INTRODUÇÃO:
Cerca de 10 a 30% dos pacientes com câncer colorretal (CCR) vão apresentar obstrução colônica como apresentação inicial.
A obstrução colônica aguda é uma condição grave que traz risco de vida, e que requer tratamento cirúrgico imediato.
Dentre os diversos tratamentos cirúrgicos, a cirurgia de Hartmann é o procedimento mais comumente realizado.
Entretanto a cirurgia realizada em caráter de emergência está associada a taxa de mortalidade de 10 a 30%, e de morbidade de 10 a 36%.
Esses dados encorajaram o desenvolvimento de procedimentos alternativos, com maior destaque para o uso endoscópico de prótese metálica auto-expansível (PMAE), que permite o alívio temporário da obstrução colônica aguda (ver figuras abaixo).
A PMAE pode ser utilizada em 2 indicações:
- Como ponte para cirugia;
- Para paliação dos sintomas obstrutivos.
Como ponte para cirurgia, a PMAE permite que o paciente possa receber um preparo pré-operatório adequado do cólon, e também possibilita converter uma situação de emergência em um cenário eletivo. Com esta conduta, diminui-se a necessidade de realização de uma ostomia, bem como aumenta a chance de realização de anastomose primária em um único tempo cirúrgico.
No tratamento paliativo da CCR irressecável, a PMAE permite a realização de radio e quimioterapia, e em comparação com a cirurgia está associada a menor tempo internação hospitalar, além de evitar a realização de ostomias.
As complicações a curto prazo que podem ocorrer após a passagem da PMAE incluem perfuração, sangramento, tenesmo, dor e incontinência fecal. E a longo prazo as principais são reestenose e migração. Perfuração intestinal é a complicação mais grave pois pode levar a peritonite fecal, podendo ser fatal.
ESTUDO DO INSTITUTO DO CÂNCER DO ESTADO DE SÃO PAULO (ICESP):
Objetivo
Reportar a experiência do ICESP com o uso de PMAE no manejo da obstrução colônica de origem maligna, tanto para a paliação dos sintomas, como para ponte antes da cirurgia.
Metodologia
Análise retrospectiva de dados coletados prospectivamente, cm pacientes com obstrução colônica devido CCR submetidos a passagem de PMAE, entre julho de 2010 e Julho de 2014, no ICESP.
Sucesso técnico foi definido como a liberação correta da PMAE através da estenose maligna. E o sucesso clínico foi definido como a resolução dos sintomas de obstrução dentro das primeiras 72 horas após passagem da PMAE.
Resultados
Foram realizados 42 procedimentos de passagem de PMAE não coberta em 40 pacientes, com mediana de idade de 60.2 anos, e predomínio do sexo feminino (52.5%).
A intenção do tratamento foi paliação dos sintomas em 21 pacientes (52.5%), e ponte para cirurgia em 19 pacientes (47.5%).
A localização da obstrução foi mais predominantemente no: reto (30%), junção retossigmóide (22.5%), descendente/sigmóide (22.5%).
O aparelho de colonoscopia de 12.8 mm não pode traspor a estenose em 92.5% dos casos.
A taxa de sucesso técnico foi de 97.6%, e de sucesso clínico de 88% (ver gráfico 1 abaixo):
Dos 5 pacientes que foram submetidos a cirurgia de urgência após tentativa de PMAE sem sucesso, a taxa de criação de ostomia foi de 88% e de anastomose primária de 40%. Em comparação, dos 16 pacientes que receberam PMAE como ponte para cirurgia com sucesso, a taxa de criação de ostomia foi 50% e de anastomose primária de 75%. Ver gráfico 2 abaixo:
A média de tempo para realização de cirugia foi de 40 dias, e houveram 3 casos (18.7%) de complicações pela prótese: 2 perfurações e 1 ingrowth (ver gráfico 3).
Dos 21 pacientes que recebram PMAE para paliação dos sintomas obstrutivos, a taxa de sucesso foi de 91.3%. Quimio e/ou radioterapia foi realizada em 18 casos (85.7%). Durante uma mediana de acompanhamento de 3.12 meses, observaram-se complicações em 42.1%: 3 migrações, 2 ingrowth, 1 dor abdominal severa, 1 hematoquezia e 1 perfuração. A maioria desses casos foram manejados conservadoramente ou com uma segunda prótese, e apenas 1 paciente necessitou de cirurgia devido a perfuração relacionada à prótese. Ver gráfico 3 abaixo:
Conclusão
O tratamento da obstrução colônica aguda devido ao CCR com PMAE é seguro e efetivo. A PMAE evita a cirurgia de emergência, pode reduzir a taxa de criação de ostomia e permite a realização de tratamento oncológico de forma segura em pacientes com doença disseminada.
Referências:
Lujan HJ, Barbosa G, Zeichen MS, Mata WN, Maciel V, Plasencia G, Hartmann RF, Viamonte III M, Fogel R. Self-expanding metallic stents for palliation and as a bridge to minimally invasive surgery in colorectal obstruction. JSLS. 2013 Apr-Jun;17(2):204-11.
Repici A, de Paula Pessoa Ferreira D. Expandable metal stents for malignant colorectal strictures. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2011 Jul;21(3):511-33.
Tan CJ, Dasari BV, Gardiner K. Systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials of self-expanding metallic stents as a bridge to surgery versus emergency surgery for malignant left-sided large bowel obstruction. Br J Surg. 2012 Apr;99(4):469-76.
Advanced Endoscopy Fellowship na Cleveland Clinic, Ohio, EUA.
Doutorado em Gastroenterologia pela FMUSP.
Mestrado na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM.
Membro titular da SOBED e FBG.
