Nesse artigo, darei continuidade às dicas e truques da dissecção submucosa endoscópica – ESD (clique aqui para saber mais sobre o artigo prévio de ESD gástrica) e abordarei informações necessárias sobre a técnica de ESD de cólon.
1. Acesse a lesão sem formar loops
Esse é um dos passos principais. O aparelho retificado responde aos comandos, enquanto a formação de loop leva a movimentos paradoxais, dificultando muito a ESD. Se você estiver tendo dificuldade de ver a lesão porque o aparelho está instável, é muito provável que a ESD não seja bem-sucedida. Então, não tenha medo de perder tempo retificando o aparelho para encontrar a melhor posição!
OBS: Considere usar o gastroscópio para lesões no reto e cólon esquerdo e o colonoscópio pediátrico para as lesões no cólon direito. Avalie também se a lesão é acessível com o aparelho em retrovisão, pois pode ser que seja necessário usar essa estratégia.
2. Posicione a lesão na direção do canal de trabalho
O canal de trabalho da maioria dos colonoscópios fica às 6-7hs. Posicionando a lesão nessa mesma posição, o knife fica paralelo à mucosa e a lente do aparelho permite visualizar todo o lúmen intestinal. Se a lesão está localizada às 12hs, por exemplo, o knife fica apontado para a camada muscular (aumentando o risco de perfuração) e o campo de visão é limitado (FIGURA 1).
3. Não insufle muito!
Quando trabalhamos sob baixa insuflação, o aparelho fica mais estável, pois pode se apoiar na parede do cólon (FIGURA 2). Além disso, a submucosa fica mais espessa, diminuindo o risco de perfuração (FIGURA 3).
Lesões que estão em localizações difíceis, como em angulações, quando aspiramos o lúmen, estas tendem a se aproximar do aparelho, facilitando a dissecção (FIGURA 4).
4. Não deixe as partes mais difíceis para o final.
Na ESD, vale a máxima: o que é difícil agora pode se tornar impossível depois. Portanto, comece a incisão nas partes mais complicadas, principalmente em localizações desafiadoras como próximas ao canal anal ou válvula ileocecal. Caso contrário, a abordagem fica muito mais difícil no final.
É de extrema importância também verificar a posição da lesão considerando o lado da gravidade. Geralmente, as partes que estão a favor da gravidade são as mais difíceis; então tentar manter a lesão no lado contralateral ajuda na dissecção. Esteja preparado (se o paciente estiver intubado, prepare o anestesista também!) para mudar o decúbito sempre que necessário!
5. Injete no plano certo
Dois erros frequentes são injetar muito superficial ou muito profundo. As camadas superficiais (mucosa e muscular da mucosa) possuem pouco tecido elástico e muitos vasos. Dessa forma, a tensão gerada pela injeção superficial causa um hematoma que tende a persistir durante todo o procedimento. O problema desse hematoma é que ele também prejudica a identificação das margens da lesão e do plano submucoso. Caso você veja que começou a formar um hematoma, pare imediatamente a injeção e puncione outro lugar. Se já foi formado, tente atingir a submucosa profunda dissecando por debaixo dele, para que o sangue não atrapalhe a visão endoscópica.
Ao contrário, quando a injeção é muito profunda, através da muscular, o líquido pode ir para cavidade peritoneal ou para a subserosa, formando uma bolha não tão proeminente e difícil de reconhecer. Isso não é incomum de acontecer no cólon, principalmente nos locais onde as paredes são mais finas, como no cólon direito. Suspeitar que a injeção está muito profunda quando estiver injetando e não houver elevação ou escape do líquido para fora. Como a submucosa não é elevada, isso prejudica a dissecção e aumenta o risco de perfuração. Nesse caso também, assim que você perceber que a injeção foi inadequada, recue a agulha para achar o plano correto ou a remova e injete em outro ponto.
Se a injeção inicial não correr bem e você fizer isso repetidas vezes, as condições pioram. Outro erro é injetar diversas vezes em pontos diferentes, pois isso pode aumentar a chance de sangramento, além de permitir o extravasamento da solução.
Dicas para fazer uma boa injeção na submucosa:
- Confirme que a agulha está completamente preenchida com a substância a ser injetada (“flush”)
- Na primeira punção, posicione a agulha tangencialmente e delicadamente contra a mucosa até sentir uma perda da resistência
- Peça para o auxiliar injetar a solução bem devagar para verificar se está no plano certo (formação de uma bolha que cresce rápido),
- Puxe a agulha lentamente enquanto injeta mais solução
- A próxima injeção deve ser feita perpendicularmente na borda da bolha anterior e não na mucosa que ainda não está elevada (FIGURA 5)
O local de injeção também é muito importante! Ao contrário da mucosectomia, quando o objetivo é elevar somente a lesão, na ESD o objetivo é obter um plano de dissecção para entrar embaixo da lesão, então a injeção não deve ser feita muito próxima à lesão (geralmente, a injeção deve ser feita a uma distância média de 1cm da lesão, para que a bolha máxima – onde será feita a incisão- fique a uma distância de 0,5cm da lesão). Lembrar que o local onde puncionamos com a agulha não é onde a bolha fica mais alta! (FIGURA 6).
