Paciente, feminina, 20 anos, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico há 2 meses, em uso prednisona 40 mg/dia. Evoluiu com náuseas e vômitos refratários à terapia medicamentosa, associados à inapetência, desidratação e perda ponderal de 8 kg nesse período. Apresentava IMC 17.2 e hipocalemia ao exame laboratorial. Durante investigação, realizou tomografia de abdome (Figuras 1 e 2) com evidência de hiperdistensão gástrica, obstrução em 3ª porção duodenal e diminuição do ângulo aortomesentérico, tendo como principal suspeita diagnóstica a síndrome da artéria mesentérica superior. Realizou também enteroscopia (Figura 3), mostrando estase alimentar moderada e abaulamento pulsátil entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão, achados que também eram compatíveis com a suspeita clínica inicial.
Após medidas clínicas para sintomas de obstrução intestinal alta – dieta zero, passagem de sonda nasogástrica sob aspiração, hidratação venosa, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e otimização de antieméticos –, paciente evoluiu sem melhora dos sintomas, retornando o quadro de náuseas, vômitos e distensão abdominal.
Optado, então, por tratamento cirúrgico, sendo submetida à duodenojejunostomia videolaparoscópica. Cursou com plenitude pós-prandial e novos episódios eméticos no 2º dia do pós-operatório, sendo iniciadas medidas clínicas com passagem de sonda nasogástrica sob aspiração e, posteriormente, sendo iniciada dieta por sonda nasoenteral e nutrição parenteral total, porém paciente persistiu com sintomas obstrutivos.
Evoluiu com abdome agudo obstrutivo no 13º dia do pós-operatório, realizando laparotomia exploradora, que evidenciou anastomose duodenojejunal sanfonada com acotovelamento em alça eferente por bridas em mesocólon transverso, sendo realizada gastroenteroanastomose. Evoluiu com melhora clínica progressiva, resolução completa do quadro de vômitos e ganho gradativo de peso.
Síndrome da artéria mesentérica superior
A síndrome da artéria mesentérica superior (SAMS) é uma causa incomum de obstrução intestinal alta caracterizada pela compressão da terceira porção duodenal devido ao estreitamento do espaço entre a artéria mesentérica superior e a aorta. É também conhecida como síndrome de Wilkie, tendo sido descrita pela primeira vez em 1861 por Von Rokitansky [1].
Na maioria dos pacientes, o ângulo aortomesentérico mede entre 38° e 65°, podendo ser reduzido até 6° na SAMS, estando essa redução relacionada com o índice de massa corporal, sendo a perda significativa de peso o seu principal fator de risco [2,3].
Apresenta-se clinicamente com sintomas de obstrução intestinal alta, podendo o paciente cursar com dor epigástrica pós-prandial e saciedade precoce em quadros mais leves, há náuseas, vômitos biliosos e perda ponderal em casos mais severos. Para o diagnóstico, é necessário um alto índice de suspeição, visto que os sintomas são inespecíficos e pode fazer diagnóstico diferencial com outras causas de obstrução intestinal.
A realização de exames de imagem, como estudos contrastados, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia, pode fornecer uma série de sinais compatíveis com a SAMS, como ângulo aortomesentérico 25° e afilamento abrupto na terceira porção duodenal com peristalse ativa [4,5,6].
O principal componente da terapia conservadora é o suporte nutricional, associado à descompressão gastrointestinal através da passagem de uma sonda nasogástrica e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos. A nutrição parenteral total (NPT) pode ser necessária caso a alimentação enteral não seja uma opção [7]. Em caso de falha do tratamento conservador, a duodenojejunostomia laparoscópica é o procedimento cirúrgico mais utilizado e com resultados superiores às outras técnicas [8], entre elas, o procedimento de Strong e a gastrojejunostomia.
Existem poucos relatos de resultados a longo prazo no pós-cirúrgico de pacientes com SAMS. Uma série incluiu 16 pacientes que foram acompanhados sete anos após a cirurgia, sendo a perda ponderal corrigida em todos os pacientes, porém os sintomas praticamente se mantiveram, com exceção dos vômitos, que apresentaram diminuição significativa8. Em outra série, foram incluídos oito pacientes, com melhora dos sintomas, porém sem ganho significativo de peso [9].
Como citar este artigo
Amaral K, Medrado B. Caso clínico: síndrome de artéria mesenterica superior. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-sindrome-arteria-mesenterica-superior/
Referências bibliográficas
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- Ozkurt H, Cenker MM, Bas N, et al. Medição da distância e ângulo entre a aorta e a artéria mesentérica superior: valores normais em diferentes categorias de IMC. Surg Radiol Anat 2007; 29:595.
- Cohen LB, Field SP, Sachar DB. A síndrome da artéria mesentérica superior. A doença que não é, ou é? J Clin Gastroenterol 1985; 7:113.
- Neri S, Signorelli SS, Mondati E, et al. Ultrassom de imagem no diagnóstico de síndrome arterial mesentérica superior. J Intern Med 2005; 257:346.
- Unal B, Aktaş A, Kemal G, et al. Síndrome da artéria mesentérica superior: TC e ultrassonografia. Diagn Interv Radiol 2005; 11:90.
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- Ylinen P, Kinnunen J, Höckerstedt K. Síndrome da artéria mesentórica superior. Um estudo de acompanhamento de 16 pacientes operados. J Clin Gastroenterol 1989; 11:386.
- Merrett ND, Wilson RB, Cosman P, Biankin AV. Síndrome da artéria mesentérica superior: estratégias de diagnóstico e tratamento. J Gastrointest Surg 2009; 13:287.
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