A canulação da papila duodenal maior (PDM) é uma das etapas fundamentais para o sucesso e minimização das complicações associadas ao procedimento de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), e as técnicas para alcançá-la sempre foram e continuarão sendo motivo de estudo e debate (1-3). Dentre todos os fatores que implicam em dificuldade no acesso biliar, o aspecto da papila duodenal é um dos pontos mais fáceis de serem reconhecidos. O objetivo deste artigo é apresentar duas classificações publicadas que tem o objetivo de analisar o aspecto macroscópio da papila, apresentando um alto potencial de aplicabilidade na prática do endoscopista.
Existem diferentes definições de canulação difícil, entretanto, desde 2016, a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE), recomenda o uso da definição proposta pelo grupo de estudo da Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (4), que mostra um aumento considerável nos eventos adversos quando qualquer um destes critérios está presente: mais de 5 minutos de tentativa, mais de 5 tentativas ou 2 passagens de fio no ducto pancreático.
Este mesmo grupo propôs uma classificação que divide a PDM em 4 tipos (Figura 1) assim descritos: regular (tipo I), que é o tipo mais comum, sem achados distintos, também referido como ‘aspecto clássico’; pequena (tipo II), com diâmetro menor do que 3 mm ou aproximadamente 2 vezes o diâmetro do papilótomo; protusa ou pendente (tipo III) se apresentando de forma saliente na luz duodenal, algumas vezes caída para baixo, com o orifício orientado caudalmente; e vincada ou estriada (tipo IV), na qual a mucosa ductal parece se estender distalmente para fora do orifício em forma de crista ou prega.
Em 2019 um estudo prospectivo multicêntrico conduzido pelo grupo escandinavo concluiu que o aspecto da PDM influencia na canulação biliar (5). Os resultados demonstraram que o tipo mais frequente de papila é o tipo I presente em 58% dos pacientes, seguido pelo tipo III em 23 %, pelo tipo II em 13 % e pelo tipo 4 com 8 %. A frequência de canulação difícil nos quatro tipos de papila propostos está demonstrada na figura abaixo (Figura 2), sendo possível notar a diferença estatística entre o tipo I e os tipos II e III.
Uma outra classificação do aspecto papilar foi proposta pelo grupo da universidade de Cambridge, que fez uma análise consecutiva de 100 vídeos de canulação biliar realizada com sucesso. A classificação foi baseada em um aumento progressivo da proeminência da papila duodenal maior e também se divide em 4 tipos: plana (tipo 1), descrita como plana e imóvel, com epitélio biliar em continuidade com a parede duodenal, podendo ter um anel incompleto do epitélio papilar; proeminente (tipo 2), descrita como imóvel e elevada, com um anel claro e completo de epitélio papilar circundando o epitélio biliar; infundibular (tipo 3), descrita como imóvel e proeminente com infundíbulo e podendo ter uma prega mucosa transversal; e pendente (tipo 4), descrita como móvel, proeminente e pendente, com infundíbulo distendido, projetando-se no duodeno com um orifício voltado inferiormente (7).
Analisando as classificações, é importante notar que ambas desconsideram a presença ou relação da papila com divertículos ou dobras e pregas duodenais. Além disso, a classificação britânica apresenta-se mais lógica do que a escandinava, já que a sequência reflete um aumento progressivo da proeminência e mobilidade da papila. Por outro lado, a classificação escandinava parece mais simples de ser utilizada e foi validada em estudo prospectivo com boa concordância entre observadores em um estudo multicêntrico prospectivo. A tabela abaixo (Tabela 1), traz uma correlação entre as classificações britânica e escandinava.
Tabela 1. Correlação entre classificações britânicas e escandinava
Classificação de Cambridge | Classificação Escandinava | Prevalência na população de Cambridge, % | Prevalência na população Escandinava, % |
Tipo 1 | Tipos II e IV | 20 | 21 (13 + 8) |
Tipo 2 | Tipo I | 45 | 56 |
Tipos 3 e 4 | Tipo III | 38 (25 + 13) | 23 |
Diante do exposto, fica claro que o estudo dos tipos de papila e a sua correlação com dificuldade da canulação, bem como no risco de complicações associadas, é matéria que requer ainda investigação e discussão, podendo ter implicações por exemplo no ensino da CPRE, podendo os preceptores oferecer aos endoscopistas em treinamento tipos mais favoráveis à canulação. Outro ponto interessante seria a identificação de manobras técnicas mais favoráveis para a canulação difícil em cada tipo específico de papila, obedecendo o racional do acesso biliar proposto por Hawes e Deviere que consiste nos dois passos básicos: insinuação e canulação profunda (8). Independente da experiência do endoscopista ou da classificação escolhida, a mensagem final que fica é que devemos estar atentos aos tipos de papila na prática diária, procurando nos antecipar às possíveis dificuldades que serão encontradas na canulação.
Referências
- Adler DG. Guidewire cannulation in ERCP: from zero to hero! Gastrointest Endosc 2018;87:202-4.
- Hawes RH, Devière J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3.
- Reddy ND, Nabi Z, Lakhtakia S. How to improve cannulation rates during endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Gastroenterology 2017;152:1275-9.
- Halttunen J, Meisner S, Aabakken L, et al. Difficult cannulation as defined by a prospective study of the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy (SADE) in 907 ERCPs. Scand J Gastroenterol 2014;49:752-8
- Haraldsson E, Kylänpää L, Grönroos J, et al. Macroscopic appearance of the major duodenal papilla influences bile duct cannulation: a prospective multicenter study by the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy Study Group for ERCP. Gastrointest Endosc. 2019 Dec;90(6):957-963.
- Haraldsson E, Lundell L, Swahn F, et al. Endoscopic classification of the papilla of Vater. Results of an inter- and intraobserver agrément study. United Eur Gastroenterol 2016;5:504-10
- Sinha A, Thiarya D, Patel S, et al. Anatomical factors affecting ease of common bile duct cannulation and efficacy of sphincterotomy during ERCP. Gut 2019;68:A9.
- Hawes R, Deviere J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3
Como citar este artigo
Mendoça EQ. A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/a-primeira-impressao-e-a-que-fica-aspecto-da-papila-duodenal-maior-o-que-saber-antes-de-canular/
Graduação em Medicina pela UFG
Residência em Cirurgia Geral pelo HC-FMUSP Residência em Endoscopia Digestiva pelo HC-FMUSP
Especialização em Endoscopia Oncológica pelo ICESP HC-FMUSP
Mestrado em Ciências em Gastroenterologia pela FMUSP
Membro Titular da SOBED