O preparo de cólon deve idealmente ser efetivo, barato, seguro, de fácil administração e bem tolerado pelo paciente. O manitol atende a todos esses quesitos, e talvez por isso, seja a droga mais comumente utilizada no preparo de cólon para colonoscopia no nosso e em outros países.
O efeito laxativo do manitol se baseia na sua não absorção e na promoção de diarreia osmótica, com excelente qualidade de preparo, necessidade de ingesta de volumes relativamente pequenos, quando comparado a outras alternativas, como o polietilenoglicol (PEG).
Curiosamente, este monossacarídeo é ignorado há décadas nos Estados Unidos e Europa para esse propósito. A razão do criticismo é a associação do manitol a episódios de explosão do cólon em relatos remotos.
Na luz do cólon, cinco principais gases são encontrados: nitrogênio (N2, 23–80%), oxigênio (O2, 0,1–2,3%), hidrogênio (H2, 0,06-47%), metano (CH4, 0-26%) e dióxido de carbono (CO2, 5,1-29%). Para que ocorra explosão do cólon é necessária a combinação de três elementos: presença de gases combustíveis como CH4 ou H2, com concentrações maiores que 5 e 4%, respectivamente; presença de um gás comburente (O2), com pelo menos 5%; e uma fonte de calor (eletrocautério ou plasma de argônio).
Uma vez não absorvido, o manitol intra-luminal serviria de substrato para colônias de bactérias produtoras de H2 e CH4 (especialmente E. coli), com potencial explosivo durante o uso de eletrocautério, na presença de O2 (ar ambiente como meio de insuflação), especialmente em preparos de baixa qualidade, com certa quantidade de resíduos fecais. Alguns autores acreditam que a insuflação com CO2 possa reduzir o risco de explosão por ser um gás inerte e por suprimir o percentual de O2 na luz de cólon.
Ora, a utilização de CO2 como meio de insuflação ainda é rara em nosso país. Por outro lado, o manitol segue sendo amplamente usado no preparo para o exame do cólon e suas intervenções terapêuticas. E onde estão os relatos de explosão do cólon em nosso meio? Ainda que existam, são pontuais e desproporcionais à utilização da droga.
Essa baixa associação na prática pode ser explicada por alguns fatores. Acredita-se que a troca gasosa promovida pela insuflação e aspiração durante o exame ofereça proteção, pois traria uma rarefação dos gases com potencial explosivo. Na tentativa de demonstrar tal efeito, um estudo nacional recente, dosou as concentrações de CH4 ao longo de 250 colonoscopias preparadas com manitol (n=50) ou fosfato de sódio (n=200). Os autores esperavam encontrar altos níveis de CH4 no início dos exames do grupo manitol e o decréscimo progressivo do gás ao longo do exame. Curiosamente, em nenhum dos pacientes do grupo manitol houve detecção de metano, o que ocorreu em sete pacientes (3,5%) do grupo fosfato de sódio. Nestes, foi sim observada a queda nas dosagens do gás ao longo do procedimento.
Recentemente, a produção de metano no cólon tem sido associada a um trânsito intestinal lentificado. A aceleração do trânsito promovida pelo manitol, bem como por outros laxativos, poderia explicar a baixa produção de metano observada no estudo, bem como a maior presença do gás em pacientes com preparo ruim. Parece ainda haver variação individual na produção de metano, sendo que no ocidente, 65% dos indivíduos podem ser classificados como não produtores de metano.
No início dos anos 80, o manitol era um agente amplamente utilizado em todo o mundo. Relatos de explosão do cólon motivaram estudos sobre a concentração de gases após preparos com polissacarídeos não absorvíveis. Esses estudos demonstraram maiores concentrações destes gases quando comparados a outros agentes de preparo utilizados na época. Estes trabalhos cristalizaram a idéia da associação entre manitol e risco de explosão do cólon.
