A esofagite eosinofílica vem sendo cada vez mais diagnosticada em nosso meio devido ao conhecimento melhor desta patologia e maior acesso ao exame de endoscopia digestiva.
Classicamente a doença atinge mais homens jovens, com história de outra patologia alérgica e leva a sintomas desde disfagia até impactação de alimentos.
Para o diagnóstico necessitam-se dos seguintes critérios:
– Infiltrado eosinofílico no epitélio esofágico : mais 15 eosinófilos / campo grande aumento (400X)
– Histologia gástrica e duodenal normal (para afastar gastroenterite eosinofílica)
CASO 1
ID: LD, 30 anos, masculino, taxista, natural e procedente de São Paulo
QP: “Dificuldade para engolir”
HPMA: Paciente há 2 anos com disfagia e impactação alimentar. Refere quadro de pirose diariamente. Nega perda de peso.
HPMP: Asma (faz uso de corticóide inalatório)
Endoscopia inicial demostrou os achados abaixo:
Anatomopatológico das biópsias: esofagite crônica ulcerada com eosinofilia em lâmina própria e intra-epitelial (até 35 eosinófilos / campo de grande aumento)
Nova endoscopia após 8 semanas de uso de IBP:
Biópsia esofágica proximal e distal: esofagite crônica moderada com 20 eosinófilos intraepiteliais / CGA
Biópsia de estômago e duodeno: ausência de eosinófilos
CONCLUSÃO: confirmado o diagnóstico de esofagite eosinofílica
CASO 2
ID: DVO, 20 anos, masculino, solteiro, sem filhos, natural e procedente de São Paulo
QP: “Queimação e dor no estômago”
HPMA: Paciente há 3 anos com quadro de pirose diariamente. Refere piora a noite e com a ingestão de determinados alimentos. Nega perda de peso.
HPMP: Nega asma, rinite ou alergias
Descrição do esôfago na endoscopia inicial:
Mucosa esofágica de aspecto edemaciado e espessado em toda a extensão do órgão, apresentando estrias longitudinais e pontos de secreção mucóide aderidos difusamente, sugestivos de processo inflamatório eosinofílico. Biópsias.
Histologia: esofagite crônica moderada com 20 eosinófilos intraepiteliais / CGA
Exames laboratoriais: Leucograma: 7.650 / Eosinófilos: 24%
Dosagem de IgE: 114 UI/mL (<100 UI/mL)
Endoscopia após 8 semanas de uso de IBP:
Histologia:
Biópsia esofágica médio e proximal: esofagite crônica inespecífica. Ausência de eosinófilos neste material.
Biópsia de estômago e duodeno: ausência de eosinófilos
CONCLUSÃO: eosinofilia esofágica responsiva da IBP
Caso 3
ID: HHS, 17 anos, masculino, estudante, solteiro, natural de Urussuca-BA e procedente de São Paulo
QP: “Engasgo durante a alimentação”
HPMA: Paciente refere disfagia intermitente há 7 anos. Refere impactação alimentar tendo que subir e descer escadas para aliviar os sintomas. Nega perda de peso.
HPMP: Rinite alérgica. Asma na infância.
Descrição da endoscopia inicial:
Esôfago: mucosa com estrias enantemáticas lineares, associado a aspecto de “traqueização” em terço médio, sugestivos de esofagite eosinofílica. Biópsias.
Histologia: esofagite crônica com exocitose de eosinófilos (20 eosinófilos intraepiteliais / CGA)
Exames laboratoriais:
Leucograma: 5.480 / Eosinófilos: 12%
IgE: 993 UI/mL (<100 UI/mL)
Endoscopia após 8 semanas de uso de IBP:
Histologia:
Biópsia esofágica médio e proximal: esofagite crônica inespecífica. Ausência de eosinófilos neste material.
