A sedação é um procedimento extremamente comum e necessário para realização dos procedimentos endoscópicos. Porém, sempre que administramos uma medicação ao paciente há o risco de uma complicação crítica: a anafilaxia.
Trata-se de uma reação alérgica que ocorre minutos ou até horas após a aplicação de medicamentos . Caso se agrave, pode levar a complicações e até ser fatal.
A incidência varia bastante de 1/500 até 1/5000 dependendo das drogas utilizadas. Casos graves de anafilaxia podem ter taxas de mortalidade de até 6%.
Agravantes durante a Sedação em Endoscopia:
- Vários fármacos sendo administrados ao mesmo tempo.
- Desvio de atenção para outras ações.
- Cobertura do corpo do paciente
- Patologias associadas.
Fatores favorecedores: Histaminase e IgE
- Idade: 30 e 50 anos.
- Sexo feminino – Bloqueador neuromuscular (alvejantes e cosméticos )
- Ansiedade
- Atopia ( asma infantil e rinite )
- Alergia alimentar e medicamentosa.
- Anestesias gerais repetidas.
- ‘’Extrofia de bexiga e espinha bífida ‘’
- Beta-bloqueadores e bloqueadores h2
- Tabaco ( hiper-reatividade brônquica)
- Gravidez (Placenta é rica em histaminases e IgE não atravessa placenta( feto sofre consequências das desordens hemodinâmicas e hipóxicas materna ) **Obs: IgG passa a placenta (reações as dextranas)
- Prolapso de valva mitral – arritmias
MECANISMOS
Origem imunológica :
- IgE (anafiláticas )
- IgG e IgM – ativando a via clássica do complemento ( anafilactóides )
Origem não imunológica:
- Ativação da via alternativa do complemento
- Histaminoliberação direta
**Obs: Não distinguíveis pelo quadro clínico
QUADRO CLÍNICO
Início em segundos ou até 30 minutos ou mais em contato por outras vias (látex 40 a 120 minutos )
**Obs: edema visível ( > 1mm) -generalizado em mucosas; subcutâneo e mucosas indica perda de 1,5L pro extravascular e pode levar à queda brusca de pressão arterial (choque)
Substância Relativamente Seguras:
- Etomidato, midalozam e cetamina
- Opióides, exceto morfina e meperidina
- Anestésicos locais amida – incidência rara ( conservantes ou antioxidantes geralmente)
- Neurolépticos: inibem h-N-metil-transferase
- O propofol normalmente não causa liberação histamínica, mas reações anafilactóides foram relatadas em pacientes com múltiplas alergias medicamentosas.
Antibióticos :
- Penicilinas: Reações anafiláticas – 0,4 a 1,5: 10.000 exposições; Mortalidade – 0,4 a 1,5:1.1000.000;
- Cefalosporinas : reação cruzada a penicilina em 20%
- Sulfonamidas : reações anafilátivas graves
- Vancomicina: Depressão miocárica direta e também pode haver histaminoliberação
Contrastes Radiológicos :
- Incidência 5 a 8% quando administrados por via endovenosa.
- Baixa incidência quando utilizados na via biliar.
- Mortalidade: 2 a 6: 10.000
Alergia à Derivados de látex :
- Incidência: 2,9 a 17%
- Mediada por IgE – anafiláticas
- Contato: cutâneo, mucoso ou inalatório
- Clínica: Alteração hemodinâmica e ou respiratória sem explicação
- Fatores de risco: Profissionais da saúde, pessoas com múltiplas sondagens ou cirurgias repetidas.
- 69% são atópicos e reação cruzada a frutas
TRATAMENTO
Profilaxia :
- Paciente sem tratamento : Difenidramina 50mg – 1h + Prednisona 50mg 8/8h
- Com tratamento : acréscimo de efedrina 25mg VO 1h antes ou cimetidina 300mg VO 1h antes
Anti-H1: Desloca a curva dose-resposta à histamina ( Difenidramina 50mg- 16/24h antes do procedimento )
Corticóides devem ser iniciados pelo menos 24h antes do procedimento
Tratamento Primário :
- Suspensão imediata da administração dos fármacos
- Permeabilidade das vias aéreas : Fornecer 02 a 100%
- Expansão Volêmica: 1 a 4L de cristalóides ( 10/15 min)
- Posicionamento: Céfalo- declive ( trendelemburg)+ MMii elevados
- Adrenalina : 0,2 a 0,5mg EV + bolus de 0,1 a 0,2 até obtenção do efeito desejado
- Salbutamol( spray)
- Aminofilina: 5mg/kg
- Lidocaína com adrenalina – na sonda de intubação
Tratamento secundário :
- Corticóides: 500mg a 1g de metilprednisolona ou 500mg a 1g de hidrocortisona
- Bicarbonato de sódio: Apenas em colapso persistente ou acidose metabólica
- Dopamina, Noradrenalina, dobutamina, isoproterelol ( conforme indicação )
- Controle: Durante 12h pelo menos
Reconhecer a ocorrência de uma reação anafilática em um paciente sedado é tarefa muitas vezes caracterizada como difícil e a sua suspeita sempre deve ser acompanhada de tratamento agressivo. Reposição volêmica vigorosa associada ao uso de epinefrina são os pilares do tratamento e essas medidas não devem ser postergadas. Apesar de raras, essas reações apresentam um alto índice de complicações. Assim, médicos endoscopistas devem estar preparados para instituir as condutas iniciais e estabilizar o paciente até a chegada de ajuda no caso de anafilaxia.
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Referências
GarrisonJC-Histamina,Bradicinina,5-Hidroxitriptaminae Seus Antagonistas, em: Goodman LS, Gilman A- As Bases Farmacológicas da Terapêutica. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan,1990; 378-394. Pereira AMSA – Reações Anafiláticas e Anafilactóides, em: Gozzani JL e Rebuglio R -SAESP Curso de Atualização e Reciclagem.SãoPaulo,Atheneu,1991; 368-376
Bauman LA, Arnold WP- Health and Safety for Anesthesia Personnel, em: Morell RC, Eichhorn JH – Patient Safety in Anesthetic Practice. New York, Churchill Livingstone, 1997;475-477 Berry AJ, Katz JD- Hazards of Working in the Operating Room, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK – Clinical Anesthesia, 3rd Ed, Philadelphia, Lippincott-Raven, 1997;73
Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB et al. Tratado de Anestesiologia SAESP. 7a Ed, 2011.
Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th Ed, 2013.
Graduado pela Faculdade de Medicina de Teresópolis/RJ ( UNIFESO)
Residência Médica em Anestesiologia pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Marília/ SP
Título de Especialista em Anestesiologia
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Membro Titular da Sociedade Paranaense de Anestesiologia
Clínica de Anestesiologia do Oeste do Paraná (CAOP)
2 Comentários
Muito obrigado Ivan pela pergunta e pela oportunidade de falar um pouco sobre o assunto.
Vamos lá, os anti-alérgicos e os corticóides nos casos leves tem a seguinte função:
Anti-histamínico H1: Diminuem permeabilidade capilar e com isso diminui edema e também atuam nas terminações nervosas, reduzindo prurido e suprimem a secreção de algumas glândulas exócrinas( lacrimejamento e rinorréia ) porém NÃO apresentam efeito benéfico comprovado no broncoespasmo apesar de provocar relaxamento da musculatura lisa.
Corticóides: Sua principal finalidade é diminuir a atividade pró-inflamatória o que diminuirá a gravidade da reação alérgica. Visto isso aliado ao fato de que o pico de ação deles não será imediato ( tem pico de ação em cerca de 4h ) seu uso isolado não é o que resolverá a reação imediatamente.
Portanto se me deparo com quadro leve, primeira medida terapêutica é admnistração de inibidor H1, hidratação, posteriormente corticóide e observação.
Parabéns pelo post Mauro. Lendo seu artigo ficou claro que nas reações anafiláticas graves o papel da adrenalina é fundamental. E nas mais leves? Como conduzir? Qual o papel dos antialérgicos e corticoesteróides?