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Saline-pocket endoscopic submucosal dissection para neoplasias colorretais superficiais. Trial randommizado controlado.

por Flávio Ferreira
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Artigo original: Saline-pocket endoscopic submucosal dissection for superficial colorectal neoplasms: a randomized controlled trial ; Publicado na edicação de agosto da Gastrointestinal endoscopy por Harada e colaboradores.

Trata-se de um trial comparando aspectos da técnica convencional de ESD com técnica de ESD utilizando túnel submucoso (análogo ao túnel realizado em POEM), com grande número de pacientes, em único centro.

Métodos:

Estudo prospectivo, randomizado, em único centro, realizado entre abril de 2017 e novembro de 2018, envolvendo ressecção de lesões colônicas superficiais por técnicas de ESD convencional e ESD por túnel submucoso (ESD-TS). Todas as ressecções foram realizadas pelo mesmo endoscopista , com ampla experiência em técnicas de ESD (>500).

Critérios de inclusão: lesão superficial de cólon LST granular (LST-G) e não granular (LST-NG), com extensão longitudinal ≥ a 20mm, adenoma ou adenocarcinoma.

Critérios de exclusão: lesão >5cm, paciente <20anos, doença inflamatória intestinal, polipose, lesão recorrente pós ressecção.

Materiais: colonoscópio Olympus (PCF-Q260AZ – modelo com diâmetro de 9,5/9,8mm*, Flush-knife BT (Fujifilm), Pinça coagrasper (Olympus), bisturi elétrico Erbe, insuflação com dióxido de carbono (CO2),  cap tipo ST-Hood (Fujifilm). Solução utilizada para injeção submucosa: hialuronato de sódio.

*os modelos tradicionais tem em torno de 12,8mm de diâmetro no tubo de inserção e canal de trabalho de 3,7mm

Resumo da técnica de ESD por túnel submucoso:

  1. Injeção submucosa de hialuronato de sódio COM índigo carmin na borda proximal da lesão (marcação margem proximal)
  2. Injeção submucosa de hialuronato de sódio SEM índigo carmin distando cerca de 10-20mm da borda distal da lesão (entrada do túnel submucoso)
  3. Entrada no túnel submucoso utilizando o cap
  4. Utilização de soro fisiológico ao invés de insuflação durante período de dissecção da base da lesão
  5. Dissecção até chegar na margem proximal da lesão (marcada com índigo carmin)
  6. Ressecção das bordas da lesão e remoção da mesma

 

Randomização: As lesões foram randomizadas de maneira estratificada, 50% para cada grupo, obedecendo os critérios de lesão conforme localização (direita – proximal à flexura esplênica ; esquerda – cólon descendente e sigmóide ; reto) e tipo macroscópico (granular e não-granular).

Variáveis:

Objetivo principal: velocidade de dissecção (mm2/min)

Objetivo secundário: avaliação do tempo total de ESD, porcentagem de ressecção “en bloc”, ressecção completa, incidência de complicações (perfuração, sangramento, febre, dor abdominal) e volume de solução utilizada para injeção submucosa durante procedimento.

Resultados:

Foram randomizados 95 pacientes (48 para ESD convencional e 47 para ESD com túnel submucoso). Destes, quatro não foram analisados pois tiveram ressecção incompleta (um caso sem sucesso na ressecção e outros três em que foi utilizada alça para complementar a ressecção – algo como  “ESD em peace-meal”.  Avaliando sucesso técnico do procedimento, foi obtida taxa superior (97,9% x 93,8%) no grupo de ESD-TS, embora não tenha sido observada significância estatística.

Os grupos de pacientes randomizado se mostrou uniforme com taxas equivalentes em relação a dados demográficos, fibrose submucosa e grau de gordura no tecido submucoso.

  1. Velocidade de ressecção, tempo de procedimento e tipo de lesão

A velocidade de ressecção foi superior no grupo de ESD-TS em relação à ESD convencional tanto para lesões granulares (21,6 x 19,3 mm2/min, p=0,1) quanto não-granulares (19,3 x 14,4mm2/min, p=0,001). O tempo total de procedimento foi consideravelmente menor no grupo de ESD-TS em relação à ESD convencional tanto para lesões granulares (26min x 45min ; p=0,018) quanto para lesões não granulares (30min x 40min, p=0.058) .

  1. Localização lesão
    Em cólon direito houve maior velocidade de ressecção com ESD-TS (18,8 x 14,3 mm2/min) e menor tempo de procedimento (31 x 39min), ambos com significância estatística. Em cólon esquerdo observou-se padrão semelhante enquanto não houve diferença significativa nas ressecções em reto.
  2. Outros
    As taxas de ressecção “en bloc” e ressecção completa foram de 100% ambas técnicas de ESD, sem casos de perfuração. Foram observados três casos de sangramento tardio (6,7%) em ambos grupos, 1 caso (2,2%) de dor abdominal/febre em cada grupo.

Considerações:

A técnica convencional de ESD  possui benefícios inegáveis na remoção de tumores superficiais do cólon e reto, com elevada taxa de sucesso e baixa morbidade porém é tecnicamente difícil, sendo habitualmente bastante trabalhosa e com tempo prolongado de procedimento. Após o desenvolvimento das técnicas de miomectomia endoscópica (POEM) foi idealizada uma modificação das técnicas convencionais de ESD utilizando o túnel submucoso como alternativa à ressecção da lesão.

Os autores do estudo citam benefícios do uso do túnel submucoso com destaque para maior estabilidade do aparelho durante o procedimento uma vez que o mesmo fica “ancorado” no túnel, havendo pouca interferência de pulsação e movimento respiratório do paciente. Nas técnicas convencionais de ESD é notória a necessidade de maior manipulação/movimentação do aparelho para poder ressecar todas a base da lesão. Outras vantagens são citadas em relação ao uso de solução salina durante a dissecção como redução do embaçamento da lente / fumaça causada pelo eletrocautério; maior ângulo de visão causado pelo índice de refração da água.

Vale ressaltar que todos os procedimentos de ressecção deste estudo foram executados por um médico bastante experiente, com mais de 500 casos de ESD, realizando ressecção de adenomas/adenocarcinomas de 2-5cm por técnica convencional de ESD em 40-45 min e ESD por túnel submucoso em 26-30min. A taxa de complicação de um profissional com essa experiência é muito baixa sendo razoável imaginar que os resultados possam ser ainda mais expressivos com profissionais menos experientes ou em treinamento.

Uma limitação do método está no calibre do aparelho utilizado, que é pediátrico, com calibre semelhante ao de um gastroscópio padrão, de pouca disponibilidade na maior parte dos centros de endoscopia.

Não tenho experiência significativa em procedimentos de ESD ou POEM porém acompanho com frequência nos simpósios, congressos e cursos ao vivo e realmente tenho a impressão do aparelho se manter mais estável durante os procedimentos de POEM que nos de ESD mesmo sabendo que seus propósitos são totalmente diferentes assim como as patologias que requerem estas terapêuticas. A impressão é de que a técnica de ESD por túnel submucoso pode tornar a ressecção endoscópica de lesões mais frequente, mantendo a adequada segurança.

 

Flávio Ferreira
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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED);
Especialização em Endoscopia Digestiva na Universidade de São Paulo (USP);
Mestrado em Cirurgia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
Médico endoscopista da NeoGastro (PE);
Coordenador do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Otávio de Freitas (PE)


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