A tuberculose intestinal (TBI) perfaz cerca de 2% dos casos totais de tuberculose. Por se tratar de uma doença endêmica no Brasil, o gastroenterologista e/ou endoscopista irá se deparar com a TBI em algum momento de sua prática médica.
O grande dilema da TBI é a dificuldade diagnóstica, uma vez que os sintomas são inespecíficos e podem mimetizar outras patologias tais como doença de Crohn e malignidades. Mesmo em locais endêmicos as taxas de erro diagnóstico são bem elevadas (em torno de 50 a 70%). Desta maneira, pacientes com TBI tem um atraso no diagnóstico e no início do tratamento específico, e ainda pode ser pior quando a terapia imunossupressora é erroneamente instituída no casos “Crohn-like”.
Na TBI o segmento mais frequentemente acometido é a região ileocecal, e isto é atribuído à maior abundância de tecido linfoide nesta região, além de ter uma maior estase de material fecal propiciando maior absorção e contato do bacilo com a mucosa intestinal. O cólon direito é o segundo local mais acometido e pode ser explicado pelo fato de o trânsito ser mais lento em relação ao delgado e com isso há uma maior exposição dos bacilos à mucosa colônica.
Os achados tomográficos que podem suspeitar de TBI são: espessamento de parede intestinal, linfadenopatia abdominal com necrose central, coleções intra-abdominais e inflamação peritoneal. A ressonância do abdome é útil para delimitar melhor a inflamação peritoneal. O USG pode ser utilizado para detectar estenoses de delgado, inflamações no omento e ascite.
O PPD e o quantiferon possuem baixa sensibilidade e especificidade. A histopatologia pode ser positiva em 54% dos casos e a confirmação microbiológica varia entre 18 a 50%.
A EDA não é útil para os casos de TBI. A colonoscopia é imprescindível com visualização direta da mucosa, avaliação de estenoses e/ou fístulas além de permitir realização de biópsias para histologia e cultura. Achados como ileíte ulcerada (ver imagem abaixo), úlceras transversais (ver imagem abaixo), acometimento da válvula ileocecal, pseudodivertículos levam a suspeição de TBI. O acometimento do cólon esquerdo, presença de úlceras longitudinais, úlceras aftosas e lesões salteadas falam mais a favor de doença de Crohn.
Tuberculose intestinal. À esquerda: Úlcera profunda circunferencial em íleo terminal. À direita: Úlcera transversal em cólon ascendente |
A laparoscopia algumas vezes deve ser feita. É segura, efetiva e com sensibilidade de mais de 92% para o diagnóstico de TB com envolvimento peritoneal.
Algumas dicas para tentar diferenciar a TBI de uma DII são:
TB INTESTINAL | D. CROHN | |
QUADRO CLÍNICO | Comum ter febre baixa, sudorese noturna. | Sintomas gerais menos comuns.
Hematoquezia é mais frequente |
RADIOLOGIA | Linfonodomegalia abdominal, ascite | “Sinal do pente”: ingurgitamento vascular do mesentério |
COLONOSCOPIA | Úlceras circulares ou transversais, maior número de granulomas no anatomopatológico | Úlceras predominantemente longitudinais e padrão de pedra de calçamento é mais típico |
A TBI responde rapidamente à terapia antituberculosa e com isso pode prevenir complicações cirúrgicas. A obstrução intestinal é a complicação mais comum. Estenoses < 12cm podem ser tratadas conservadoramente. Em até 11% dos casos pode ocorrer perfuração e com alta morbi-mortalidade.
O médico endoscopista precisa conhecer a tuberculose intestinal e ter noção das alterações endoscópicas sugestivas de TBI. As lesões devem sempre ser biopsiadas com a finalidade de conseguir o diagnóstico pela anatomopatologia e/ou cultura.
Referências Bibliográficas
- Kentley J et al. Trop Med Int Health. 2017 Aug;22(8):994-999
- Limsrivilai Jet al. Am J Gastroenterol. 2017 Mar;112(3):415-427
- Jia Yi MA. Journal of Digestive Diseases 2016; 17; 155–161
- Pratapi Mouli V et al. Aliment Pharmacol Ther. 2017 Jan;45(1):27-36
Médico Coordenador do Centro de Diagnóstico em Gastroenterologia do Hospital das Clínicas de São Paulo
Membro titular da FBG e SOBED
Membro titular do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB).