Home » Quando devemos associar betabloqueador à nossa ligadura elástica?

Quando devemos associar betabloqueador à nossa ligadura elástica?

por
Compartilhe:

 

Hemorragia digestiva alta (HDA) por varizes esofágicas (VE) é uma grave complicação da hipertensão portal, sobretudo em pacientes com cirrose hepática e outra descompensação da doença, como ascite, encefalopatia ou icterícia (1).

O risco de sangramento em pacientes com cirrose em seguimento por 1 ano é estimado em cerca de 12%, com mortalidade de até 30%. Por outro lado, a chance de ressangramento nos pacientes sem tratamento pode atingir 70%, com mortalidade semelhante à do primeiro episódio (1,2). Dessa forma, a prevenção adequada da HDA varicosa constitui um dos principais objetivos na abordagem da hipertensão portal desde o surgimento das primeiras estratégias de tratamento (2).

Os betabloqueadores não seletivos (BBNS) são muito eficazes nos diferentes estágios da cirrose hepática. Dados recentes sugerem que, em pacientes com cirrose compensada, podem reduzir a incidência de complicações clínicas (3). Em pacientes com VE de alto risco para sangramento (médio ou grosso calibre ou finas com sinais da cor vermelha e/ou Child B ou C), reduzem significativamente a incidência do primeiro sangramento. Naqueles com HDA varicosa prévia, previnem a recorrência do sangramento, em associação à ligadura elástica (LE), sendo que o mais importante componente dessa associação é a terapia farmacológica (3).

Com relação à profilaxia primária, as recomendações mais recentes mantem o uso de BBNS ou ligadura elástica (LE) como primeira opção. A escolha, nesse caso, baseia-se nos recursos disponíveis, na experiência do centro de tratamento e na preferência e características do paciente (4,5,6). Por outro lado, alguns estudos avaliaram o benefício da associação de BBNS à ligadura elástica na prevenção do primeiro sangramento em comparação à ligadura elástica isolada.

  • O primeiro, publicado por Sarin e col. em 2005, incluiu 144 pacientes, sendo 72 para LE e 72 para LE associada ao propranolol. Não houve diferença na redução do sangramento ou da mortalidade entre os grupos, porém a recidiva das VE foi menor entre os pacientes que receberam a terapia combinada (7).
  • Outro estudo, mais recente, incluiu 66 pacientes, 32 para LE e 34 para LE associada ao propranolol, com resultados semelhantes (8).
  • Apesar desses e outros trabalhos mostrarem algum benefício, não está indicada, até o momento, a associação de BBNS à LE para os pacientes que nunca apresentaram HDA varicosa.

 

No que diz respeito à profilaxia secundária, não há dúvidas quanto à recomendação de associar-se BBNS à LE (4,5,6). A pergunta é: devemos fazê-lo em todos os pacientes?

  • Reconhecidamente, alguns pacientes (cerca de 15% dos cirróticos) apresentam contraindicação ao uso da medicação.
  • São consideradas contraindicações: Asma ou DPOC, doença vascular periférica, bloqueios cardíacos, insuficiência cardíaca descompensada, diabetes insulinodependente (com episódios de hipoglicemia) e alergia.
  • Além disso, outros 15% dos pacientes com cirrose apresentam intolerância até mesmo a doses mínimas da medicação devido eventos adversos, tais como: broncoespasmo, fadiga, disfunção sexual e dispneia (3).

 

A grande discussão nos últimos anos, envolve o risco do uso de BBNS em pacientes com cirrose e doença hepática avançada. O racional seria o fato dos BBNS reduzirem o débito cardíaco. Pacientes com cirrose e ascite refratária são muito dependentes do débito cardíaco para manter uma pressão arterial média (PAM) adequada. Dessa forma, BBNS poderiam ocasionar piora da perfusão renal e síndrome hepatorrenal, uma condição de alta mortalidade (3).

Inicialmente, Sersté e col. observaram aumento da mortalidade associada ao uso de BBNS em pacientes com ascite refratária, o que levantou essa discussão (9). Um estudo subsequente não confirmou esses resultados, mas mostrou maior mortalidade associada ao uso de BBNS em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) (10). Notadamente, em ambos, os pacientes em uso de BBNS apresentavam PAM significativamente mais baixa que os demais.

Contudo, diversos outros estudos desde então não repetiram esses resultados.  Uma metanálise concluiu que o uso de BBNS não está associado ao aumento na mortalidade de pacientes com cirrose e ascite ou ascite refratária. Além disso, observou-se que, nos trabalhos que apresentaram efeitos deletérios significativos dos BBNS, havia diferença relevante na PAM entre os que usavam ou não a medicação (3, 11).

