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Transmissão do novo coronavírus

por Bruno Martins
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VIROLOGIA

  • O SARS-CoV-2 é um betacoronavírus, medindo entre 50-200 nanômetros, muito semelhante ao coronavírus causador da SARS.
  • Proteína mais importante da sua superfície é a proteína S (spike), a qual tem afinidade pela enzima de conversão de angiotensina 2 (ACE2)
  • O vírus se liga a ACE2 para invadir a célula hospedeira. Esse é o mesmo receptor utilizado pelo vírus da SARS [1].
  • Por isso o nome SARS-CoV-2

 

 

Figura 1: https://en.wikipedia.org/wiki/Severe_acute_respiratory_syndrome_coronavirus_2

 

TRANSMISSÃO

Como ocorre a transmissão do SARS-CoV-2?

  • A principal via de transmissão é através de GOTÍCULAS respiratórias, semelhante à disseminação da influenza.
  • Através das gotículas, o vírus liberado nas secreções respiratórias quando uma pessoa tosse, espirra ou fala pode infectar outra pessoa se entrar em contato direto com as membranas mucosas;
  • Essas gotículas normalmente não viajam mais do que dois metros, e não permanecem suspensas no ar. Por isso o distanciamento social é tão importante.
  • A segunda via importante de transmissão ocorre quando uma pessoa toca uma superfície infectada (fomites) e depois toca nos olhos, nariz ou boca. Fomites não porosos (plástico, metal) são mais propensos a propagar a infecção do que os não porosos (roupas, papel, etc)
  • A WHO e o CDC questionam a relevância da transmissão pelo ar (airborne transmission), embora não a descartem.
  • Transmissão através de partículas de aerossóis em curta distância é uma alternativa plausível [12]

 

Saiba mais sobre gotículas, aerossóis e transmissão nesse post: clique aqui

Link para documento da WHO: clique aqui

Audio Interview: Practical Measures to Help Prevent Covid-19 NEJM: https://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMe2006742?articleTools=true

 

 

Qual a diferença entre gotículas e aerossóis?

  • Gotículas são partículas > 5-10 μm, que geralmente não percorrem distâncias maiores que 1-2 metros.
  • Aerossóis apresentam diâmetro menor que 5 μm. Podem ser resultantes da evaporação de gotas maiores ou podem estar presentes em partículas de poeira. Eles podem permanecer no ar por longos períodos de tempo e percorrer distâncias superiores a 1 m.

 

Veja aqui definições do CDC sobre droplets e airborne transmission: 

https://www.cdc.gov/infectioncontrol/guidelines/isolation/scientific-review.html

 Saiba mais sobre gotículas, aerossóis e transmissão nesse post: clique aqui

 

 

O vírus pode ser transmitido pelo ar?

Essa é uma grande discussão ainda em aberto. Ainda precisamos de mais estudo para compreender melhor a transmissão do vírus. Alguns autores consideram que a transmissão pelo ar em distâncias curtas pode ser uma via importante de transmissão.

Em uma análise de mais de 75.000 casos da China, não foi relatado casos de transmissão pelo ar. Tampouco foi relatada transmissão oral-fecal, apesar de terem sido isolados RNA do vírus em amostra de fezes. [2, 8]

Em uma carta ao editor publicada no NEJM, os pesquisadores realizaram um estudo experimental, simulando a nebulização do vírus no laboratório, identificando sua presença em aerossóis mesmo 3 horas após. No entanto, a WHO faz algumas ressalvas quanto a esse estudo:

  1. “This is a high-powered machine that does not reflect normal human cough conditions.”
  2. “Further, the finding of COVID-19 virus in aerosol particles up to 3 hours does not reflect a clinical setting in which aerosol-generating procedures are performed”
  3. “In addition, it is important to note that the detection of RNA in environmental samples based on PCR-based assays is not indicative of viable virus that could be transmissible”

 

Para se ter uma ideia de como essa discussão é complicada, ainda hoje se discute se o vírus da influenza (muito mais conhecido e estudado do que o coronavírus) é transmissível pelo ar. Lembrando que o vírus da influenza apresenta mecanismo de transmissão muito semelhante ao SARS-CoV-2.

No entanto, a transmissão pelo ar é possível em circunstâncias específicas, como nos procedimentos geradores de aerossóis. Por esse motivo, as recomendações da WHO e do CDC dizem que os profissionais de saúde devem se equipar com máscaras tipo respiradores (N95 ou PFF2). [2,3]

Em um artigo para o center for infection diseases research and policy, a Prof. Lisa Brousseau, da University of Illinois em Chicago, alerta para a falta de evidências sobre os modos de transmissão, e sobre a possibilidade da transmissão pelo ar em curtas distância, ou seja, na distância que trabalhamos com os pacientes. Talvez a transmissão pelo ar em longas distâncias e longos períodos (como exemplo da tuberculose) realmente não seja importante, mas não podemos nos esquecer da inalação de aerossóis em curta distância. [12]

 

Pessoas assintomáticas podem transmitir o vírus?

Existem evidências que portadores assintomáticos podem transmitir o vírus e duas publicações recentes fazem relatos de infecções à partir de portadores assintomáticos.

