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Tratamento minimamente invasivo de lesão iatrogênica da via biliar pós-colecistectomia

por Sâmara Martins
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Relato de caso:

MRS, 78 anos, feminino, realiza consulta médica com endoscopista intervencionista após início de quadro de inapetência, icterícia, náuseas/vômitos, colúria, acolia fecal e prurido intenso 15 dias após cirurgia de colecistectomia videolaparoscópica. Nega febre, alteração do nível de consciência ou outros comemorativos, bem como alergias e antecedentes pessoais. Ex-tabagista e relata apenas a colecistectomia como antecedente cirúrgico.

Ao exame físico, apresentava-se ictérica 4+/4+ (Fig 1), abdome pouco doloroso à palpação do HCD com ferida operatória limpa e seca, sem mais achados dignos de nota. Trouxe exames laboratoriais com anemia leve (Hb 11,5) e alteração de enzimas hepáticas (TGO 645, TGP 1031), enzimas canaliculares (FA 319, GGT 529) e hiperbilirrubinemia à custa de bilirrubina direta (BT 5,7, BD 4,9). Além disso, apresentava exame de ressonância de abdome superior com colangiorressonância (Fig 2) evidenciando: status pós-colecistectomia, coleção na loja vesicular apresentando aparente comunicação com terço médio do colédoco compatível com bilioma (8,5 x 4,9 x 4,0cm) e moderada dilatação das vias biliares extra e intra-hepáticas a montante do ponto de contato entre a coleção e o terço médio do colédoco denotando compressão extrínseca deste segmento pela coleção.

Diante desse cenário, foi indicada terapêutica minimamente invasiva combinada de Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) para drenagem da via biliar e drenagem percutânea através de radiologia intervencionista para o bilioma. Ambos bem sucedidos, entretanto CPRE revelou lesão iatrogênica da via biliar (clipagem parcial do ducto colédoco) e coledocolitíase proximal à subestenose, tendo sido procedida drenagem da via biliar com prótese plástica (Fig 3). A drenagem percutânea foi guiada por USG (Fig 4) e aspirado 100ml de liquido bilioso, mantido dreno por 3 dias sem intercorrências.

Paciente manteve assintomática e acompanhamento ambulatorial para programação de tratamento definitivo, que foi optado pela dilatação da via biliar (balão CRE 6-8mm) e inserção de prótese metálica auto-expansível totalmente recoberta (10 x 80mm) (Fig 5). O procedimento foi realizado 90 dias após a primeira CPRE sem intercorrências e optado pela retirada após 1 ano. A última CPRE foi realizada 12 meses após a inserção da prótese metálica no qual foi possível retirá-la, extrair o cálculo da via biliar proximal e obter uma colangiografia sem sinais obstrutivos ou extravazamentos ao final do procedimento (Fig 6).

Fig 5. Imagens colangiográficas da segunda CPRE: A. Imagem colangiográfica mostrando coledocolitíase proximal e subestenose em topografia de clipes; B. Imagem colangiográfica dilatação com balão em via biliar; C. Imagem radiológica da prótese metálica auto-expansível.
Fig 6. Imagens colangiográficas da última CPRE: A. Imagem radiológica da prótese metálica inserida no procedimento anterior; B. Imagem colangiográfica de coledocolitiase em via biliar proximal; C. Colangiografia de oclusão final.

Discussão

Estenose benigna da via biliar é uma condição que pode necessitar de intervenção terapêutica através de endoscopia e a etiologia pós-cirúrgica (lesão inadvertida) corresponde a 0,2 – 0,5% dos casos, ficando atrás das estenoses de anastomose pós-transplante hepático (3 – 46%) e patologias inflamatórias pancreatobiliares (15-20%)¹.

A principal causa de estenose pós-colecistectomia é a lesão de via biliar, que em sua maioria são identificadas ainda no intra-operatório (75%) e tem o ducto hepático comum como a localização mais frequente². O paciente pode apresentar-se assintomáticos ou ter manifestações clinico-laboratoriais de obstrução da via biliar em um período que geralmente se estende em até 3 meses da colecistectomia³.

