Estudo artigo foi publicado pela revista GIE em abril de 2015.
Resumo do estudo:
Trabalho retrospectivo realizado em um único centro no Japão, com o intuito de se criar critérios endoscópicos que possam prever a invasão maciça da submucosa (> 500 µm) e criar um fluxograma de conduta combinando endoscopia convencional (EC) e ultrassom endoscópico (EUS) em pacientes com câncer gástrico precoce.
Métodos
• 230 pacientes com câncer gástrico precoce foram estudados entre o período de abril de 2007 e março de 2012.
• Todos realizaram endoscopia convencional (com luz branca) seguida de ultrassom endoscópico (miniprobe com sondas de 12 ou 20 MHz) antes do tratamento definitivo.
• Após essa etapa, foram tratados com cirurgia (gastrectomia) ou com ressecção endoscópica da submucosa (ESD), respeitando as indicações.
• Durante o estudo anatomopatológico (AP) as lesões foram classificadas em duas categorias :
SM1 (< 500 µm) SM-M (≥ 500µm).
• Após serem classificadas, as imagens capturadas durante a endoscopia foram mostradas para 3 endoscopistas (A, B e C) experientes (10,10 e 7 anos, respectivamente), porém eles foram cegados em relação a avaliação do anatomopatológico (AP).
• Os critérios estabelecidos previamente que indicavam lesões SM-M foram: lesões ≥ 30mm, superfície irregular, bordas elevadas e espessadas; e convergência de pregas.
• Os 3 endoscopistas também avaliaram as imagens do EUS onde, quando as lesões encontravam-se na primeira e segunda camadas eram consideradas lesões intramucosas e a invasão da submucosa foi definida como acometimento da terceira camada.
Criação do fluxograma de conduta (vide anexo)
• Os critérios diagnósticos para invasão submucosa foram criados usando os recursos endoscópicos por um endoscopista (A), com referência no diagnóstico histopatológico como o critério padrão após análises estatísticas . A acurácia diagnóstica dos critérios foi estimada e comparada entre a endoscopia convencional e os achados ultrassonográficos. Além disso, os pacientes que foram classificados como tendo invasão da submucosa na endoscopia também realizaram EUS para determinar o real benefício da desse exame nesses casos.
• Os critérios foram validados pelos outros dois endoscopistas (B e C) avaliando-se a acurácia diagnóstica e a concordância interobservador.
• Após análise estatística, os investigadores definiram os critérios sugestivos de invasão submucosa como sendo : as lesões com superfícies irregulares e/ou com bordas elevadas. Quando a lesão apresentava ao menos uma dessas características a acurácia diagnóstica foi de 76.5% e quando se realizou o EUS esse valor subiu para 79.1%, porém sem uma diferença significativa.
Resultados
➢ 90% (207) eram lesões planas
➢ 90% (207) eram lesões bem diferenciadas
➢ 23% (53) apresentava convergência de pregas
➢ 84.8% (195) eram lesões SM1
➢ 15.2% (35) eram lesões SM-M
➢ 92.7% (153/165) das lesões SM1 foram corretamente diagnosticados pela endoscopia convencional
➢ 64.6% (42/65) das lesões diagnosticadas como sendo SM-M eram na verdade SM-1, ou seja foram superdiagnosticadas.
➢ 61.9% (26/42) dos casos onde houveram superdiagnósticos foram reclassificados corretamente, ou seja como sendo lesões SM1, quando os EUS foi realizado.
➢ Quando o fluxograma foi seguido, a combinação dos dois exames resultou em uma acurácia diagnóstica de 88.3%, bem maior do que quando a endoscopia foi feita isoladamente.
Conlusão:
• Os autores sugerem dois critérios simples para caracterização da invasão maciça ou não da submucosa durante a endoscopia convencional: bordas elevadas e irregularidade da superfície.
• A sugestão de que o EUS seja realizado nos casos em que os endoscopistas suspeitaram de invasão maciça da submucosa, baseia-se no alto valor preditivo negativo da ecoendoscopia encontrada nesse estudo (96%).
Limitações do estudo
• Estudo retrospectivo realizado em apenas uma instituição.
• Há claramente um viés de seleção, pois 85% dos casos selecionados foram de neoplasias intramucosas ou SM-1, fato esse que aumenta a probabilidade de superdiagnósticos.
• O estadiamento das lesões foi feito através de imagens gravadas, algumas com baixa qualidade.
• O trabalho se baseou na experiência de apenas 3 médicos.