Uma Research Letter  publicada no JAMA em Fevereiro relata o caso de uma portadora assintomática, sem alterações clínicas, laboratoriais e de imagem, que transmitiu o vírus para 5 membros de sua família. A portadora assintomática era habitante de Wuhan, epicentro da pandemia e foi visitar os demais membros de sua família, que moravam em outra cidade. Todos os cinco membros adoeceram e testaram positivo para Covid-19 com alterações clínicas, laboratoriais e em tomografias de tórax.

A portadora assintomática permaneceu em isolamento e nunca desenvolveu sintomas ou alterações dos exames laboratoriais ou de imagem, mesmo após a confirmação laboratorial por RT-PCR. Toda a sequência de eventos detalhada na figura abaixo sugere que a transmissão ocorreu à partir da portadora assintomática.[4]

 

Ref – Wang M. Presumed Symptomatic Carrier Transmission of Covid-19. JAMA 2020. Doi:10.1001/jama.2020.2565

 

 

Essa mesma sequência de eventos foi mostrada em outras famílias estudadas na China, com pacientes em fase pré-sintomática.[5]

Ainda não existem estimativas seguras da proporção de portadores assintomáticos do vírus, e nem do seu real potencial de transmissão. Pesquisadores de Nanjing, na China, seguiram uma série de 24 pacientes assintomáticos com PCR positiva para Covid-19. Esses pacientes eram contatos próximos de pacientes infectados. Durante o seguimento apenas 7 pacientes (29,2%) permaneceram realmente assintomáticos, sem alterações clínicas, laboratoriais e de imagem. A média de idade desses pacientes era de 14 anos. [6]

Um estudo conduzido com os passageiros e tripulação do navio Diamond Princess mostrou que a proporção de portadores assintomáticos naquela população foi de 17,9% (95%CI 15,5-20,2%) [7]

 

Pode acontecer transmissão pela saliva e fezes?

O RNA da SARS-CoV-2 foi detectado em amostras de sangue e fezes segundo alguns estudos [8-11]. Mas de acordo com um relatório conjunto da OMS-China [8], a transmissão fecal-oral não foi um fator significativo na disseminação da infecção.

 

Tosse e espirro gera aerossol?

Sim.

 

Existe correlação entre carga viral e sintomas?

Não se sabe

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Kenneth McIntosh. Coronavirus disease 2019 (COVID-19). In UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Acessado em 28 Março, 2020.)
  2. Modes of transmission of virus causing COVID-19:implications for IPC precaution recommendations. Disponível em : https://www.who.int/publications-detail/modes-of-transmission-of-virus-causing-covid-19-implications-for-ipc-precaution-recommendations
  3. Centers for Disease Control and Prevention. Interim Infection Prevention and Control Recommendations for Patients with Confirmed 2019 Novel Coronavirus (2019-nCoV) or Patients Under Investigation for 2019-nCoV in Healthcare Settings. February 3, 2020. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nCoV/hcp/infection-control.html
  4. Wang M. Presumed Ssymptomatic Carrier Transmission of Conid-19. JAMA 2020. Doi:10.1001/jama.2020.2565
  5. Quian G, Young N, Ma AHY, Wang L, Li G, Chen X, Chen X. A Covid-19 Transmission of a Family Cluster by presimptomatic infectors in China.CID 2020. doi:10.1093/cid/ciaa316
  6. Hu Z, Song C, Xu C, Jin G, Chen Y, Xu X et al. Clinical characteristics of 24 asymptomatic infections with COVID-19 screened among close contacts in Nanjing, China. Sci Cina Lif Sci 2020, 63, https://doi.org/10.1007/s11427-020-1661-04.
  7. Mizumoto K, Kagaya K, Zarebski A, Chowell B. Estimating the asymptomatic proportion of coronavirus disease 2019 (Covid-19) cases on board the Diamond Princess cruise ship, Yokohama Japan, 2020.www.eurosurveillance.org. doi:10.2807/1560-7917.ES.2020.25.10.2000180
  8. World Health Organization. Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) 16-24 February 2020 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 Available from:https://www.who.int/docs/default- source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf.
  9. Detection of Novel Coronavirus by RT-PCR in Stool Specimen from Asymptomatic Child, China. Tang A, Tong ZD, Wang HL, Dai YX, Li KF, Liu JN, Wu WJ, Yuan C, Yu ML, Li P, Yan JB. Emerg Infect Dis. 2020;26(6) Epub 2020 Jun 17.
  10. Detectable 2019-nCoV viral RNA in blood is a strong indicator for the further clinical severity.Chen W, Lan Y, Yuan X, Deng X, Li Y, Cai X, Li L, He R, Tan Y, Deng X, Gao M, Tang G, Zhao L, Wang J, Fan Q, Wen C, Tong Y, Tang Y, Hu F, Li F, Tang X. Emerg Microbes Infect. 2020;9(1):469. Epub 2020 Feb 26.
  11. Detection of SARS-CoV-2 in Different Types of Clinical Specimens. Wang W, Xu Y, Gao R, Lu R, Han K, Wu G, Tan W. JAMA. 2020;
  12. Lisa Brosseau. COVID-19 transmission messages should hinge on science. Fonte: http://www.cidrap.umn.edu/news-perspective/2020/03/commentary-covid-19-transmission-messages-should-hinge-science

 

Esse artigo foi escrito em coautoria com Dra. Daniela Milhomem Cardoso

 

Bruno Martins
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Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Médico Endoscopista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
Médico Endoscopista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Emerging Star pela WEO


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