A transição esofagogástrica (TEG) é a área anatômica onde o esôfago distal se junta ao estômago proximal. Em condições normais, está localizado ao nível da crura diafragmática. A localização da TEG, entretanto, não é estática e se move vários centímetros durante a deglutição e a respiração. Durante a deglutição, o músculo liso longitudinal do esôfago se contrai, o que encurta o esôfago, resultando em uma hérnia fisiológica. A TEG é posteriormente devolvida à sua localização original por estruturas elásticas de suporte, especialmente pela membrana frenoesofágica. Quando a TEG juntamente com o esfíncter esofágico inferior (EEI) e a cárdia estão permanentemente deslocadas para cima (intratorácica) através do hiato diafragmático, uma hérnia de hiato está presente.1 Comumente um deslizamento de 2 cm é o padrão adotado para esse diagnóstico, apesar da ausência de consenso.
Estudos demonstraram que uma hérnia de hiato prejudica a pressão do EEI e a função esfincteriana do diafragma.2 A presença e o comprimento axial de uma hérnia de hiato também demonstraram estar correlacionados com a gravidade do refluxo gastroesofágico.3 Devido a mudanças fisiológicas (deglutição e respiração) nessa região a mensuração da hérnia pode ser difícil, apresentando baixa a concordância interobservadores4, dessa forma outra opção para essa avaliação é a classificação de Hill.
Em 1996 Hill et al avaliou através de modelos in vitro e in vivo a relação da válvula mucosa da entrada do esôfago no estômago com a doença do refluxo. Os indivíduos sadios tinham uma prega proeminente de tecido que se estendia de 3 a 4 cm ao longo da pequena curvatura e abraçava firmemente o endoscópio. Esse aspecto foi progressivamente diminuído tornando-se ausentes em pacientes com refluxo.5
A inspeção da válvula em indivíduos controle e indivíduos com refluxo permitiu um sistema de classificação de Graus I a IV, conforme segue abaixo:6
Hill Grau I: uma prega proeminente de tecido ao longo da pequena curvatura junto ao endoscópio.
Hill Grau II: a prega é menos proeminente e há períodos de abertura e fechamento rápido ao redor do endoscópio.
Hill Grau III: a prega não é proeminente e o endoscópio não está firmemente preso a parede.
Hill Grau IV: não há prega e o lúmen do esôfago está aberto, muitas vezes permitindo que o epitélio escamoso seja visualizado por baixo. Uma hérnia de hiato está sempre presente.
Com relação aos achados endoscópicos e tratamento clínico, um estudo de 2023 com 922 pacientes em um seguimento de 6 anos, demonstrou que os paciente Hill graus III e IV estavam significativamente associados a esofagite e a necessidade de prescrição de inibidor de bomba de prótons (IBP) >2 vezes nesse período, sendo que os pacientes Hill grau IV apresentavam também maior associação com esôfago de Barret, queimação retroesternal e necessidade de nova endoscopia. Paciente graus II e III apresentavam mais esofagite comparado com o grau I, além disso com a elevação do grau na classificação de Hill, foi observado um aumento das queixas de queimação retroesternal. Entretanto as diferenças na prática clínica entre os pacientes Hill I e II não foram tão importantes.7
Em outro estudo com 150 pacientes consecutivos com refluxo, foi demonstrado que alterações da classificação de Hill (graus III e IV) são fatores preditivos significantes e independentes para baixa resposta ao tratamento com IBP. Além disso as phmetrias de 24h confirmaram maior refluxo nesses grupos.8
Segundo a ASGE os indivíduos com classificação I e II podem ser submetidos a procedimentos endoscópicos para correção de refluxo, enquanto nos graus III e IV deve ser optada pela via cirúrgica, visto a necessidade de correção do hiato nesses casos.9
Dessa forma a classificação de Hill é um importante mecanismo na avaliação endoscópica dos pacientes com suspeita de refluxo, sendo demonstrado aparente e discreta maior relação desta classificação, em comparação com medição axial da hérnia hiatal, na avaliação da barreira mecânica antirrefluxo da transição esofagogástrica.6
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Referênicas:
- Kahrilas PJ, Kim HC, Pandolfino JE. Approaches to the diagnosis and grading of hiatal hernia. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2008; 22: 601–616
- Kahrilas PJ, Shi G, Manka M et al. Increased frequency of transient lower esophageal sphincter relaxation induced by gastric distention in reflux patients with hiatal hernia. Gastroenterology 2000; 118: 688– 695
- Sgouros S, Mpakos D, Rodias M et al. Prevalence and axial length of hiatus hernia in patients, with nonerosive reflux disease: a prospective study. J Clin Gastroenterol 2007; 41: 814
- Guda N, Partington S, Vakil NB. Inter- and intra-observer variability in the measurement of length at endoscopy: Implications for the measurement of Barrett’s esophagus. Gastrointest Endosc 2004; 59: 655–658
- Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJM et al. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc 1996; 44: 541–547
- Hansdotter I, Björ O, Andreasson A, et al. Hill classification is superior to the axial length of a hiatal hernia for assessment of the mechanical anti-reflux barrier at the gastroesophageal junction. Endosc Int Open. 2016 Mar;4(3):E311-7. doi: 10.1055/s-0042-101021. Epub 2016 Feb 10. PMID: 27004249; PMCID: PMC4798936.
- Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJ, et al. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc. 1996 Nov;44(5):541-7. doi: 10.1016/s0016-5107(96)70006-8. PMID: 8934159.
- Cheong JH, Kim GH, Lee BE, et al. Endoscopic grading of gastroesophageal flap valve helps predict proton pump inhibitor response in patients with gastroesophageal reflux disease. Scand J Gastroenterol. 2011 Jul;46(7-8):789-96. doi: 10.3109/00365521.2011.579154. Epub 2011 May 26. PMID: 21615222.
- https://www.youtube.com/watch?v=TgVqKGXxz2U
Como citar este artigo
Oliveira JF. Você sabe avaliar o hiato diafragmático? Classificação de Hill. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol. II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/voce-sabe-avaliar-o-hiato-diafragmatico-classificacao-de-hill/
Endoscopista no Hospital Vila Nova Star, Hospital Nipo-Brasileiro, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Alta Excelência Diagnóstica e Clínica do Aparelho Digestivo.
Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Especialização em Endoscopia Oncológica no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP.
Residência médica em Endoscopia Gastrointestinal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.