• O estudo descreve que os endoscopistas tinham treinamento de no mínimo 2 anos em EUS, porém relata que não eram “especialistas” nesse exame e sabemos que a ecoendoscopia é um procedimento examinador dependente.
• Os 3 endoscopistas que criaram os critérios e validaram o fluxograma através de imagens gravadas, foram os mesmos que realizaram todos os exames no começo do estudo, portanto poderiam, apesar de improvável, lembrar se as lesões eram SM-1 ou SM-M.
Apesar de todas essas limitações é um trabalho importante, já que mostra que apenas com um gastroscópio de luz branca e adotando-se os critérios estabelecidos pelos autores (bordas elevadas e irregularidade da superfície), é possível estimar o comprometimento (profundidade de invasão) da submucosa em neoplasias gástricas precoces e, em casos onde suspeita-se de invasão maciça o EUS deve ser realizado.
Link do artigo original: clique aqui!
Doutorado pelo Depto. de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP
Especialização em Motilidade Digestiva pelo Depto. de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP
Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Israelita Albert Einstein
Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
4 Comentários
Particularmente acredito que o aspecto macroscópico deve ser considerado unicamente.
Choi J, Kim SG, Im JP, Kim JS, Jung HC, Song IS. Comparação entre ultrassonografia endoscópica e endoscopia convencional para a previsão da profundidade de invasão tumoral em câncer gástrico precoce. Endoscopy. 2010; 42 :. 705-713
Olá Fernanda. Ótima pergunta. Veja , baseando-se apenas nos dados do estudo supracitado, os autores recomendam que se houver dúvidas quanto a invasão ou não da submucosa, adotando-se os critérios sugeridos por eles como, bordas elevadas e irregularidade da superfície, o EUS deve ser realizado. Vimos que esse trabalho está cheio de vieses e que não há consenso na literatura sobre a necessidade ou não da realização de EUS nesses casos. Resumindo , acho que na prática devemos adotar a seguinte conduta : a lesão apresenta sinais de lesão avançada ? Se sim, o tto é cirúrgico , se não o EUS deve ser realizado. O EUS indica que a lesão é intramucosa ? Se sim, a mucosectomia estará indicada, se não a cirurgia estará indicada. Vc indicou a mucosectomia baseado no resultado do EUS, porém após o estudo anatomopatológico, a lesão não preencheu um dos critérios estendidos de ressecabilidade endoscópica de neoplasia gástrica precoce determinado pela Sociedade Japonesa, como por ex., lesão até 3cm, bem ou moderadamente diferenciada, sem invasão angiolinfática e com uma invasão da SM < 500 micrometros. O que fazer ? Considere sua mucosectomia como sendo uma macrobiópsia e indique a cirurgia. Acho que a realização do EUS nesses casos é válida, pois pode evitar uma gastrectomia, e mesmo que o resultado do exame venha a se mostrar "errado" (a invasão foi subdiagnósticada), ainda há a possibilidade de indicar a terapia de resgate.
Dr. Renzo, minha pergunta é para o dia-a-dia do endoscopista. Se encontrar um tumor gástrico que tenha bordas elevadas e superfície irregular, este caso não deveria ser submetido a cirurgia de qualquer forma ? Então qual o valor de predizer se esta acomentendo a submucosa ?
Renzo parabéns pela seleção deste artigo.
O tema é pertinente, e existe uma grande variação de resultados entre os trabalhos publicados.
Metanálise da Cochrane (Mocellin S et al. Cochrane Database Syst Rev. 2015) mostrou alta acurácia do estadimento do câncer gástrico com o EUS. Com resultados mostrando que o EUS foi capaz de diferenciar os tumores superficiais (T1 e T2) dos tumores avançados (T3 e T4) com sensibilidade de 86% e uma especificidade de 91%.
Por outro lado, metanálise com estudos asiáticos apenas (Pei Q et al. J Gastroenterol Hepatol. 2015) foi mais cautelosa na recomendação do uso do EUS, e revelou uma sensibilidade de 62% com especificidade de 78% no estadiamento SM com EUS.
Acredito que o EUS não seja um exame indispensavél na avaliação do câncer gástrico precoce, porém pode fornecer informações valiosas nos casos duvidosos ou suspeitos de invasão submucosa, como bem mostrado no estudo apresentado por você.
Outros pontos que merecem atenção são a escolha de probes com alta frequência (idealmente igual ou superior a 20 MHz) e a experiência do ecoendoscopista.