CASO CLÍNICO
Feminina, 4 anos, há 1 semana com diarréia aquosa volumosa, com náuseas e febre (37,9°C), evolui há 3 dias com enterorragia. Tem antecedente de transplante renal (intervivos) há 6 meses, e faz uso de medicações imussupressoras: prednisona, everolimus e tacrolimus. Ao exame apresenta-se descorada e com sinais de desidratação. Abdômen globoso, flácido, RHA+.
Solicitada colonoscopia que evidenciou múltiplas úlceras ativas, profundas, recobertas por fibrina, com bordas bem delimitadas e elevadas, medindo de 10 a 30 mm, distribuídas por todo o cólon (ver imagens abaixo):
Resultado das biópsias (estudo anatomopatológico + imuno-histoquímica):
Úlceras com infiltrado linfoide atípico associadas ao Epstein-Barr vírus, ver nota:
- Presença de moderado infiltrado linfoide, com alguns linfócitos maiores de padrão imunoblástico de permeio.
- Identificada positividade para o antígeno do vírus Epstein-Barr em algumas destas células linfoides pelo estudo imuno-histoquímico.
Conclusão: Deve ser considerada como hipótese diagnóstica uma doença linfoproliferativa pós-transplante (DLPT), forma precoce do tipo polimórfica.
PET-CT demonstrou:
Aumento focal do metabolismo em linfonodomegalias retroperitoneais, cervicais, axilares e inguinal à direita. Focos de captação também são observados no baço e fígado. O conjunto dos aspectos pode estar associado a suspeita clínica de doença linfoproliferativa pós-transplante.
Neste caso foi iniciado tratamento com Rituximab.
REVISÃO
A doença linfoproliferativa pós-transplante (DLPT) é uma complicação da imunossupressão após o transplante de órgão. A incidência da DLPT varia de 2% a 20%, porém sabe-se que ela é maior em crianças. A maior freqüência da DLPT na população pediátrica ocorre pois grande parte destes não haviam sido expostos ao Epstein-Barr vírus (EBV) antes do transplante, sendo, portanto, a soroconversão pós-transplante um fator de risco significativo para o desenvolvimento da doença.
Acredita-se que o EBV desempenhe um papel central na patogênese da DLPT, sendo reportado que cerca de 80% dos casos estão associados a esse vírus.
As manifestações clínicas da DLPT ocorrem mais frequentemente no primeiro ano após o transplante, e podem afetar virtualmente qualquer órgão do corpo, focal ou difusamente. O trato gastrointestinal é acometido em até 20% dos casos. Sendo que o intestino delgado distal é o mais comumente afetado.
Endoscopicamente pode-se observar desde mucosa com leves alterações, como edema, enantema difuso ou focal, erosões, e até formação de úlceras (como no caso apresentado). Por se tratar de uma condição que pode ser agressiva e fatal, a endoscopia precoce com biópsias, mesmo em casos com sintomas/achados leves e inespecíficos, é aconselhável.
As modalidades de tratamento da DLPT são variadas, incluindo redução da terapia de imunossupressão, controle da replicação do EBV, terapia antineoplásica convencional (radioterapia, quimioterapia e cirurgia) e imunoterapia (anticorpos anti-células-B: rituximab).
Referências:
- Badham K, Mirchandani A, Arumainayagam N, West DR. Epstein-Barr virus associated with a post–transplant lymphoproliferative disorder presenting as isolatedgastrointestinal tract bleeding. Endoscopy. 2007;39(Suppl 1):E64-5.
- Fernandes PM, Azeka E, Odoni V, Junqueira JJ, Bento GP, Aiello V, Barbero-Marcial M. Post-transplantation lymphoproliferative disorder in pediatric patient. Arq Bras Cardiol. 2006;87(4):e108-11.
- Bitencourt AGV, Pinto PNV, Almeida MFA, Cerqueira WS, Assis AM, Rodrigues AMST, Chojniak R. Incidence and imaging findings of lymphoma after liver transplantation in children. Radiol Bras. 2012;45(1):7–11.
Advanced Endoscopy Fellowship na Cleveland Clinic, Ohio, EUA.
Doutorado em Gastroenterologia pela FMUSP.
Mestrado na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM.
Membro titular da SOBED e FBG.
2 Comentários
Muito bem colocado Cláudia! Realmente os achados costumam ser inespecíficos, e podem ser decorrentes de complicações infecciosas, neoplásicas, reações às drogas imunossupressoras… sendo as biópsias de fundamental importância. Obrigado pelo comentário!
Muito bom Matheus! O diagnóstico de DLPT às vezes é difícil pelas inúmeras patologias que podem levar à diarréia no paciente transplantado. Nesse grupo, a equipe de endoscopia é fundamental e temos recebido pedidos de colonoscopia cada vez mais precoce. Importante lembrarmos de realizar multiplas biopsias, mesmo com leves alteracoes, como edema… Parabéns Matheus, mais uma ótima revisão!