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Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional e ESD com auxílio de método de tração

por Flávio Ferreira
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Artigo original: Comparing a conventional and a spring-and-loop with clip traction method of endoscopic submucosal dissection for superficial gastric neoplasms: a randomized controlled trial (with videos). Nagata M, Fujikawa T, Munakata H. Gastrointest Endosc. 2021 May;93(5):1097-1109.

Técnicas de dissecção endoscópica da submucosa permitem o tratamento de lesões neoplásicas precoces, com vasto suporte na literatura sobre eficácia, segurança e menor taxa de recorrência que outros métodos endoscópicos, seguindo os critérios adequados para indicação do procedimento. Na prática, observamos que a dificuldade técnica inerente ao procedimento e tempo prolongado para sua realização acabam por limitar as indicações, sendo realizado apenas por alguns experts. A incapacidade de realizar contratração do tecido a ser removido é citada por vários como uma das principais dificuldades do procedimento.

Existem algumas publicações mostrando dispositivos diferentes com o objetivo de promover contratração utilizando fios, clips, elásticos ou, até mesmo, magnetos. No estudo em questão, foi utilizado um dispositivo que consiste em uma mola acoplada a um loop em uma extremidade e um clip na outra, sendo denominado apenas como “mola” no decorrer do texto. A tração é realizada ancorando o clip do próprio dispositivo na lesão e utilizando um clip convencional para apreender o loop, deslocá-lo ao local desejado e ancorar no tecido gástrico com o clip.

Figura 1 – Legenda : Dispositivo loop-mola-clip (SLC, Zeon Medical, Tokyo-Japão) com mola de 5 mm (extensível até 8 cm), loop de 4 mm e clip metálico.

Métodos

Estudo prospectivo, em único centro, randomizado, envolvendo o tratamento de neoplasia gástrica precoce através de dois braços – ESD convencional (ESD-C) e ESD com loop-mola-clip (ESD-M).

A randomização foi realizada com auxílio de software, porém os pacientes e pesquisadores tinham conhecimento sobre os grupos (não cego).

Foram avaliados, como objetivo primário, o tempo do procedimento em minutos e, como objetivos secundários, taxas de efeitos adversos, ressecção en bloc, avaliação histológica da amostra e dados referentes ao dispositivo de mola, os quais foram detalhados em:

  1. a) tempo de liberação do dispositivo – tempo entre visualização do clip no monitor e fixação na parede gástrica para promover tração. Havendo necessidade de reposicionamento, esse tempo também foi incluído;
  2. b) dano tecidual – presença de lacerações ou ruptura do tecido relacionada ao dispositivo de tração durante ESD;
  3. c) quebra do dispositivo – perda da elasticidade da mola.

Critérios de inclusão: ausência de cirurgia gástrica, confirmação histológica de adenoma ou adenocarcinoma precoce por biópsias prévias, de acordo com o esquema abaixo:

  1. a) carcinoma diferenciado de qualquer tamanho, sem ulceração/cicatriz;
  2. b) carcinoma diferenciado ≤ 30 mm, com ulceração/cicatriz;
  3. c) carcinoma indiferenciado ≤ 20 mm, sem ulceração/cicatriz.

Todos os procedimentos foram realizados por um único endoscopista, expert em dissecção endoscópica da submucosa com mais de 750 casos de ESD convencional e mais de 50 casos de ESD-M. Os procedimentos foram realizados com insuflação de CO2, utilizando overtube, gastroscópio convencional e cap.

A técnica de ESD convencional não utilizou qualquer dispositivo de tração, técnicas underwater ou pocket.

A técnica de ESD-M foi realizada da seguinte forma, resumidamente:

  1. Marcação da lesão de forma convencional.
  2. Avaliação da melhor forma de ressecção, através de visão frontal ou retroversão.
  3. Posicionamento da mola na lesão de acordo com o acesso para ESD:
  • visão frontal – mola na face proximal/oral da lesão;
  • retroversão – mola na face distal/anal da lesão.
  1. Após posicionamento de uma extremidade do dispositivo, um clipador convencional era utilizado para apreender o loop e fixá-lo na posição desejada.
  • Nos casos em que a dissecção foi realizada em retroversão, foi necessário avaliar o local de posicionamento do clip na parede gástrica para reduzir o risco de deslocamento ou tração exagerada do dispositivo com a mobilização do endoscópio.

 

Figura 2 – imagens demonstrando localização da lesão e posicionamento do dispositivo de mola para auxiliar na tração durante ESD-M. Vídeo disponível em www.giejournal.org (artigo completo disponível gratuitamente).

Resultados

Foram selecionados, inicialmente, 87 pacientes, sendo excluídos 7 (recusa em participar, não atendimento aos critérios de indicação, outras causas), totalizando 80 pacientes, 40 em cada braço do estudo – todos esses completaram o estudo e tiveram seus dados analisados.

O perfil dos pacientes foi muito semelhante entre o grupo de ESD-M e ESD-C em idade (75,3 x 74,6) e predominância de sexo masculino (75% vs. 72,5%), respectivamente. As outras características das lesões também foram bastante uniformes.

