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Tratamento endoscópico da fístula pós Sleeve gástrico

por Ivan R B Orso
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Estudo retrospectivo publicado  na Endoscopy  (epub ahead of print) que  avaliou o tratamento endoscópico de  pacientes com fístula na linha de sutura com grampo após gastrectomia vertical (Sleeve), acompanhados em 7 centros Franceses.

A ocorrência de fístula após o Sleeve é uma complicação grave. Na série relatada ela foi associada a uma grande morbidade, e com mortalidade de 2,7%. Apesar desta complicação ocorrer em apenas 2 a 4% dos pacientes submetidos à Gastrectomia vertical, ela tem um impacto  significativo devido à combinação do aumento do número de cirurgias bariátricas, o longo tempo para recuperação (média de 113 dias nesta série (5 -1315 dias), e as múltiplas endoscopias necessárias para o tratamento (média de 4,7 por paciente).

 

Pacientes

Neste estudo foram incluídos 110 pacientes, sendo que 104 foram submetidos à procedimentos endoscópicos.

O tempo médio de ocorrência de fístula foi de 10 dias (1-803 dias) após a realização do sleeve, sendo que 45,4% ocorreram nos primeiros 7 dias (aguda 0-3 dias: 20,9%; precoce 4-7 dias: 24,5%; intermediária 8-42 dias: 38,2%; e tardia >42 dias: 16,4%). Entre os 110 pacientes, 44 (40%) apresentaram fístula com orifício considerado grande(>1 cm), e 95 (87,3%) foram submetidos à procedimentos de drenagem como primeiro tratamento (cirúrgica, endoscópica ou percutânea).

A primeira abordagem dos pacientes com fístula é geralmente cirúrgica, e foi realizada em 83 pacientes (75,5%).  Essa conduta permite irrigação e drenagem das coleções intra-abdominais, porém a sutura do orifício fistuloso é raramente possível devido à inflamação local. O tratamento subsequente envolve terapia intensiva, antibióticos, suporte nutricional, drenagem percutânea complementar e procedimentos endoscópicos.

No geral, 79,1% dos pacientes foram tratados com sucesso por tratamento medicamentoso e endoscópico, sem a necessidade de procedimento cirúrgico específico para a fístula. Entre estes pacientes 5,5 % apresentaram fechamento espontâneo (6 pacientes, todos com fístulas entre 1-3 mm) e 73,6% obtiveram fechamento da fístula após procedimentos endoscópicos.

Dezenove  pacientes (17,3%) necessitaram tratamento cirúrgico, incluindo gastrectomia total, transformação em bypass com Y de Roux, e derivação fístula-jejunal.

O sucesso do tratamento endoscópico se correlacionou com a duração do tratamento. Os pacientes apresentaram uma redução na chance de cicatrização com o atraso no início do tratamento endoscópico.  Nos primeiros 3 meses, 65,6% dos pacientes foram curados endoscopicamente, 28,1% por cirurgia e 1,6% espontaneamente. Essas taxas reduziram para 48,5%, 48,5% e 0%, respectivamente, com fístulas com 6 meses de duração, e para 41,7%, 50% e 0%, respectivamente, quando o tratamento durou 1 ano.

 

Técnicas Endoscópicas

Várias técnicas endoscópicas foram utilizadas para o fechamento das fístulas. As três mais utilizadas foram a colocação de próteses (totalmente e parcialmente recobertas), aplicação de clipes e aplicação de cola.

PRÓTESES

No estudo a colocação de prótese esofágica em ponte foi a técnica mais frequente  (177 próteses em 88 pacientes). Geralmente a prótese foi associada à outros procedimentos como irrigação, desbridamento, clipe ou aplicação de cola.

CLIPES

O uso de clipes para o fechamento de pequenas fístulas já é utilizado há bastante tempo. Mais recentemente a aplicação de clipes “over the scope” (OTSCs) foi proposta para essa indicação. No estudo clipes foram colocados em 45 pacientes durante 71 procedimentos. Quatorze pacientes foram tratados com OTSCs, 9 deles também receberam uma prótese metálica recoberta, e 2 associados à utilização de cola. A aplicação de OTSCs foi geralmente realizada como um procedimento final em fístulas pequenas. Dos 14 pacientes, 11 cicatrizaram com o tratamento endoscópico.

COLAS

Dois tipos de colas foram usadas para tratar 32 pacientes em 72 procedimentos: cola de fibrina (Beriplas e Tissucol, 22 pacientes, 46 procedimentos) e colas acrílicas inabsorvíveis biocompatíveis (Glubran e Ifabond: 12 pacientes, 26 procedimentos).

DRENAGEM ENDOSCÓPICA

Outras técnicas aplicadas incluiram drenagem endoscópica com duplo pig-tail e cateter naso-cavitário. Trinta pacientes foram tratados com drenagem endoscópica em 51 procedimentos.

PLUGUE (MATRIZ ACELULAR FIBROGÊNICA)

Dez pacientes foram tratados com plugue (9,1%) em associação com próteses metálicas recobertas.