OBS: Se a lesão estiver numa prega ou for grande e séssil, injete mais longe ainda (+1,5cm) para facilitar o posicionamento do endoscópio por debaixo da lesão e evitar que a muscular fique perpendicular ao plano de dissecção.
6. Faça uma incisão adequada no começo!
A incisão da mucosa é provavelmente o passo mais importante da ESD porque além de permitir que a ressecção seja feita com margens, permite também o acesso à submucosa.
A incisão deve ser iniciada em um ponto distante da lesão e com o instrumento perpendicular à mucosa, usando a corrente Endocut (FIGURA 7).
7. Disseque num plano adequado e mantenha a camada muscular sempre à vista
Geralmente, os vasos se ramificam perto da mucosa. Uma dissecção superficial pode danificar a lesão, enquanto a dissecção profunda pode causar perfuração. Portanto, mantenha um plano de dissecção constante na submucosa, com a camada muscular sempre à vista (FIGURA 10).
8. Tenha uma estratégia em mente antes de começar o procedimento
Existem várias técnicas de ESD de cólon (convencional, túnel, pocket, etc). Escolha a mais adequada de acordo com as características da lesão e sua experiência!
Clique aqui para saber mais sobre uma das principais técnicas de ESD.
9. Não entre em pânico em caso de perfuração ou sangramento
Caso haja uma complicação durante a ESD, respire fundo e tente minimizar o dano. Lembre-se que a maioria das perfurações e sangramentos podem ser tratados de maneira eficaz com métodos endoscópicos!
Sangramentos são comuns, não sendo considerado uma complicação por si só. Se ocorrer durante a incisão ou a dissecção, continue cortando até expor melhor o vaso (geralmente mais umas duas pisadas no pedal), porque muitas vezes o sangramento ocorre nos vasos mais profundos ao plano de dissecção e não são facilmente visíveis. Uma dica útil é pressionar o local com o cap para obter uma hemostasia mecânica até que o local exato do sangramento seja visualizado. Tente primeiro hemostasiar com a ponta do knife (aplique a corrente nos dois lados do vaso, para só depois cortá-lo). Caso não haja sucesso, use Coagrasper ou Hot biopsy.
Nos casos de perfuração, o fechamento com clipe é o método ideal, principalmente para as perfurações pequenas (<10mm). Mantenha a calma e foque no primeiro clipe, que é o mais importante na hora de aproximar as extremidades. Algumas vezes, o clipe pode atrapalhar a continuidade da ESD, portanto, nos casos de microperfurações (<3mm), continue a dissecção e clipe somente no final. Para perfurações grandes (>10mm), tenha em mãos outros métodos de fechamento como endoloop, over-the-scope clips, suturas endoscópicas, clipes e fio.
OBS: O uso de CO2, considerado padrão para a ESD de cólon, diminui muito a morbidade e mortalidade relacionada às perfurações.
Referências
- Lambin T, Rivory J, Wallenhorst T, Legros R, Monzy F, Jacques J, Pioche M. Endoscopic submucosal dissection: How to be more efficient? Endosc Int Open. 2021 Nov 12;9(11):E1720-E1730. doi: 10.1055/a-1554-3884. PMID: 34790536; PMCID: PMC8589544.
- Yoshida N, Naito Y, Murakami T, Hirose R, Ogiso K, Inada Y, Abdul Rani R, Kishimoto M, Nakanishi M, Itoh Y. Tips for safety in endoscopic submucosal dissection for colorectal tumors. Ann Transl Med. 2017 Apr;5(8):185. doi: 10.21037/atm.2017.03.33. PMID: 28616400; PMCID: PMC5464937.
- Keihanian T, Othman MO. Colorectal Endoscopic Submucosal Dissection: An Update on Best Practice. Clin Exp Gastroenterol. 2021 Aug 3;14:317-330. doi: 10.2147/CEG.S249869. PMID: 34377006; PMCID: PMC8349195.
- Klein A, Bourke MJ. Advanced polypectomy and resection techniques. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2015 Apr;25(2):303-33. doi: 10.1016/j.giec.2014.11.005. Epub 2015 Feb 17. PMID: 25839688.
- Gweon TG, Yang DH. Management of complications related to colorectal endoscopic submucosal dissection. Clin Endosc. 2023 Jul;56(4):423-432. doi: 10.5946/ce.2023.104. Epub 2023 Jul 27. PMID: 37501624; PMCID: PMC10393575.
Como citar este artigo
Nobre R. Endoscopia Terapeutica. ESD de Cólon – Dicas e Truques, 2024 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/esd-de-colon-dicas-e-truques/
Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo HCFMRP-USP
Especialização em Endoscopia Gastrointestinal HCFMUSP
Título de Especialista SOBED
Doutora em Gastroenterologia FMUSP
Médica Endoscopista do Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP), Hospital Nipo-Brasileiro e Fleury.