≥15 eos/cga na biópsia, mas obtiveram melhora ou resolução dos sintomas e da eosinofilia após um ciclo de IBP em altas doses. Nessas diretrizes, a PPI-REE não foi bem compreendida, mas EEo e DRGE ainda eram consideradas duas condições distintas.

No entanto, uma gama de outras pesquisas em andamento sugeriu que EEo e DRGE não eram necessariamente condições excludentes e, em vez disso, compartilhavam uma relação complexa:

  • Elas podem coexistir;
  • EEo pode levar a refluxo secundário devido à diminuição da complacência esofágica ou dismotilidade;
  • DRGE pode levar à diminuição da integridade da barreira epitelial , permitindo exposição a antígeno e subsequente eosinofilia.

Além disso, uma série de estudos examinou as características clínicas, endoscópicas e histológicas iniciais (antes do ciclo de IBP), tanto da EEo como da PPI-REE, não encontrando fatores conclusivos que pudessem distinguir as duas.

Condições atópicas concomitantes eram comuns em EEo e PPI-REE, fatores alérgicos e inflamatórios foram encontrados elevados em ambos e os perfis de expressão de RNA foram muito semelhantes entre as duas condições (e distintas da DRGE), com normalização após tratamento com esteróides tópicos ou restrição dietética, embora existissem algumas diferenças.

Finalmente, vários mecanismos não-ácido mediados potenciais foram descritos que poderiam explicar a resposta ao IBP na PPI-REE (inibição de funções inflamatórias – oxidação, fagocitose, migração celular; bloqueio de IL-13 e IL-14;  inibição de molécula-1 de adesão intercelular, etc). Assim, PPI-REE emergiu como um subtipo de EEo em alguns pacientes, e uma grande controvérsia se desenvolveu:

  • EEo e PPI-REE são de fato a mesma condição?
  • PPI-REE seria uma doença associada a alergia alimentar?
  • IBP’s devem ser considerados tratamento de primeira linha na EEo?
  • O ciclo de IBP deveria ser removido das diretrizes diagnósticas?

De fato, quando avaliados em conjunto, esses novos avanços das pesquisas forneceram um forte embasamento para a consideração da remoção do ciclo de IBP do algoritmo diagnóstico da EEo.

  • A favor da manutenção do ciclo de IBP nos critérios diagnósticos pesavam o potencial em reduzir o número de endoscopias necessárias; a ajuda em tratar a DRGE concomitante e fornecer uma abordagem em etapas para o diagnóstico de EEo.
  • A favor da eliminação do ciclo de IBP pesavam permitir a capacidade de discutir uma gama de terapias (por exemplo, algumas usadas para EEo clássica) sem comprometer os pacientes com um IBP desde o início; ajudar a conseguir um recrutamento mais amplo em ensaios clínicos e permitir o tratamento da eosinofilia esofágica com o próprio IBP independentemente da causa subjacente, removendo a resposta à medicação como critério diagnóstico.

Um enorme progresso foi feito na compreensão da EEo nas últimas duas décadas, abrangendo apresentação clínica, epidemiologia, genética, patogênese, tratamento e resultados. Com uma evolução tão rápida do conhecimento, os critérios diagnósticos também tiveram que evoluir. Essa instigante mudança de paradigma acerca da doença findou com a realização da Conferência AGREE (A working Group on ppi-REE) em 6 de maio de 2017 (Chicago-IL, USA), que culminou com a seguinte atualização:

  1. PPI-REE é indistinguível da EoE e portanto estão no mesmo espectro
  2. IBP’s são melhor classificados como um tratamento primário para eosinofilia esofágica decorrente da EEo do que como um critério diagnóstico

À medida que o campo continue a se desenvolver e novas questões identificadas por pesquisas clínicas durante esse processo sejam respondidas, os critérios diagnósticos certamente irão evoluir outra vez.

NOVO CRITÉRIO DIAGNÓSTICO PROPOSTO

Saiba mais

Saiba mais sobre Esofagite Eosinofílica na nossa live realizada no Gastropedia: clique aqui

Referências Bibliográficas

  1. Evan S. Dellon,  Chris A. Liacouras, Javier Molina-Infante, Glenn T. Furuta et al.Updated International Consensus Diagnostic Criteria for Eosinophilic Esophagitis: Proceedings of the AGREE Conference. Gastroenterology 2018;155:1022–1033.
  2. Andrés Gómez-Aldana, Mario Jaramillo-Santos, Andrés Delgado, Carlos Jaramillo, Adán Lúquez-Mindiola. Eosinophilic esophagitis: Current concepts in diagnosis and treatment. World J Gastroenterol 2019 August 28; 25(32): 4598-4613.
  3. Lucendo et al.  Guidelines on eosinophilic esophagitis: evidence-based statements and recommendations for diagnosis and management in children and adults. United European Gastroenterology Journal 2017, Vol. 5(3) 335–358.
  4. Hirano et al. Endoscopic assessment of the oesophageal features of eosinophilic oesophagitis: validation of a novel classification and grading system. Gut 2013;62:489–495.

Como citar esse artigo

Brasil G, Atualizações nos Critérios Diagnóstico da Esofagite Eosinofílica (EEo) – parte 1. Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/atualizacoes-nos-criterios-diagnostico-da-esofagite-eosinofilica-eeo-parte-1

+ posts
  • Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (HUOC-UPE);
  • Preceptor da Residência Médica em Gastroenterologia do HUOC-UPE;
  • Especialista em Endoscopia Digestiva pelo HC-FMUSP;
  • Professor da Disciplina de Gastroenterologia da UniNassau (Recife-PE);
  • Membro Titular da SOBED e FBG;
  • Ex-Presidente da SOBED-PE 2017/2018;
  • Sócio e Endoscopista da MultiGastro - Serviço de Endoscopia Digestiva dos Hospitais Memorial São José e Esperança Olinda (Rede D'Or São Luiz) - Recife/PE.

Compartilhe:

Deixe seu comentário