 

A estratégia mais comum foi a colocação de prótese recoberta (80% dos casos) após drenagem efetiva da fístula (83,6%). A aplicação de clipes e cola foram usadas geralmente em fístulas pequenas, presentes no começo do tratamento. No caso de coleções não drenadas, a realização de drenagem percutânea, endoscópica ou cirúrgica é mandatória.

 

Complicações

A morbidade da endoscopia intervencionista neste estudo foi exclusivamente devida à colocação de próteses. As complicações observadas foram: migração, ulceração na borda da prótese, perfuração e encarceramento (crescimento de tecido sobre a malha dificultando a remoção).

A migração intragástrica foi a complicação mais frequente e ocorreu em 42,9% dos pacientes. Tendo sido mais comum nos pacientes com próteses totalmente recobertas. Já o encarceramento foi mais frequente nas próteses parcialmente recobertas. Um paciente morreu devido à perfuração duodenal após a migração da prótese.  Quando próteses parcialmente recobertas são colocadas a remoção não deve exceder 2-3 semanas, caso contrário o encarceramento é inevitável.

Nesta série os pacientes com fistula apresentaram uma perda do excesso de peso estatisticamente maior do que a esperada quando comparada com o sleeve não complicado. Aos 6 meses a perda foi de 64,2% vs. 49% (p 0,001) e aos 12 meses 89,35% vs. 59,5% (p 0,001). Estes pacientes apresentam um risco aumentado de desnutrição com complicações infecciosas e deficiências vitamínicas.

 

Fatores de bom prognóstico no tratamento Endoscópico

Na análise multivariada, o sucesso no tratamento endoscópico foi associado à ausência de banda gástrica prévia (p=0,04), fístulas pequenas < 1 cm (p=0,01), intervalo entre a cirurgia e a fístula menor ou igual à 3 dias (p=0,01) e um intervalo entre o diagnóstico da fístula e a primeira terapêutica endoscópica menor que 21 dias (p=0,003).

 

Conclusão

  • A endoscopia intervencionista foi efetiva no tratamento da fístula em 73,6% dos pacientes.
  • Drenagem da coleção e colocação de prótese é o tratamento mais comum, porém associado à alta morbidade.
  • Realização de endoscopia precoce (antes de 21 dias aumenta a chance de sucesso).
  • A eficácia do tratamento endoscópico é maior nos primeiros 6 meses de tratamento. Após 6 meses o tratamento cirúrgico deve ser considerado.

Referência

Christophorou D, Valats JC, Funakoshi N, Duflos C, Picot MC, Vedrenne B, et at. Endoscopic treatment of fistula after sleeve gastrectomy: results of a multicenter retrospective study. Endoscopy 2015. DOI: 10.1055/s-0034-1392262

 

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Doutor em Ciências em Gastroenterologia pela USP
Especialista em Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica da Gastroclínica Cascavel e do Hospital São Lucas FAG
Coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral e Professor de Gastroenterologia da Escola de Medicina da Faculdade Assis Gurgacz


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9 Comentários

Guilherme Falcão 29/10/2015 - 9:56 am

Bom dia.
Eu já tratei , 8 fistulas pós- Sleev em ângulo de hiss.
2 agudas e 6 crônicas .
As agudas , só posicionei PMAE, uma parcialmente recoberta.
As crônicas , 5 com PMAE totalmente recoberta associada com surgisis. Uma com dilatação da semiestenose na transição entre corpo e antro .
Todas as fistulas agudas fecharam.
Obtive sucesso no fechamento de 5 das 6 fistulas crônicas .
A que não fechou , foi tratada com prótese , e atualmente estou indo para segunda sessão de dilatação .
Penso que o tratamento de fistulas com prótese seja o mais eficaz, mas o problema é que as próteses totalmente recobertas , que são as mais indicadas por causa da dificuldade da remoção das parcialmente recobertas , migram com grande facilidade, mesmo eu colocando clipes na extremidade próximal da mesma.
Quando usei a PMAE parcialmente recoberta ,obviamente não observei este problema , mas , como esperado, a remoção foi mais complicada . Apesar de não ter ocorrido complicações , fiquei receioso de trabalhas com este modelo novamente .
Na literatura , encontramos relato da técnica de posicionamento de uma segunda prótese no interior da PMAE parcialmente recoberta já presente , assim , a remoção das duas com intervalo de uma semana , seria menos difícil . Mas não tenho experiência com está técnica , e nunca vi nenhum colega conhecido fazer isso .
Uma segunda dúvida : Além das PMAE que já posicione para ttto de fístula , com freqüência posiciono PMAE para tratamento de tumores esofágicos e de cárdia ( acho que tenho uns 22 a 25 casos), e sempre foram PMAE da Boston .
Segundo a literatura , as PMAE da cook possuem uma força radial menos intensa.
Então , será que estas não seriam mais propícias para ttto de fístula pós Sleev ?
Pois , teoricamente , são PMAE de mais fácil remoção . Aí , posicionando as parcialmente recobertas, não teríamos problemas com migração , e a remoção seria menos traumática .
Alguém tem experiência com este material?
Segundo: ouvi que a hanaro está tratando uma prótese específica para o ttto de fístula em Sleev . Já chegou ao Brasil ?

