Tratamento endoscópico de estenose de anastomose pós-correção de atresia de esôfago

Caso clínico

L.R.S., masculino, 8 meses, nascido a termo, com diagnóstico pré-natal de atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica distal (Vogt IIIb/Gross C), submetido à correção cirúrgica no 3º dia de vida. Aos 3 meses, passou a apresentar episódios recorrentes de tosse durante a alimentação, engasgos, regurgitação e perda de peso progressiva. A mãe relatou dificuldade em introduzir alimentos sólidos e episódios recorrentes de infecção respiratória nos últimos dois meses. Solicitada endoscopia digestiva alta, que evidenciou estenose puntiforme da anastomose esofágica. Iniciada terapia endoscópica com dilatação esofágica utilizando vela de Savary-Gilliard. Foram realizadas 4 sessões com intervalo de 2 semanas, com melhora progressiva da aceitação alimentar e ganho ponderal adequado. Após a 4ª dilatação, o paciente encontra-se em boa evolução clínica, com alimentação por via oral plena, sem episódios de engasgos ou perda ponderal.

Atresia de esôfago

A atresia de esôfago (AE) é uma das anomalias congênitas mais comuns na infância e ocorre em incidência de um para cada 2.500 a 4.500 nascidos vivos e, em até 50 % dos casos, outras anomalias estão presentes [1,2]. A malformação associada mais comum ocorre no sistema cardiovascular (23%), seguida por malformações musculoesqueléticas (18%), anorretais e intestinais (16%), geniturinárias (15%), de cabeça e pescoço (10%), mediastinais (8%) e cromossômicas (5,5%) [1,2].

A atresia esofágica se apresenta sob cinco formas anatômicas distintas, classificadas pela localização da atresia e pela presença ou não de fístula para a traqueia. A primeira classificação foi publicada por Vogt em 1929 e modificada por Gross em 1953, sendo as duas classificações usadas atualmente [1,3]. Os principais tipos de atresia de esôfago congênita são AE com fístula traqueoesofágica (FTE) distal (85-86%, Vogt III b, Gross C), AE isolada sem FTE (7-8%, Vogt II, Gross A), FTE sem atresia ou FTE tipo H (4%, Gross E), AE com FTE proximal (3%, Vogt III, Gross B) e AE com FTE proximal e distal. [1,3].

Imagem 05: Classificação da atresia de esôfago. Adaptado de Figueiredo et al. Radiol Bras. 2005;38(2):111-8 [4].

O prognóstico da atresia de esôfago varia significativamente de acordo com o tipo anatômico e a localização da fístula traqueoesofágica. A forma mais comum, a atresia com fístula distal (Tipo C), tende a ter melhor desfecho visto que, geralmente, há menor distância entre os cotos esofágicos, o que permite uma anastomose primária com menor tensão, reduzindo o risco de deiscência e de estenose [5]. Em contrapartida, tipos menos frequentes, como a atresia sem fístula (Tipo A), com fístula proximal (Tipo B) ou com fístula dupla (Tipo D), estão associados a maior distância entre os cotos ou localização menos acessível da fístula, o que dificulta o reparo cirúrgico e aumenta o risco de complicações como estenose anastomótica, refluxo gastroesofágico grave e fístula recorrente [6,7]. Além disso, a presença de malformações associadas, especialmente cardiovasculares, contribui para pior desfecho ao aumentar a complexidade cirúrgica e o risco anestésico [1,8]. Esses fatores anatômicos e clínicos combinados explicam a maior morbidade e mortalidade observadas nos tipos menos comuns da doença [8].

No entanto diante dos avanços dos cuidados intensivos, mesmo nos casos mais graves, houve uma redução na mortalidade neonatal das crianças que nascem com atresia de esôfago, com maior número de recém nascidos submetidos à correção cirúrgica [1]. Todavia a morbidade pós operatória ainda é significativa, devido a ocorrência de complicações, sendo a estenose de anastomose a mais frequente (60%) [10].

A estenose da anastomose ocorre, na maioria dos casos, no primeiro ano de idade, sendo a maioria diagnosticada nos primeiros 6 meses, com pico de incidência entre o 1º e o 3º mês pós-operatório [10,11]. Vários fatores são descritos atualmente na contribuição do seu aparecimento, como o fio de sutura utilizado na cirurgia, o grau de tensão na anastomose, a presença de fístula pós operatória e o refluxo gastroesofágico [10,11].

O diagnóstico deve ser suspeitado diante de sinais e sintomas como perda ponderal, disfagia, engasgos e infecções respiratórias recorrentes, vindo a ser confirmado através da endoscopia digestiva alta [11].

O tratamento inicial a ser considerado é a dilatação endoscópica, seja com o balão hidrostático ou com a vela de Savary – Gilliard, não havendo diferença nos desfechos, de acordo com a literatura atual, entre as duas técnicas [12]. Entretanto, alguns trabalhos sugerem que a dilatação com balão pode apresentar menor risco de complicações[12,13,14]. Estudos mostram uma média de três sessões de dilatação para a resolução do quadro, sendo estas intervaladas em um período de duas a quatro semanas, a depender da sintomatologia e evolução clínica do paciente, sendo o ganho ponderal um dos fatores clínicos mais importantes a serem considerados [8,13].

