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“A face oculta do câncer gástrico indiferenciado e o desafio da sua detecção precoce”

por Renata Nobre
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O adenocarcinoma gástrico é subdividido nos padrões diferenciado e indiferenciado de acordo com as alterações glandulares, correspondendo aos tipos intestinal e difuso na Classificação de Lauren proposta em 1965.

  • Adenocarcinoma diferenciado = tipo intestinal
  • Adenocarcinoma indiferenciado = tipo difuso

O câncer gástrico difuso ou indiferenciado é responsável por cerca de 30% dos adenocarcinomas no estômago e sua incidência vem se mantendo constante ao longo dos anos.

Comparado ao tipo intestinal, possui pior prognóstico e maior chance de invasão linfonodal e, portanto, as indicações de ressecção endoscópica são restritas às lesões menores que 2cm, intramucosas e sem ulceração (ONO,2020; TAKIZAWA,2021) , Mais detalhes você pode conferir no nosso post sobre ECURA – clique aqui.

Esse tumor tende a acometer mulheres jovens e pode estar associado a fatores hereditários. A mutação genética mais frequente é no CDH1, um gene supressor tumoral que codifica a E-caderina, uma proteína responsável pela adesão celular. Diferente do que acontece no tipo intestinal, as lesões se desenvolvem na mucosa normal do estômago, não tendo comumente associação com a infecção por H pylori e a presença de precursores como metaplasia e displasia.

Histologia

Histologicamente, há ausência de moléculas de adesão e tipicamente apresenta padrão infiltrativo e pouco diferenciado. Em alguns casos, aparecem células contendo mucina que empurram o núcleo para a periferia; dando a aparência de anel: são as chamadas células em anel de sinete (figura 1).

Figura 1: Células em anel de sinete. Disponível em https://eyepath.org.uk/atlas

Nesse tipo de câncer, as células cancerígenas se originam nas camadas intermediárias da mucosa e continuam avançando de forma imprevisível até o centro da lesão finalmente atingir a superfície. Acredita-se que, nas fases iniciais, as células mutadas formam pequenas lesões na base das glândulas, dentro da mucosa. Com a progressão, as células em anel de sinete se desprendem e penetram na submucosa e tecidos mais profundos (OKADA, 2011).

Como o acometimento se dá de forma horizontal nas camadas mais profundas da mucosa, na fase precoce pode não haver alteração endoscópica visível e até biópsias podem ser negativas pois as células cancerosas geralmente estão mais profundas e espalhadas.

Essa dificuldade na detecção contribui para o diagnóstico tardio e, consequentemente, o pior prognóstico. Além disso, também fica difícil determinar a profundidade de invasão e distinguir os limites laterais das lesões indiferenciadas.

É por essa razão que é imprescindível sabermos reconhecer as alterações sutis tanto com a luz branca quanto com o auxílio da cromoscopia e magnificação, para que possamos mudar o curso dessa doença.

Figura 2: Evolução do câncer gástrico indiferenciado: as células cancerígenas se originam nas camadas mais profundas da mucosa e só depois invadem a superfície, dificultando o reconhecimento precoce.
Adaptado de Okada et al, 2011 e Monster et al; BBA, 2022.

Aspecto Endoscópico

Endoscopicamente, com a luz branca, a apresentação típica dos tumores indiferenciados é uma lesão plana de coloração pálida. Segundo Yao, isso se dá por causa da redução dos níveis de hemoglobina (YAO, 2000). Por outro lado, os tumores do tipo intestinal ou diferenciados aparecem com coloração mais avermelhada ou com a mesma cor da mucosa adjacente (KANESAKA, 2021).

Figura 3: Associação da cor da lesão com o tipo histológico.
Adaptado de KANESAKA et al,2021.

Em relação ao aspecto macroscópico, um estudo demonstrou que as lesões elevadas são mais comuns no adenocarcinoma bem diferenciado, as lesões planas mais comuns nos adenocarcinomas com células em anel de sinete e as lesões deprimidas mais comuns nos adenocarcinomas pouco diferenciados (JUNG,2013).

Figura 4: Associação do aspecto macroscópico com o tipo histológico.
Adaptado de JUNG et al,2013.
Fotos: Arquivo pessoal e ICESP.

