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Impacto do método suprapapilar na permeabilidade da obstrução biliar maligna distal: um ensaio clínico randomizado controlado multicêntrico

por Mateus Pereira Funari
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Estudo “Impact of the suprapapillary method on patency in distal malignant biliary obstruction: a multicenter randomized controlled trial“, publicado na Gastrointestinal Endoscopy em março de 2024 (1).

Introdução

As obstruções biliares malignas inoperáveis são habitualmente tratadas de modo paliativo com stents metálicos auto-expansíveis (self expandable metallic stents – SEMS). Com o aumento sobrevida destes pacientes pelo avanço da radio e quimioterapias, o endoscopista passa a lidar com a disfunção destes stents com maior frequência. Um dos mecanismos propostos para essa disfunção, é o refluxo duodenobiliar (2). Para evitar este fator e aumentar o tempo de patência do stent, alguns autores propuseram o uso de stents suprapapilares em oposição à técnica transpapilar convencional, o que é avaliado de modo prospectivo e randomizado por este trabalho (2-4).

Métodos

O trabalho foi realizado em 6 centros sul coreanos, incluindo apenas obstruções malignas distais irressecáveis, com ao menos 2 cm de colédoco preservado distalmente à estenose e também em relação ao hilo hepático.

Os pacientes eram randomizados para a posição distal do stent transpapilar (como habitual) ou intrapapilar, com acompanhamento fluoroscópico. Em ambos os grupos, foi realizada papilotomia tática ou dilatação balonada da papila.

Todos os stents utilizados foram totalmente recobertos e do fabricante Taewoong Medical. O seguimento foi feito em 1, 2, 6 e 12 meses.

Desfecho primário: patência do stent (tempo da inserção à disfunção do stent – ao menos 2 dos 3 critérios:

  • 1) birrubina total (Bt) > 2 mg/dL (elevação ≥ 1 mg/dL);
  • 2) elevação de FA ou GGT ≥ 2x VR (elevação > 30 U/L);
  • 3) colangite (febre + leucocitose ou PCR > 20 mg/dL). Sua causa foi dividida entre: ingrowth, overgrowth e barro biliar associado a refluxo duodenobiliar. A migração do stent foi avaliada à parte.

Desfechos secundários: sucesso técnico, sucesso clínico (redução de ao menos 30% do valor de Bt), sobrevida, reintervenção. 

Resultados 

Entre 2021 e 2023, 84 pacientes foram incluídos no estudo, sendo 42 em cada braço. Dentre as características de base dos pacientes e dados do procedimento, a única diferença entre os grupos, como era de se esperar, foi o comprimento do stent, maior no grupo transpapilar (p < 0,01). Os resultados e eventos adversos imediatos estão sumarizados na tabela 1.

SuprapapilarTranspapilarTotalP
Sucesso técnico42 (100.0)42 (100.0)84 (100.0)>.99
Sucesso clinico37 (88.1)34 (81.0)71 (84.5).546
Eventos Adversos1 (2.4)5 (11.9)6 (7.1).204
Pancreatite Aguda1 (2.4)4 (9.5)5 (6.0)
Colangite0 (.0)1 (2.4)1 (1.2)
Colecistite000
Tabela 1: sucessos técnico e clínico e eventos adversos imediatos comparativos entre os grupos. Adaptado de Ko SW et al. Gastrointest Endosc. 2024 (1).

Os desfechos a longo prazo estão expostos na tabela 2. A média de seguimento foi de 343 dias (IQR, 168-480) no grupo suprapapilar e 243 dias (IQR, 90-504) no transpapilar (p = 0,357). A patência do stent foi significativamente maior no grupo suprapapilar (média, 369 dias [IQR, 289-497] vs 154 dias [IQR, 78-361]; P < 0,01).