Conclusão

A atresia de esôfago representa uma das principais anomalias congênitas do trato gastrointestinal. Apesar dos avanços no manejo perioperatório e na correção cirúrgica, a estenose de anastomose permanece como a complicação pós-operatória mais prevalente, com repercussões significativas no desenvolvimento do paciente. O tratamento padrão envolve dilatações endoscópicas seriadas, embora não exista um consenso sobre o intervalo ideal entre as sessões e qual a melhor técnica de dilatação. A abordagem deve ser individualizada de acordo com a experiência do endoscopista, das características da estenose, da disponibilidade dos acessórios, dos sintomas do paciente e da resposta à dilatação.

Referências:

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Como citar este artigo

Retes FA, Amorim JS. Tratamento endoscópico de estenose de anastomose pós-correção de atresia de esôfago. Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-endoscopico-de-estenose-de-anastomose-pos-correcao-de-atresia-de-esofago/




Pólipo alongado mucossubmucoso de cólon transverso em paciente submetido a colonoscopia de rastreio: Relato de caso

Resumo

O pólipo alongado mucossubmucoso de cólon (PAMC), derivado do inglês colonic mucosubmucosal elongated polyp, é um dos achados que podem ser identificados durante uma colonoscopia de rastreio. O seu aspecto endoscópico é caracterizado pela presença de um pedículo longo, delgado e uniforme em todo seu comprimento. Seu diagnóstico definitivo é obtido após a ressecção e análise histopatológica onde pode-se identificar uma mucosa normal e uma submucosa proeminente com múltiplos vasos sanguíneos e linfáticos dilatados. O objetivo deste relato de caso é apresentar esse achado incomum que deve ser incluído na lista de diagnósticos diferenciais de conhecimento do médico colonoscopista.

Introdução:

O PAMC representa uma forma rara de lesão que é classificada como não neoplásica e não inflamatória [1]. Esses pólipos são caracterizados por seu pedículo longo, delgado e uniforme ao longo de todo o seu comprimento, conferindo-lhes uma aparência “vermiforme” [2].

Sua patogênese não é totalmente compreendida. Sugere-se que áreas frágeis ao longo do cólon que sofrem tração mecânica nas camadas superficiais (mucosa e submucosa) relacionadas ao peristaltismo podem favorecer o seu desenvolvimento [3].

Quando a magnificação é usada durante a colonoscopia, torna-se possível identificar um padrão de superfície uniforme com arquitetura preservada, assim como um padrão normal e regular de microvasos [4]. Idealmente, a ressecção usando uma técnica de polipectomia deve ser considerada para confirmação histopatológica. Essa análise revela uma mucosa normal sem displasia ou inflamação associada a uma submucosa exuberante com estroma colagenoso frouxo e contendo vasos sanguíneos e linfáticos dilatados [5]. Entretanto, em casos individuais, o acompanhamento pode ser considerado se a ressecção não for viável e houver um alto nível de suspeita para esse pólipo benigno [6].

O objetivo deste relato de caso é apresentar esse achado incomum que deve ser incluído na lista de diagnósticos diferenciais de conhecimento do médico colonoscopista.

Apresentação do caso:

Homem de 50 anos, sem comorbidades prévias, sem história de cirurgia prévia em trato gastrointestinal, sem história familiar relevante em parentes de primeiro grau foi avaliado em consulta com gastroenterologista devido a quadro de dispepsia há 7 meses, sem sinais de alarme. Não apresentava manifestações clínicas relacionadas ao aparelho digestivo inferior e não possuía alterações no exame físico.

Realizados exames laboratoriais gerais que não identificaram anemia, alteração renal, hepática, nutricional, metabólica, eletrolítica. A endoscopia digestiva alta também era normal. Os testes para intolerâncias alimentares, doença celíaca, parasitas intestinais e Helicobacter pylori foram negativos.

O paciente nunca havia sido submetido a uma colonoscopia. Como apresentava idade com indicação para o rastreio do câncer colorretal foi orientado a realizar esse exame. A colonoscopia identificou um pólipo alongado, com cerca de 12 mm, de superfície regular. Foi realizada polipectomia com alça a frio, sem intercorrências (figura 1).

Figura 1: Colonoscopia
A) pólipo alongado mucossubmucoso do cólon transverso; B) apreensão do pólipo com uma alça; C) ressecção do pólipo com alça a frio; D) aspeto final após a ressecção

A análise anatomopatológica revelou tratar-se de um pólipo, sem displasia ou componente inflamatório, composto por mucosa normal associada a submucosa exuberante contendo vasos sanguíneos e linfáticos dilatados, correspondendo a um PAMC (figura 2).

Figura 2: Histopatologia
Pólipo composto por mucosa de cólon normal e submucosa exuberante com um componente vascular proeminente e sem inflamação ou displasia

Durante consulta de retorno, o paciente foi informado das caraterísticas do pólipo e do seu carácter benigno. Recomendou-se ao paciente que repetisse a colonoscopia dentro de 10 anos conforme a indicação da rotina de seguimento habitual. Por fim, recebeu tratamento para a dispepsia funcional com uma resposta adequada.

