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Casos Clínicos
Ecoendoscopia
Recanalização guiada por ecoendoscopia de estenose total de anastomose pancreaticojejunal pós duodenopancreatectomia
A duodenopancreatectomia é uma técnica cirúrgica que consiste da ressecção da cabeça pancreática, e, por questões anatômicas, ela necessariamente envolve também o colédoco distal e toda a topografia da segunda porção duodenal. Essa técnica é frequentemente utilizada para tratamento de lesões no território da cabeça pancreática, papila duodenal maior ou segunda porção duodenal. Ela requer uma reconstrução do coto do ducto pancreático principal remanescente (corpo e cauda pancreáticos), usualmente através de uma anastomose com o jejuno (anastomose pancreaticojejunal).
A cirurgia pode ter como efeito tardio uma estenose da anastomose pancreaticojejunal. A estenose é clinicamente significativa quando ela determina estase e/ou aumento da pressão intraductal pancreática, sendo estimada em até 2-10% dos casos[1] [2]. A estenose ductal pancreática pode resultar em alterações similares às observadas em pancreatite crônica, como dilatação ductal, formação de debris ou litíase ductal e alterações do parênquima pancreático. Clinicamente, ela pode manifestar-se com insuficiência pancreatica exócrina, surtos de pancreatite e dor abdominal crônica.
O tratamento da estenose ductal pós duodenopancreatectomia está indicado na presença de sintomas recorrentes ou refratários a tratamento clínico, e invariavelmente envolve descompressão ductal pancreática. Essa descompressão é tradicionalmente obtida por anastomose pancreatojejunal longitudinal por via cirúrgica por laparotomia. Alternativamente, a descompressão pode ser obtida através de técnicas minimamente invasivas envolvendo dilatação da estenose e/ou colocação de prótese pancreática, sendo essa possível por via radiológica, endoscópica, ou combinadas (rendez-vous).
Dentre essas técnicas, a endoscópica guiada por ecoendoscopia vem se destacando com diversas variações técnicas descritas[4] e sucesso técnico próximo de 70%[5] [6]. A vantagem em relação aos outros métodos minimamente invasivos é um acesso através de punção facilitado ao ducto pancreático (este usualmente dilatado) e com mínima interposição tecidual (interposição apenas da parede gástrica). As desvantagens seriam sua baixa disponibilidade e a necessidade de se criar um trajeto pancreato-gástrico. Os pontos controversos são seus resultados clínicos a longo prazo, comparados ou não à cirurgia, e manutenção do trajeto pancreatogástrico. Embora a taxa de sucesso clinico com o método tem sido descrito em torno de 80% (seguimento médio de 2 anos)6, esses dados são escassos na literatura, e tais questões serão difíceis de respondê-las devido à raridade dessa condição.
A técnica anterógrada transgástrica guiada por ecoendoscopia consiste de punção transgástrica, seguida de acesso, instrumentação e manipulação ductal pancreática guiada por ecoendoscopia e fluoroscopia. O ducto pancreático é identificado ao ultrassom e acessado em sua porção mais próxima à parede gástrica, usualmente ao nível do corpo pancreático junto à transição corpo-caudal. Durante a punção, a angulação da agulha deve ser obliqua a permitir injeção de contraste e passagem de um fio guia por via anterógrada em direção à anastomose pancreaticojejunal. Com o fio-guia, tenta-se atravessar a estenose e acessar a alça jejunal. Em seguida, dilata-se o local da punção – interface da parede gástrica-parênquima pancreático (trajeto pancreato-gástrico). Através do trajeto pancreato-gástrico obtido é possível instrumentação, resultando em dilatação da anastomose, remoção de cálculos e passagem de prótese pancreática para manutenção do trajeto pancreato-gástrico. Mesmo na vigência de uma estenose total da anastomose pancreaticojejunal, uma punção através da mesma por via anterógrada intraductal pode ser realizada, resultando em recanalização ductal pancreática e permitindo a passagem de fio guia e subsequentes manipulações.
