Sabe-se que os indivíduos portadores de retocolite ulcerativa e doença de Crohn possuem risco aumentado para o surgimento do câncer colorretal (CRC). Além da presença de displasia, os principais fatores conhecidos no desenvolvimento do CRC nesse grupo são a maior duração e extensão da doença, maior intensidade do processo inflamatório, presença de pseupólipos inflamatórios, estenoses que dificultam a avaliação da mucosa, colangite esclerosante primária concomitante, além da história familiar de CRC que pode haver em alguns casos.
Para evitar o surgimento do CRC nos pacientes com doença inflamatória intestinal, diversos protocolos de rastreamento de displasia são propostos, anteriormente com realização de biópsias seriadas a cada 10 cm do cólon e com um fragmento por quadrante e, mais recentemente, os principais consensos têm priorizado a realização de biópsias guiadas por cromoendoscopia.
Baseando-se nisso, elaboramos a seguir um guia de quando e como realizar cromoscopia no rastreamento de doença inflamatória intestinal.
Quando realizar a colonoscopia?
O último consenso da “American Society for Gastrointestinal Endoscopy” abordando o papel da endoscopia na doença inflamatória intestinal, que será uma das nossas principais fontes de consulta nesse guia, propõe em sua última publicação em 2015:
Primeiro exame:
- Começar o rastreamento após 8 anos do início da doença
- Preferencialmente em pacientes com doença em remissão
- Pacientes com colite ulcerativa com acometimento extenso, ou cólon esquerdo
- Pacientes com doença de Crohn que envolve pelo menos 1/3 do cólon
- Considerar iniciar o rastreamento antes de 8 anos em pacientes com colangite esclerosante ou história familiar de CRC em parente de primeiro grau
Exames subsequentes:
- A cada 1-3 anos
- Presença de alguns fatores de risco implicam na necessidade de exames anuais (inflamação ativa, anormalidades anatômicas como estenoses e múltiplos pseudopólipos, história de displasia, história familiar de CRC em parente de primeiro grau, colangite esclerosante primária)
- Pacientes com colonoscopia com remissão endoscópica e histológica da doença em 2 ou mais exames de rastreamento podem ter o intervalo entre os exames aumentado
Como fazer?
- Utilizar preferencialmente aparelhos com alta definição (≥ 720 pixels)
- Não há evidência atual para o uso de cromoendoscopia óptica/eletrônica (NBI, FICE, iScan)
- Usar como meios de contraste índigo cármin ou azul de metileno
- Certificar-se que o cólon está adequadamente limpo, sem resíduos fecais, sangue, pus ou muco
- Após atingido o ceco inicia-se a cromoscopia
- Injeta-se um total de aproximadamente 250 ml de contraste diluído
- Indigo carmin 0.03% (10mL da solução de 0,8% com 250 ml de água)
- Azul de metileno 0.04% (10 ml da solução de 1% com 240 ml de água)
- Aplicar solução circunferencialmente no cólon utilizando-se cateter spray ou bomba injetora
- Atentar para áreas com padrão, cor ou nível mucoso diferente
- Quando uma lesão suspeita é identificada deve-se estudar a área com cerca de 30 ml de uma solução mais concentrada do corante
- Indigo carmin 0.13% (5mL da solução de 0,8% com 25 ml de água)
- Azul de metileno 0.2% (10 ml da solução de 1% com 40 ml de água)
- Fotografar as lesões
- Programar ressecções quando possível ou biópsias
- Lembrar de biopsiar áreas circunjacentes a lesão para avaliação de displasia invisível
- Tatuar se necessário
- Mesmo que não sejam encontradas lesões displásicas, não esquecer de biopsiar cada segmento do cólon com pelo menos 2 fragmentos, na avaliação de atividade histológica de doença
Como classificar as lesões:
- Displasia visível – displasia identificada em biópsias de uma lesão visualizada a colonoscopia
- Pólipóide – lesão protruindo da mucosa dentro do lúmen ≥ 5 mm
- Séssil
- Pediculada
- Lesão não polipoide – < 2,5 mm ou não protruindo da mucosa
- Superficial elevada – com protrusão no lúmen < 2,5 mm
- Plana
- Deprimida
- Descritores gerais
- Ulcerada
- Borda distinta x não distinta da mucosa adjacente
- Displasia invisível – displasia identificada em biópsias seriadas do cólon sem lesão visível
Assista esse vídeo
Leitura recomendada:
- Shergill, Amandeep K. et al. The role of endoscopy in inflammatory bowel disease. Gastrointestinal Endoscopy , Volume 81 , Issue 5 , 1101 – 1121.e13
- Laine, LorenEast, James E. et al. SCENIC International Consensus Statement on Surveillance and Management of Dysplasia in Inflammatory Bowel Disease. Gastroenterology , Volume 148 , Issue 3, 639 – 651.e28
- Veja a diretriz do SCENIC International Consensus aqui e o consenso da ASGE sobre o papel da endoscopia na doeça inflamatória intestinal aqui
Especialista em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva, Ecoendoscopia e Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Médico Endoscopista, Preceptor da residência médica do Hospital Edgard Santos - Universidade Federal da Bahia
5 Comentários
Boa Renzo, obrigado pelo comentário. De modo geral, o SCENIC indica uma condução mais conservadora de todos os pacientes com lesões ressecadas de forma completa, com necessidade de manutenção do rastreamento iniciando-se em torno de 3 – 6 meses após a remoção da lesão e com aumento progressivo de intervalo caso ausência de novas lesões. Lembrando que o consenso do ECCO continua recomendando colectomia em certas situações.
Bruno, ótima revisão. Antigamente quando detectávamos um DALM a colectomia era indicada, como ficou essa conduta agora ? Qual o intervalo atualmente preconizado após a detecção dessas lesões ?
Obrigado pelos comentários Alex e Bruno. Em relação ao termo DALM, ele foi abandonado, entre outros motivos, em uma tentativa de aproximar a classificação de lesões detectadas em exames de rastreamento de doença inflamatória intestinal com a própria classificação de Paris, tentando assim, simplificar as coisas. Acredito que foi uma mudança bem vinda.
Parabéns Bruno, excelente!
Bruno, bem didática sua padronização. À concentração de indigo preconizada no screening é bem menor do que a que utilizamos para corar polipos, LSTs. Costumo usar indigo a 0,3 – 0,25%, ou seja, 10x mais concentrado.
Pergunta: o que aconteceu com o termo DALM?