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CPRE em pacientes submetidos a Bypass Gástrico

por Livia Arraes
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  É sabido que a obesidade é um grave problema de saúde pública e que a cirurgia bariátrica constitui arma poderosa no arsenal terapêutico contra essa enfermidade. Sabe-se, também, que a rápida perda de peso relacionada ao BYPASS GÁSTRICO EM Y DE ROUX (BGYR) é fator de risco para colelitíase e suas complicações como coledocolitíase e pancreatite biliar. Sendo assim, a colecistectomia e a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) são frequentemente indicadas neste grupo de pacientes. Entretanto, o acesso à via biliar após BGYR constitui um desafio para o endoscopista, visto que este acesso somente é obtido via enteroscopia ou via estômago excluso, através de confecção de gastrotomia para introdução do duodenoscópio.  
Técnicas endoscópicas para acesso à papila:
1. CPRE via enteroscopia:  a CPRE por enteroscopia é  bem descrita mas parece estar associada a resultados modestos. Entre as limitações, pode-se citar a dificuldade de canulação pela visão tangencial da papila, instabilidade do aparelho, ausência de elevador, dificuldade de utilização dos acessórios devido ao pequeno diâmetro do canal de trabalho e o trajeto tortuoso que o aparelho pode fazer. Kuga et al publicaram em 2008 uma série de 6 casos de pacientes com anatomia em Y de Roux e submetidos a CPRE em que foi obtido um índice de sucesso em 83,3%1. A dificuldade de disponibilidade de materiais é o grande limitante desta opção. Uma alternativa publicada pelo grupo do ICESP 5 consiste no uso da enteroscopia para acessar a papila; retirada do enteroscópio; secção do overtube (tomando-se cuidade de clampear o canal de ar com um Kelly) e inserção de um gastroscópio, cujo canal de trabalho comporta a maioria dos acessórios de CPRE. 2. CPRE- transgástrica (CPRE-TG): realizada introduzindo-se o duodenoscópio através de uma gastrotomia no estômago excluso, tem se mostrado uma alternativa viável e, aparentemente, com bons índices de sucesso. Existem duas possibilidades técnicas para acesso ao estômago excluso (ambas com auxílio da laparoscopia):
  1. Realização de gastrotomia na parede anterior do estômago excluso e colocação de um trocater de 15 a 18 mm no quadrante superior esquerdo, por onde passará o duodenoscópio. Geralmente o trocater permanece no estômago em direção a grande curvatura o que permite direcionar o aparelho para o piloro. A conversão para cirurgia aberta raramente é realizada ;
  2. Maturação temporária de um gastrostoma na pele, com acesso direto do duodenoscópio (sem auxílo de trocarter);

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Veja no vídeo a seguir um exemplo de CPRE-TG para tratamento de coledocolitíase:

Revisão da literatura
Uma revisão sistemática publicada em 2017 analisou 26 estudos, que compilaram 509 CPRE-TG, publicados entre 2007 e 2016 2;
  • 6 estudos foram prospectivos e 20 foram retrospectivos. Não houve estudo controlado e randomizado.
  • Taxa de sucesso em CPRE-TG foi maior que 95%, o que é comparado com CPRE em anatomia padrão e superior aos 60-70% alcançados com CPRE via enteroscopia.
  • Taxa de complicações de 14%, a maioria considerada leve e tratada de forma conservadora, como infecção e sangramento do sítio da gastrotomia, porém houve complicações mais graves relacionadas à própria técnica como pneumotórax hipertensivo, perfurações que necessitaram de tratamento cirúrgico e hérnias incisionais. Com relação a CPRE propriamente, a principal complicação é pancreatite pós-CPRE, seguida de perfuração e sangramento.
  Um estudo retrospectivo, com 85 CPRE-TG realizadas entre 2004 e 2014, observou uma taxa de complicação de 19%, sendo 88% relacionados à via de acesso e não à CPRE propriamente, a maioria leve. Não houve mortes ou pancreatite grave. Intervenções adicionais, incluindo reparo por laceração na parede posterior do estômago e transfusão sanguínea ocorreram em 4,7% dos casos. Outras complicações que necessitaram de abordagem cirúrgica foram perfuração duodenal e drenagem de abscesso de parede abdominal3. No Brasil, Falcão et al publicaram estudo com 20 pacientes submetidos a CPRE transgástrica laparoscópica , com sucesso na papilotomia em todos os casos, sem intercorrências maiores4.

CPRE por enteroscopia: A) identificação da papila duodenal maior (seta); B) radioscopia; C) dilatação abalonada da papila; D) retirada do cálculo

CPRE-TG assistida por trocarter

Conclusão
Portanto, a CPRE-TG parece ser um método seguro e altamente efetivo na abordagem dos pacientes com BGYR, sendo imprescindível uma ótima interação entre as equipes cirúrgica e endoscópica. A CPRE via enteroscopia, embora com resultados mais modestos, pode ser favorecida quando uma intervenção de urgência é indicada (em alças não tão longas).  
Referências:
  1. Kuga R., Furuya Jr. C.K., Hondo F.Y., Ide E., Ishioka S., Sakai P. ERCP Using Double-Balloon Enteroscopy in Patients with Roux-en-Y Anatomy. Dig Dis 2008; 26(4): 330-5.
  2. Banerjee N., Parepally M., Byrne T.K., PullatT R.C., Coté G.A., Elmunzer B.J. Systematic review of transgastric ERCP in Roux-en-Y Bypass Transgastric patients. Surg Oes Relat Dis 2017; 13(7): 1236-1242.
  3. Grimes K.L, Maciel V.H, Mata W., Arevalo G., Singh K., Arregui M.E. Complications of Laparoscopic Transgastric ERCP in patients with Roux-en-Y Gastric Bypass. Surg Endosc 2015; 29 (7): 1743-9.
  4. Falcao M., Campos J.M., Galvao-Neto M., Ramos A., Secchi T., Alves E., Franca E., Maluf-Filho, Ferraz A. Transgastric Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography for the Management of Biliary Tract Disease after Roux-en-Y Gastric Bypass Treatment of Obesity. Obes Surg 2012; 22 (6): 872-876.
  5. Franco MC, Safatle-Ribeiro AV, Gusmon CC, Ribeiro MS, Maluf-Filho F. ERCP with balloon-overtube-assisted enteroscopy in postsurgical anatomy. Gastrointest Endosc. 2016 Feb;83(2):462-3.
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Especialista em Gastroenterologia HC-FMRP-USP e em Endoscopia Gastrointestinal HC-FM-USP
Membro titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED)
Doutorado em andamento - USP
Presidente do capítulo Maranhão da SOBED gestão 2019-2020


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