A definição de Câncer gástrico precoce inclui lesões que acometem as camadas mucosa e submucosa independente do acometimento linfático. Alguns problemas surgem à partir daí:
- A definição de câncer gástrico precoce leva em conta a possibilidade de metástase linfática;
- O tratamento endoscópico está indicado para lesões com risco zero ou risco negligenciável de metástases linfáticas (Figura 1);
- Vários autores sugerem uma espécie de “redefinição” do conceito de câncer gástrico precoce levando em consideração as crescentes indicações de tratamento endoscópico;
- Sabe-se que a presença de ulceras é um dos fatores que impacta nas taxas de metástases linfáticas e, portanto, nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce;
- Será que é fácil diagnosticar e caracterizar ulcerações nas lesões gástricas precoces?
De acordo com as diretrizes japonesas existem quatro fatores que impactam nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce: tamanho, diferenciação, profundidade e presença de ulcerações (FIGURA 1). Três desses fatores (tamanho, profundidade e presença de ulceração) são usualmente determinados durante o exame endoscópico.
No estudo original de Gotoda, no ano 2000, as ulcerações foram definidas com base na avaliação patológica de espécimes cirúrgicos de acordo com a presença de convergência de pregas, fibrose na submucosa ou deformidade de camada muscular própria, e não em alterações descritas durante o exame endoscópico das lesões.
Nas rotinas de avaliação dos pacientes portadores de lesões gástricas precoces, a definição da presença ou não de ulceração é feita durante o exame de endoscopia que antecede o tratamento do paciente, seja ele endoscópico ou cirúrgico. Fica a dúvida se a caracterização inadequada dessas ulcerações poderia conduzir os pacientes a tratamentos mais agressivos e, por vezes, desnecessários.
Sung Park e colaboradores conduziram um estudo muito interessante, publicado no periódico Clinical Endoscopy no ano de 2017, para avaliar se os endoscopistas eram capazes de diagnosticar a presença de ulceração durante a caracterização de uma lesão gástrica precoce. Endoscopistas receberam um questionário via e-mail com sete imagens endoscópicas de lesões bem diferenciadas tratadas cirurgicamente (FIGURA 2). Em quatro delas (imagens A, B, E e G) havia ulceração descrita durante a análise histopatológica (fibrose em camada submucosa ou muscular própria).
A conclusão dos autores foi que a definição da presença ou não de ulceração variou bastante entre os endoscopistas, principalmente para as lesões que não apresentavam ruptura da integridade mucosa e nem convergência de pregas (FIGURA 3). A presença de ulceração foi superestimada nos grupos com menor experiência endoscópica, o que levaria esse grupo a indicar tratamentos mais “agressivos” para um grupo de pacientes que poderia se beneficiar do tratamento endoscópico.
A maior parte dos endoscopistas ficou mais à vontade para diagnosticar ulcerações quando haviam depressões e rupturas da integridade da mucosa (nas figuras A,B,C e G). A presença de convergência de pregas não foi valorizada como um aspecto associado à presença de ulcerações. Cerca de 64% dos endoscopistas diagnosticaram a lesão E como sem ulceração, quando na verdade a presença de convergência de pregas traduz a presença de fibrose em submucosa ou em camadas mais profundas, ou seja, significa ulceração.
Os autores deixam a mensagem que o diagnóstico de ulceração no câncer gástrico precoce ainda envolve muitos questionamentos e dificuldades e que treinamento e experiência do endoscopista são fundamentais para melhorar as indicações de tratamento endoscópico.
Um ponto interessante levantado por esse estudo foi que toda a fundamentação das indicações de tratamento endoscópico foi feita há cerca de 20 anos com base em espécimes cirúrgicos e com base na definição histopatológica da presença de ulcerações, e não com base em aspectos endoscópicos. Os equipamentos endoscópicos evoluíram bastante nesse período e hoje a maior parte dos serviços dispõe de equipamentos com alta definição de imagem e recursos de cromoscopia. Estudos que reforçam as indicações de tratamento endoscópico com base em critérios endoscópicos que sejam de fácil reconhecimento para o endoscopista se fazem necessários.
Além disso, uma informação prática e de grande importância para os endoscopistas, é que a presença de ruptura da integridade da mucosa e a convergência de pregas são aspectos importantes que definem a presença de ulcerações nas lesões gástricas precoces.
REFERÊNCIAS:
- Park SM, Kim BW, Kim JS et al. Can EndoscopicUlcerationsin Early Gastric Cancer Be Clearly Defined before EndoscopicResection? A Survey among Endoscopists. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):473-478.
- Barreto SG, Windsor JA. Redefining earlygastric cancer. Surg Endosc. 2016 Jan;30(1):24-37.
- Lee HL. Identificationof Ulcerationin Early Gastric Cancer before Resection is Not Easy: Need for a New Guideline for Endoscopic Submucosal Dissection Indication Based on Endoscopic Image. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):410-411.
- Gotoda T, Yanagisawa A, Sasako M et al. Incidence of lymph node metastasis from early gastric cancer: estimation with a large number of cases at two large centers. Gastric Cancer. 2000Dec;3(4):219-225.
- Médica endoscopista e cirurgiã digestiva
- Mestre em Ciências da Saúde pela UFG
- Membro titular da SOBED e CBCD
- Coordenadora do CET SOBED HGG (Hospital Geral de Goiânia/GO)
- Coordenadora médica da endoscopia do Hospital Israelita Albert Einstein Goiânia e HMAP
- Endoscopista do Instituto do Aparelho Digestivo (IAD) Goiânia
- Equipe IME Endoscopia Goiânia