Discussão:

Os PAMCs são raramente encontrados em colonoscopias de rastreio ou, incidentalmente, em exames realizados com base em queixas que não estão necessariamente relacionadas com o pólipo, tendo em vista que estes pólipos são, normalmente, assintomáticos. No entanto, pólipos muito gigantes podem causar obstrução intestinal, hemorragia e intussuscepção [7].

Um dos fatores de risco potencialmente relacionados com o seu desenvolvimento é a obstipação. A presença desta manifestação clínica pode favorecer a tração mecânica sobre áreas frágeis da mucosa/submucosa ao longo do cólon. No entanto, no caso apresentado, o paciente apresentava um ritmo intestinal diário e normal, com fezes Bristol 4.

Dentre os seus diagnósticos diferenciais, destacam-se o pólipo inflamatório filiforme, ou um pólipo hamartomatoso com apresentação alongada, ou a presença de um pedículo residual de uma ressecção prévia. Outro diagnóstico diferencial relevante é um divertículo invertido mimetizando o PAMC, cuja ressecção inadvertida poderia causar potenciais complicações. No caso apresentado, foi seguro ressecar o pólipo devido à ausência de divertículos ao longo dos segmentos do cólon, assim como a ausência de pregas circulares na periferia (aurora rings) ou umbilicação central na lesão.

Estes pólipos são geralmente ressecados para se obter a confirmação diagnóstica. Em alguns relatos de casos publicados na literatura científica, foram utilizadas técnicas de proteção da base do pólipo através de um endoloop ou clipe endoscópico [8]. Tal fato é justificado pelo potencial risco de hemorragia, uma vez que o pólipo é constituído por vasos sanguíneos dilatados. Entretanto, no caso apresentado, optou-se por realizar a ressecção com alça a frio e sem proteção da base. Ainda assim, o procedimento foi efetuado sem hemorragia imediata ou tardia. Nos casos em que a ressecção não é possível a ultrassonografia endoscópica pode ser considerada como um método auxiliar de apoio diagnóstico [9].

Por se tratar de um pólipo benigno, sem atipias, não há recomendação específica de seguimento após a ressecção, devendo ser seguida a rotina habitual de vigilância.

Conclusão:

Trata-se de um caso inusitado de PAMC localizado no cólon transverso em um paciente submetido a colonoscopia de rastreio. A suspeição deste tipo de pólipo começa pelo seu aspeto macroscópico, sendo identificado o seu padrão “vermiforme” composto por um pedículo longo, delgado e uniforme. A sua ressecção por polipectomia confirma o diagnóstico. Do ponto de vista histopatológico, é possível identificar uma mucosa normal e uma submucosa exuberante com vasos sanguíneos e linfáticos dilatados. O PAMC é um achado pouco reconhecido pelos colonoscopistas, no entanto, com o aumento das taxas de colonoscopias de rastreio, a sua identificação poderá tornar-se cada vez mais comum.

Referências

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Como citar este artigo

Gomes IL, Chaib DM, Meneses DL, Filho LC, Galvão VA. Pólipo alongado mucosa/submucosa de cólon transverso em paciente submetido a colonoscopia de rastreio Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/polipo-alongado-mucosa-submucosa-de-colon-transverso-em-paciente-submetido-a-colonoscopia-de-rastreio/




Papilectomia endoscópica pós-transplante hepático

Paciente do sexo feminino, 51 anos, com antecedente de transplante hepático em outubro de 2023 devido a cirrose hepática de etiologia alcóolica. A partir de dezembro de 2023, passa a apresentar colestase bioquímica persistente e assintomática, a despeito de níveis adequados de imunossupressão: BT 2,52; BD 1,83; GGT 544,31 (VR<38); FAL 373 (VR<116).  

Foi submetida a ressonância magnética de abdome (RNM) com colangiorressonância (colangioRNM), que não evidenciou alteração vascular da artéria hepática, apenas desproporção entre as vias biliares do doador e receptor, sem estenose definida, porém com discreta dilatação de vias intra-hepáticas.

Imagem 1: ColangioRNM mostrando desproporção entre as vias biliares do doador e receptor.

Tendo em vista quadro clínico associado a dilatação de vias biliares, foi indicada colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) para tratamento de possível estenose da anastomose biliar. Ao se posicionar o duodenoscópio na segunda porção duodenal, identificada lesão polipóide suspeita para adenoma de papila duodenal maior, sendo realizadas biópsias.

Diante da confirmação histológica de adenoma tubular com displasia de baixo grau, optado pelo estadiamento local através de ultrassom endoscópico (EUS), evidenciando lesão restrita a mucosa (sem sinais de acometimento de camada muscular) medindo 12×9 mm, com dilatação de colédoco até 9 mm e ausência de extensão intraductal.

Dessa forma, indicada papilectomia endoscópica e realizada ressecção em monobloco, em modo endocut Q, sem injeção de submucosa. Não foi realizada esfincterotomia ou passagem de prótese biliar ou pancreática. Observou-se pequeno sangramento imediato no leito de ressecção, controlado com injeção de adrenalina. Não há lesão residual no leito. Paciente evoluiu bem, assintomática e sem intercorrências após o procedimento.

