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O tratamento com os inibidores de bomba de prótons é seguro?

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Não seria exagero dizer que os inibidores da bomba de prótons (IBP`s) revolucionaram a gastroenterologia a partir do início dos anos 90.

Muito mais eficientes que os antiácidos ou os antagonistas dos receptores H2, eles tornaram-se a droga de escolha no tratamento das condições relacionadas ao efeito lesivo da secreção gástrica ácida, principalmente a doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE) e a úlcera péptica.

Em virtude disto, os “prazóis” passaram a ser utilizados em larga escala e são uma das classes de medicamentos mais prescritos ao redor do mundo (1). Contribui para este fato, o fácil acesso a tais medicamentos, sua ótima tolerância e eficiência, mesmo a longo prazo. Assim, não é incomum encontrarmos pacientes que utilizam a droga por muitos anos, de forma contínua, embora em muitos casos a indicação para isto nem seja apropriada.

Particularmente na DRGE, uma das principais indicações terapêuticas, há excesso na prescrição destes fármacos em pacientes que não necessitam deles, como por exemplo em supostas manifestações extraesofágicas da doença, sem documentação do refluxo patológico (2).

Paralelo a esta popularidade, são crescentes os relatos de efeitos adversos decorrentes do uso prolongado destes medicamentos. Acompanhamos, recentemente, relatos desta natureza na mídia leiga e redes sociais, com grande repercussão. Isto trouxe um grande impacto na rotina dos gastroenterologistas, cujos pacientes passaram a questionar a indicação dos IBP´s. Médicos de outras especialidades passaram a condenar o uso destes medicamentos.

Neste contexto, as informações são conflitantes e há dificuldades de separar o que é fato e o que é ficção.

Assim, o nosso objetivo é responder, à luz da medicina baseada em evidências, às seguintes perguntas:

  • Quais os eventos adversos decorrentes do uso dos IBP´s?
  • Qual o posicionamento das principais sociedades de especialidades médicas envolvidas?
  • Estes medicamentos podem ser utilizados com segurança para o tratamento de quais condições?

 

1. Possíveis eventos adversos relacionados aos IBP´s

Eventos com relação causal estabelecida com IBP´s
Evento Mecanismo proposto Estimativa de risco/evidência Relevância Clínica
Nefrite Intersticial aguda Reação idiossincrásica Moderado (RR  3,61) – metanálise de estudos observacionais Rara , mas enfatiza necessidade de indicação correta
Pólipos de glândulas fúndicas Hipergastrinemia OR 2,45 – metanálise Sem maior relevância clínica
Hipomagnesemia Idiossincrásica,

↓ absorção (?)

Baixo (RR< 1,5) – metanálise de estudos observacionais Risco potencial;  Dosar periodicamente;
Deficiência de ferro Hipocloridria

( ↓absorção)

Baixo (OR 2,49) – observacional Baixa; tratável e reversível
Supercrescimento bacteriano int. delgado Hipocloridria Baixo (OR 2,28) – metanálise Baixa; tratável e reversível
Deficiência de Vit B12 Hipocloridria (↓absorção) Baixo (HR 1,83) – metanálise Mínima; tratável e reversível
Colite Colagenosa indefinido (HR 4.5) Diarreia; reversível

 

Eventos com fraca associação com IBP´s 
Evento Mecanismo proposto Estimativa de risco Relevância Clínica
Fraturas Hipocloridria,

↓ absorção Cálcio

Baixo (OR 2,65) – estudos observacionais, resultados conflitantes Mínima

Evidência fraca

Doença renal crônica Não estabelecido Baixo (HR 1.5) – observacionais (caso-controle) Evidência fraca
Diarreia por Clostridium difficile Hipocloridria Baixo (RR 1.69) – metanálise Pequena, porém enfatiza indicação correta
PBE em cirróticos Alterações na microbiota Baixo (HR 1.4 a 5.0) Avaliar risco-benefício
Encefalopatia em cirróticos Alterações na microbiota, hipomagnesemia, def. Vit B12 OR 1.41 a 3.01 Avaliar risco-benefício
Câncer gástrico (5) Hipocloridria, hipergastrinemia Variável entre estudos Indeterminada (requer mais estudos)

 

Eventos não relacionados ao uso dos IBP`s
Evento Mecanismo proposto Estimativa de risco Relevância Clínica
Pneumonia Hipocloridria, comprometimento esterilidade gástrica Sem risco, metanálise de estudos prospectivos Nenhuma – evidência fraca
Eventos cardiovasculares agudos Interação com metabolismo hepático do Clopidogrel Risco não observado (HR 0.99) – trial randomizado controlado Sem evidência de associação
Demência Deposição de beta amilóide Estudos conflitantes, maioria sem associação Nenhuma, evidência muito fraca

 

