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Diagnosticando corretamente a esofagite eosinofílica

por Felipe Paludo Salles
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A esofagite eosinofílica vem sendo cada vez mais diagnosticada em nosso meio devido ao conhecimento melhor desta patologia e maior acesso ao exame de endoscopia digestiva.

Classicamente a doença atinge mais homens jovens, com história de outra patologia alérgica e leva a sintomas desde disfagia até impactação de alimentos.

Para o diagnóstico necessitam-se dos seguintes critérios:

– Infiltrado eosinofílico no epitélio esofágico :  mais 15 eosinófilos / campo grande aumento (400X)

–  Histologia gástrica e duodenal normal (para afastar gastroenterite eosinofílica)

 

CASO 1

ID: LD, 30 anos, masculino, taxista, natural e procedente de São Paulo

QP:  “Dificuldade para engolir”

HPMA:  Paciente há 2 anos com disfagia e impactação alimentar. Refere quadro de pirose diariamente. Nega perda de peso.

HPMP:   Asma (faz uso de corticóide inalatório)

 

Endoscopia inicial demostrou os achados abaixo:

Captura de Tela 2015-08-30 às 12.44.28

 

Anatomopatológico das biópsias: esofagite crônica ulcerada com eosinofilia em lâmina própria e intra-epitelial (até 35 eosinófilos / campo de grande aumento)

Captura de Tela 2015-08-30 às 12.45.51

 

Nova endoscopia após 8 semanas de uso de IBP:

Captura de Tela 2015-08-30 às 12.49.23

 

Biópsia esofágica proximal e distal:   esofagite crônica moderada com 20 eosinófilos intraepiteliais / CGA

Biópsia de estômago e duodeno:  ausência de eosinófilos

Captura de Tela 2015-08-30 às 12.50.46

CONCLUSÃO:  confirmado o diagnóstico de esofagite eosinofílica

 

 

CASO 2

ID: DVO, 20 anos, masculino, solteiro, sem filhos, natural e procedente de São Paulo

QP:  “Queimação e dor no estômago”

HPMA:  Paciente há 3 anos com quadro de pirose diariamente. Refere piora a noite e com a ingestão de determinados alimentos. Nega perda de peso.

HPMP:   Nega asma, rinite ou alergias

 

Descrição do esôfago na endoscopia inicial:

Mucosa esofágica de aspecto edemaciado e espessado em toda a extensão do órgão, apresentando estrias longitudinais e pontos de secreção mucóide aderidos difusamente, sugestivos de processo inflamatório eosinofílico. Biópsias.

 

Histologia: esofagite crônica moderada com 20 eosinófilos intraepiteliais / CGA

Captura de Tela 2015-08-30 às 12.58.11

 

 

Exames laboratoriais:   Leucograma: 7.650  /  Eosinófilos: 24%

Dosagem de IgE: 114 UI/mL   (<100 UI/mL)

 

Endoscopia após 8 semanas de uso de IBP:

Captura de Tela 2015-08-30 às 13.02.36

 

Histologia:

Biópsia esofágica médio e proximal:  esofagite crônica inespecífica. Ausência de eosinófilos neste material.

Biópsia de estômago e duodeno:   ausência de eosinófilos

Captura de Tela 2015-08-30 às 13.05.32

CONCLUSÃO:  eosinofilia esofágica responsiva da IBP

 

Caso 3

ID: HHS, 17 anos, masculino, estudante, solteiro, natural de Urussuca-BA e procedente de São Paulo

QP:  “Engasgo durante a alimentação”

HPMA:  Paciente refere disfagia intermitente há 7 anos. Refere impactação alimentar tendo que subir e descer escadas para aliviar os sintomas. Nega perda de peso.

HPMP:   Rinite alérgica.  Asma na infância.

 

Descrição da endoscopia inicial:

Esôfago:  mucosa com estrias enantemáticas lineares, associado a aspecto de “traqueização” em terço médio, sugestivos de esofagite eosinofílica. Biópsias.

 

Histologia: esofagite crônica com exocitose de eosinófilos (20 eosinófilos intraepiteliais / CGA)

Captura de Tela 2015-08-30 às 15.02.11

Exames laboratoriais:

Leucograma: 5.480  /  Eosinófilos: 12%

IgE: 993 UI/mL   (<100 UI/mL)

 

Endoscopia após 8 semanas de uso de IBP:

Captura de Tela 2015-08-30 às 15.03.47

 

Histologia:

Biópsia esofágica médio e proximal:  esofagite crônica inespecífica. Ausência de eosinófilos neste material.