CASO CLÍNICO:
REFERÊNCIAS [1] Aram N Demirjian, Tara S Kent, Mark P Callery, Charles M Vollmer. The inconsistent nature of symptomatic pancreatico-jejunostomy anastomotic strictures. HPB (Oxford). 2010 Sep; 12(7): 482–487. doi: 10.1111/j.1477-2574.2010.00214.x [2] Morgan KA, Fontenot BB, Harvey NR, Adams DB. Revision of anastomotic stenosis after pancreatic head resection for chronic pancreatitis: is it futile? HPB (Oxford). 2010 Apr;12(3):211-6. doi: 10.1111/j.1477-2574.2009.00154.x. [3] Kim EY, Hong TH. Laparoscopic Longitudinal Pancreaticojejunostomy Using Barbed Sutures: an Efficient and Secure Solution for Pancreatic Duct Obstructions in Patients with Chronic Pancreatitis. J Gastrointest Surg. 2016 Apr;20(4):861-6. doi: 10.1007/s11605-015-3053-3. Epub 2015 Dec 21. [4] Ota Y, Kikuyama M, Suzuki S, Nakahodo J, Koide S. Percutaneous pancreatic-duct puncture with rendezvous technique can treat stenotic pancreaticojejunostomy. Dig Endosc. 2010 Jul;22(3):228-31. doi: 10.1111/j.1443-1661.2010.00990.x. [5] Chapman CG, Waxman I, Siddiqui UD. Endoscopic Ultrasound (EUS)-Guided Pancreatic Duct Drainage: The Basics of When and How to Perform EUS-Guided Pancreatic Duct Interventions. Clin Endosc. 2016 Mar;49(2):161-7. doi: 10.5946/ce.2016.011. Epub 2016 Mar 25. [6] Fujii LL, Topazian MD, Abu Dayyeh BK, Baron TH, Chari ST, Farnell MB, Gleeson FC, Gostout CJ, Kendrick ML, Pearson RK, Petersen BT, Truty MJ, Vege SS, Levy MJ. EUS-guided pancreatic duct intervention: outcomes of a single tertiary-care referral center experience. Gastrointest Endosc. 2013 Dec;78(6):854-864.e1. doi: 10.1016/j.gie.2013.05.016.Mestre em Clínica Cirúrgica pela UFPR
Ex-fellow em pesquisa, Developmental Endoscopy Unit, Mayo Clinic, EUA
Especialização em Ecoendoscopia e Gastroenterologia pela Université Aix-Marseille, França
Médico contratado - Setor Endoscopia Digestiva - Hospital de Clinicas UFPR e Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, Paraná
7 Comentários
Caro Eduardo, parabéns pelo diagnóstico e condução do caso. Fantástico!
É gratificante ver como a endoscopia pode ajudar nesses casos de alta complexidade, que de outra forma necessitariam reabordagem cirúrgica . Abs.
Obrigado Bruno.
Realmente avançamos muito como especialidade. E acho fundamental termos um canal como esse para divulgarmos as técnicas.
Abraco
Eduardo
Eduardo, mais algumas perguntas. Em quanto tempo vocês estão programando reabordar? E qual seria a estratégia para remoção da prótese e dilatação da estenose: de forma anterograde ou retrógrada (CPRE)? Parabéns novamente.
Prezado Matheus,
Essa é uma pergunta difícil de ser respondida.
Estou programando para reabordar em 30 dias. Ela ficou com a prótese 8 meses e está sem sintomas. Tenho visto alguns que retiram apos 8 semanas, 3 meses.
Se formos avaliar o tratamento de estenose pancreática em pancreatite crônica, deixa-se a prótese em média 1 ano, trocando-se a prótese a cada 3-4 meses para não obstruir.
Optamos em deixar 9 meses e não trocamos pela dificuldade em reabordagem (já seria uma terceira) e a paciente estar assintomática. Existe um outro detalhe que nao mencionamos no caso – ela tinha cálculos intraductais e um deles tinha cerca de 8mm.
Eu tenho um outro caso semelhante que fiz ha 3 anos. A estenose era parcial. A prótese migrou depois de 3 semanas. A paciente está bem até hoje, porém apareceram alguns cálculos em ducto pancreático.
Prezado Matheus,
Quanto a técnica de remoção da prótese e dilatação, faria por via anterograda (mesmo acesso obtido por ecoendoscopia).
Abraço Eduardo
Parabéns Eduardo pelo excelente post e caso apresentado.
Gostaria de te perguntar:
1. Você acha que a insuflação de ar e o uso de contraste (duplo-contraste) dentro da alça jejunal pode ajudar durante a recanalização com needle-knife desta técnica?
2. Mesmo nos casos de estenose parcial da anastomose pancreaticojejunal pode ser difícil o avanço do fio-guia dentro do lumen jejunal, você acredita que a injeção de corantes (indigo; azul de metileno) dentro do ducto pancreático pode ser uma alternativa na posterior identificação endoscópica da anastomose?
Obrigado pelos comentários Matheus
Acho que ambas sugestões em teoria poderiam ajudar sim, porém acrescentaria dificuldade ao procedimento pois seria necessário uma enteroscopia. A chance de sucesso por enteroscopia é baixa em pacientes pós-whipple.
De fato, a abordagem guiada por ecoendoscopia parece ter uma taxa de sucesso maior comparada à tentativas por enteroscopia. Em um estudo multicentrico recente, incluindo o Dr Artifon representando uma instituição Brasileira, em 75 procedimentos em 66 pacientes o sucesso técnico foi de 92% nos pacientes submetidos a drenagem guiada por eco e 20% nos pacientes submetidos a enteroscopia.
Chen Y, et al. An international multicenter study comparing EUS-guided pancreatic duct drainage with enteroscopy-assisted endoscopic retrograde pancreatography after Whipple surgery. Gastrointest Endosc. 2017 Jan;85(1):170-177. doi: 10.1016/j.gie.2016.07.031. Epub 2016 Jul 25.