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Escovado citológico na estenose biliar indeterminada

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Escovado citológico. Imagem criada e gentilmente cedida pelo Dr. Gustavo Rodela.

Frente ao achado de estenoses biliares, o diagnóstico correto se impõe.

História clínica, exame físico e subsidiários são fundamentais, visando sempre diferenciar as estenoses benignas (pós-cirúrgica, colangite esclerosante, radiação e outras) das malignas (neoplasias). Estas são sempre desafiadoras em seu diagnóstico e conduta terapêutica.

O diagnóstico começa com medidas não invasivas, como marcadores tumorais séricos, ultrassom, colangiorresonância magnética, PET-scan e tomografia computadorizada.

Como métodos minimamente invasivos, temos os métodos endoscópicos como a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE), ecoendoscopia (USE), colangioscopia, endomicroscopia confocal, tomografia por coerência óptica e ultrassom intraductal. Destes, apenas a CPRE, a colangioscopia e o USE apresentam a possibilidade de coletar amostras para estudo anatomopatológico.

Histórico e resultados

Em 1975, Osnes et al. foram os primeiros a reportarem o uso do escovado biliar. Em uma pequena série de 17 pacientes, o diagnóstico citológico maligno foi feito em oito pacientes e o diagnóstico suspeito para malignidade em dois pacientes. Dos oito pacientes, sete diagnósticos foram confirmados pela cirurgia e um pela autópsia.  Não foi reportada nenhuma complicação.

Nos últimos 20 anos a aspiração da bile e o escovado citológico têm sido os instrumentos diagnósticos mais comuns, sendo o escovado citológico o mais utilizado pela sua superioridade (maior sensibilidade) frente ao aspirado de bile, já comprovado em diversos estudos.

Na literatura, os resultados do escovado citológico nas estenoses biliares malignas são muito heterogêneos, com taxas de sensibilidade variando entre 26% e 80%, entretanto, especificamente para o colangiocarcinoma, os resultados são melhores, com a sensibilidade variando entre 63% e 80%.

Recente metanálise publicada por Navaneethan, et al em 2015, utilizando nove estudos, demonstrou taxa de sensibilidade média de 45% e especificidade média de 99%.

A diferença de sensibilidade é explicada por diversas razões, incluindo:
  • Material inadequado: escovar o local inadequado devido ou ao tamanho ou a localização da lesão, fibrose extensa, epitélio benigno recobrindo a lesão, erros técnicos;
  • Erros de interpretação do patologista: mudanças sutis em lesões bem diferenciadas , falta de familiaridade com os critérios de diagnóstico de lesão neoplásica , má preservação celular e subestimar a importância do fundo do esfregaço.

 

Assim, para aumentar a taxa diagnóstica:
  • A fixação do material na lâmina é um dos passos fundamentais no preparo da amostra para o patologista (ver figura).
  • A amostra deve ser enviada para patologistas de referência: Wight, et al. demonstraram aumento da sensibilidade de 49,4 % para 89,0% quando as amostras eram avaliadas por patologistas mais experientes.
  • Realizar dois escovados consecutivos. Esta técnica pode, segundo alguns autores, aumentar as taxas de diagnósticos.
  • Utilização de materiais adequados para realização do procedimento. No mercado existem diversos tipo de escovas citológica, sugerimos sempre o uso de escovas guiadas, pela facilidade técnica que essas proporcionam.

 

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Em nosso serviço (HCFMUSP) após padronização da utilização de dois escovados consecutivos (1 lâmina fixada ao ar, 2 lâminas fixadas ao álcool 70% e 1 frasco com a ponta da escova no formol para emblocado), conseguimos um aumento importante em nossa taxa diagnóstica. Em protocolo de pesquisa ainda em andamento, apresentamos taxas de sensibilidade (67%), especificidade (100%), valor preditivo positivo (100%), valor preditivo negativo (13%) e acurácia (69%).

