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Como você informa seu paciente sobre notícias difíceis?

por Flávio Ferreira
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Como médicos, muitas vezes, fazemos diagnósticos de doenças graves, tratamentos complexos, cirurgias, complicações, tumores, em suma: condições que trarão graus variáveis de desconforto ao paciente, seja por meio de sintomas, modificação de seus hábitos (alimentares, exercícios, lazer etc), limitações físicas/psicológicas, até de sua morte. É comum que tenhamos dificuldades e temores em passar essas notícias aos pacientes e familiares pela própria natureza das informações como por nosso receio de:

  • Não sabermos lidar bem as emoções e reações dos pacientes e familiares;
  • Trazermos consequências negativas ao paciente, removendo suas esperanças frente a condições graves e reduzindo a aderência ao tratamento;
  • Passarmos informações que sejam interpretadas erroneamente pelo paciente, transmitindo falsas esperanças e/ou omitirmos informações relevantes.

Embora situações como essas sejam frequentes no meio médico, é incomum recebermos treinamento adequado sobre como informar más notícias nas faculdades, universidades, cursos de residência médica ou especializações ao longo de nossa formação. Muitos acreditam que notícias difíceis são assim por sua própria natureza e, portanto, independem ou sofrem pouco impacto pela forma como são apresentadas. Na verdade, é um processo difícil, pois nunca sabemos ao certo como essas notícias afetam a vida dos pacientes, como eles irão processar e reagir a essas informações.

Algumas especialidades frequentemente precisam informar seus pacientes sobre diagnósticos difíceis, seja por sua gravidade, repercussões e decisões que devem ser tomadas para seu tratamento, notadamente a oncologia e cirurgia oncológica.

Foi publicado na revista The Oncologist um trabalho clássico sobre como passar informações difíceis a pacientes oncológicos por meio de um protocolo de seis passos, denominado SPIKES. Esse trabalho tornou-se referência, alimentando a discussão sobre o tema e originando outras publicações relevantes. Resumidamente, o protocolo SPIKES consiste em seis passos:

Passo 1 – Setting up (preparo)

Nesta etapa, deve-se criar um ambiente adequado, garantindo o máximo de privacidade ao paciente, reservando tempo e evitando interrupções. Recomenda-se convidar os envolvidos a sentarem em local calmo, com telefones desligados, mantendo contato visual durante o diálogo.

Passo 2 – Perception (percepção)

Nesta etapa, avalia-se o conhecimento que o paciente tem sobre sua doença ou complicação. Perguntas simples e objetivas podem ser feitas para avaliar o conhecimento prévio ou expectativas do paciente sobre a situação. Dessa forma é mais fácil corrigir informações incorretas e identificar mecanismos de defesa do paciente, como negação, por exemplo.

Passo 3 – Invitation (convite)

A maioria dos pacientes prefere ter o máximo de informações sobre suas doenças e possíveis tratamentos, porém, outros preferem saber apenas de informações mais importantes e transferem as decisões para o próprio médico. É importante avaliar e respeitar o padrão no qual o paciente se encaixa para definir como as informações serão passadas.

Passo 4 – Knowledge (conhecimento)

Etapa na qual as informações sobre a doença ou complicação são passadas ao paciente, de acordo com seu poder de compreensão. Sugere-se evitar ou reduzir a quantidade de termos técnicos, simplificando as informações, fazendo a comunicação de forma gradual, tanto para que o paciente possa absorver como reagir às informações recebidas. Evitar ser muito direto ou negativo sobre prognósticos mais reservados, lembrando que existem diversas opções tanto para tratamento curativo como paliativo.

Passo 5 – Emotions (emoções)

Ao receber notícias difíceis, o paciente pode apresentar reações muito diversas, como frustração, raiva, negação, tristeza, assim como alternar entre estas ou outras no decorrer do diálogo. Recomenda-se observar e tentar identificar as reações do paciente, dando tempo para que ele expresse seus sentimentos ou dúvidas. Deve-se manter uma postura receptiva, mostrando empatia, tentando compreender como o paciente se sente diante da notícia e/ou de suas repercussões.

