Um dos pacientes de manejo clínico mais difícil , com certeza são os pacientes com doença hepática avançada , especialmente os cirróticos. Estes possuem uma variada gama de alterações, como ascite, coagulopatias, hipertensão portal e outras, que aumentam o risco de qualquer intervenção cirúrgica que este paciente possa vir a realizar. Assim, para várias patologias, a CPRE pode ter um papel importante, porém, há pouco conhecimento publicado sobre este procedimento em pacientes cirróticos.
Para avaliar os resultados e complicações da CPRE em pacientes cirróticos, os autores realizaram um estudo retrospectivo multicêntrico, incluindo todos os pacientes que possuiam diagnóstico laboratorial ou de imagem de cirrose e que realizaram CPRE, no período de 2003 a 2014. Foram excluídos pacientes gestantes, menores de 18 anos e aqueles em que não havia diagnóstico de certeza de cirrose. Todos os pacientes realizavam exames de tempo de protrombina, INR e contagem de plaquetas. Pacientes com INR acima de 1,5 recebiam vitamina K e plasma fresco, e pacientes com plaquetas abaixo de 50000 recebiam transfusão de plaquetas. Para análise, os pacientes foram divididos conforme a classificação de Child-Pugh (CP).
Foram incluídos 538 procedimentos, em 328 pacientes (64% homens , idade média de 53,2 ±14,4 anos) com as seguintes causas de cirrose:
- Consumo de alcool – 4,1 %
- Hepatite viral – 13,6%
- Colangite esclerosante primária (CEP)– 70,2%
- Esteatohepatite não alcoólica – 1,1%
- Cirrose criptogênica – 11%
Com relação ao estadiamento da cirrose, 229 pacientes tinham classificação de CP classe A, 229 classe B e 80 classe C. O INR basal estava abaixo de 1,7 para 492 pacientes, entre 1,7 e 2,2 em 33 pacientes e acima de 2,2 para 13, sendo que para contagem de plaquetas , a média foi de 105000 (de 29000 a 193000).
As indicações para CPRE nos pacientes incluídos foram :
- Coledocolitíase – 6,5%
- Estenoses biliares (terapia/biópsias) – 70% (*nota : o grupo não realiza, geralmente, papilotomia para este procedimento em paciente com CEP)
- Pancreatite aguda recorrente – 4,1%
- Colangite – 6,7 %
- Outros – 12,3%
As principais condutas terapêuticas durante o procedimento de CPRE foram colocação de próteses biliares (51%), papilotomia (16,2%) e esfincterotomia pancreática (1,5%). Quarenta e dois pacientes necessitaram de dilatação com balão , ou de estenoses para colocação de próteses, ou para remoção de cálculos.
Como resultados, foram observados complicações em 49 procedimentos, assim distribuídos:
- Pancreatite pós CPRE – 25 (4,7 % do total)
- Sangramento – 6 (1,1%)
- Colangite – 15 (2,8%)
- Perfuração – 2 (0,4%)
- Morte – 1 (0,2%)
- Complicações cardiopulmonares – 5 (0,9%)
Observou-se que maior incidência de efeitos colaterais em pacientes com CP classe B e C quando comparados a classe A (p=0,048). Houve maior incidência de pancreatite em pacientes com realizaram papilotomia (p=0,0002), não foi encontrada relação entre ocorrência de sangramento e a classificação de CP, mas houve relação com presença de encefalopatia não controlada (5,1 % vs 0,6% p=0,02) e também para eventos cardiopulmonares (5,1% vs 0,4% p=0,01).
Concluem que o procedimento de CPRE em cirróticos é seguro, com baixa taxa de complicações (maiores em pacientes CP classe A e B ), sendo as taxas de pancreatite nos pacientes incluídos são comparáveis as taxas em pacientes sem cirrose (4,6 vs 3,6%), assim como sangramento (1,1 vs 1,3%). Porém, em sua discussão , apresentam alguns estudos anteriores, com menor número de participantes, onde o índice de complicações foi bem maior, em especial, sangramento durante ou após o procedimento. Para o estudo apresentado, todos os pacientes que possuíam coagulopatia ou baixa contagem de plaquetas foram corrigidos, e apenas 82 deles realizaram papilotomia, sendo esta não realizada (ou evitada) em pacientes com INR maior que 1,7 ou na presença de varizes duodenais. Também demonstra menor taxa de complicações no subgrupo com CEP.
Em nossa prática clínica diária, a indicação de CPRE é rara, porém existe. Nestes pacientes, o maior receio é o risco de sangramento. Mesmo na ausência de varizes duodenais, o sistema esplâncnico esta sob regime de hipertensão portal, que associado a coagulopatias (que nem sempre podem ser totalmente corrigíveis), aumentam muito o risco. No estudo apresentado, apenas uma parte pequena dos pacientes foi submetido a papilotomia, talvez o maior fator de risco isolado para sangramento, porém um dado interessante, e que mesmo quando foi necessária colocação de próteses, não foi realizada papilotomia em pacientes com CEP. Isto mostra que uma abordagem interessante nestes pacientes seria a resolução da urgência (drenagem com próteses ou dilatações com balão), e após melhora clínica, realizar o procedimento definitivo (papilotomia com remoção de cálculo por exemplo).
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Doutor em Gastroenterologia pela FM-USP.
Especialista em Cirurgia do Aparelho Digestivo (HCFMUSP), Endoscopia Digestiva (SOBED) e Gastroenterologia (FBG).
Professor do curso de Medicina da Fundação Educacional do Município de Assis - FEMA.
Médico da clínica Gastrosaúde de Marília.
5 Comentários
Obrigado pela resposta Guilherme. Vivemos em um país endêmico em hipertensão portal. O artigo foi muito bem escolhido.
Boa noite, Dr Guilherme, td bem? Uma duvida que me apareceu recentemente: em relacao as varizes esofagicas, ha algum consenso sobre a contraindicacao da cpre? Quanto ao calibre das varizes ou presenca de red spots? Grato
Olá Vladimir, fiz uma rápida pesquisa, e não encontrei nada sobre o assunto. Imagino que as varizes não sejam impeditivo, mas podem dificultar, primeiro na passagem do aparelho, segundo porque com certeza o regime de hipertensão portal sobre o duodeno será ainda mais intenso, aumento o risco de sangramentos.
Bom dia Guilherme, interessante discussão. Na minha prática tenho realizado algumas CPRE em pacientes cirróticos e não me recordo de complicações mais sérias. Um dos cuidados que eu tento realizar é a escolha de corrente mista (Blend 1) para a papilotomia. Que corrente de corte normalmente vocês tem utilizado? O artigo menciona algo em relação a isso?
Ola Francisco !
Em pacientes nao cirroticos, utilizo corte puro. Nos poucos cirroticos em que realizei CPRE, utilizei Blend 1. No artigo, eles referem uso de corte pulsado, mas nao dao maiores detalhes. Na discussao, ate citam que os estudos com maiores taxas de sangramento sao mais antigos, com bisturis de qualidade inferior aos que utilizamos hoje em dia !