O anatomopatológico confirma biópsia prévia, com margens laterais e profundas livres de lesão (R0). Houve resolução da colestase após o procedimento: BT 0,98; BD 0,42; GGT 105; FAL 153. Paciente permaneceu sem lesões suspeitas no leito nos exames de seguimento, com biópsia após 1 ano exibindo apenas processo infamatório reacional.

Imagem 10: visão endoscópica de controle

Revisão

A neoplasia da ampola de Vater é uma entidade rara, mais comum em homens e idosos, embora o diagnóstico abaixo dos 45 anos venha em ascensão nos últimos anos. Diante do diagnóstico em pacientes jovens, deve-se suspeitar de síndrome genética sobrejacente, sendo a PAF (Polipose Adenomatosa Familiar) a principal envolvida1,2. Seguindo a cadeia de carcinogênese adenoma-carcinoma, as lesões podem se originar da mucosa duodenal ou pancreatobiliar e os tipos mais diagnosticados são o adenoma, displasia intraepitelial e adenocarcinoma, sendo que o adenoma do tipo intestinal corresponde a mas de 95% das lesões benignas3.

A maioria das lesões é assintomática e costuma ser identificada incidentalmente durante exames endoscópicos por outras indicações. É possível, no entanto, se apresentarem com icterícia (16.6%), dor abdominal (14.4%), pancreatite (4.1%) e colangite (1%)4.

Tendo em vista a visão parcial da papila duodenal maior obtida através do endoscópio de visão frontal, sugere-se que a adequada avaliação seja realizada com o duodenoscópio ou endoscópio convencional associado ao uso de cap. Embora não exista uma classificação validada para avaliação das lesões de papila, deve-se avaliar o tamanho, se há extensão da lesão para além da papila, como as lesões de crescimento lateral (LSTp). Além disso, alguns aspectos identificados correlacionam-se com maior risco de invasão da muscular como endurecimento, ulceração, friabilidade, sangramento, depressão e “nonlifting sign”4,5. O diagnóstico histológico deve ser realizado idealmente pela biopsia endoscópica; em caso de falha diagnóstica, são alternativas a biópsia por EUS ou biópsia endoscópica após esfincterotomia, de preferência com intervalo de 10 dias entre os procedimentos4. Vale ressaltar que a presença de adenoma nas biópsias endoscópicas não exclui a presença de adenocarcinoma, devido as altas taxas de falsos negativos e variável concordância entre as biópsias endoscópicas e as peças de ressecção5.

O estadiamento deve seguir a classificação TNM e pode ser realizado por tomografia computadorizada (TC), colangioRNM, EUS e ultrassom intraductal. Nota-se a superioridade do EUS na avaliação do T (principalmente em lesões maiores do que 2 cm e T1) e da colangioRNM na avaliação do N. Ademais, a avaliação da extensão intraductal da lesão se faz necessária para definição do tratamento4.

Segundo a recomendação da ESGE, está indicada a papilectomia endoscópica nas lesões até 4 cm, com extensão intraductal de até 2cm e nas lesões malignas Tis/T1aN0M0 (idealmente restritos a mucosa). Nos casos tecnicamente difíceis, como tamanho superior a 4 cm, divertículo duodenal ou extensão intraductal>2cm pode ser considerado e discutido de forma individualizada a ampulectomia cirúrgica no caso de lesões superficiais ou duodenopancreatectomia nos casos de T≥1 ou N+/M+4. Existem trabalhos que mostram bons resultados na ressecção endoscópica de neoplasias precoces (adenocarcinoma bem diferenciado até T1aN0M0), embora as taxas de acometimento linfonodal no T1 podem chegar a 45%4,6,7.

Embora muitas técnicas tenham sido descritas até o momento e não haja consenso em alguns aspectos, a ESGE sugere a ressecção com alça sem injeção de submucosa, utilizando-se modo Endocut de forma reduzir o risco de sangramento durante e após o procedimento. Nos casos de LSTp, deve ser feita injeção de submucosa e ressecção por mucosectomia, apresentando um maior risco de sangramento associado. Nos casos de extensão intraductal há maior risco de não obtenção de R0 e necessidade de complementação com tratamento cirúrgico, principalmente nas lesões com maior grau de displasia. Nestes casos, há possibilidade de abordagem da extensão intraductal no momento da papilectomia através da ablação com cistótomo guiada por fio guia ou ablação por radiofrequência (RFA)4.

A esfincterotomia com passagem de prótese biliar é considerada quando há esvaziamento lentificado, sangramento ou quando realizado tratamento de lesão intraductal. É recomendada profilaxia de pancreatite com administração de indometacina via retal e colocação de prótese pancreática4. Embora exista tal recomendação, alguns trabalhos recentes não demonstram redução significativa na incidência de pancreatite pós-papilectomia endoscópica com o uso da prótese pancreática8,9. Outras técnicas descritas incluem a colangiopancreatografia com esfincterotomia biliar e alocação de fio guia no ducto pancreático precedendo a papilectomia com posterior colocação de próteses10.