Portanto, a tendência é evitar associação de BBNS à LE em pacientes com cirrose hepática e pressão arterial baixa (PAS < 90 mmHg), principalmente na presença de ascite volumosa, ascite refratária ou PBE prévia. Esses achados refletem-se nas últimas recomendações quanto às doses da medicação:

  • pacientes sem ascite – dose máxima de propranolol 320 mg/dia e de nadolol 160 mg/dia;
  • pacientes com ascite – dose máxima de propranolol 160 mg/dia e de nadolol 80 mg/dia (4,5,6).

 

Em resumo:

  • não devemos associar BBNS à LE em pacientes com cirrose para profilaxia primária do sangramento varicoso.
  • No caso da profilaxia secundária, a medicação é fundamental e aparece como o mais importante componente dessa associação, porém não deve ser usada em pacientes com contraindicação ou intolerância.
  • Atenção deve ser dada à monitorização dos parâmetros hemodinâmicos do paciente, em especial, aqueles com ascite volumosa, ascite refratária ou PBE prévia. Nesses pacientes, o uso da medicação deve ser visto com cautela e em doses mais baixas.
  • Pressão arterial baixa (PAS < 90 mmHg) está associada a complicações, como síndrome hepatorrenal e, nesse caso, a medicação deve ser descontinuada.

 

REFERÊNCIAS:

  1. Garcia-Tsao G, Bosch J. Management of varices and variceal hemorrhage in cirrhosis. N Engl J Med 2010;362:823-32.
  2. Baiges A et al. Pharmacologic prevention of variceal bleeding and rebleeding. Hepatol Int. 2017.
  3. Garcia-Tsao G. The Use of nonselective betablockers for treatment of portal hypertension. Gastroenterol Hepatol. 2017;13(10):617-619.
  4. de Franchis R; Baveno V Faculty. Expanding consensus in portal hypertension. Report of the Baveno VI Consensus Workshop: stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. J Hepatol. 2015;63:743-52.
  5. Garcia-Tsao G, Abraldes JG, Berzigotti A, Bosch J. Portal hypertensive bleeding in cirrhosis: Risk stratification, diagnosis, and management: 2016 practice guidance by the American Association for the study of liver diseases. 2017;65:310-35.
  6. Bittencourt PL et al. Variceal Bleeding: Update of Recomendations from the Brazilian Association of Hepatology. Arq Gastroenterol 2017;54(4):349-355.
  7. Sarin et al. Endoscopic variceal ligation plus propranolol versus endoscopic variceal ligation alone in primary prophylaxis of varicela bleeding. Am J Gastroenterol 2005;100:797-804.
  8. Bonilha DQ et al. Propranolol associated with endoscopic band ligation reduces recurrence of esophageal varices for primary prophylaxis of variceal bleeding: a randomized-controlled trial. Eur J Gastroenterol Hepatol 2015;27(1):84-90.
  9. Sersté et al. Deleterious effects of beta-blockers on survival in patients with cirrhosis and refractory ascites. Hepatology 2010;52(3):1017-22.
  10. Mandorfer M et al. Nonselective β blockers increase risk for hepatorenal syndrome and death in patients with cirrhosis and spontaneous bacterial peritonitis. Gastroenterology 2014; 146(7):1680-90.
  11. Chirapongsathorn, S. et al. Nonselective β-Blockers and Survival in Patients With Cirrhosis and Ascites: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14(8):1096-1104.
+ posts

Compartilhe:

2 Comentários

DANIELLE ROSSANA Q M BONILHA 21/05/2018 - 10:34 pm

Obrigada pelo comentário, Matheus. O papel do Carvedilol no contexto da profilaxia primária e secundária do sangramento varicoso vem sendo alvo de diversos estudos. Sabemos que se trata de um beta-bloqueador não seletivo com potencial maior de reduzir o gradiente de pressão portal, devido seu efeito vasodilatador intrahepático (alfa-adrenérgico). Essa seria uma vantagem em relação aos betabloqueadores usados com mais frequência, notadamente, o propranolol e o nadolol. Por outro lado, essa vantagem não foi demonstrada na maioria desses estudos, de modo que o carvediol aparece como opção aos betabloqueadores tracicionais em alguns consensos, como o último consenso brasileiro (2017), porém ainda sem evidência de superioridade.

Matheus Franco 24/04/2018 - 12:00 pm

Danielle meus parabéns pela excelente revisão sobre esse tema.
Atualmente existe alguma vantagem do uso do carvedilol em comparação com o propranolol?
Pois percebi que alguns artigos estudaram essa droga na prevenção primária e secundária do sangramento varicoso. Obrigado.

Deixe seu comentário