ESD-M (n=40) ESD-C (n=40)
Tamanho lesão (mm) Mean (Range) 15,9 (5-48) 15,7 (1,4-45)
Localização Proximal 7 (17,5%) 6 (15%)
Médio 19 (47,5%) 19 (47,5%)
Distal 14 (35%) 15 (37,5%)
Posição Grande curvatura 10 (25%) 7 (17,5%)
Pequena curvatura 19 (47,5%) 15 (37,5%)
Parede anterior 6 (15%) 7 (17,5%)
Parede posterior 5 (12,5%) 11 (27,5%)
Morfologia Deprimida (0-IIc; 0-III) 19 (47,5%) 24 (60%)
Plana (0-IIb) 1 (2,5%) 2 (5%)
Elevada (0-I; 0-IIa) 20 (50%) 14 (35%)
Histologia Adenoma 6 (15%) 7 (17,5%)
Adenocarcinoma diferenciado 34 (85%) 30 (75%)
Adenocarcinoma não diferenciado 0 (0%) 3 (7,5%)

 

Em relação ao uso do dispositivo de aplicação da mola, foi evidenciado tempo de liberação médio de 1,82 minutos (0,8 a 4,25). Não houve dano ao tecido a ser ressecado, e todas as âncoras foram removidas ao término do procedimento. Foi necessário usar um segundo dispositivo (média de 1,15) em 15% dos casos (n=6) por soltura do dispositivo (n=1), falha em fixar o dispositivo (n=2) e necessidade de tração adicional (n=3).

Foi observado menor tempo para realização de ESD-M e maior velocidade de dissecção neste grupo, ambos com diferenças estatisticamente significantes. Não houve diferença entre taxas de ressecção en bloc, perfuração e efeitos adversos. Os resultados estão dispostos na tabela abaixo.

    ESD-M (n=40) ESD-C (n=40) p-value
ESD procedure time Mean (Range) 42,9 (10,4-125,1) 61.7 (13,6-217,3) 0,019
Dissection speed, mm2/min Mean (Range) 28,1 (9-66,6) 1,5 (5,8-40,4) <0,001
Specimen size, mm Mean (Range) 36,1 (22-61) 37 (22-67) 0,705
Depth (size,mm / %) Mucosa 33 (82.5%) 34 (85%) 0,415
Submucosa <500 µm 1 (2,5%) 3 (7,5%)  
Submucosa ≥500 µm 6 (15%) 3 (7,5%)  
Presence of ulceration   7 (17,5%) 7 (17,5%)  
En bloc resection   40 (100%) 40 (100%)  
Complete resection   36 (90%) 39 (97,5%) 0,359
Adverse events Post-ESD bleeding 2 (5) 3 (7,5)  
Perforation 0 0  
Others 0 0  

 

Houve diferença no posicionamento do endoscópio para a realização da dissecção endoscópica, sendo observada preferência por abordagem frontal no grupo de ESD-M e uma equivalência entre abordagem frontal e retroversão no grupo de ESD-C.

Na análise de subgrupo, foi constatada vantagem para o grupo de ESD-M, com tempo menor para realização do procedimento para lesões nos terços superiores e lesões menores que 20 mm.

Comentários

Modificações na técnica e desenvolvimento de novos dispositivos, como o descrito no trabalho, têm potencial muito grande de trazer auxílio para a realização de ESD, facilitando sua reprodutibilidade e ampliando as indicações. 

Foi discutido no artigo que não houve diferença significativa no tempo de execução entre ESD convencional e tipo ESD-M para lesões em terço distal do estômago, no entanto, esta posição é mais favorável para a dissecção, potencialmente reduzindo as vantagens do uso do dispositivo tipo mola. Apesar dessa citação, é importante observar que o expert já realizou mais de 800 casos de ESD, possuindo técnica e habilidade suficiente para a realização dos procedimentos de maneira rápida e segura. Para médicos com menor experiência, é possível imaginar que os resultados entre ESD-M e ESD-C sejam ainda mais distintos.

Como citar este artigo

Ferreira F. Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional vs ESD com auxílio de método de tração. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estudo-comparativo-rct-entre-realizacao-de-esd-para-remocao-de-neoplasia-gastrica-precoce-atraves-de-metodo-convencional-e-esd-com-auxilio-de-metodo-de-tracao

Referências

  1. Nagata M, Fujikawa T, Munakata H. Comparing a conventional and a spring-and-loop with clip traction method of endoscopic submucosal dissection for superficial gastric neoplasms: a randomized controlled trial (with videos). Gastrointest Endosc. 2021 May;93(5):1097-1109. Epub 2020 Oct 12
  2. Okagawa Y, Abe S, Takamaru H, Sekiguchi M, Yamada M, Sakamoto T, Saito Y. A novel technique for adjusting traction direction during colorectal endoscopic submucosal dissection using S-O clip. Endoscopy. 2021 May;53(5):E177-E178. doi: 10.1055/a-1216-1167. Epub 2020 Aug 20. PMID: 32818993.

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Flávio Ferreira
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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED);
Especialização em Endoscopia Digestiva na Universidade de São Paulo (USP);
Mestrado em Cirurgia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
Médico endoscopista da NeoGastro (PE);
Coordenador do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Otávio de Freitas (PE)


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