No grupo suprapapilar, 25 pacientes (59,5%) apresentaram disfunção do stent x 33 (78.6%) no transpapilar. A etiologia da disfunção também foi diferente entre os grupos, com maior incidência de refluxo duodenobiliar e obstrução por barro no grupo transpapilar (9,4% vs 40,8%, p < 0,01). O método de reintervenção diferiu entre os braços do estudo, sendo o principal (28.6%) no grupo suprapapilar, a adição de um stent, e troca de stent no grupo transpapilar (61,9%, P = 0,025). 

Não houve diferença na sobrevida (p = 0,692).

Na análise multivariada, os dois fatores com relação com maior tempo de patência do stent foram a posição suprapapilar (HR, 0,40; 95% IC, 0,17-0,98; P = 0,045) e o calibre do stent ≥ 8 mm (HR, 0,29; 95% IC, 0,12-0,73; P = 0,008).

Suprapapilar
(n = 42)
Transpapilar
(n = 42)
Total
(n = 84)
P
Seguimento (dias)343 (168-480)243.5 (90-504) 300.5 (155.2-503.2).357
Patência (dias)369 (289-497)154 (78-361)289 (177-398).0012
Disfunção do stent25 (59.5)33 (78.6)58 (69.0).098
Causas de disfunção do stent
Ingrowth16 (38.1)11 (26.2)27 (32.1).238
Overgrowth5 (11.9)10 (11.9)10 (11.9)>.99
Barro/refluxo duodenobiliar4 (9.4)17 (40.8)21 (25.0).002
Migração do stent 2 (4.8)4 (9.5)6 (7.1).672
Reintervenção
Troca de stent10 (23.8)26 (61.9)37 (44.0)<.001
Adição de stent 12 (28.6)4 (9.4)16 (38.1).051
Hepatogastrostomia ecoguiada 1 (2.4)1 (2.4)2 (4.8) >.99
Drenagem percutânea2 (4.8)1 (2.4)3 (3.6)>.99
Sobrevida (dias)373 (269-581)461 (170-NA)410 (253-515).692
Tabela 2: desfechos clínicos a longo termo. Adaptado de Ko SW et al. Gastrointest Endosc. 2024 (1).

Discussão

Trata-se do primeiro estudo multicêntrico randomizado sobre o assunto, reforçando que o mecanismo de refluxo duodenobiliar e formação de barro biliar possui grande relevância na patência dos stents metálicos. Além da maior incidência de disfunção do stent no grupo transpapilar (9,4% x 40,8% de obstrução por barro biliar), o tempo para obstrução por esta etiologia foi menor no mesmo grupo (8/17 = 47,1% em até 3 meses x todos casos > 5 meses no grupo suprapapilar).

Apesar de não haver relevância estatística, chama a atenção a maior incidência de pancreatite no grupo transpapilar (1/42 = 2.4% vs 4/42 = 9.5%, p = 0,356). Uma vez que não foram realizadas papilotomias amplas, stents transpapilares podem ocluir o ducto pancreático principal com maior frequência, causando pancreatite. Para evitar isso, uma solução adequada no dia a dia é aumentar a incisão (papilotomia ampla) para stents transpapilares. Por outro lado, para evitar o refluxo duodenobiliar nos casos suprapapilares, é interessante manter o máximo possível a integridade do esfíncter de Oddi, sendo recomendada a papilotomia tática, com incisão suficiente apenas para a passagem do stent.

A reintervenção nos casos de disfunção do stent também é alvo de debate. No grupo suprapapilar, pode haver maior dificuldade, uma vez que a papilotomia é limitada (tática) e o stent visualizado apenas por radioscopia. Além disso, uma causa de obstrução é o crescimento tumoral através da malha do stent (ingrowth) ou por sua extremidade (overgrowth). Nestes casos, há maior dificuldade de remover o stent, e a principal forma de abordagem foi a adição de outro stent. O desenvolvimento de stents com uma alça/laço maleável posicionado no duodeno pode auxiliar diante deste tipo de situação (5). No braço transpapilar, a troca do stent foi bem sucedida na maioria dos casos.