Existem algumas classificações para estratificação das lesões iatrogênicas da via biliar, sendo as mais conhecidas as de Bismuth4 e Strasberg­5, conforme tabelas abaixo (Adaptadas de Mercado MA4 e Strasberg SM5):

O tratamento endoscópico nas lesões iatrogênicas da via biliar tem o intuito de evitar o tratamento cirúrgico que possui maior chance de morbidade, entretanto pode requerer maior número de intervenções6. Os resultados da terapêutica endoscópica com implantação com stents mostram sucesso no tratamento relativamente alta (70-80% na média dos estudos selecionados7,8,9), taxa de recidiva em torno de 16%8.

Os principais estudos comparando o uso de múltiplas próteses plásticas versus prótese metálica auto-expansível totalmente recoberta mostram resultados com resultados de resolução, recorrência e efeitos adversos semelhantes, entretanto com número de intervenções significativamente menores em pacientes que utilizaram a prótese metálica no seu tratamento10.

Referências

  1. Ma MX, Jayasekeran V, Chong AK. Benign biliary strictures: prevalence, impact, and management strategies. Clin Exp Gastroenterol. 2019 Feb 18;12:83-92. doi: 10.2147/CEG.S165016. PMID: 30858721; PMCID: PMC6385742.
  2. Nuzzo G, Giuliante F, Persiani R. [The risk of biliary ductal injury during laparoscopic cholecystectomy]. Journal de Chirurgie. 2004 Nov;141(6):343-353. DOI: 10.1016/s0021-7697(04)95358-6. PMID: 15738842.
  3. Thompson CM, Saad NE, Quazi RR, Darcy MD, Picus DD, Menias CO. Management of iatrogenic bile duct injuries: role of the interventional radiologist. Radiographics. 2013 Jan-Feb;33(1):117-34. doi: 10.1148/rg.331125044. PMID: 23322833.
  4. Mercado MA, Domínguez I. Classification and management of bile duct injuries. World J Gastrointest Surg. 2011 Apr 27;3(4):43-8. doi: 10.4240/wjgs.v3.i4.43. PMID: 21528093; PMCID: PMC3083499.
  5. Strasberg SM, Hertl M, Soper NJ. An analysis of the problem of biliary injury during laparoscopic cholecystectomy. J Am Coll Surg. 1995 Jan;180(1):101-25. PMID: 8000648.
  6. Chang KJ. Endoscopic foregut surgery and interventions: The future is now. The state-of-the-art and my personal journey. World J Gastroenterol. 2019 Jan 7;25(1):1-41. doi: 10.3748/wjg.v25.i1.1. PMID: 30643356; PMCID: PMC6328959.
  7. Vitale GC, Tran TC, Davis BR, Vitale M, Vitale D, Larson G. Endoscopic management of postcholecystectomy bile duct strictures. J Am Coll Surg. 2008 May;206(5):918-23; discussion 924-5. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2008.01.064. PMID: 18471723.
  8. Khan MA, Baron TH, Kamal F, Ali B, Nollan R, Ismail MK, Tombazzi C, Artifon ELA, Repici A, Khashab MA. Efficacy of self-expandable metal stents in management of benign biliary strictures and comparison with multiple plastic stents: a meta-analysis. Endoscopy. 2017 Jul;49(7):682-694. doi: 10.1055/s-0043-109865. Epub 2017 May 24. PMID: 28561199.
  9. Costamagna G, Tringali A, Mutignani M, Perri V, Spada C, Pandolfi M, Galasso D. Endotherapy of postoperative biliary strictures with multiple stents: results after more than 10 years of follow-up. Gastrointest Endosc. 2010 Sep;72(3):551-7. doi: 10.1016/j.gie.2010.04.052. Epub 2010 Jul 13. PMID: 20630514.
  10. Giri S, Jearth V, Sundaram S. Covered Self-Expanding Metal Stents Versus Multiple Plastic Stents for Benign Biliary Strictures: An Updated Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Cureus. 2022 Apr 29;14(4):e24588. doi: 10.7759/cureus.24588. PMID: 35651420; PMCID: PMC9138190.

Como citar este artigo

Martins S. Tratamento minimamente invasivo de lesão iatrogênica da via biliar pós-colecistectomia Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-minimamente-invasivo-de-lesao-iatrogenica-da-via-biliar-pos-colecistectomia/

Sâmara Martins
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Cirurgiã Geral SES-SP;
Médica Endoscopista FMABC;
Título de especialista SOBED;
Mestranda em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina do ABC de Santo André;
Hospita Geral Prado Valadares.


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