A captura eletrônica de imagens facilitou bastante o registro dos exames endoscópicos sem aumentar o custo do procedimento. Registrar uma ou 100 fotos não influencia quase nada no custo do exame, mas pode influenciar bastante na qualidade do laudo e na decisão terapêutica do paciente.
Apesar da endoscopia digestiva alta ser o procedimento mais realizado no trato gastrointestinal, o número de imagens e locais a serem registrados no esôfago, estômago e duodeno não são padronizados e variam bastante no mundo todo. Não existe nenhum guideline amplamente aceito e utilizado.
Neste artigo vamos abordar as recomendações existentes até agora e tentar organizar um pouco as informações para você poder melhorar a sua prática.
Dicas para uma foto de qualidade
Uma boa foto começa com um bom preparo. Não adianta tirar várias imagens durante o exame se as fotos não forem nítidas e não permitirem uma boa avaliação da mucosa. Imagens de qualidade devem ser livres de saliva, bolhas e resíduos.
Lembrar-se de sempre utilizar o botão freeze antes de capturar a imagem para confirmar se está nítida antes da captura definitiva!
Para preparar o estômago e se livrar do muco e das bolhas, os japoneses costumam utilizar Pronase, que é um potente mucolítico. Como não temos Pronase disponível em nosso mercado uma opção é a combinação de 100-200 mg de simeticona associada à 500-600 mg de N-acetilcisteína diluídos em 100 ml de água e administrados 20 minutos antes do exame. Esta medida melhora significativamente a visibilidade da mucosa do trato digestivo alto quando comparado com apenas água1.
Outra dica importante é a insuflação. As imagens devem ser capturadas com o órgão com distensão moderada, facilitando a visualização de lesões2.
O que existe na literatura sobre a documentação fotográfica do exame normal?
A sociedade europeia (ESGE) publicou em 2001 um artigo sugerindo princípios gerais para o registro de imagens do exame normal. As imagens deveriam mostrar os principais pontos anatômicos, documentar a extensão do exame e indicar a qualidade do preparo e a visibilidade da mucosa2.
Para isso recomendaram a captura de 8 imagens para registro do exame normal: esôfago superior, transição esofagogástrica, cárdia e fundo, corpo, incisura, antro, bulbo e segunda porção duodenal (figura 1).
Em 2016, uma nova publicação da ESGE recomendou aumentar o número de imagens a serem capturadas para registrar o exame normal de oito para pelo menos dez. As imagens recomendadas incluem um fato do duodeno, papila maior, antro, incisura, corpo, retrovisão do fundo, cárdia, transição esofagogástrica e esôfago distal e proximal. Também recomendam incluir imagens de todos os achados anormais mencionados no laudo3.
O professor Yao em 2013 publicou um método chamado de Systematic Screening of the Stomach (SSS)4. Este método recomenda a captura de 22 imagens e é utilizado para documentar exclusivamente o estômago, não incluindo o esôfago, transição esofagogástrica e duodeno. O mesmo artigo contém ainda recomendações para uso de cromoscopia e magnificação de imagem na avaliação gástrica. Apesar disso, alguns centros de referência no Japão recomendam um número ainda maior de imagens, no mínimo 40 para uma avaliação adequada do estômago1.
O SSS deve ser iniciado quando se chega ao antro gástrico. São capturadas imagens dos quatro quadrantes do antro, corpo médio e corpo alto. Depois em retrovisão se captura imagnes dos quatro quadrantes do fundo e cárdia, e 3 quadrantes do corpo médio e incisura (figura 2) 4.
Recentemente, em 2020, a World Endoscopy Organization publicou na Digestive Endoscopy uma nova recomendação de avaliação sistematizada e documentação fotográfica incluindo 28 imagens para o exame normal (figura 3 e tabela 1). No caso de achados alterados esse número de imagens pode ser aumentado. Esta recomendação é bem mais ampla do que as anteriores e inclui todos os segmentos do trato digestivo alto além de incluir uma imagem da laringe1.
Apesar de não existirem dados conclusivos comprovando que a fotodocumentação de todas as áreas anatômicas irá melhorar o diagnóstico e resultado clínico dos pacientes, as vantagens de um registro completo não podem ser minimizadas.
O exame sistematizado pode reduzir o risco de não visualizar lesões, protege o endoscopista no ponto de vista legal, confirma o exame completo e muitas vezes reduz a necessidade de repetir o exame por dúvidas no laudo já que os achados descritos podem ser confirmados nas imagens.