A ressecção é considerada bem sucedida diante da ausência de lesão residual no leito após o procedimento, sendo a ressecção em monobloco é o principal fator associado a obtenção do R04,11. Os principais efeitos adversos da papilectomia endoscópica são: pancreatite (11.9 %), sangramento (10.6 %), perfuração (3,1%) e colangite (2,7%)4,12. A taxa de mortalidade é baixa (0,3%) e a estenose tardia pode ocorrer em 2,4% dos casos4.

O seguimento deve ser realizado por duodenoscopia com biópsias do leito e de áreas suspeitas em 3, 6 e 12 meses e anualmente por 3 a 5 anos. A presença de lesão residual benigna, que ocorre em cerca de 11%, ou recorrente pode ser tratada com eletrocoagulação por plasma de argônio ou mucosectomia, com bons resultados4. Em se tratando de adenomas esporádicos, a taxa de recorrência da lesão a longo prazo é semelhante entre a papilectomia endoscópica e a ampulectomia cirúrgica (15,7%x17,6%, com menores taxas de eventos adversos e maior segurança na primeira modalidade13.

Veja mais sobre o assunto: PAPILA DUODENAL MAIOR: Precisamos inspecionar na rotina? • Endoscopia Terapeutica.

Referências

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  9. Jiang J, Lv F, Chen C, Jiang W. Effectiveness of endoscopic papillectomy with stent placement in pancreatic and bile ducts for treating duodenal papillary adenoma: A retrospective study. BMC Gastroenterology. 2024 Oct 24;24(1). doi:10.1186/s12876-024-03466-7
  10. Kim GE, Siddiqui UD. Endoscopic resection techniques for duodenal and ampullary adenomas. VideoGIE. 2023 Aug;8(8):330–5. doi:10.1016/j.vgie.2023.05.006
  11. Choi SJ, Lee HS, Kim J, Choe JW, Lee JM, Hyun JJ, et al. Clinical outcomes of Endoscopic Papillectomy of Ampullary Adenoma: A multi-center study. World Journal of Gastroenterology. 2022 May 7;28(17):1845–59. doi:10.3748/wjg.v28.i17.1845
  12. Sahar N, Krishnamoorthi R, Kozarek RA, Gluck M, Larsen M, Ross AS, et al. Long-term outcomes of endoscopic papillectomy for ampullary adenomas. Digestive Diseases and Sciences. 2019 Aug 28;65(1):260–8. doi:10.1007/s10620-019-05812-2
  13. Garg R, Thind K, Bhalla J, Simonson MT, Simons-Linares CR, Singh A, et al. Long-term recurrence after endoscopic versus surgical ampullectomy of sporadic ampullary adenomas: A systematic review and meta-analysis. Surgical Endoscopy. 2023 May 23;37(7):5022–44. doi:10.1007/s00464-023-10083-0

Como citar este artigo

Mateus I. Papilectomia endoscópica pós transplante hepático Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/papilectomia-endoscopica-pos-transplante-hepatico/




Tratamento de fístula com vácuo endoscópico transparietal: uma alternativa eficaz que preserva o conforto do paciente

Introdução:

O tratamento de fístulas após cirurgias gastroesofágicas é um grande desafio. Nos últimos anos, a terapia a vácuo endoscópico (EVT) ganhou popularidade e se consolidou como uma ferramenta segura e eficaz para tratamento desta complicação, associando a drenagem de secreções ao estímulo à cicatrização.

Usualmente, a sonda para aspiração da terapia a vácuo é inserida através da narina, e posicionada dentro da luz do órgão ou na cavidade causada pela fístula. Entretanto, neste caso, o vácuo foi confeccionado de forma externa, transparietal, através do trajeto de um dreno cirúrgico. Este arranjo permitiu maior conforto para paciente, que continuou recebendo dieta via sonda nasoenteral.

Relato:

Paciente do sexo feminino de 70 anos submetida a gastrectomia total + esofagectomia distal com anastomose esofagojejunal intratorácica e linfadenectomia D2 devido carcinoma gástrico pouco diferenciado com envolvimento de esôfago distal.

Foram locados dois drenos perianastomose: um exteriorizado em flanco direito e um em flanco esquerdo.

No 5º. PO a paciente evoluiu com dor abdominal e distensão após infusão da dieta enteral. Foi realizado teste com azul de metileno, que extravasou pelo dreno abdominal à esquerda.

A endoscopia evidenciou deiscência de 1/3 da circunferência da anastomose esofagojejunal, na parede posterior. Era possível identificar o dreno através do orifício. A sonda nasoenteral estava locada na alça jejunal.

Figura 1: Endoscopia pós-operatória identificando fístula da anastomose esofagojejunal.
Figura 2: Esquema demonstrando o posicionamento dos drenos (azul) e a deiscência esofagojejunal intratorácica (amarelo).

A terapia a vácuo endoscópica foi indicada. Duas alternativas de inserção da sonda do vácuo seriam viáveis neste momento: via nasal (convencional), ou através do dreno transparietal. Tendo em vista o conforto da paciente, e a possibilidade de mantê-la com apenas uma sonda na narina (para alimentação), foi optado por instalar o vácuo através do dreno, de maneira transparietal.

