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Lesão Esofágica Pós-Ablação Cardíaca

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A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum sendo o tratamento através da ablação indicado nos casos de doença refratária à medicação. Entretanto devido à proximidade da parede posterior do átrio esquerdo com o esôfago (< 5mm em 40% dos casos), associado a quantidade de energia desprendida no local (potência, tempo e força de contato), tornam o esôfago um potencial sítio de eventos adversos.

Abaixo as possíveis complicações gastrointestinais pós-ablação cardíaca

Dismotilidade do trato gastrointestinal superior

O mecanismo exato dessas lesões não é conhecido, porém a lesão do nervo vago devido à sua proximidade com o esôfago e a parede do átrio esquerdo, é a teoria mais aceita. Curiosamente, a maior parte da dismotilidade parece ser subclínica e muitas vezes diagnosticada incidentalmente. 

Os sintomas geralmente se iniciam 3 dias após a ablação, sendo os mais comuns: refluxo, disfagia, dor torácica por hipomotilidade esofágica, distensão abdominal, saciedade precoce, perda de peso, náuseas e vômitos.

No único estudo prospectivo observacional realizado, 74% dos pacientes submetidos a ablação desenvolveram alguma dismotilidade, porém normalizada em até 6 meses em todos os participantes1.

O tratamento deve ser realizado nos casos sintomáticos, com refeições em menores porções e baixo teor de gordura, além do uso de pró-cinéticos. Nos raros casos refratários pode ser realizada toxina botulínica para espasmo pilórico ou mesmo cirurgia.

Lesões esofágicas

Estudos demonstram uma incidência variável de lesão esofágica após ablação por cateter, variando de 2% a 47%, sendo a grande maioria assintomáticos.

Durante a ablação, altas temperaturas são alcançadas podendo causar danos ao esôfago, variando de eritema leve (mais comum e com ótimo prognóstico) à ulcerações e, em casos raros, pode levar a perfuração esofágica e formação de fístula atrioesofágica2

Como as lesões esofágicas assintomáticas são comuns, a triagem endoscópica precoce pós ablação pode ajudar a identificar os pacientes com maior risco de perfuração esofágica, permitindo vigilância adequada. Abaixo a classificação utilizada para esse estadiamento:

Kansas City Classification (KCC)3

  • Tipo 1: eritema
  • Tipo 2A: úlcera mucosa superficial
  • Tipo 2B: úlcera profunda 
  • Tipo 3A: perfuração esofágica sem fístula atrioesofágica
  • Tipo 3B: perfuração esofágica com fístula atrioesofágica

Em uma revisão que incluiu 570 lesões esofágicas avaliadas endoscopicamente em pacientes assintomáticos, 36% eram tipo 1, 39% tipo 2A e 25% tipo 2B3. No entanto, a avaliação luminal do esôfago é limitada à superfície e pode subestimar a extensão do dano transmural, visto que as lesões são “de fora para dentro”. 3; 4

Deve-se sempre lembrar que nos casos com suspeita de fístula (febre, dor torácica, odinofagia) a endoscopia é contraindicada pelo risco de embolismo gasoso, devendo-se optar pela tomografia com contraste oral e endovenoso para avaliação.

Figura 1: lesão KCC tipo 1
Figura 2: lesão KCC tipo 2A
Figura 3: lesão KCC tipo 2B

Fístula atrioesofágica

A lesão térmica que leva à isquemia e inflamação parece resultar em dano gradual e progressivo da parede esofágica, o que pode explicar por que a perfuração esofágica e posterior fístula podem levar de 2 a 4 semanas para se desenvolverem.

É uma rara, porém gravíssima complicação, com uma incidência de 0,015 a 0,2%, apesar de provavelmente subnotificada. Sua complexidade decorre do diagnóstico tardio e falta de correção cirúrgica a tempo2

Apresenta sinais clínicos variados como febre, hematêmese, alteração do nível de consciência, dor torácica, disfagia, sepse, mediastinite, derrame pleural ou pericárdico. Acidente vascular cerebral (embolia gasosa), septicemia e sangramento gastrointestinal (GI) são os principais fatores que contribuem para taxas de mortalidade que variam de 40% a 100%4.