Uma revisão identificou, de 1956 a 2006, 9 casos de explosão de cólon em colonoscopias na literatura médica em língua inglesa, e outros 11 observados durante cirurgias. Das 9 colonoscopias, 6 cursaram com perfuração do cólon. A revisão não deixa claro quantas delas haviam sido preparadas com manitol. Em cinco a fonte de calor foi a utilização de argônio. Os autores ainda descrevem um caso próprio de explosão sem perfuração, utilizando argônio, após preparo com enema.
Embora dados da literatura destaquem o risco do uso do manitol para o preparo de cólon, a ponto de proscrever uma medicação de baixo custo e que atende a todos os outros quesitos desejáveis, a ampla utilização da droga em diversos países e a baixa incidência global de relatos de explosão de cólon nos permitem suspeitar que ainda não conhecemos a total verdade dos fatos sobre este assunto.
Características individuais na produção de gases combustíveis, variações na flora bacteriana do cólon, qualidade do preparo e técnica do exame com maior troca gasosa e a fonte de calor utilizada são apenas alguns fatores que podem explicar a baixa ocorrência de acidentes ligados ao manitol no mundo, apesar de sua ampla utilização.
E na sua rotina? Qual preparo você utiliza ? Já observou alguma intercorrência com o manitol ou outro tipo de preparo ? Participe dando sua opinião no campo de comentários, ou em nosso mural !
Referencias
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- PAULO GA de, MARTINS FPB, MACEDO EP de, GONÇALVES MEP, FERRARI AP. SAFETY OF MANNITOL USE IN BOWEL PREPARATION: a prospective assessment of intestinal methane (CH4) levels during colonoscopy after mannitol and sodium phosphate (NaP) bowel cleansing. Arq Gastroenterol [Internet]. 2016 Sep;53(3):196–202. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-28032016000300196&lng=en&tlng=en
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Doutorado em Ciências da Saúde pela UNIFESP (2011).
Mestrado em Ciências da Saúde pela UNIFESP (2005)
Visiting fellow University of Pittsburgh Medical Center – UPMC e Universidade de Kobe, Japão
Coordenador médico do setor de endoscopia e motilidade digestiva - Fleury Medicina e Saúde.
HEAD de Especialidades Médicas - Fleury Medicina e Saúde.
Residência Gastroenterologia HC-UFPE 2001
2 Comentários
Obrigado, Matheus.
Verdade. Muito das evidências que demonstraram presença de gases em concentrações de risco são de um período anterior à preocupação com a detecção de lesões planas, onde preparos descritos como de boa qualidade talvez não fossem vistos dessa forma em dias atuais.
De maneira geral, a maior queixa após a ingesta do manitol é o enjôo pelo gosto adocicado. Alguns chegam a vomitar o líquido. Isso pode ser minimizado com o uso de antieméticos antes do início do preparo, orais ou mesmo venosos em caso de preparo assistido, além de deambulação. Ao mesmo tempo, outros preparos trazem outros inconvenientes como gosto amargo ou salgado, além de grandes volumes a serem ingeridos.
Quanto à condição cardíaca, há preocupação no uso parenteral do manitol. Por aumentar o volume plasmático, pode trazer sobrecarga ventricular, edema pulmonar, entre outros. No preparo de cólon, por ser minimamente absorvido, creio que a preocupação seja o oposto, a desidratação.
Rodrigo parabéns pelo post. O artigo nacional que você cita que mede os níveis de metano no início da colonoscopia (Paulo GA et al. Arq Gastroenterol. 2016) confirma a segurança que temos observado na nossa prática com uso do manitol.
Numa revisão da literatura sobre o preparo de cólon com manitol, encontrei apenas poucos artigos. Minha pergunta é sobre a tolerabilidade e aceitabilidade do manitol. Você acha que o preparo com manitol pode causar mais náuseas e vômitos? Outra ponto que já ouvi comentários e discussão, é que o manitol por ser uma solução com poder osmótico poderia ser menos segura durante preparo em pacientes cardiopatas. Existe algum dado em literatura que suporte essa suposição? Abraço.