 

Como realizamos o escovado citológico:
  1. Cateterização da via biliar e infusão do contraste para avaliação da estenose
  2. Papilotomia endoscópica
  3. Manter o fio guia na via biliar
  4. Introdução da escovada citológica (guiada pelo fio-guia)
  5. No local da estenose, expor a escova citológica e realizar 20 movimentos de progressão em retração da escova (movimentos de “vai e vem”)
  6. Retrair a escova citológica e retirar o cateter com a escova citológica
  7. Expor a escova e preparar a lâminas
  8. Fixar o material nas lâminas (2 lâminas fixadas ao álcool e 1 fixada ao ar)
  9. Cortar (com tesoura forte ou alicate) a ponta da escova e colocar num frasco de formol para emblocado. Também realizamos um flush com SF 3 ml para aproveitar o material que restou no cateter para o emblocado junto a ponta da escova.
  10. Enviar material ao patologista experiente

A literatura, assim como nossa experiência, demonstra altas taxas de especificidade e valor preditivo positivo, assumindo que um teste com resultado positivo é confiável.

As complicações do procedimento são raras; mas deve-se evitar a manipulação da via biliar em casos de colangite.

Portanto é fundamental a realização do escovado citológico nas estenoses biliares indeterminadas, por ser um método simples, rápido e seguro, podendo confirmar um possível doença maligna, facilitando e adiantando a decisão da terapêutica empregada.

E atualmente :

Devido a baixa sensibilidade do escovado, há décadas, os grandes centros tentam realizar a medição do teor de DNA de potenciais genes oncogenicos para tentar aumentar a sensibilidade no diagnóstico de colangiocarcinoma em amostras de escovado citológico. A partir disso, surgiram os ensaios utilizando hibridização fluorescente in situ (FISH), que já está disponível no mercado. A FISH apesar do seu alto custo, tem demonstrado aumento da sensibilidade em alguns estudos.

Curiosidade:

Alguns serviços americanos com maiores recursos financeiros utilizam duas escovas citológicas por procedimento.

Veja o vídeo de como realizar o escovado citológico
https://endoscopiaterapeutica.net/pt/video/escovado-citologico-de-via-biliar/

Referências:

Navaneethan U, Njei B, Lourdusamy V, Konjeti R, et al. Comparative effectiveness of biliary brush cytology and intraductal biopsy for detection of malignant biliary strictures: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2015 Jan;81(1):168-76.

Pugliese V, Conio M, Nicolo G, Saccomanno S, Gatteschi B. Endoscopic retrograde forceps biopsy and brush cytology of biliary strictures: a prospective study. Gastrointest Endosc. 1995;42:520–6.

DeWitt J, Misra VL, Leblanc JK, McHenry L, et al. EUS-guided FNA of proximal biliary strictures after negative ERCP brush cytology results. Gastrointest Endosc. 2006;64(3):325-33.

Rösch T, Hofrichter K, Frimberger E, Meining A, et al. ERCP or EUS for tissue diagnosis of biliary strictures? A prospective comparative study. Gastrointest Endosc. 2004;60(3):390-6.

Osnes M, Serck-Hanssen A, Myren J. Endoscopic retrograde brush cytology (ERBC)of the biliary and pancreatic ducts. Scand J Gastroenterol. 1975;10(8):829-31.

Selvaggi SM. Biliary brushing cytology. Cytopathology. 2004 Apr;15(2):74-9. Review.

Singhi AD, Slivka A. Evaluation of indeterminate biliary strictures: Is it time to FISH or cut bait? Gastrointest Endosc. 2016 Jun;83(6):1236-8.

 

Diogo Turiani Hourneaux De Moura
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Professor Livre-Docente em Gastroenterologia pela USP.

Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Digestiva pelo Hospital das Clinicas da Universidade de Sao Paulo.

Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Vila Nova Star


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8 Comentários

Diogo Moura 21/09/2016 - 10:37 am

Saiu o artigo nesta última edição da Gastrointestinal Endoscopy que é fantástico.
A melhor revisão que já vi sobre o tema de diagnóstico de estenose biliar indeterminada com suspeita maligna por CPRE.
O título é: ERCP tissue sampling
Autor: Paul Korc

RECOMENDO A LEITURA!

Guilherme Sauniti 21/09/2016 - 10:49 am

Otima dica !!! Complementa e ratifica tudo que você escreveu!

Renzo Feitosa Ruiz 19/09/2016 - 8:58 pm

Olá, Diogo ! Muito boa a sua revisão. O trabalho do HC que está em andamento realmente apresenta números bem expressivos. 67% de sensibilidade é bom mesmo ! Há trabalhos que mostram uma sensibilidade semelhante em pacientes com colangiocarcinoma que se submeteram à biópsia por ecoendocopia, principalmente em lesões distais. Gostaria de saber se você faz eco em pacientes que resultaram em biópsia + escovado negativos. Abraço.

Diogo Moura 19/09/2016 - 11:26 pm

Olá Renzo. Obrigado.
Em nosso protocolo realizamos a ecoendoscopia e a CPRE em todos os casos, justamente com o intuito de comparar os métodos.
No caso tivemos 9 pacientes com resultados negativos e 5 pacientes em que houve falha da CPRE por diversos motivos como estenose duodenal ou dificuldade de canaluçãoo. Em todos estes casos a ecoendoscopia com punção confirmou malignidade.
Na minha opinião os dois métodos são complementares, pois na CPRE além do diagnóstico conseguimos realizar a drenagem da via biliar. Já a ecoendoscopia além do diagnóstico histológico da lesão pode ajudar no estadiamento, através da visualização de linfonosos. Além do mais a ecoendoscopia permite a avaliação extraductal que a CPRE não permite. No entanto é importar ressaltar que um procedimento extra aumenta tempo e custo.

Diogo Moura 19/09/2016 - 5:34 pm

Obrigado Guilhermão.
Normalmente utilizamos a pinça de enteroscopia (pinça permanente Olympus).
Em caso de estenoses proximais sempre utilizamos a de enteroscopia, por ter um calibre menor e ser de mais fácil controle, já em alguns casos de estenoses distais é possível utilizar a pinça comum de endoscopia.
A pinça descartável da Boston por ter maior calibre dificulta bastante o procedimento.

Guilherme Sauniti 19/09/2016 - 3:09 pm

Parabéns pela revisão Diogo ! Qual pinça vocês utilizam para a biópsia transpapilar ??

Diogo Turiani Hourneaux De Moura 19/09/2016 - 12:09 pm

Ivan, primeiramente obrigado pelo comentário.
As taxas de sensibilidade da biópsia transpapilar variam muito de 43 a 81%.
Embora essa técnica exija mais tempo e maior dificuldade técnica, ela pode tem como vantagem prover informação sobre a estrutura tecidual e também sobre níveis de invasão quando com profundidade adequada, informações essas, não possíveis por outros métodos.
Diversos estudos demonstram que combinação dos métodos de escovado e biópsia transpapilar aumentam a taxa de sensibilidade para 55-74%.
Por esse motivos supracitados eu acredito sim que vale a pena a realização dos dois métodos durante a CPRE.
Em nosso protocolo utilizamos os dois métodos e com a associação deles obtemos sim uma melhora dos resultados.
Assim como fazemos no serviço, é recomendado dois escovados consecutivos e pelo menos três biópsias transpapilares.

Ivan Orso 19/09/2016 - 11:27 am

Diogo parabéns pela revisão. A padronização do escovado descrita no texto é excelente. Fiquei surpreso com a sensibilidade de 67% do protocolo em andamento, realmente são números muito bons.
O que você acha da associação de biópsias através da cateterização da via biliar com pinça guiada pela radioscopia? Alguns artigos sugerem uma melhora na sensibilidade com a associação dos 2 métodos. Vale o risco?

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