Biópsia de estômago e duodeno: ausência de eosinófilos
CONCLUSÃO: eosinofilia esofágica responsiva da IBP
DISCUSSÃO:
- Atualmente foi relatada uma condição chamada Eosinofilia esofágica responsiva a IBP. Esta é caracterizada por pacientes sem DRGE (endoscopia e pHmetria) que apresentam sintomas de esofagite eosinofilica e que melhoram com uso de IBP
- Relata-se também que cerca de 30-50% dos pacientes com EEo respondem ao tratamento com IBP
- Estes dois grupos de pacientes são iguais clinicamente e histologicamente, e não possuem características próprias para serem distinguidos
- Levanta-se a possibilidade de tratar-se da mesma patologia ou que os pacientes com eosinofilia responsiva ao IBP seriam na verdade pacientes que não foram diagnosticados corretamente para DRGE
- Relata-se também a possível ação anti-inflamatória dos IBPs que poderiam melhorar a eosinofilia dos pacientes com esofagite eosinofilica
Através destes conceitos podemos extrair que:
– Na suspeita de esofagite eosinofílica deve-se realizar as biópsias de rotina antes e depois do uso de IBP, para o diagnóstico e avaliação de resposta ao IBP.
– O achado de melhora da eosinofilia após 8 semanas de IBP, pode-se tratar de esofagite eosinofílica a qual teve melhora por uma outra ação do IBP que não da supressão ácida, como uma ação anti-inflamatória por exemplo.
– A DRGE ainda deve ser considerada mesmo com EDA e pHmetria normais. Nestes casos a realização de impedâncio-pHmetria aumenta a sensibilidade do diagnóstico de DRGE ácida e avalia também o refluxo não ácido. Deve-se ter em mente que os exames de phmetria e principalmente de impedâcio-pHmetria são examinador dependente, sendo importante a realização dos mesmos por profissionais capacitados e com experiência.
– Independente da nomenclatura usada para a definição da patologia (Eosinofilia responsiva a IBP x Esofagite eosinofílica) o tratamento inicial com IBP pode ser tentado como escolha terapêutica inicial.
Residência em Endoscopia Digestiva no Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP)
Residência em Gastroenterologia no Hospital Universitário da UFSC
Presidente da SOBED / SC na gestão 2018-2020
Médico da clínica Endogastro em Florianópolis e ProGastro em Joinville
19 Comentários
Felipe, acho que o assunto deste post deve ser revisitado. O conceito de que a esofagite eosinofílica deva ser confirmada somente após 8 semanas de IBP com novas biópsias tem sido questionado. Ao invés de excluir o diagnóstico de EE, o termo EE responsiva a IBP tem sido adotado (casos 2 e 3). Veja esse artigo interessante: http://gut.bmj.com/content/65/3/524.
Bruno, realmente alguns conceitos foram revisados e atualizei o post conforme os mesmos. Deve-se ter mente que estes conceitos ainda geram muitas duvidas pois ainda não se tem certeza se são patologias diferentes ou iguais com apresentações diferentes.
DR. Felipe a fluticasona em solução para nebolização misturada a sucralose(adoçante em pó) é indicada para o tratamento da esofagite eusinofilica?
Renan, existem algumas formulações em gel que podem ser feita em farmácia de manipulação. Quanto a esta formulação específica que citou não tenho conhecimento.
Não existe uma apresentação comercial de corticóide específica para o tratamento da esofagite eosinifílica. Aqui em Cascavel nós desenvolvemos junto com a uma farmacêutica uma fórmula manipulada de budesonida com consistência de gel. O gel adere nas paredes do esôfago potencializando o efeito tópico. Tem funcionado muito bem.
Renan, atualmente no mercado só existe fluticasona spray para uso pulmonar. Para o tratamento na EE o paciente deve ser orientado a descartar o espaçador que vem junto ao produto que serve para que o medicamento vá direto para a via aérea. Recomenda-se que o spray seja borrifado na língua e deglutido. Importante a orientação para o paciente não ingerir nada (nem água) por pelo menos uma hora após a aplicação.
DR. Felipe como deve ser feita a aplicação da fluticasona spray em relação ao tratamento de esofagite eusinofilica? deve se aplicado na lingua ou de forma igual a asma?pode se alimentar apos o uso?