Ivan R B Orso 13/08/2015 - 11:55 am

Galvão, obrigado pela contribuição. Estamos ansiosos pelos resultados do seu trabalho. Abraço.

Galvao 12/08/2015 - 12:53 pm

Tenho minhas reservad com o Ovesco e suutira endoscopica osolados para a Fistula Tardia e Crinica da Gastrectomia Vertical….
O Ovesco foi desenhado para aplicacao perpendicular ao defeito que se quer fechar e na fistula de angulo de ahis ele sempre vai ser aplicado em posicao obliqua, vai ocupar espaço na luz e por consequencia aunentar a pressap…. Ja a sutura endoscopica mecrras uma pergunta, ” se a sutura da fistula por laparoscopa ou laparotomia nao funciona pq a sutura endoscopica vai funcionar”?. Alem do que os doi nao tratam os fatores causais de desvio de eixo e aumento de pressao intralumenal….
Para fistulas agudas e precoce estou com o Bruno e usamos proteses desde wue as Bariatricas… No Brasil temos as Argentinas e agora as Coreanas
Mas Fistulas Tardias e Cronicas usamos Septomia ( com argonio ou needle-knofe) sempre associado a dilatacao pneumatica para promoçao de drrenagem interna como bem descreve o artigo do Baretta e tambem no artigo de tratamento endoscopico de fistula Gastro-Bronquica do Josemberg nos quais tivemos oportunidade de participar….
Na minha tesecde doutorado estamos ja com mais de 100 caso desses em processo de analise….

Sergio Barrichello 11/08/2015 - 11:52 pm

Legal Ivan! Excelente abordagem Giorgio ! O seu artigo foi ótimo parabéns! Dr. Bruno Martins, sou teu fã!
Esse clip é demais!!!! Alguém tem acesso p compra aqui no Brasil??

Abraços e parabéns pelo trabalho

Ivan R B Orso 11/08/2015 - 9:10 pm

Salles, “OTSC” quer dizer Over The Scope Clip. Veja o link.

http://www.ovesco.com/

Felipe Paludo Salles 11/08/2015 - 11:52 am

Ivan, o que seriam estes clipes ” OTSC ” ?

Bruno Martins 11/08/2015 - 8:49 am

Sou fã das proteses e acho q elas dão uma segurança tremenda nesses casos. Não usaria em hipótese alguma uma protese parcialmente recoberta. Existem varios relatos de dificuldade de remoção, perfuração e hemorragia. Ele relata também um caso de perfuração duodenal. Isso pode ter ocorrido por 3 razões: 1. Uso de protese inadequada. 2. Posicionou a protese transporica. 3. Baita azar, pois nunca vi/ouvi caso assim.
Concluindo, e aqui vai uma opinião pessoal: se não tiver material adequado (hj existem proteses dedicadas para tratamento das fistulas) e se não tiver segurança de executar o procedimento, melhor não fazer. Não existe evidencia na literatura de que o tratamento endoscopico seja melhor que não fazer nada.

Ivan R B Orso 10/08/2015 - 10:00 pm

Olá Giorgio, obrigado pela contribuição. Neste artigo os autores não comentam sobre a associação das fístulas com fatores que levam ao aumento da pressão no pouch. Geralmente as fístulas pós gastrectomia vertical estão associadas a um sleeve muito estreito, estenose na altura da incisura angularis ou desvio de eixo. Acredito que a redução na pressão distal com próteses mais longas ou com a dilatação pneumática são fundamentais para o sucesso no tratamento. Clipes, cola e plugs, no artigo, foram utilizados em fístulas pequenas ou em associação com as próteses metálicas recobertas. Eles ressaltaram a aplicação dos “novos” clipes OTSC para pequenos orifícios, mas ainda não temos esse dispositivo disponível aqui. Conheço o artigo que você publicou e acredito que a dilatação associada à septotomia é a melhor opção para fístulas crônicas de grande diâmetro. Abraço.

Giorgio Baretta 10/08/2015 - 12:15 pm

Parabéns Ivan pelo artigo. Publicamos este ano na Surgical Endoscopy o tratamento proposto de drenagem endoscópica interna para estas fístulas crônicas (mais de 30 dias de PO) nos Sleeve. Acredito que cola e clipes não funcionam bem nestes casos, prótese apenas para casos agudos. Se for crônico e o paciente estiver drenado, vale a pena tentar este tratamento com dilatação pneumática da incisara angularis com balão Rigiflex (acalásia) para correção do eixo do estômago e abrir o septo com argônio comunicando a cavidade abscedada da fístula com o lúmen do pouca gástrico.

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