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Manejo endoscópico da Síndrome de Mallory Weiss

por Bruno Medrado
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A síndrome de Mallory-Weiss (SMW) é caracterizada por hemorragia digestiva alta (HDA) associada a presença de laceração mucosa na região da junção esofagogástrica (laceração de Mallory-Weiss). Usualmente associada a vômitos repetidos, SMW é uma causa comum de sangramento digestivo, podendo representar até 15% do total de casos de HDA.

Figura 1. Laceração de Mallory-Weiss em transição esofagogástrica com prolongamento em pequena curvatura

A patogênese da síndrome de Mallory-Weiss não é completamente entendida, tendo sido proposto que o aumento súbito de pressão intra-abdominal possa levar a formação de lacerações na transição esofagogástrica e lesão do plexo venoso e/ou arterial local.

Entre algumas das situações comumente associadas a SMW, cita-se: abuso de álcool, vômitos de repetição, tosse intensa, convulsões, trauma abdominal fechado, prática esportiva de levantamento de peso, passagem de sonda nasogástrica e realização de procedimentos de endoscopia digestiva alta.

Casos de laceração de Mallory Weiss iatrogênicos durante endoscopia digestiva alta tem sido relatados com incidência estimada entre 0.007 % a 0.49 % do total de procedimentos.

A manifestação clínica mais comum é hematêmese,  que pode ser acompanhada por dor epigástrica. Na maioria dos casos, há relato de náuseas com esforço de vômito, episódios eméticos sem sangue associado ou tosse intensa antecedendo o quadro.

O manejo inicial se dá com a estabilização clínica do paciente, suporte, reposição volêmica quando necessária, e introdução de inibidor de bomba de próton venoso, duas vezes ao dia.

O estabelecimento diagnóstico da SMW se dá com a realização de endoscopia digestiva alta com evidência de laceração localizada na junção esofagogástrica. As lacerações de Mallory-Weiss são usualmente únicas e longitudinais, contudo, lacerações múltiplas são descritas em até 27% dos casos.

Figura 2. Apresentação de laceração de Mallory-Weiss em seu local mais comum (parede lateral direita).

Na endoscopia, a laceração aparece como uma lesão longitudinal avermelhada na mucosa, algumas vezes estendendo-se até a muscular da mucosa. Presença de coágulos, ou mesmo sangramento ativo, podem ser evidenciados.

Tratamento endoscópico Síndrome de Mallory Weiss:

A terapia endoscópica é indicada no tratamento de sangramento ativo das lacerações de Mallory-Weiss. Entre os recursos potencialmente utilizados cita-se: injeção endoscópica, coagulação térmica, hemoclipes e ligadura com banda elástica. A utilização de pós hemostáticos  (Hemospray) é descrita com sucesso na SMW em séries de caso.

  • Injeção endoscópica

A terapêutica por injeção é simples, facilmente aplicável e relativamente barata como primeira linha. A adrenalina é a solução mais comumente usada e melhora os resultados em termos de taxa de ressangramento, tempo de hospitalização e necessidade de transfusão, quando comparada a realização de medidas de suporte isoladas. Possui efeito hemostático por induzir vasoconstricção, por compressão vascular associado ao volume de injeção, e por induzir agregação plaquetária.

O efeito hemostático da adrenalina como terapia de injeção isolada na SMW é controverso. Alguns estudos têm demonstrado que a injeção de adrenalina, em casos de sangramento ativo, pode levar a um aumento das taxas de ressangramento quando comparada a hemostasia mecânica ou terapia combinada.

  • Eletrocoagulação

A eletrocoagulação promove controle hemostático pela aplicação de calor e pressão por contato ao sítio de sangramento de forma simultânea. Contudo, em vigência de sangramento ativo, a dissipação rápida do calor no sangue pode levar a maior dificuldade técnica. A eletrocoagulação multipolar parece melhorar a hemostasia de modo significativo, reduzindo risco de cirurgia em pacientes com SMW.  O uso de coagulação agrega risco, no entanto, associado a possibilidade lesão térmica transmural e perfuração do órgão.

O plasma de argônio também tem seu uso descrito em SMW, com a vantagem de ter bom poder hemostático associado com menor dano térmico e consequentemente menor risco de perfuração.

  • Hemoclipe

A aplicação de hemoclipes é um procedimento simples para tratar lesões em tecido não fibrótico como na SMW e nas lesões de Dieulafoy. Contudo, a aplicação de hemoclipes na transição esofagogástrica agrega dificuldade técnica.  Em um estudo japonês com uso de hemoclipes metálicos para SMW iatrogênica, e de outras naturezas, foi demonstrada hemostasia inicial de 100% e baixas taxas de ressangramento (Shimoda et al, 2009).

Figura 3. Aplicação de hemoclipe em laceração de Mallory-Weiss.

  • Ligadura elástica

A principal vantagem da ligadura elástica por banda é a facilidade técnica comparada com outros procedimentos endoscópicos hemostáticos. O uso do cap de ligadura propicia uma boa visualização tangencial da lesão e, ao tocar e realizar leve compressão da laceração, leva a imobilização, permitindo uma adequada terapêutica.

Figura 4. Realização de ligadura elástica em laceração de Mallory-Weiss.

Poucos estudos realizam comprações diretas entre as técnicas hemostáticas. Um dos trabalhos de maior representatividade, realizada de forma retrospectiva em 168 pacientes com laceração de Mallory-Weiss, a terapia baseada em hemoclipes e a ligadura elástica apresentaram maior taxa de sucesso na prevenção do ressangramento comparado com a terapia por injeção isolada (96, 89 e 71%, respectivamente)(Lee et al, 2016).

Considerações finais:

SMW é uma importante causa de sangramento digestivo alto, com boa parte do casos cessando de forma espontânea. Nos pacientes com sangramento ativo, as técnicas endoscópicas mais frequentes são: injeção de adrenalina, coagulação com plasma de argônio, hemoclipes e banda elástica.  A seleção da melhor estratégia hemostática depende da habilidade do executor do procedimento e do contexto clínico apresentado. A realização de terapia injetora isolada deve ser evitada.

A maioria dos pacientes com sangramento ativo durante a endoscopia podem ser controlados endoscopicamente com taxa de ressangramento de até 7%. Diante do ressangramento, nova endoscopia com hemostasia pode ser tentada. Caso haja falha endoscópica, o uso da arteriografia com embolização ou mesmo a abordagem cirúrgica podem ser opcões técnicas.

Referências:

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  3. Sugawa C, Benishek D, Walt AJ. Mallory-Weiss syndrome. A study of 224 patients. Am J Surg 1983; 145:30.
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  12. Lee S, Ahn JY, Jung HY, et al. Effective endoscopic treatment of Mallory-Weiss syndrome using Glasgow-Blatchford score and Forrest classification. J Dig Dis 2016; 17:676.
Bruno Medrado
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Especialista em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva, Ecoendoscopia e Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Médico Endoscopista, Preceptor da residência médica do Hospital Edgard Santos - Universidade Federal da Bahia


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