Terapêutica

O dispositivo escolhido para a terapia a vácuo foi do tipo tube in tube, confeccionado com sonda nasogástrica dentro do dreno siliconado já existente, dispensando o uso de esponjas ou gazes. A sonda foi conectada ao dispositivo de aspiração. Enquanto a sonda (tubo interno) aspirava, o dreno (tubo externo) evitava entupimentos.

  • Passagem de sonda nasogástrica 16 Fr através de dreno abdominal (figura 3), com o posicionamento na cavidade fistulosa confirmado pela endoscopia (figura 4).
  • Foi mantido vácuo com pressão negativa contínua de 125 mmHg, com auxílio de bomba eletrônica.
  • Paciente mantida com dieta enteral através de sonda nasoenteral locada na alça jejunal.
Figura 3: Esquema demonstrando o dispositivo da terapia a vácuo locado. A) passagem de fio-guia pelo dreno externo o qual foi capturado pela endoscopia e exteriorizado pela boca. B) inserção da sonda nasogástrica 16Fr sobre o fio-guia e posicionada a cerca de 1,5 cm da deiscência da anastomose sob supervisão endoscópica com aparelho de fino calibre.
Figura 4: Local onde o dreno estava locado, e foi instalada a terapia a vácuo.

É importante salientar que, em casos em que o vácuo é instalado através de sondas nasais, muitos pacientes não toleram permanecer com uma sonda em cada narina – uma para a terapia a vácuo e uma para alimentação – ficando dependentes de nutrição parenteral.

Uma semana após a instalação da terapia a vácuo, foi realizada revisão endoscópica. O orifício fistuloso apresentava diminuição significativa de calibre, passando a medir cerca de 8 mm (figura 5).

Figura 5: A e B) Primeira revisão endoscópica após 7 dias de instalação da EVT; C, D e E) exame com aparelho de 4.9 mm através do orifício da fístula observando bom tecido de granulação no trajeto fistuloso. Dreno de silicone (azul) e sonda nasogástrica no seu interior.

Foi realizada leve tração do dreno (cerca de 2 cm) através da parede abdominal, afastando-o da luz do órgão, e reinstalado o vácuo endoscópico tipo tube in tube.

Figura 6: a) Trajeto fistuloso após tração do dreno; b) dreno realocado com dispositivo de vácuo no interior.

No 17º dia foi realizada nova revisão endoscópica, que identificou a anastomose esofagojejunal terminolateral ampla, sem sinais de fístula.

Figura 7: Segunda revisão endoscópica após 17 dias de instalação da EVT.

O dispositivo do vácuo endoscópico e o dreno abdominal foram retirados após novo teste com azul de metileno. No mesmo dia foi iniciada dieta oral, que foi progredida gradualmente até a alta hospitalar.

NOTA:

Em casos em que o paciente não possui um dreno previamente locado, a técnica tube in tube
também pode ser realizada. Para isso utilizam-se duas sondas Levine de calibres diferentes. A sonda de maior calibre tem sua extremidade de conexão cortada, para que a sonda de menor calibre seja inserida. A sonda interna (a de menor calibre) é conectada à pressão negativa (figura 8).

Figura 8: Esquema do tube in tube com sondas.

Veja mais sobre o assunto: Terapia endoscópica com vácuo (EVT) – Principais resultados de uma metanálise. • Endoscopia Terapeutica.

Como citar este artigo

Kristal I, Alves PA, Martins B. Tratamento de fístula com vácuo endoscópico transparietal: uma alternativa eficaz que preserva o conforto do paciente Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-de-fistula-com-vacuo-endoscopico-transparietal-uma-alternativa-eficaz-que-preserva-o-conforto-do-paciente/




Tratamento minimamente invasivo de lesão iatrogênica da via biliar pós-colecistectomia

Relato de caso:

MRS, 78 anos, feminino, realiza consulta médica com endoscopista intervencionista após início de quadro de inapetência, icterícia, náuseas/vômitos, colúria, acolia fecal e prurido intenso 15 dias após cirurgia de colecistectomia videolaparoscópica. Nega febre, alteração do nível de consciência ou outros comemorativos, bem como alergias e antecedentes pessoais. Ex-tabagista e relata apenas a colecistectomia como antecedente cirúrgico.

Ao exame físico, apresentava-se ictérica 4+/4+ (Fig 1), abdome pouco doloroso à palpação do HCD com ferida operatória limpa e seca, sem mais achados dignos de nota. Trouxe exames laboratoriais com anemia leve (Hb 11,5) e alteração de enzimas hepáticas (TGO 645, TGP 1031), enzimas canaliculares (FA 319, GGT 529) e hiperbilirrubinemia à custa de bilirrubina direta (BT 5,7, BD 4,9). Além disso, apresentava exame de ressonância de abdome superior com colangiorressonância (Fig 2) evidenciando: status pós-colecistectomia, coleção na loja vesicular apresentando aparente comunicação com terço médio do colédoco compatível com bilioma (8,5 x 4,9 x 4,0cm) e moderada dilatação das vias biliares extra e intra-hepáticas a montante do ponto de contato entre a coleção e o terço médio do colédoco denotando compressão extrínseca deste segmento pela coleção.

