O rastreamento com colonoscopia reduz a incidência e a mortalidade decorrentes do câncer colorretal (CCR), pois permite o diagnóstico e a remoção de lesões neoplásicas precoces.
Entretanto a qualidade do exame de colonoscopia, e a subsequente taxa de detecção de adenomas (TDA), varia entre endoscopistas.
Quanto menor a TDA de um endoscopista, maior a chance de seu paciente apresentar um câncer de intervalo, que é o câncer detectado após colonsocopia, porém anteriormente à realização do próximo exame de rastreamento.
Medidas de intervenção no sentido de aumentar a TDA tem recebido especial interesse da comunidade científica.
Recente revisão sistemática avaliou medidas como aumento do tempo de retirada, aprimoramento na retirada segmentar, e fornecimento de feedback na melhora de qualidade. A conclusão foi que as intervenções existentes atualmente tem sido geralmente inefetivas ou inconsistentes na melhora da detecção de lesões pré-malignas.
Na sistema de saúde americano, a divulgação pública dos resultados de cada médico individualmentte tem sido utilizada em diversas áreas como na cardiologia e na cirurgia cardíaca desde 1997.
OBJETIVO
Avaliar se a implantação da divulgação pública do índice de qualidade de cada médico endoscopista na realização de colonoscopia tem impacto na taxa de detecção de adenomas.
METODOLOGIA
Estudo restropectivo realizado em centro único: Quality Quest for Health of Illinois, EUA.
O time de médicos composto por gastroenterologistas, patologistas e cirurgiões criaram o índice de qualidade na realização da colonoscopia, que leva em conta os seguintes parâmetros:
- tempo e intervalo para realização da colonsocopia;
- complicações maiores relacionadas ao exame e relato do risco do paciente;
- relato da qualidade do preparo do cólon;
- realização de exame completo com documentação apropriada de imagens;
- fornecimento de informações completas ao patologista quando espécimes foram enviados para análise;
- tempo de retirada e exame do cólon;
- recomendação apropriada para intervalo de novo exame de colonscopia.
Esse índice para cada médico pode ser acessado clicando neste link.
O centro de endoscopia apresentava aparelhos de colonoscopia de alta definição, e os exame foram realizados por 9 médicos endoscopistas.
RESULTADOS
Um total de 17.526 colonoscopias, realizadas entre julho de 2009 e maio de 2013, foram incluídas no estudo.
Com relação às características dos pacientes, observou-se no grupo pós-divulgação pública:
- maior porcentagem de pacientes na faixa etária entre 50 e 59 anos (37.3 vs 31.7%, p < 0.001);
- maior porcentagem de colonoscopias de rastreamento (40 vs 28%, p < 0.001);
- maior taxa de preparo adequado do cólon (95.9 vs 93.5%, p < 0.001)
Com relação ao exame de colonsocopia, observou-se no grupo pós-divulgação pública:
- maior TDA (39.2 vs 34.3%, aumento de 4.9%, p < 0.001); (Figura 1)
- a diferença na TDA foi ainda maior nas colonoscopias de rastreamento (40.4 vs 32.6%, aumento de 7.8%, p < 0.001);
- o aumento da detecção de lesões no cólon direito foi mais significativo (5.1%, p < 0.01) em relação ao cólon esquerdo (2.1%, p < 0.01).
Oito dos nove endoscopistas apresentaram aumento de suas TDA após a divulgação pública dos resultados (variação de -2.7 to 10.5%).
DISCUSSÃO
A divulgação pública como uma intervenção para melhora na qualidade é algo novo na gastroenterologia, apesar de ser largamente utilizada em outras áreas do sistema de saúde americano.
A divulgação pública dos índices de qualidade na realização da colonsocopia de cada um dos médicos produziu aumento da TDA (aumento relativo de 14%) no exame global de colonoscopia.
A pincipal limitação deste estudo é o fato de ser não comparativo, o que impede a determinação do quanto esse aumento na TDA esteja realmente associado à iniciativa da divulgação pública dos resultados.
Três teorias são aventadas para a melhora na qualidade relacionada à divulgação pública dos resultados: teroria da seleção, teoria da mudança e teoria da reputação.
Na teoria da seleção, os médicos que fornecem dados com poucas informações e baixa qualidade são motivados a melhorarem seus relatórios devido à preocupação de perderem seu volume de pacientes.
Na teoria da mudança, a simples identificação de deficiências motiva os médicos a mudarem suas condutas usuais, não importando se o feedback é indidual ou público.
Na teoria da reputação, os médicos são motivados pela preocupação acerca da diminuição de sua reputação entre os colegas e também acerca da opinião negativa entre pacientes.
Essas teorias não são mutuamente excludentes. Entretanto, postula-se que a teoria da reputação seja a mais válida, visto que a divulgação pública dos resultados produziu melhores desfechos quando comparada com outros trabalhos na literatura que utilizaram apenas feedbacks privados.
ANÁLISE
Este artigo foi publicado neste mês de outubro na Gastrointestinal Endoscopy (link abaixo).