Documentação de achados patológicos
O registro das alterações é muito importante para a decisão terapêutica. O objetivo da imagem é demonstrar lesões focais identificadas ou áreas representativas de patologias difusas para adequada localização, caracterização, comparação com exames prévios ou futuros e guiar a decisão terapêutica3,5.
Quando um procedimento terapêutico é realizado se deve registrar imagens de antes do procedimento, durante e também do resultado final (figura 4).
Nas lesões focais é importante incluir na imagem a lesão e sua relação com áreas anatômicas próximas permitindo uma adequada orientação da sua localização. Uma imagem com uma pinça aberta próxima da lesão facilita a estimativa do tamanho. Quando necessário, imagens adicionais devem demonstrar a lesão toda e também áreas específicas que sejam relevantes como sua base, borda, pedículo, etc. Quando disponível e indicado imagens de cromoscopia e magnificação detalhando a regularidade da superfície e capilares podem adicionar informações relevantes3,5.
Nas patologias difusas imagens que demonstrem a extensão e severidade da patologia e também as áreas de transição devem ser capturadas3.
Como colocar isso na nossa prática?
Um bom registro fotográfico é fundamental para fortalecer nosso laudo, registrar os achados descritos além de passar uma impressão de qualidade.
Os sistemas de captura atuais permitem o armazenamento de um grande número de imagens sem aumento do custo. Esse registro facilita a revisão do laudo sempre que necessário. Uma rotina de captura de imagens também garante que iremos avaliar todos os segmentos de forma sistematizada, reduzindo o risco de esquecermos alguma área sem avaliação.
O que pode variar bastante é o número de imagens que iremos colocar no nosso laudo. A impressão de várias folhas de fotos pode sim impactar no custo do exame. Além disso, alguns sistemas de laudo permitem um número pré-definido de imagens para impressão.
A sugestão é que os sistemas sejam configurados para permitir a inclusão de um número maior de imagens. Esse é um futuro que não teremos como escapar. A alternativa para evitar a impressão de uma grande quantidade de material é a disponibilização dos laudos de forma digital ou online. Esta opção reduz os custos com impressão, o paciente tem acesso sempre que precisar além de ser ecológica.
O objetivo dessa revisão é estimular a discussão e demonstrar o que existe hoje publicado sobre a fotodocumentação do exame endoscópico. Reforçamos que não existe nenhum guideline amplamente utilizado e o número de imagens capturados e incluídos no laudo varia bastante entre os endoscopistas.
Como está a sua prática? Quantas fotos você costuma colocar no laudo? Compartilhe conosco a sua opinião e experiência!
Referências
- Emura, F., Sharma, P., Arantes, V., Cerisoli, C., Parra-Blanco, A., Sumiyama, K., Araya, R., Sobrino, S., Chiu, P., Matsuda, K., Gonzalez, R., Fujishiro, M. and Tajiri, H. (2020), Principles and practice to facilitate complete photodocumentation of the upper gastrointestinal tract: World Endoscopy Organization position statement. Digestive Endoscopy, 32: 168-179. https://doi.org/10.1111/den.13530
- Rey JF, Lambert R. ESGE recommendations for quality control in gastrointestinal endoscopy: guidelines for image documentation in upper and lower GI endoscopy. Endoscopy 2001; 33: 901–3.
- Bisschops R, Areia M, Coron E et al. Performance measures for upper gastrointestinal endoscopy: a European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Quality Improvement Initiative. Endoscopy 2016; 48: 843–64.
- Yao K. The endoscopic diagnosis of early gastric cancer. Ann. Gastroenterol. 2013; 26: 11–22.
- Aabakken, L., Barkun, A.N., Cotton, P.B., Fedorov, E., Fujino, M.A., Ivanova, E., Kudo, S.-e., Kuznetzov, K., de Lange, T., Matsuda, K., Moine, O., Rembacken, B., Rey, J.-F., Romagnuolo, J., Rösch, T., Sawhney, M., Yao, K. and Waye, J.D. (2014), Standardized endoscopic reporting. J Gastroenterol Hepatol, 29: 234-240. https://doi.org/10.1111/jgh.12489
Doutor em Ciências em Gastroenterologia pela USP
Especialista em Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica da Gastroclínica Cascavel e do Hospital São Lucas FAG
Coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral e Professor de Gastroenterologia da Escola de Medicina da Faculdade Assis Gurgacz