Com o auxílio da cromoscopia e magnificação, a distinção dos tipos de câncer gástrico é baseada nas diferenças nos padrões de microsuperfície e microvascularização (Veja o post sobre MESDA-G Aqui).

No câncer gástrico tipo diferenciado, o padrão glandular (microsuperfície) geralmente está presente, sendo facilmente visível à cromoscopia. Porém, se o câncer evoluir, as glândulas podem desaparecer e somente os microvasos ficarem visíveis. Os vasos são do tipo poligonal ou em “loop-fechado”, com padrão vascular fino (“fine network pattern”).

No tipo indiferenciado/difuso geralmente apresenta com um padrão de microsuperfície ausente e padrão vascular em “loop-aberto”. Neste último, os capilares formam uma rede irregular e desordenada, com baixa densidade de vasos, com aspecto em “saca-rolhas” (“corkscrew pattern”).

Figura 5: Diferenças nos padrões glandular e vascular dos tumores diferenciados e indiferenciados. 
Adaptado de KANESAKA et al,2021.
Figura 6: Cromoscopia com magnificação do câncer gástrico difuso mostrando o padrão vascular em “saca-rolhas”.
Fotos: arquivo ICESP.

Após a detecção de uma lesão precoce suspeita para adenocarcinoma indiferenciado, é importante estabelecer os limites laterais usando tanto a luz branca quanto a magnificação endoscópica. Como muitas vezes isso é difícil, indica-se biópsias nos bordos da lesão antes de programar o tratamento endoscópico. A ressecção só deverá ser realizada quando as biópsias das margens vierem negativas para células neoplásicas.

Mensagem Final

Os tumores gástricos indiferenciados crescem a partir de camadas mais profundas da mucosa, sendo de difícil diagnóstico na fase precoce.

Quando suspeitar? Pacientes do gênero feminino, jovens, com estômago de aspecto normal e lesões planas e pálidas que apresentam microvasos em “saca-rolhas”. 

Resumo

  • Os tumores gástricos indiferenciados representam cerca de 30% dos adenocarcinomas no estômago
  • Apresenta pior prognóstico e maior chance de invasão linfonodal em comparação com o tipo intestinal
  • Acomete mais mulheres jovens
  • Pode estar associado a fatores hereditários (mutação do CDH1)
  • Endoscopicamente a apresentação típica é uma lesão plana de coloração pálida
  • À magnificação geralmente apresenta padrão glandular (microssuperfície) ausente e padrão vascular em “saca-rolhas”.

Referencias

  1. Ono H, Yao K, Fujishiro M, Oda I, Uedo N, Nimura S, Yahagi N, Iishi H, Oka M, Ajioka Y, Fujimoto K. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021 Jan;33(1):4-20. 
  2. Takizawa K, Ono H, Hasuike N, et al; Gastrointestinal Endoscopy Group (GIESG) and the Stomach Cancer Study Group (SCSG) of Japan Clinical Oncology Group. A nonrandomized, single-arm confirmatory trial of expanded endoscopic submucosal dissection indication for undifferentiated early gastric cancer: Japan Clinical Oncology Group study (JCOG1009/1010). Gastric Cancer. 2021 Mar;24(2):479-491.
  3. Okada K, Fujisaki J, Kasuga A, et al. Diagnosis of undifferentiated type early gastric cancers by magnification endoscopy with narrow-band imaging. J Gastroenterol Hepatol. 2011 Aug;26(8):1262-9.
  4. Monster JL, Kemp LJS, Gloerich M, van der Post RS. Diffuse gastric cancer: Emerging mechanisms of tumor initiation and progression. Biochim Biophys Acta Rev Cancer. 2022 May;1877(3):188719.
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  10. Kanesaka T, Nagahama T, Uedo N, Doyama H, Ueo T, Uchita K, Yoshida N, Takeda Y, Imamura K, Wada K, Ishikawa H, Yao K. Clinical predictors of histologic type of gastric cancer. Gastrointest Endosc. 2018 Apr;87(4):1014-1022.
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Renata Nobre
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Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo HCFMRP-USP
Especialização em Endoscopia Gastrointestinal HCFMUSP
Título de Especialista SOBED
Doutora em Gastroenterologia FMUSP
Médica Endoscopista do Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP), Hospital Nipo-Brasileiro e Fleury.


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