Conduta

  • Lesões tipo 1 e tipo 2A: inibidor de bomba de prótons (IBP), resposta completa em 2 a 4 semanas
  • Lesões 2B: apresentam 4% de risco de progressão para tipo 3. Internação, jejum / líquidos claros e TC seriadas por 4 a 6 semanas.
  • Lesões tipo 3: uma revisão de literatura demonstrou que o tratamento conservador ou stent esofágico isolado parece ter um desfecho clínico ruim, sendo o reparo cirúrgico precoce associado ou não a stent esofágico a opção de escolha. Os resultados clínicos da terapia combinada (cirurgia + stent) ainda são pouco claros devido ao número reduzido de estudos5.

Nota: apesar de nenhum estudo randomizado ter comprovado o seu benefício, a maioria dos serviços indica periprocedimento e por um período de até 6 semanas o uso rotineiro de IBP e sucralfato.

Abaixo um fluxograma da conduta nos casos suspeitos:

KEY POINTS

  • IBP e sucralfato por 4 a 6 semanas
  • EDA pós ablação para estratificação de risco
  • TC na suspeita de perfuração
  • Classificação de Kansas 
  • Maioria assintomáticos ou sintomas de dismotilidade autolimitados tratados com sintomáticos
  • Perfuração = tratamento cirúrgico precoce, associado ou não a stent esofágico

Referências

  1. LAKKIREDDY, D.  et al. Effect of atrial fibrillation ablation on gastric motility: the atrial fibrillation gut study. Circ Arrhythm Electrophysiol, v. 8, n. 3, p. 531-6, Jun 2015. ISSN 1941-3084. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25772541 >. 
  2. GARG, L.  et al. Gastrointestinal complications associated with catheter ablation for atrial fibrillation. Int J Cardiol, v. 224, p. 424-430, Dec 01 2016. ISSN 1874-1754. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27690340 >. 
  3. YARLAGADDA, B.  et al. Temporal relationships between esophageal injury type and progression in patients undergoing atrial fibrillation catheter ablation. Heart Rhythm, v. 16, n. 2, p. 204-212, Feb 2019. ISSN 1556-3871. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30273767 >. 
  4. ASSIS, F. R.  et al. Esophageal injury associated with catheter ablation for atrial fibrillation: Determinants of risk and protective strategies. J Cardiovasc Electrophysiol, v. 31, n. 6, p. 1364-1376, Jun 2020. ISSN 1540-8167. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32323383 >. 
  5. ZHOU, B.  et al. Treatment strategy for treating atrial-esophageal fistula: esophageal stenting or surgical repair?: A case report and literature review. Medicine (Baltimore), v. 95, n. 43, p. e5134, Oct 2016. ISSN 1536-5964. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27787367 >. 

Como citar este artigo

Oliveira JFD. Lesão Esofágica Pós-Ablação Cardíaca. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/lesao-esofagica-pos-ablacao-cardiaca/

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Endoscopista no Hospital Vila Nova Star, Hospital Nipo-Brasileiro, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Alta Excelência Diagnóstica e Clínica do Aparelho Digestivo.
Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Especialização em Endoscopia Oncológica no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP.
Residência médica em Endoscopia Gastrointestinal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.


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1 Comentário

Alessandra Faro
Alessandra Faro 20/09/2023 - 1:47 pm

Bom dia Joel. Parabens pela postagem.
Vc poderia me enviar o artigo
Temporal relationships between esophageal injury type and progression in patients undergoing atrial fibrillation catheter ablation. Heart Rhythm, v. 16, n. 2, p. 204-212, Feb 2019.
Não consegui na integra.
Grata

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