Diante desse cenário, foi indicada terapêutica minimamente invasiva combinada de Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) para drenagem da via biliar e drenagem percutânea através de radiologia intervencionista para o bilioma. Ambos bem sucedidos, entretanto CPRE revelou lesão iatrogênica da via biliar (clipagem parcial do ducto colédoco) e coledocolitíase proximal à subestenose, tendo sido procedida drenagem da via biliar com prótese plástica (Fig 3). A drenagem percutânea foi guiada por USG (Fig 4) e aspirado 100ml de liquido bilioso, mantido dreno por 3 dias sem intercorrências.

Paciente manteve assintomática e acompanhamento ambulatorial para programação de tratamento definitivo, que foi optado pela dilatação da via biliar (balão CRE 6-8mm) e inserção de prótese metálica auto-expansível totalmente recoberta (10 x 80mm) (Fig 5). O procedimento foi realizado 90 dias após a primeira CPRE sem intercorrências e optado pela retirada após 1 ano. A última CPRE foi realizada 12 meses após a inserção da prótese metálica no qual foi possível retirá-la, extrair o cálculo da via biliar proximal e obter uma colangiografia sem sinais obstrutivos ou extravazamentos ao final do procedimento (Fig 6).

Fig 5. Imagens colangiográficas da segunda CPRE: A. Imagem colangiográfica mostrando coledocolitíase proximal e subestenose em topografia de clipes; B. Imagem colangiográfica dilatação com balão em via biliar; C. Imagem radiológica da prótese metálica auto-expansível.
Fig 6. Imagens colangiográficas da última CPRE: A. Imagem radiológica da prótese metálica inserida no procedimento anterior; B. Imagem colangiográfica de coledocolitiase em via biliar proximal; C. Colangiografia de oclusão final.

Discussão

Estenose benigna da via biliar é uma condição que pode necessitar de intervenção terapêutica através de endoscopia e a etiologia pós-cirúrgica (lesão inadvertida) corresponde a 0,2 – 0,5% dos casos, ficando atrás das estenoses de anastomose pós-transplante hepático (3 – 46%) e patologias inflamatórias pancreatobiliares (15-20%)¹.

A principal causa de estenose pós-colecistectomia é a lesão de via biliar, que em sua maioria são identificadas ainda no intra-operatório (75%) e tem o ducto hepático comum como a localização mais frequente². O paciente pode apresentar-se assintomáticos ou ter manifestações clinico-laboratoriais de obstrução da via biliar em um período que geralmente se estende em até 3 meses da colecistectomia³.

Existem algumas classificações para estratificação das lesões iatrogênicas da via biliar, sendo as mais conhecidas as de Bismuth4 e Strasberg­5, conforme tabelas abaixo (Adaptadas de Mercado MA4 e Strasberg SM5):

O tratamento endoscópico nas lesões iatrogênicas da via biliar tem o intuito de evitar o tratamento cirúrgico que possui maior chance de morbidade, entretanto pode requerer maior número de intervenções6. Os resultados da terapêutica endoscópica com implantação com stents mostram sucesso no tratamento relativamente alta (70-80% na média dos estudos selecionados7,8,9), taxa de recidiva em torno de 16%8.

Os principais estudos comparando o uso de múltiplas próteses plásticas versus prótese metálica auto-expansível totalmente recoberta mostram resultados com resultados de resolução, recorrência e efeitos adversos semelhantes, entretanto com número de intervenções significativamente menores em pacientes que utilizaram a prótese metálica no seu tratamento10.

