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Diagnóstico e tratamento de tumor neuroendócrino gástrico na gastrite atrófica metaplásica autoimune

por Bruno Bezerra Vieira
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Paciente do sexo feminino, 61 anos, natural e residente em Maceió – AL, apresenta queixas dispépticas inespecíficas e realiza exames endoscópicos regularmente. Possui histórico de hipertensão arterial, anemia e tireoidite de Hashimoto e faz uso regular de anti-hipertensivos.

Ao exame endoscópico, destaca-se intensa atrofia de mucosa, predominantemente em fundo e corpo, com notável redução das pregas gástricas e presença de ilhotas de mucosa residual (pseudopólipos) no fundo. Observa-se uma linha delimitando a mudança do padrão mucoso na incisura e antro que se encontram normais. Adicionalmente, é identificado um pequeno pólipo séssil único no corpo médio, em parede anterior, medindo 4-5 mm, com superfície avermelhada e presença de vasos discretamente dilatados.

Vídeo da avaliação endoscópica à luz branca

Os resultados anatomopatológicos indicam mucosa normal do antro e incisura, com pesquisa de H. pylori negativa; no corpo, é evidenciada metaplasia intestinal leve e incompleta + atrofia glandular moderada, também com pesquisa de H. pylori negativa.

Exames laboratoriais revelam elevação da gastrina no valor de 190 pg/mL (VR até 115 pg/mL), anticorpo anti-célula parietal e anti-fator intrínseco reagentes, deficiência de ferro sérico 35 ug/dL (VR 50-170 ug/dL) e vitamina B12 130 pg/mL (VR 172 a 890 pg/mL). A ecoendoscopia para avaliação do pólipo mostra uma formação hipoecogênica e homogênea em segunda camada, mucosa profunda, passível de ressecção endoscópica, sem linfonodomegalia.

Formação hipoecogênica e homogênea em segunda camada, mucosa profunda, avaliada por ecoendoscopia

Diante das características da lesão, opta-se pela técnica de mucosectomia assistida por banda elástica, com ressecção completa do tumor em monobloco (utilizando o dispositivo Captivator EMR da Boston Scientific). A revisão do leito não demonstra sinais de lesão residual ou complicações imediatas (sangramento/perfuração), sendo o leito cruento fechado com um endoclipe (Resolution 360º da Boston Scientific). O procedimento, realizado ambulatorialmente, transcorreu sem intercorrências, com duração de 30 minutos, seguido de alta.

Vídeo da mucosectomia assistida por banda elástica

O anatomopatológico da peça confirma tratar-se de tumor neuroendócrino bem diferenciado (G2), com índice mitótico 2M/10 CGA, margens vertical (2 mm da lesão) e lateral livres, ausência de invasão perineural e angiolinfática, estadiamento patológico pT1a.

Anatomopatológico

Discussão

A Gastrite Atrófica Metaplásica Autoimune (GAMA) é um termo empregado para caracterizar uma variante de gastrite crônica, predominantemente observada no sexo feminino. Caracteriza-se pela agressão imunomediada às células parietais gástricas, resultando na substituição dessas células por tecido mucoso atrófico e metaplásico. A GAMA pode estar associada a outras doenças autoimunes, sendo a tireoidite de Hashimoto e o diabetes mellitus tipo 1 as mais comumente observadas nesse contexto (Clique aqui para saber mais sobre Gastrite atrófica e suas classificações).

A destruição das células parietais leva à hipo/acloridria, que estimula a hipergastrinemia como resposta fisiológica à escassez de ácido clorídrico (HCl). O excesso de gastrina de forma crônica leva à hipertrofia e hiperplasia das células enterocromafins-like (ECL), com a possível influência de fatores genéticos nesse fenômeno. Essas modificações podem favorecer o surgimento de tumores neuroendócrinos gástricos (carcinoides). A suspeita e o correto reconhecimento dessas lesões são fundamentais para evitar ressecções inadequadas (polipectomia convencional). A elegibilidade da modalidade terapêutica empregada depende do tamanho da lesão, dos recursos disponíveis e da expertise do endoscopista.


Os tumores do tipo 2 apresentam um comportamento semelhante ao observado nos tumores do tipo 1. Geralmente, são multifocais e apresentam um comportamento predominantemente indolente. Podem estar associados à síndrome neuroendócrina múltipla (NEM tipo 1) e à síndrome de Zollinger-Ellison. No caso de tumores neuroendócrinos gástricos tipo 1 e 2 com diâmetro inferior a 2 cm, a ressecção endoscópica emerge como a terapia apropriada, através das técnicas de mucosectomia ou dissecção submucosa (ESD), a menos que existam fatores de mau prognóstico que indiquem o tratamento cirúrgico (Clique aqui para mais detalhes sobre tipos e graus de tumores neuroendócrinos).

A vigilância endoscópica subsequente é necessária a cada 6 a 12 meses, uma vez que esses pacientes continuam a manifestar alterações na mucosa pela hiperplasia de células enterocromafins-like (ECL), resultante da exposição prolongada à hipergastrinemia secundária à doença de base. 

Referências:

  • JENSEN, P.J.; FELDMAN, M. Metaplastic (chronic) atrophic gastritis. Uptodate (https://www.uptodate.com/), 2023. 
  • Park, Jason Y et al. “Review of autoimmune metaplastic atrophic gastritis. Gastrointestinal endoscopy vol. 77,2 (2013): j.gie.
  • Jonathan R Strosberg, MD, Alexandra Gangi, MD Staging, treatment, and post-treatment surveillance of non-metastatic, well-differentiated gastrointestinal tract neuroendocrine (carcinoid) tumors. Uptodate (https://www.uptodate.com/), 2023. 
  • Roberto GA, Rodrigues CMB, Peixoto RD, Younes RN. Gastric neuroendocrine tumor: A practical literature review. World J Gastrointest Oncol 2020; 12(8): wjgo.v12.i8.850.
Bruno Bezerra Vieira
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Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do Hospital Getúlio Vargas (HGV-PE);
Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do Hospital Metropolitano de Alagoas (HMA-AL);
Residência em Endoscopia Digestiva pelo IMIP-PE;
Membro Titular da SOBED.


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