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Comparação de insuflação com dióxido de carbono e ar em endoscopia e colonoscopia: ensaio clínico prospectivo, duplo cego, randomizado

por Flávio Ferreira
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A endoscopia terapêutica tem se tornado cada vez mais invasiva, realizando procedimentos que muito se assemelham a cirurgias, por sua complexidade, dificuldade técnica, tempo de execução e possibilidade de complicações como hemorragia e perfuração. Os endoscopistas ou centros médicos que realizam procedimentos mais complexos como dissecção endoscópica da submucosa e miotomia endoscópica peroral tem utilizado com maior frequência insufladores de CO2, reduzindo desconforto e impacto de possíveis complicações, principalmente perfurações do trato gastrointestinal.

A maioria dos endoscopistas no entanto não realizam estes procedimentos mais complexos e portanto não possuem interesse ou conhecimento sobre os benefícios da insuflação de CO2 em outros procedimentos mais habituais como endoscopia digestiva alta, colonoscopia e CPRE.

Neste estudo os autores realizaram um ensaio clínico prospectivo, randomizado, duplo-cego, em centro único, comparando a utilização de métodos convencionais de insuflação (ar) vs insuflação com CO2 em pacientes submetidos a endoscopia e colonoscopia realizadas em sequência, durante a mesma sedação (endoscopia + colonoscopia).

Métodos

Foram selecionados inicialmente 215 pacientes, os quais foram alocados aleatoriamente através de software específico em dois grupos por pesquisador não relacionado com a pesquisa. Foram excluídos do estudo pacientes com DPOC, insuficiência cardíaca com dispnéia, cirurgia de ressecção colônica e uso crônico de analgésicos/AINES nos últimos 6 meses.

Os pacientes e médicos/enfermeiros que realizaram o exame ou prestaram assistência após o termino do procedimento não foram informados sobre o tipo de gás utilizado para insuflação. Todos os procedimentos foram realizados por um único especialista ou por um único médico em treinamento (ao todo 5 especialistas e três fellow). Inicialmente foi realizada endoscopia, seguida de colonoscopia, sob sedação moderada (midazolam + propofol). Pólipos menores que 5mm foram removidos através de pinça de biópsia e pólipos maiores através de mucosectomia.

Foi avaliada a escala visual analógica de dor (EVA) 1,3,6 e 24h após o procedimento, além de variáveis como distensão abdominal, dose de sedativos utilizada, taxa de detecção de pólipos e adenomas, efeitos adversos e solicitação de analgesia pelos pacientes durante recuperação pós-exame.

Resultados:

Foram avaliados 215 pacientes, sendo excluídos 3 por preparo inadequado e 4 por colonoscopia incompleta por neoplasia. Os 208 restantes foram divididos aleatoriamente em um grupo submetido aos exames com insuflação de CO2 e outro com ar ambiente (104 em cada grupo). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação a dados demográficos, indicação do exame, tipo de preparo de cólon, tempo total de procedimento e tempo de cada procedimento isoladamente (endoscopia e colonoscopia, incluindo entubação cecal e tempo de retirada de aparelho).

Dor abdominal após exame:

Em todos os períodos avaliados, o grupo de pacientes que realizou exames com CO2 teve menor queixa de dor de acordo com a EVA. É importante ressaltar que o momento de maior intensidade álgica foi 1h após o exame, onde o grupo de CO2 teve menor pontuação na escala (13.8 ± 15.5) em comparação ao grupo de insuflação com ar (20.1 ± 19.6), com significância estatística (p=0,01).

O gráfico representa o período no qual os pacientes relataram não sentir absolutamente nenhuma dor, sendo evidência diferença estatisticamente significativa (38.5% vs 24.0%, p=0.025), no momento de pico de dor (1h após o procedimento). Enquanto a significância clínica da diferença entre as escalas de dor 1h após o procedimento (6,8 pontos na escala de dor) possa ser alvo de debate, houve uma diferença de 14,5% de pacientes sem queixa de dor após o exame, favorecendo o grupo de CO2.

Houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, com menor distensão abdominal para o grupo com insuflação de CO2 (1cm vs 2,3cm, p=0,004) embora a avaliação desta distensão tenha sido feita de maneira indireta através da medida da circunferência abdominal. Não foi observada diferença significativa entre a taxa de detecção de pólipos, taxa de detecção de adenomas, quantidade de sedativo utilizado e efeitos adversos no grupo de insuflação de CO2 e ar, respectivamente (26.0% vs 27.9% e 20.2% vs 25.0).

A porcentagem de pacientes que solicitaram analgesia foi menor no grupo de CO2 (2.9% vs 6.7%) no entanto esta diferença não foi estatisticamente significante.

CO2 Ar
Midazolam (mg) 2,4 ±1,4 2,8 ± 1,3
Propofol (mg) 200,6 ±103,6 197,8 ± 78,5
Média ± desvio padrão

 

Como citado previamente, não houve diferença significativa nas doses de sedativo utilizado e as doses utilizadas não devem ter influenciado de maneira considerável as escalas de dor.

Trata-se de trabalho interessante, bem desenhado que levou em consideração cálculo de amostra para chegar ao número de pacientes avaliados, duplo cego, randomizado corroborando de maneira clara pontos avaliados em outros estudos, principalmente a nítida vantagem na utilização de insuflação de CO2, obtendo-se menor queixa de dor (maior porcentagem de pacientes que não sentiram dor alguma) e menor intensidade de dor na escala visual analógica.

 

Opinião:

Quais seriam as implicações práticas destas vantagens do uso de CO2 para o endoscopista que não realiza exames intervencionistas mais invasivos como POEM e ESD?

Sabemos que os convênios não repassam valores adicionais baseados nos equipamentos que utilizamos desde uma torre com imagem HD até um insuflador de CO2. Este estudo demonstra que os principais indicativos de qualidade de exame não foram afetados como a taxa de detecção de pólipos e taxa de detecção de adenomas, taxa de entubação cecal, tempo de exame. A maior vantagem esteve relacionada a uma variável que está relacionada diretamente à satisfação do paciente (dor) e não a qualidade, segurança ou eficácia do exame.

Investimos muito em aquisição e manutenção de aparelhos, acessórios melhores, recepção confortável, sistemas de TV e vários outros. Não recebemos nenhum pagamento adicional por isso mas mesmo assim fazemos estes investimentos porque o paciente recebe melhor assistência, tem maior satisfação e trabalhamos com mais segurança, com maior tranquilidade. Admito que ainda não tenho o equipamento, mas a ideia de adquirir um está cada vez mais frequente.

Se alguém utiliza o CO2 na rotina diária traga a sua experiência para a discussão.

 

 

Artigo original:

Comparison of carbon dioxide and air insufflation during consecutive esophagogastroduodenoscopy and colonoscopy in moderate sedation patients: a prospective double-blind randomized controlled trial. Publicado na Gastrointestinal endoscopy: junho de 2017 (Epub 2016)

Flávio Ferreira
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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED);
Especialização em Endoscopia Digestiva na Universidade de São Paulo (USP);
Mestrado em Cirurgia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
Médico endoscopista da NeoGastro (PE);
Coordenador do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Otávio de Freitas (PE)


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1 Comentário

Thiago Vilaca 11/07/2017 - 9:36 pm

Muito bom!

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