Outro ponto importante a ser considerado, é que, em muitos casos de obstrução maligna biliar, não há 2 cm de colédoco preservado entre o tumor e a papila, limitando a técnica suprapapilar. Um estudo demonstrou maior tempo de patência no grupo transpapilar para obstruções sem esta distância mínima de colédoco distal normal (6). Sendo o câncer de pâncreas a etiologia mais frequente, o envolvimento do colédoco próximo à papila e a invasão duodenal (não raros nestes casos), tornam o método suprapapilar inadequado.

O estudo apresenta limitações como tempo de follow-up relativamente curto, principalmente para compreender melhor o impacto da forma de manejo até o óbito do paciente, uma vez que estamos tratando de tratamento paliativo. Além disso, o número total de pacientes é pequeno para avaliar migração do stent e eventos adversos como pancreatite. O trabalho incluiu muitos casos com CPRE prévia, com possível alteração funcional “de base” do esfíncter de Oddi. Outra limitação é a ampla gama de tamanhos de stents disponíveis no estudo, o que é necessário em muitos casos suprapapilares, mas não é a realidade na maioria dos centros brasileiros (foram empregados stents, de 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 cm de comprimento). 

Conclui-se que o método suprapapilar é factível para evitar um dos principais mecanismos de disfunção de stent que é o refluxo duodenobiliar e formação de barro biliar, considerando uma papilotomia tática e uma distância ≥ 2 cm da papila maior. O tratamento da disfunção do stent nestes pacientes pode ser um pouco mais trabalhoso, mas foi obtido em todos os pacientes do estudo. Outro fator importante é o calibre do stent: recomenda-se o mínimo de 8 mm com base nos dados do estudo.

Clique para outros artigos nesse tema: A papilotomia antes da passagem de prótese para drenagem biliar é eficaz em prevenir pancreatite pós-CPRE?

Referências

  1. Ko SW, Joo HD, Song TJ, et al. Impact of the suprapapillary method on patency in distal malignant biliary obstruction: a multicenter randomized controlled trial. Gastrointest Endosc. 2024;100(4):679-687.e1. doi:10.1016/j.gie.2024.03.024.
  2. Misra SP, Dwivedi M. Reflux of duodenal contents and cholangitis in patients undergoing self-expanding metal stent placement. Gastrointest Endosc. 2009;70(2):317-321. doi:10.1016/j.gie.2008.12.054.
  3. Kovács N, Pécsi D, Sipos Z, et al. Suprapapillary Biliary Stents Have Longer Patency Times than Transpapillary Stents-A Systematic Review and Meta-Analysis. J Clin Med. 2023;12(3):898. Published 2023 Jan 23. doi:10.3390/jcm12030898.
  4. Huang X, Shen L, Jin Y, et al. Comparison of uncovered stent placement across versus above the main duodenal papilla for malignant biliary obstruction. J Vasc Interv Radiol. 2015;26(3):432-437. doi:10.1016/j.jvir.2014.11.008.
  5. Kwon CI, Ko KH, Hahm KB, Kang DH. Functional self-expandable metal stents in biliary obstruction. Clin Endosc. 2013;46(5):515-521. doi:10.5946/ce.2013.46.5.515.
  6. Han SY, Lee TH, Jang SI, et al. Efficacy Analysis of Suprapapillary versus Transpapillary Self-Expandable Metal Stents According to the Level of Obstruction in Malignant Extrahepatic Biliary Obstruction. Gut Liver. 2023;17(5):806-813. doi:10.5009/gnl220437.

Como citar este artigo

Funari MP. Caso clínico: Impact of the suprapapillary method on patency in distal malignant biliary obstruction: a multicenter randomized controlled trial. Endoscopia Terapeutica 2025 vol 1. Disponível: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/impact-of-the-suprapapillary-method-on-patency-in-distal-malignant-biliary-obstruction-a-multicenter-randomized-controlled-trial/


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