INTRODUÇÃO
- Os tumores neuroendócrinos são formados por hiperplasia das células enterocromoafins, responsáveis pela produção de serotonina
- As células enterocromafins que situam-se na lâmina própria (entre epitélio e a muscular da mucosa)
- São classificadas como lesões de padrão subepitelial e não submucoso
- Os padrões histológicos são variados e confirmam-se pela imunohistoquímica (positividade para marcadores como cromogranina A)
- Incidência vem aumentando, talvez pelo maior disponibilidade de acesso a endoscopia e aos exames de imunohistoquímica
CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA
Tipo 1: mais comum (70%)
- ocorre num contexto de gastrite atrófica
- associado a hipergastrinemia
- geralmente múltiplos
Tipo 2: são raros (5%)
- geralmente menores que 1,5 cm, multifocais no corpo
- Associado a síndrome neuroendócrina múltipla (NEM tipo 1) e síndrome de Zollinger Ellison
Tipo 3: segundo mais comum (25%)
- esporádico e isolado
- sem associação com gastrite atrófica e sem hipergastrinemia
- ocorrem em qualquer local do estômago
O principal marcador para o diagnóstico dos tumores do tipo 1 é o aumento da gastrina sérica usualmente maior que 500 em pacientes que não estão usando inibidores de bomba de prótons. (2)
CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA
A classificação histológica da OMS (2010) dos TNE gástricos é feita através:
Contagem mitótica em campos de grande aumento (10 cga) e índice de Ki67, sendo assim divididos em:
- Grau I (G1 – bem diferenciado, cerca de 90%): Ki67 ≤ 2% e < 2 mitoses/10 cga
- Grau II (G2 – bem diferenciado): Ki67 de 3 a 20% e 2 a 20 mitoses/10 cga
- Grau III (G3 – pouco diferenciado): Ki67 > 20% e > 20 mitoses/10 cga
O prognóstico deste tumores depende da junção da classificação clínica com a histológica, sendo que cerca de 80% dos tumores do tipo 1 apresentam grau histológico I e cerca de 90% dos tumores do tipo 3 apresentam grau histológico II ou III. (2).
DIAGNÓSTICO
- Biópsia do pólipo para análise histológico e imunohistoquímica
- Biópsia do corpo gástrico para verificar a presença de atrofia
- Dosagem de gastrina sérica
- Pesquisa de autoanticorpos para gastrite autoimune (anti-célula parietal e anti-fator intrínseco)
- Ecoendoscopia nas lesões com suspeita de invasão da muscular própria (>10mm) para avaliar a possibilidade de ressecção endoscópica
Na suspeita de tumor neuroendócrino, antes de ser realizada a ressecção, o ideal é a realização de uma simples biópsia da lesão para diagnóstico especifico do tipo de tumor e seu grau histológico
TRATAMENTO
Tumores de classificação clínica 1:
Tratamento endoscópico se:
– número de lesões menor que 5
– lesões menores que 1 cm
– sem suspeita de invasão da camada muscular própria (ecoendoscopia obrigatória apenas em lesões maiores que 10mm)
Tumores de classificação clínica 3:
- Análise individualizada de cada caso
- Pode-se considerar o tratamento endoscópico em tumores menores que 10mm
- Desde que não possuam fatores de risco para metástase
Fatores de risco para metástase
- Classificação histológica grau III (G3-pouco diferenciado – Ki67 > 20% e IM > 20)
- Invasão da muscular própria
- Invasão angiolinfática
Em estudo publicado na World Journal of Gastroenterology em 2013 (3), foram avaliados 119 casos de tumores neuroendócrinos do tipo 3 que foram tratados e acompanhados por 46 meses. Destes 39 foram para cirurgia, 50 foram ressecados endoscopicamente e 15 foram observados clinicamente.
Dos 39 pacientes operados, 33 seguiram o acompanhamento sendo que 29 não tiveram recidiva, 4 tiveram recidivas sendo dois casos evoluíram para óbito e outros dois foram reoperados.
Dos 15 pacientes que foram observados, 14 seguiram o acompanhamento, destes 11 não tiveram evolução da doença e 3 tiveram evolução sendo que um destes foi a óbito.
Dos 50 pacientes tratados endoscopicamente, 40 tiveram ressecção completa do tumor, destes 36 fizeram o acompanhamento e nenhum teve recidiva da doença. Os 10 pacientes que tiveram a ressecção incompleta da lesão, 7 tiveram comprometimento vertical ou lateral da margem sendo apenas observados posteriormente com endoscopia. Já 3 pacientes tiveram invasão angiolinfática, sendo todos os três encaminhados para complementação cirúrgica. Todos os 10 pacientes que tiveram ressecção incompleta, inclusive o que tiveram que ser submetidos a complementação cirúrgica não tiveram recidiva da doença.