Passo 6 – Strategy , Summary (estratégia e resumo)

Nesta etapa, são apresentadas as possíveis estratégias de tratamento e quais soluções serão apresentadas, caso o paciente esteja preparado para tal e deseje tomar essas decisões no momento. Estimula-se que as decisões sejam tomadas com participação ativa do paciente, dividindo as responsabilidades e respeitando suas opções.

 

Na endoscopia, a transmissão de notícias difíceis felizmente não é frequente, ocorrendo principalmente no diagnóstico de neoplasias, na presença de alguma complicação do próprio exame endoscópico ou de procedimentos cirúrgicos prévios. Torna-se mais difícil, particularmente, em casos de diagnóstico incidental de tumores em exames de rastreamento quando os sintomas são frustros ou negligenciados.

O protocolo SPIKES é bastante simples, no entanto, agrega muito valor para que a comunicação de uma notícia difícil consiga ser realizada de forma eficaz com o menor ruído possível, entregando ao paciente e familiares as informações técnicas para que seja possível realizar o tratamento de forma humanizada. São passos simples, porém frequentemente negligenciados ou realizados de forma incompleta ou desordenada, dificultando a recepção da notícia e possivelmente trazendo prejuízo à relação médico-paciente.

Na endoscopia, temos ainda dois fatores importantes a considerar:

Sedação: Quase todos exames endoscópicos são realizados sob sedação venosa, o que traz implicações sobre os atos que o paciente pode realizar e ser responsabilizado durante o período de recuperação pós-anestésica, uma vez que sua atenção e compreensão podem estar prejudicadas pelo uso das medicações, motivo pelo qual não é permitido ao paciente dirigir ou trabalhar nesse momento. As orientações e decisões tomadas no período pós-sedação devem ser realizadas com participação ou na presença do acompanhante do paciente, uma vez que este último está sob influência de fatores que limitam seu raciocínio e tomada de decisões, havendo determinação do próprio Ministério da Saúde, por meio da RDC no 6 de 2013, sobre a obrigatoriedade da presença de um acompanhante para liberação de paciente após realização de procedimento endoscópico sob sedação não tópica. No caso de complicações pós-exame, a definição do tratamento da complicação ou de orientações específicas fazem parte do exame e devem ser realizadas na presença do acompanhante.

Médico assistente: Geralmente, recebemos pacientes de outras especialidades, realizamos diagnósticos e terapêuticas específicas, orientamos sobre tratamento e seguimento realizando um papel específico focado principalmente no exame/procedimento enquanto o médico solicitante assume papel de médico assistente, realizando a condução do caso. A atuação desses dois médicos permite a criação de uma zona de interseção que deve ser tratada com cautela para minimizar choque de informações que possam deixar o paciente inseguro ou confuso. Não há regra clara para definir onde começa e termina o papel de cada um, quais informações e condutas são de responsabilidade de um e outro, cabendo ao bom senso definir esses passos.

No caso de notícias difíceis, essa atenção deve ser redobrada para passarmos as informações mais relevantes ao paciente e acompanhante. Tenho a opinião de que devemos ter bastante cautela como endoscopistas para não nortear condutas e não assumir o papel de médico assistente, pois não é nosso principal papel como médicos especialistas na realização dos exames e procedimentos endoscópicos. Obviamente, muitas vezes, o endoscopista atua nas duas funções, como endoscopista e médico assistente (gastroenterologista, cirurgião etc), não havendo, portanto, conflito de informações.

E você, como informa notícias difíceis ao seu paciente? Comente abaixo.

Como citar este artigo:

Ferreira F. Como você informa seu paciente sobre notícias difíceis?. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntos-gerais-como-voce-informa-seu-paciente-sobre-noticias-dificeis

Fonte: Baile et al. SPIKES – A Six‐Step Protocol for Delivering Bad News: Application to the Patient with Cancer. The Oncologist, 2000

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Flávio Ferreira
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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED);
Especialização em Endoscopia Digestiva na Universidade de São Paulo (USP);
Mestrado em Cirurgia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
Médico endoscopista da NeoGastro (PE);
Coordenador do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Otávio de Freitas (PE)


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