Biópsia de estômago e duodeno:  ausência de eosinófilos

Captura de Tela 2015-08-30 às 15.07.36

CONCLUSÃO: eosinofilia esofágica responsiva da IBP

 

DISCUSSÃO:

  • Atualmente foi relatada uma condição chamada Eosinofilia esofágica responsiva a IBP.  Esta é caracterizada por pacientes sem DRGE (endoscopia e pHmetria) que apresentam sintomas de esofagite eosinofilica e que melhoram com uso de IBP
  • Relata-se também que cerca de 30-50% dos pacientes com EEo respondem ao tratamento com IBP
  • Estes dois grupos de pacientes são iguais clinicamente e histologicamente, e não possuem características próprias para serem distinguidos
  • Levanta-se a possibilidade de tratar-se da mesma patologia ou que os pacientes com eosinofilia responsiva ao IBP seriam na verdade pacientes que não foram diagnosticados corretamente para DRGE
  • Relata-se também a possível ação anti-inflamatória dos IBPs que poderiam melhorar a eosinofilia dos pacientes com esofagite eosinofilica

Através destes conceitos podemos extrair que:

– Na suspeita de esofagite eosinofílica deve-se realizar as biópsias de rotina antes e depois do uso de IBP, para o diagnóstico e avaliação de resposta ao IBP.

–  O achado de melhora da eosinofilia após 8 semanas de IBP, pode-se tratar de esofagite eosinofílica a qual teve melhora por uma outra ação do IBP que não da supressão ácida, como uma ação anti-inflamatória por exemplo.

– A DRGE ainda deve ser considerada mesmo com EDA e pHmetria normais. Nestes casos a realização de  impedâncio-pHmetria aumenta a sensibilidade do diagnóstico de DRGE ácida e avalia também o refluxo não ácido. Deve-se ter em mente que os exames de phmetria e principalmente de impedâcio-pHmetria são examinador dependente, sendo importante a realização dos mesmos por profissionais capacitados e com experiência.

– Independente da nomenclatura usada para a definição da patologia (Eosinofilia responsiva a IBP x Esofagite eosinofílica) o tratamento inicial com IBP pode ser tentado como escolha terapêutica inicial.

Felipe Paludo Salles
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Residência em Endoscopia Digestiva no Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP)
Residência em Gastroenterologia no Hospital Universitário da UFSC
Presidente da SOBED / SC na gestão 2018-2020
Médico da clínica Endogastro em Florianópolis e ProGastro em Joinville


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19 Comentários

Bruno Martins 27/06/2017 - 11:49 am

Felipe, acho que o assunto deste post deve ser revisitado. O conceito de que a esofagite eosinofílica deva ser confirmada somente após 8 semanas de IBP com novas biópsias tem sido questionado. Ao invés de excluir o diagnóstico de EE, o termo EE responsiva a IBP tem sido adotado (casos 2 e 3). Veja esse artigo interessante: http://gut.bmj.com/content/65/3/524.

Felipe Paludo Salles 29/06/2017 - 7:57 pm

Bruno, realmente alguns conceitos foram revisados e atualizei o post conforme os mesmos. Deve-se ter mente que estes conceitos ainda geram muitas duvidas pois ainda não se tem certeza se são patologias diferentes ou iguais com apresentações diferentes.

Renan 26/04/2016 - 2:24 am

DR. Felipe a fluticasona em solução para nebolização misturada a sucralose(adoçante em pó) é indicada para o tratamento da esofagite eusinofilica?

Felipe Paludo Salles 29/04/2016 - 10:37 am

Renan, existem algumas formulações em gel que podem ser feita em farmácia de manipulação. Quanto a esta formulação específica que citou não tenho conhecimento.

Ivan R B Orso 30/03/2016 - 10:46 pm

Não existe uma apresentação comercial de corticóide específica para o tratamento da esofagite eosinifílica. Aqui em Cascavel nós desenvolvemos junto com a uma farmacêutica uma fórmula manipulada de budesonida com consistência de gel. O gel adere nas paredes do esôfago potencializando o efeito tópico. Tem funcionado muito bem.

Felipe Paludo Salles 30/03/2016 - 9:16 am

Renan, atualmente no mercado só existe fluticasona spray para uso pulmonar. Para o tratamento na EE o paciente deve ser orientado a descartar o espaçador que vem junto ao produto que serve para que o medicamento vá direto para a via aérea. Recomenda-se que o spray seja borrifado na língua e deglutido. Importante a orientação para o paciente não ingerir nada (nem água) por pelo menos uma hora após a aplicação.

Renan 30/03/2016 - 2:50 am

DR. Felipe como deve ser feita a aplicação da fluticasona spray em relação ao tratamento de esofagite eusinofilica? deve se aplicado na lingua ou de forma igual a asma?pode se alimentar apos o uso?