Este estudo mostra a efetividade do tratamento endoscópico mesmo nos tumores do tipo 3, desde que sigam as indicações e contra-indicações do procedimento e principalmente se os tumores forem ressecados completamente.
Por isto as técnicas ideais para a ressecção de tumores neuroendócrinos, são aquelas que tem o potencial de fazer ressecção profundas (mucosa e submucosa) tendo em vista que o tumor cresce na lâmina própria e o comprometimento da submucosa nestes casos é esperado.
Técnicas de polipectomia simples ou mucosectomia tem altos índices de ressecção incompleta, principalmente de comprometimendo vertical da margem pois geralmente não conseguem ressecar completamente a submucosa. (4)
Técnicas de ressecção endoscópica profunda (mucosa + submucosa):
- Ligadura elástica + Polipectomia (assista vídeo da técnica)
- Ressecção com alça monofilamentar (assista vídeo da técnica)
- Dissecção endoscópica da submucosa (ESD)
TRATAMENTO EM CASOS ESPECIAIS
- Tumores neuroendócrinos que apresentam fator de risco para metástase, está indicada a gastrectomia com linfadenectomia.
- Pacientes com TNE tipo 1, que não responderam ou tiveram recorrência após tratamento endoscópico, pode-se tentar terapia para supressão da gastrina sérica com análagos da somastotastina (ex: octeotride) ou antrectomia
- Nos casos de metástases, há opções como técnicas de radiologia intervencionista, radioterapia para disseminação óssea sintomática e quimioterapia em doença metastática irressecável.
CONCLUSÃO
- Os tumores neuroendócrinos gástricos constituem um espectro de neoplasias com características clínico-patológicas, mecanismo patogênico e prognóstico diferentes do adenocarcinoma podendo ser mais indolentes ou se comportar como tal
- O conhecimento deste complexo tema com suas classificações e apresentações é de fundamental importância para a condução adequada de tumores desta linhagem
- Antes de ser realizado o tratamento endoscópico, deve ser feito o correto diagnóstico do tipo de tumor neuroendócrino em questão, com simples biópsia da lesão, exames laboratoriais e de imagem para estadiamento
VEJA AQUI ALGUNS CASOS CLÍNICOS SOBRE TUMOR NEUROENDÓCRINO GÁSTRICO
REFERÊNCIAS
Link dos artigos originais:
5- David A. Crosby , Gastric Neuroendocrine Tumours , Dig Surg 2012;29:331–348
Residência em Endoscopia Digestiva no Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP)
Residência em Gastroenterologia no Hospital Universitário da UFSC
Presidente da SOBED / SC na gestão 2018-2020
Médico da clínica Endogastro em Florianópolis e ProGastro em Joinville
4 Comentários
Excelente revisão, que método recomenda para rastreamento de metástases ? Devido a dificuldades de acesso para o USE (ainda), além da avaliação p/ critérios de ressecabilidade endoscópica, em que outras circunstancias o considera indispensável?
Luciana, a ecoendoscopia deve ser realizada em lesões maiores que 10mm, principalmente ser forem de classificação clinica 3 e/ou grau histológico III. O melhor método para estadiamento locoregional é a ecoendoscopia mas também pode ser realizado por ressonância magnética. Para pesquisa de metástase a distância pode-se realizar tomografia ou ressonância magnética. O PET-SCAN também está indicado principalmente nos pacientes que possuem maior risco de mestastases.
Fatores de risco para metástase:
– Classificação histológica grau III (G3-pouco diferenciado – Ki67 > 20% e IM > 20)
– Invasão da muscular própria
– Invasão angiolinfática
Recomendo estes dois artigos:
Metastatic type 1 gastric carcinoid: A real threat or just a myth?
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3870515/
Long-term follow up of endoscopic resection for type 3 gastric NET
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3870517/
Como trata-se de um tumor mais raro e especialmente pela confusão diagnóstica que se tinha no passado (por isto eram chamados de carcinóides) não existem muitos trabalhos prospectivos realizados e nenhum guideline específico do assunto. Um dos melhores trabalhos é este apresentado sobre tumores neuroendócrinos do tipo III. Neste o seguimento pós ressecção foi feito nos intervalos de 3/ 6 / 12 meses e depois anualmente. Também anualmente foram realizados exames laboratoriais e tomografia. Este seguimento foi feito por 5 anos e sendo negativo o paciente foi considerado curado. Acho que este pode ser um bom método a ser aplicado, principalmente nos tumores no tipo III que costumam ser mais agressivos.
Felipe, parabéns pela revisão sobre esse tema. Ficou muito didática e completa. Existe alguma recomendação sobre o intervalo de acompanhamento dos pacientes com TNE após ressecção encoscópica completa?