Mila, qualquer tipo de orientação médica não pode ser repassada diretamente para pacientes sem consulta e análise aquedada de cada caso. Att, Felipe
boa tarde fiquei super preocupada porque na endoscopia na conclusaop apareceu assim esofagite edematosa ( esofagite eosinofílica ? ) e eles pediram biopsia ai como fique assustada com medo porque pediram ,ai depois d pesquisas vi para diagnosticar essa esofagite apenas por biopsia para ter comprovaçao ne ? Pode me tirar algumas duvidas sobre o assunto
Valene qualquer tipo de orientação médica não pode ser repassada diretamente para pacientes sem consulta e análise aquedada de cada caso. Oriento você procurar auxílio especializado para tratar de seu filho. Att, Felipe
Dr. Felipe obrigada pelo post, meu filho foi diagnosticado com esofagite eosinofílica, fez uso de fluticosana spray e apresentou alergia, já realizou vários testes alérgicos e não teve IgE elevado em nenhum exame. Tenho muitas dúvidas em relação a essa doença e poucas informações, ele já fez uso de IBP e não teve nenhuma melhora, desde que nasceu ele tem refluxo, ele pode ser alérgico ao meio ambiente ?
Costumo usar fluticasona spray para borrifar na língua e engolir por períodos que podem variar de 6-12 semanas. E encaminho para a nutricionista para tratamento através de exclusão alimentar, este me parece o mais efetivo e racional de ser utilizado. Em breve estaremos abordando o assunto com uma revisão geral e neste entraremos em maiores detalhes.
Felipe, parabéns pelo post, realmente bastante ilustrativo. Apesar de você ter focado no diagnóstico, quero me adiantar um pouco e saber sobre o tratamento nos casos confirmados. Que tipo de corticóide tópico você usa? Fluticasona? Budesonida? Usa bombinha ou manda manipular? Gel? Quanto tempo antes de reavaliar? Você indica a dieta dos 6 alimentos?
Renzo, excelente pergunta pois este talvez seja o grande erro, tentar fazer o diagnóstico na primeira endoscopia realizada. Quando tenho a suspeita durante o exame endoscópico sem conhecer a história clinica do paciente, realizo apenas biópsias esofágicas. Depois este paciente deve retornar para mostrar o resultado das biópsias e para uma anamnese dirigida para a patologia. Neste retorno prescrevo IBP por 8 semanas e no termino deste ciclo realizo um nova endoscopia. Nesta segunda endoscopia faço biópsias do terço PROXIMAL e MÉDIO, tendo em vista que a deposição de eosinófilos na esofagite eosinofílica é difusa e no do terço distal pode ainda existir uma influência da DRGE. Também neste momento realizo biópsias gástricas e duodenais para excluir alguma síndrome eosinofílica do trato gastrointestinal com a gastroenterite eosinofílica.
Obrigado Rafael, Rubem e Fernando. Optamos inicialmente por fazer este post apenas sobre o diagnóstico correto tendo em vista os erros que acontecem e muitas vezes até mesmo uma banalização desta patologia. Logo iremos fazer um post com uma revisão geral sobre o assunto e assim iremos poder discutir melhor este tema tão intrigante. Valeu, Felipe
Parabéns Felipe! Posts muito bem documentados. Quando vc se depara com uma imagem sugestiva de EEo, além das biópsias dos terços médio e distal , vc biopsia tb o estômago e o duodeno para afastar Gastroenterite eosinofílica ou só se houver alterações mucosas que possam levantar a suspeita desse diagnóstico ? Abs.
Felipe, vale lembrar que no caso 2 o diagnóstico correto seria eosinofilia esofágica responsiva a IBP. Estes pacientes merecem ser acompanhados pois podem desenvolver esofagite eosinofilica propriamente dita. Parabéns pelos casos muito bem ilustrados!
FELIPE PARABENS. Tenho aprox.60 casos avaliados e muitos com acompanhamento pessoal, mas a maioria só por informações dos colegas solicitantes. A phmetria e manometria esofageana em muitos dos portadores da EE é normal. IgE elevado apenas nos casos de EE e quase sempre em uso associado ao fluticosone com boa resposta, mas ainda persistindo as alterações na mucosa- as estrias ou ranhuras longitudinais predominam apesar da normalidade dos eosinifilos na contagem da mucosa.
Rubem Knecht
Parabéns pelo assunto atual que ainda deixa muito médico em dúvidas quanto o diagnóstico.