Apesar de ser um estudo retrospectivo e não comparativo, e dessa forma não se pode excluir que estes resultados possam ser apenas devido à uma melhora na documentação e relato do exame, já que os dados foram fornecidos em sua maior parte pelos próprios médicos, é plausível acreditar que a divulgação pública dos resultados tenha de fato estimulado a maioria dos médicos a aumentar a qualidade do seu exame.
Obviamente para que as medidas de qualidade tenham impacto na rotina médica é necessário que os médicos se sintam motivados a mudar seus comportamentos e rotinas, e para isso é importante que aceitem e, mais que isso, que acreditem que esse conjunto de medidas sirva para melhora no atendimento dos pacientes.
Referência e link do estudo:
Advanced Endoscopy Fellowship na Cleveland Clinic, Ohio, EUA.
Doutorado em Gastroenterologia pela FMUSP.
Mestrado na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM.
Membro titular da SOBED e FBG.
10 Comentários
Quem faz errado não somos nós e sim os pacientes …. hehe
Não sei o que vcs fazem de errado, mas é difícil eu pegar um preparo ruim com Manitol!!!!
José, não acredito que seja o manitol não. Acho q a maioria dos preparos ficam ruins, pois os pacientes não seguem as orientações, principalmente a dieta pré-exame. O manitol é o mais usado em nosso meio e com uma segurança e efetividade enorme quanto ao preparo colônico. Há trabalhos nacionais que comparam manitol com outros tipos de preparo e os resultados são semelhantes.
Concordo que as agendas lotadas e o aspecto financeiro atrapalham muito a qualidade dos exames. Mas continuo com a idéia de que os preparos ainda são inadequados, ao menos nos serviços onde trabalho. Não sei se é por causa do nível socioeconômico de nossa população que tem dificuldades para entender as orientações ou se é por causa do uso do manitol como preparo. Alguém tem experiência com outra substância para o preparo de cólon que não seja o manitol ?
José Alves, o trabalho não faz uma descrição detalhada sobre o preparo do cólon utilizado.
Comenta apenas que no esforço para melhorar o preparo do cólon, houve mudança para preparo com dose repartida.
Para mim não ficou muito claro quando essa mudança foi iniciada, mas suponho que tenha sido em conjunto com as medidas para melhora da qualidade na realização dos exames.
Bruno Medrado, particularmente sou a favor desse tipo de iniciativa e acho que pode gerar um maior comprometimento para o atendimento do paciente.
Entretanto essa iniciativa de divulgação pública de resultados é muito recente, mesmo nos EUA. Ainda não consigo imaginar essa implantação no Brasil num cenário próximo. De qualquer forma vale a discussão acerca de um assunto importante que é a tentativa de oferecer um exame de melhor qualidade aos pacientes.
Sobre a última pergunta, acredito que a heterogeneidade de serviços, e isso engloba desde a logística dos agendamentos à estrutura oferecida para o exame, ficaria evidente através dos índices de qualidade reportados.
Concordo com o José e com o Henrique. Primeiro acho que o preparo de cólon no Brasil não é ruim por causa do manitol mas sim por falta de orientação adequado dos pacientes e da falta de compromisso destes ao fazerem os exames. Se tivessem que pagar pelos custos dos exames quando da repetição dos mesmos por um preparo inadequado com certeza a realidade seria outra. Quanto a parte financeira concordo também que agendas lotadas são um grande problema não apenas na colonoscopia. Tudo isto é reflexo de um sistema que não remunera os serviços para que possam ter qualidade e da falta de um reconhecimento daqueles que fazem da forma correta. Na semana que vem vou resumir um artigo feito na Áustria sobre qualidade em colonoscopia. A sociedade austríaca instituiu um certificado de qualidade aos serviços e aos endoscopistas que seguem os padrões de qualidade estabelecidos pela mesma. Talvez fosse um caminho para diferenciar aqueles que fazem o certo da forma certa.
Preciso discordar do Jose Alves. O preparo de cólon no Brasil com manitol é muito melhor que o preparo nos EUA e Europa onde o manitol é proibido. O que limita a qualidade no nosso meio é a agenda lotada e a mania de querer fazer o exame em 5 min para ganhar no volume de exames.
Muito bom o post pois mostra que não basta apenas investir em tecnologia e novos aparelhos se o endoscopista não investir tempo e dedicação durante o seu exame. Existe no trabalho algum descrição de qual preparo de cólon foi utilizado e qual seria o melhor a ser recomendado? Pois acredito que o preparo do cólon em nosso meio é o maior limitante para um bom diagnóstico durante a colonoscopia.
Matheus, excelente escolha de artigo. Venho acompanhamento algumas publicações que abordam a tática de compilar e reportar as taxas de detecção de adenomas individuais e realmente acredito que isso possa levar a melhorias. Como você percebe essa tipo de abordagem no Brasil? Acha que seria compreendida e levaria a melhorias práticas? Seria importante considerar a heterogeneidade das estruturas de serviço e qualidade dos aparelho nas taxas de detecção?