Felipe Paludo Salles 16/12/2015 - 4:01 pm

Mila, qualquer tipo de orientação médica não pode ser repassada diretamente para pacientes sem consulta e análise aquedada de cada caso. Att, Felipe

Mila Lisboa 16/12/2015 - 3:56 pm

boa tarde fiquei super preocupada porque na endoscopia na conclusaop apareceu assim esofagite edematosa ( esofagite eosinofílica ? ) e eles pediram biopsia ai como fique assustada com medo porque pediram ,ai depois d pesquisas vi para diagnosticar essa esofagite apenas por biopsia para ter comprovaçao ne ? Pode me tirar algumas duvidas sobre o assunto

Felipe Paludo Salles 15/12/2015 - 6:16 pm

Valene qualquer tipo de orientação médica não pode ser repassada diretamente para pacientes sem consulta e análise aquedada de cada caso. Oriento você procurar auxílio especializado para tratar de seu filho. Att, Felipe

Valene 15/12/2015 - 5:56 pm

Dr. Felipe obrigada pelo post, meu filho foi diagnosticado com esofagite eosinofílica, fez uso de fluticosana spray e apresentou alergia, já realizou vários testes alérgicos e não teve IgE elevado em nenhum exame. Tenho muitas dúvidas em relação a essa doença e poucas informações, ele já fez uso de IBP e não teve nenhuma melhora, desde que nasceu ele tem refluxo, ele pode ser alérgico ao meio ambiente ?

Felipe Paludo Salles 10/09/2015 - 12:32 pm

Costumo usar fluticasona spray para borrifar na língua e engolir por períodos que podem variar de 6-12 semanas. E encaminho para a nutricionista para tratamento através de exclusão alimentar, este me parece o mais efetivo e racional de ser utilizado. Em breve estaremos abordando o assunto com uma revisão geral e neste entraremos em maiores detalhes.

Ivan R B Orso 10/09/2015 - 12:05 pm

Felipe, parabéns pelo post, realmente bastante ilustrativo. Apesar de você ter focado no diagnóstico, quero me adiantar um pouco e saber sobre o tratamento nos casos confirmados. Que tipo de corticóide tópico você usa? Fluticasona? Budesonida? Usa bombinha ou manda manipular? Gel? Quanto tempo antes de reavaliar? Você indica a dieta dos 6 alimentos?

Felipe Paludo Salles 10/09/2015 - 10:04 am

Renzo, excelente pergunta pois este talvez seja o grande erro, tentar fazer o diagnóstico na primeira endoscopia realizada. Quando tenho a suspeita durante o exame endoscópico sem conhecer a história clinica do paciente, realizo apenas biópsias esofágicas. Depois este paciente deve retornar para mostrar o resultado das biópsias e para uma anamnese dirigida para a patologia. Neste retorno prescrevo IBP por 8 semanas e no termino deste ciclo realizo um nova endoscopia. Nesta segunda endoscopia faço biópsias do terço PROXIMAL e MÉDIO, tendo em vista que a deposição de eosinófilos na esofagite eosinofílica é difusa e no do terço distal pode ainda existir uma influência da DRGE. Também neste momento realizo biópsias gástricas e duodenais para excluir alguma síndrome eosinofílica do trato gastrointestinal com a gastroenterite eosinofílica.

Felipe Paludo Salles 10/09/2015 - 9:54 am

Obrigado Rafael, Rubem e Fernando. Optamos inicialmente por fazer este post apenas sobre o diagnóstico correto tendo em vista os erros que acontecem e muitas vezes até mesmo uma banalização desta patologia. Logo iremos fazer um post com uma revisão geral sobre o assunto e assim iremos poder discutir melhor este tema tão intrigante. Valeu, Felipe

Renzo Feitosa Ruiz 10/09/2015 - 1:02 am

Parabéns Felipe! Posts muito bem documentados. Quando vc se depara com uma imagem sugestiva de EEo, além das biópsias dos terços médio e distal , vc biopsia tb o estômago e o duodeno para afastar Gastroenterite eosinofílica ou só se houver alterações mucosas que possam levantar a suspeita desse diagnóstico ? Abs.

Fernando 09/09/2015 - 9:03 pm

Felipe, vale lembrar que no caso 2 o diagnóstico correto seria eosinofilia esofágica responsiva a IBP. Estes pacientes merecem ser acompanhados pois podem desenvolver esofagite eosinofilica propriamente dita. Parabéns pelos casos muito bem ilustrados!

Rubem Knecht 09/09/2015 - 7:13 pm

FELIPE PARABENS. Tenho aprox.60 casos avaliados e muitos com acompanhamento pessoal, mas a maioria só por informações dos colegas solicitantes. A phmetria e manometria esofageana em muitos dos portadores da EE é normal. IgE elevado apenas nos casos de EE e quase sempre em uso associado ao fluticosone com boa resposta, mas ainda persistindo as alterações na mucosa- as estrias ou ranhuras longitudinais predominam apesar da normalidade dos eosinifilos na contagem da mucosa.
Rubem Knecht

Rafael Martins da costa 09/09/2015 - 1:16 pm

Parabéns pelo assunto atual que ainda deixa muito médico em dúvidas quanto o diagnóstico.

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