2. Posicionamento das Sociedades Médicas de especialidades

  • American Gastroenterological Association (AGA): Quando a indicação dos IBP´s é apropriada, os benefícios superam os riscos (2017). O posicionamento é claro no site da sociedade, onde há ainda recomendações de uso racional destes medicamentos, baseadas na opinião de experts e em publicações relevantes.
  • Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG):Há um posicionamento da sociedade em relação ao uso crônico dos IBP´s e aumento do risco de câncer gástrico após erradicação do H pylori, apontado em estudo recente de Hong-Kong (6), considerando que os dados não são conclusivos e que a droga é segura se bem indicada, na dose mínima e pelo tempo necessário, de acordo com a indicação. No site não há um posicionamento geral, aberto ao público.
  • British Society of Gastroenterology: Posiciona-se em relação ao mesmo estudo, considerando que a associação com o câncer gástrico é plausível em certas populações, mas que o risco individual é baixo. Ainda assim, sugere uso preferencial dos antagonistas H2 nesta população (pacientes com H pylori erradicado), com orientação dos pacientes quanto aos riscos.
  • World Gastroenterlogy Organisation / Japanese Gastroenterological Association: Não localizamos posicionamento oficial das sociedades em seus respectivos sites.
  • American College of Gastroenterology (ACG): Comenta o assunto em um blog da presidência da sociedade, resumindo os riscos e fornecendo recomendações práticas, como reconhecer que algumas das associações podem ser verdadeiras e que as indicações devem ser cuidadosamente revisadas e a literatura médica acompanhada de perto.

 

 

3. Indicações para uso prolongado dos IBP´s

 

Uso apropriado Uso com benefício incerto
Cicatrização e terapia de manutenção em pacientes com esofagite erosiva graus C e D DRGE não responsiva a IBP`s
DRGE responsiva a IBP’s, que requer controle sintomático de longo prazo DRGE extraesofágica
Esôfago de Barrett, mesmo assintomático Dispepsia funcional
Esofagite eosinofílica responsiva a IBP´s Pirose funcional
Prevenção de úlceras e sangramento digestivo nos pacientes de risco, em tratamento crônico com anti-inflamatórios não hormonais/aspirina (idosos, histórico de úlceras e HDA)

 

* Pacientes com esofagite erosiva de baixo grau (graus A e B de Los Angeles) e com DRGE não erosiva (NERD): recomenda-se, quando possível, a utilização intermitente ou sob demanda dos IBPs

* Não há evidência científica que recomende uso de probióticos, aumento da ingestão de vitamina B12, cálcio ou magnésio ou uso específico de determinado inibidor de bomba para reduzir os riscos.

 

Em conclusão:

  • Ainda que baixos, os riscos do uso prolongado dos IBP´s devem ser considerados no momento da sua prescrição.
  • Recomenda-se utilizar tratamento intermitente ou sob demanda quando possível e, nos casos com indicação de uso contínuo, optar pela menor dose efetiva.
  • Destaca-se também a importância de uma adequada avaliação clínica, com exames objetivos quando indicado, a fim de se selecionar corretamente os pacientes com indicação da terapia prolongada com estas drogas.
Referências Bibliográficas:

1) LANAS A. We are using too many PPI´s, and we need to stop: a european perspective. Am J Gastroenterol 2016; 111:1085-1086.

2) KAHRILAS P et al . Emerging dilemmas in the diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease F1000R 2017; 6: 1748

3) VAEZI M F. Complications of Proton Pump Inhibitor Therapy. Gastroenterology 2017; 153: 35–48

4)KINOSHITA Y, ISHIMURA N, ISHIHARA S. Advantages and Disadvantages of long-term proton pump inhibitor use. J neurogastroenterol Motil 2018; 24 (2): 182-196.

5) SCARPIGNATO C et al. Effective and safe proton pump inhibitor therapy in acid-related diseases – A position paper addressing benefits and potential harms of acid suppression. BMC med; 2016; 14:179

6) CHEUNG K S et al. Long-term proton pump inhibitors and risk of gastric cancer development after treatment for Helicobacter pylori: a population-based study. GUT 2018;67:28–35.

 

 

Rodrigo Azevedo de Oliveira
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- Gastroenterologista e especialista em Endoscopia Digestiva
- Sócio titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva
- Membro da Sociedade Brasileira de Motilidade Digestiva
- Membro internacional da American Society for Gastrointestinal Endoscopy


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1 Comentário

Bruno Martins
Bruno Martins 06/01/2022 - 9:46 pm

Olá Rodrigo, tudo bem? Parabéns pela extensa revisão. Acabou de sair um artigo relacionando uso crônico de IBP com risco de AVC. A coorte é de quase 500.000 participantes e os autores associaram uma meta-análise de 9 RCT encontrando um aumento de 16% do risco. Achei interessante a discussão. Abraços!
https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-021-02180-5

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