Melanose cólica (Melanosis coli ou Lipofuscinose) consiste na presença de pigmento marrom em macrófagos na mucosa do intestino grosso [1],[2]. A condição, descrita pela primeira vez por Cruveilhier em 1829 [3] e chamada de Melanosis coli por Virchow em 1857 [4], foi inicialmente pensada como sendo devido à presença de melanina. No entanto, estudos mostraram a presença de grânulos de lipofuscina ao invés de melanina em macrófagos do cólon [2],[5]. Desse modo, muitos sugerem o uso dos termos “pseudomelanosis coli” ou “lipofuscinose” do cólon para descrição dessa alteração.
Existe uma forte associação entre Melanosis coli e o uso excessivo de laxantes, em particular derivados de antraquinona [6], embora também possa ser visto em pacientes com doença inflamatória intestinal [5], diarreia crônica [7] ou com o uso de anti-inflamatórios não esteroidais [8]. É causada pela apoptose de células epiteliais do cólon induzida pela antraquinona, seguida de fagocitose dos restos celulares por macrófagos [9].
A Melanosis coli é mais frequentemente detectada durante a investigação da constipação de longa data e associação com uso crônico de catárticos de antraquinona (incluindo cáscara sagrada, senna, aloe vera e ruibarbo). Essa pigmentação ocorre, em geral, de forma mais pronunciada em cólon direito e raramente acomete o íleo, no entanto sua localização e intensidade podem ser variáveis [6]. Vide figuras 1 e 2.
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Figura 1: Melanosis coli em ceco
Figura 2: Melanosis coli em sigmoide
A presença de Melanosis coli tem associação com um aumento significativo na detecção de adenomas, em especial ≤ 5 mm e isolados. Isso se deve à maior facilidade de visualização dos adenomas mais claros em um fundo pigmentado (vide figuras 3, 4 e 5) [10]. Os adenomas raramente são pigmentados, embora haja relatos de melanosis neles [11].
Figura 3: adenoma em paciente com Melanosis coli
Figura 4: aspecto com cromoscopia óptica (NBI)
Figura 5: fotomicrografia de polipectomia. Área central (não pigmentada) correspondente a adenoma.
Como mostrado nas figuras 6 e 7, uma biópsia submetida à coloração de hematoxilina eosina mostra macrófagos em lâmina própria preenchidos com grânulos de pigmento de cor marrom.
Figura 6: fotomicrografia mostrando macrófagos com grânulos de pigmento na lâmina própria
Figura 7: fotomicrografia mostrando macrófagos com grânulos de pigmento (maior aumento)
A pigmentação pode ocorrer após o curto prazo de uso do laxativo, sendo encontrados relatos após 6 meses de uso. Além disso, esta é uma condição reversível, podendo regredir após 1 ano de interrupção [12].
Apesar da ausência de relação definida entre Melanosis coli e neoplasia [10], [11], esta pode não ser uma condição inofensiva, visto que demonstra um sinal de agressão crônica da mucosa, necessitando de mais estudos para uma conclusão definitiva.
Agradecimentos à patologista Dra. Rafaela Pinheiro pelo fornecimento das figuras das lâminas.
Como citar este artigo:
Oliveira JF. Melanose cólica – Melanosis coli. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/melanosis-coli/
Referências:
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- Ghadially FN, Parry EW. An electron-microscope and histochemical study of melanosis coli. J Pathol Bacteriol. 1966; 92(2):313±7. https://doi.org/10.1002/path.1700920207 PMID: 5964370.
- Cruveilhier J. Anatomie pathologique du corps humain, ou Descriptions, avec figures lithographie 301es et colorie301es, des diverses alte301rations morbides dont le corps humain est susceptible: Paris, 1829±1835; 1835.
- Virchow R. Die pathologischen Pigmente. Arch. Pathol. Ant, 1847; 1(2): 379±404. https://doi.org/10. 1007/BF01975874
- Byers RJ, Marsh P, Parkinson D, et al. Melanosis coli is associated with an increase in colonic epithelial apoptosis and not with laxative use. Histopathology. 1997;30:160–164.
- 6. Freeman HJ. “Melanosis” in the small and large intestine. World J Gastroenterol. 2008;14:4296–4299.
- 7. Marshall JB, Singh R, Diaz-Arias AA. Chronic, unexplained diarrhea: are biopsies necessary if colonoscopy is normal? Am J Gastroenterol. 1995; 90(3):372±6. PMID: 7872272.
- 8. Lee FD. Importance of apoptosis in the histopathology of drug related lesions in the large intestine. J Clin Pathol. 1993; 46(2):118±22. PMID: 8459031.
- 9. Walker NI, Smith MM, Smithers BM. Ultrastructure of human melanosis coli with reference to its pathogenesis. Pathology. 1993;25:120–123.
- 10. Blackett JW, Rosenberg R, Mahadev S, Green PHR, Lebwohl B. Adenoma Detection is Increased in the Setting of Melanosis Coli. J Clin Gastroenterol. 2018 Apr;52(4):313-318. doi: 10.1097/MCG.0000000000000756. PubMed PMID: 27820223.
- 11. Coyne JD. Melanosis coli in hyperplastic polyps and adenomas. Int J Surg Pathol. 2013;21:261–263.
- 12. Liu ZH, Foo DCC, Law WL, Chan FSY, Fan JKM, Peng JS. Melanosis coli: Harmless pigmentation? A case-control retrospective study of 657 cases. PLoS One. 2017 Oct 31;12(10):e0186668. doi: 10.1371/journal.pone.0186668. eCollection 2017. PubMed PMID: 29088250; PubMed Central PMCID: PMC5663380.
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Endoscopista no Hospital Vila Nova Star, Hospital Nipo-Brasileiro, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Alta Excelência Diagnóstica e Clínica do Aparelho Digestivo.
Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Especialização em Endoscopia Oncológica no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP.
Residência médica em Endoscopia Gastrointestinal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
5 Comentários
Ola… muito boa a revisao!
Também havia observado uma maior detecção de polipos nessas situações!
Vocês costumam biopsiar? Quando o quadro clínico é sugestivo, em minha prática não tenho biopsiado.
Abracos
Obrigado Bruno.
Realmente os trabalhos mais antigos não confirmavam esse fato porém em estudos mais recentes esses aspecto foi evidenciado. Em minha experiência também percebo uma maior detecção de pólipos nesses pacientes.
Obrigado Felipe.
Na verdade não existe uma definição clara sobre a necessidade de interrupção deses medicamentos, porém uma terapia alternativa seria além da utilização de fibras, em especial alimentos com mucilagem (psyllium),o uso de fenolftaleína (lacto-purga), polissacarídeos (lactulose), emolientes fecais (humectol d) ou lubrificantes (óleo mineral) também são opções.
Parabéns pela revisão Joel. Sempre tive a impressão da facilitação de detecção de adenomas nessa situação, mas não sabia que existiam evidências. E vc colocou uma bem recente. Será que é “novidade”? Abs
Joel parabéns pelo post, nunca tinha visto laminas de histologia do quadro. Quanto a orientação pós exame nos pacientes que não conseguem ficar sem laxativos. É recomendada a troca de medicamentos? E quais seriam os laxativos indicados? Abraço