CASO CLÍNICO
Paciente 56 anos, sexo feminino, evoluindo há cerca de 2 semanas com quadro de melena e queda de hemoglobina com necessidade de múltiplas hemotransfusões. Antecedentes médicos de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus insulino-dependente e insuficiência renal crônica dialítica.
Realizou durante a internação endoscopia digestiva alta, colonoscopia e exames de tomografia de abdome sem esclarecimento diagnóstico. Submetida a cápsula endoscópica com evidência de ectasias vasculares tipo 1a de Yano-Yamamoto em jejuno e íleo. Observado presença de sangue vivo em duodeno, sem identicação da lesão responsável.
Solicitada enteroscopia anterógrada que evidenciou tal achado:
Realizada terapêutica da lesão com aplicação de hemoclipe.
Também foram evidenciadas ectasias vasculares tipo 1a e 1b de Yano-Yamamoto que foram tratadas com coagulação por plasma de argônio.
A paciente evoluiu subsequentemente sem recorrência do sangramento.
CONSIDERAÇÕES
O sangramento digestivo do intestino médio é caracterizada pelo sangramento proveniente do trato digestivo localizado entre a papila duodenal até o íleo terminal, (locais inacessíveis a endoscopia digestiva alta e colonoscopia) sendo responsável por cerca de 5% dos casos de hemorragia digestiva. Destes 5% não esclarecidos, o sangramento, na grande maioria dos casos tem origem no intestino delgado (90%).
As lesões de intestino delgado tiveram seu estudo e potenciais terapêuticas amplamente expandidos em 1997 com a introdução da enteroscopia de duplo balão (DBE) que suplantou outros métodos até então disponíveis para tal avaliação.
A DBE é uma técnica que visa a avaliação de todo o intestino delgado com a utilização de um sistema que inclui um aparelho de endoscopia longo (200cm) equipado com um balão adaptado em sua extremidade, um “overtube” e uma bomba de controle de insuflação dos balões. O exame do trato digestivo pode ser realizada por via retrógrada, via anterógrada, ou combinada, na dependência da situação clínica.
Através da combinação de ambas as abordagens , a observação endoscópica de todo o intestino delgado é possível em mais de 85 % de casos. A hemorragia gastrointestinal obscura é a indicação mais frequente para a realização de enteroscopia de duplo balão no nosso meio.
As ectasias vasculares são as causas mais comuns de sangramento do intestino delgado, correspondendo a cerca de 50% dos casos. Tais achados contrastam com a baixa incidência de hemorragias por ectasias vasculares no trato digestório alto (20%) e baixo (5%). Sabe-se que algumas situações clínicas possuem uma maior prevalência de ectasias vasculares associadas, entre elas chama-se atenção a doença de von Willebrand, insuficiência renal crônica (como no caso apresentado) e estenose aórtica.
Em 2008, Yano e colaboradores propuseram uma nova classificação para lesões vasculares de intestino delgado. Essa classificação é útil para determinar a conduta terapêutica, pois lesões classificadas como do tipo 1 são venosas e passíveis de tratamento com plasma de argônio ou métodos térmicos. Lesões tipo 2 caracterizadas como arteriais (Dieulafoy) e tipo 3 como má formações arteriovenosas com componente arterial e venoso, devendo ser tratadas preferencialmente com clips hemostáticos ou até mesmo cirurgia.
Classificação de lesões vasculares (Yano Yamamoto).
Em paciente com achado de ectasias vasculares e suspeita de sangramento digestivo, se faz mandatório a realização de tratamento de tais lesões.
O tratamento das ectasias vasculares pode ser realizado de diversos modos, como os já citados coagulação com plasma de argônio, eletrocoagulação e hemostasia mecânica com clipe. Há relatos na literatura do uso de soluções esclerosantes como etanolamina, uso de Nd-YAG laser e de ligadura elástica.
REFERÊNCIAS
Yano T, Yamamoto H, Sunada K, Miyata T, Iwamoto M, Hayashi Y, Arashiro M, Sugano. Endoscopic classification of vascular lesions of the small intestine (with videos). Gastrointest Endosc. 2008 Jan;67(1):169-72.
Fisher L, Lee Krinsky M, Anderson MA, Appalaneni V, Banerjee S, Ben-Menachem T, Cash BD, Decker GA, Fanelli RD,Friis C, Fukami N, Harrison ME, Ikenberry SO, Jain R, Jue T, Khan K, Maple JT, Strohmeyer L, Sharaf R, Dominitz JA. The role of endoscopy in the management of obscure GI bleeding. Gastrointest Endosc. 2010 Sep;72(3):471-9.
Okazaki H, Fujiwara Y, Sugimori S, Nagami Y, Kameda N, Machida H, Yamagami H, Tanigawa T, Shiba M, Watanabe K, Tominaga K, Watanabe T, Oshitani N, Arakawa T. Prevalence of mid-gastrointestinal bleeding in patients with acute overt gastrointestinal bleeding: multi-center experience with 1,044 consecutive patients. J Gastroenterol. 2009;44(6):550-5.
Gerson LB, Batenic MA, Newsom SL, Ross A, Semrad CE. Long-term outcomes after double-balloon enteroscopy for obscure gastrointestinal bleeding. Clin Gastroenterol Hepatol. 2009 Jun;7(6):664-9.
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Especialista em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva, Ecoendoscopia e Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Médico Endoscopista, Preceptor da residência médica do Hospital Edgard Santos - Universidade Federal da Bahia
3 Comentários
Bruno, sobre a recomendação de considerar repetir a Endoscopia digestiva alta/colonoscopia? Vcs fazem sempre?
Ivan, a maioria dos guidelines (como o publicado recentemente pelo American College of Gastroenterology: http://www.nature.com/ajg/journal/v110/n9/fig_tab/ajg2015246t1.html#figure-title) incluem a cápsula na sequência diagnóstica antes da realização da enteroscopia. Sabemos, no entanto, que a cápsula tem uma disponibilidade limitada no nosso meio, o que algumas vezes leva a necessidade da realização da enteroscopia diretamente. Como grandes vantagens, a cápsula permite realização de diagnóstico adequado, muitas vezes reduzindo a necessidade da enteroscopia além de permitir guiar a rota da enteroscopia e o planejamento terapêutico.
Bruno, você sempre usa a cápsula antes de indicar a enteroscopia na investigação de hemorragia média? Existe alguma indicação para ir direto para a enteroscopia?