5 Comentários
A minha observação foi no sentido de destacar que a realização desse procedimento, com essa taxa de sucesso , pode não ser reprodutível por médicos não habituados com a técnica e fora de centros de referência. Só para ilustrar, em um congresso brasileiro de endoscopia levaram um caso onde demonstrava-se a ressecçao de uma lesão subepitelial inserida na 4º camada (muscular própria). O procedimento foi um sucesso, porém um professor aqui do HC de São Paulo, que é uma das referências mundiais na especialidade, fez uma observação no mesmo sentido que tentei destacar no post acima. Que não é porque o procedimento teve sucesso em diversos estudos que ele pode ser considerado como regra, sobretudo fora de centros de referência, ainda mais tendo uma segunda opção (cirurgia), que como o Matheus demonstrou, alguns trabalhos obtém taxas de sucesso semelhantes a passagem da prótese. É um tema bastante polêmico mesmo, mas acredito que deva ser abordado principalmente nesse site que foi criado exatamente para isso, ou seja , troca de experiência e opiniões.
Exato, a beleza dos números é associada com a realização desse procedimento em centro de referência por equipe experiente, por isso é muito válido essa colocação.
E essa é a principal crítica aos trabalhos que obtiveram baixas taxas de sucesso técnico e clínico, e que destoaram bastante do restante das publicações anteriores, sugerindo falsamente uma baixa segurança e inefetividade do método.
Os números são bonitos Matheus, mas o alerta do Renzo é válido! O primeiro estudo prospectivo europeu (2014) foi interrompido precocemente devido ao alto índice de complicações no grupo prótese. O índice de sucesso técnico neste trabalho foi muito baixo, apenas 69%! Além disso, ocorreram ao menos 3 perfurações durante a colocação da prótese. A crítica a este estudo foi a inclusão de múltiplos centros, a maioria não universitários e com baixa experiência na colocação de prótese (1-2 casos por ano). Acho um bom método, mas deve ser reservado para endoscopistas com experiência no assunto.
Este tema é muito interessante e tem gerado grande discussão na literatura.
As taxas de complicações deste estudo estão em concordância com outros trabalhos publicados:
No grupo prótese para paliação do trabalho citado a taxa de complicação foi de 42,1%; sendo 14,2% devido a complicação a curto prazo (perfuração; hematoquezia e dor severa); e 23,8% a longo prazo (ingrowth e migração), na literatura observa-se taxas de 8,8 a 15,7% para complicação em curto prazo, e de 19,2 a 29,3% para complicações a longo prazo (Takahashi H, et al. World J Surg. 2015).
Na comparação com a cirurgia de urgência (Zhao ZD et al. World J Gastroenterol. 2013), observou-se que o uso de PMAE para paliação obteve taxa total de complicações semelhante a cirurgia (34.0% vs 38,1%; p = 0.6), porém com menor tempo de internação (18,8 vs 9.5 dias; p < 0.00001), menor tempo para início de quimioradioterapia (33,3 vs 15,5 dias; p < 0.00001), e menor mortalidade em 30 dias (42 vs 10,5%; p = 0.01). Guideline europeu (ESGE) tem recomendado a PMAE como terapia de primeira linha na paliação do CCR obstrutivo. No grupo ponte para cirurgia os trabalhos (Huang X et al. J Gastrointest Surg. 2014) reforçam que, na comparação com a cirugia de urgência, o uso de PMAE obteve menor taxa de morbidade (33,1% vs. 53,9%; p=0.03), maior taxa de anastomose primária (67,2% vs. 55,1%; p<0.01), menor taxa de criação de ostomia (9% vs. 27,4%, p<0.01), e menor taxa de internação em UTI (4,2 vs 31,8%). Não houve diferença em termos de mortalidade. O racional para a menor taxa de complicações observada com o uso da prótese deve-se ao fato de ser um procedimento menos invasivo, geralmente bem tolerado com uso apenas de sedação moderada a profunda, e pelo fato de evitar-se uma cirurgia de urgência com o cólon não preparado. O contraponto atual para o uso da prótese como ponte para cirurgia é que, em acompanhamento a longo prazo, alguns estudos demonstraram um aumento na recorrência local da neoplasia em comparação com a cirurgia de urgência (Sabbagh C et al. Ann Surg. 2013). Esses achados fizeram com que recente guideline europeu (ESGE) não recomendasse o uso rotineiro da PMAE como ponte para cirugia em pacientes com CCR obstrutivo. E até que novas evidências sejam publicadas, esta conduta deve ser reservada para os pacientes com alto risco cirúrgico, como idosos > 70 anos e ASA maior ou igual a III.
Com relação ao custo benefício da PMAE vs cirurgia, algumas evidências mostram maior efetividade e menores custos com o uso das PMAE, justificando esses achados devido ao menor tempo de internação e a menor taxa de complicações com o uso das próteses (Targownik LE et al. Gastrointest Endosc. 2004; Singh H et al. Can J Gastroenterol 2006).
Trabalho interessante! Mas gostaria de destacar alguns detalhes. Veja, mesmo em um dos maiores centros do país no tratamento de doenças oncológicas e com colegas habituados a procedimentos de alta complexidade, a prótese de cólon apresentou taxas de complicações de 18.7% (terapia de ponte e 42.1% (paliação), ou seja não é uma conduta isenta de riscos. Portanto acredito que nos serviços onde não há colegas acostumados com esse procedimento, ou em que a prótese não esteja disponível, a abordagem mais adequada seria a realização de uma colostomia em alça afim de tirar o paciente da urgência e operá-lo em melhores condições. Obviamente há o inconveniente da confecção da ostomia, porém essa conduta possibilita o tratamento eletivo de um paciente que estava em uma situação emergencial, diminui as chances de uma futura ostomia definitiva, é relativamente de fácil execução em mãos experientes e com um custo bem menor que a prótese.