Referências

  1. Ma MX, Jayasekeran V, Chong AK. Benign biliary strictures: prevalence, impact, and management strategies. Clin Exp Gastroenterol. 2019 Feb 18;12:83-92. doi: 10.2147/CEG.S165016. PMID: 30858721; PMCID: PMC6385742.
  2. Nuzzo G, Giuliante F, Persiani R. [The risk of biliary ductal injury during laparoscopic cholecystectomy]. Journal de Chirurgie. 2004 Nov;141(6):343-353. DOI: 10.1016/s0021-7697(04)95358-6. PMID: 15738842.
  3. Thompson CM, Saad NE, Quazi RR, Darcy MD, Picus DD, Menias CO. Management of iatrogenic bile duct injuries: role of the interventional radiologist. Radiographics. 2013 Jan-Feb;33(1):117-34. doi: 10.1148/rg.331125044. PMID: 23322833.
  4. Mercado MA, Domínguez I. Classification and management of bile duct injuries. World J Gastrointest Surg. 2011 Apr 27;3(4):43-8. doi: 10.4240/wjgs.v3.i4.43. PMID: 21528093; PMCID: PMC3083499.
  5. Strasberg SM, Hertl M, Soper NJ. An analysis of the problem of biliary injury during laparoscopic cholecystectomy. J Am Coll Surg. 1995 Jan;180(1):101-25. PMID: 8000648.
  6. Chang KJ. Endoscopic foregut surgery and interventions: The future is now. The state-of-the-art and my personal journey. World J Gastroenterol. 2019 Jan 7;25(1):1-41. doi: 10.3748/wjg.v25.i1.1. PMID: 30643356; PMCID: PMC6328959.
  7. Vitale GC, Tran TC, Davis BR, Vitale M, Vitale D, Larson G. Endoscopic management of postcholecystectomy bile duct strictures. J Am Coll Surg. 2008 May;206(5):918-23; discussion 924-5. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2008.01.064. PMID: 18471723.
  8. Khan MA, Baron TH, Kamal F, Ali B, Nollan R, Ismail MK, Tombazzi C, Artifon ELA, Repici A, Khashab MA. Efficacy of self-expandable metal stents in management of benign biliary strictures and comparison with multiple plastic stents: a meta-analysis. Endoscopy. 2017 Jul;49(7):682-694. doi: 10.1055/s-0043-109865. Epub 2017 May 24. PMID: 28561199.
  9. Costamagna G, Tringali A, Mutignani M, Perri V, Spada C, Pandolfi M, Galasso D. Endotherapy of postoperative biliary strictures with multiple stents: results after more than 10 years of follow-up. Gastrointest Endosc. 2010 Sep;72(3):551-7. doi: 10.1016/j.gie.2010.04.052. Epub 2010 Jul 13. PMID: 20630514.
  10. Giri S, Jearth V, Sundaram S. Covered Self-Expanding Metal Stents Versus Multiple Plastic Stents for Benign Biliary Strictures: An Updated Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Cureus. 2022 Apr 29;14(4):e24588. doi: 10.7759/cureus.24588. PMID: 35651420; PMCID: PMC9138190.

Como citar este artigo

Martins S. Tratamento minimamente invasivo de lesão iatrogênica da via biliar pós-colecistectomia Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-minimamente-invasivo-de-lesao-iatrogenica-da-via-biliar-pos-colecistectomia/




Schwannoma de cólon ascendente: Uma rara lesão diagnosticada por ecoendoscopia

Apresentação do caso:

Paciente de 73 anos, do sexo feminino, foi submetida a colonoscopia de rastreamento que evidenciou lesão elevada séssil de aspecto subepitelial, sinal da tenda positivo e do travesseiro negativo, no cólon ascendente, medindo 30 mm, recoberta por mucosa íntegra e com suspeita tomográfica de pólipo inflamatório.

Optado pela investigação adicional com ecoendoscopia para decisão terapêutica, sendo possível alcançar a lesão com ecoendoscópio setorial.

Avaliação ecográfica revelou lesão nodular hipoecoica, heterogênea, de limites bem definidos, medindo 27 x 26 mm, localizada e restrita a camada muscular própria, sem linfonodomegalias perilesionais.

Realizada punção ecoguiada utilizando agulha FNB 22 Gauge, revelando neoplasia fusocelular de baixo grau.

Exame imunohistoquímico com resultado positivo para S100 e negativo para C-KIT , DOG-1, actina e CD34.

Tais achados corroboram o diagnóstico de Schwannoma.

Paciente foi submetida a colectomia direita videolaparocópica com retirada completa da lesão e sem necessidade de fazer linfadectomia oncológica.

Discussão:

O Schwannoma é um tumor originário de células de Schwann, presente na bainha de mielina de nervos periféricos.

Essa neoplasia possui menor incidência no trato gastrointestinal acometendo o plexo mioentérico de Auerbach, nos quais a maioria dos casos reportados estão localizados no estômago e intestino delgado, acometendo raramente o cólon.

Possui maior prevalência a partir da sexta década de vida e não tem predominância de gênero.

O quadro clínico comumente é assintomático ou composto por sintomas inespecíficos como dor e desconforto abdominal, tenesmo, constipação, sangramento retal ou melena.

A descoberta geralmente é incidental por meio do rastreamento endoscópico, revelando lesão de aspecto subepitelial de formato regular e bem definido, podendo ou não ser ulcerada.

O diagnóstico definitivo é por meio de exame patológico com imunohistoquímica positiva para S100 e negativo para SMA, Desmina, CD117 e P53.

A ecoendoscopia baixa é desafiadora, mas com habilidade técnica ela pode ser realizada de forma eficaz, contribuindo para a definição diagnóstica e direcionando a escolha da técnica cirúrgica, resultando em uma abordagem menos invasiva.

Usualmente os tumores são benignos com prognóstico favorável, com raros casos de transformação maligna.

De forma geral, a ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha para evitar a transformação maligna.

Comentários finais:

Schwannoma de cólon é uma lesão extremamente rara, sendo diagnóstico diferencial de tumor estromal gastrointestinal. A avaliação por ecoendoscopia com punção permite o diagnóstico pré-operatório, possibilitando ressecções cirúrgicas menos extensas e com menor morbidade, contribuindo com um bom prognóstico. Na maioria dos casos o diagnóstico é feito após análise histopatológica de peça cirúrgica. Se faz necessário a avaliação imunohistoquímica para diferenciação de outros tipos histológicos de tumores que acometem o cólon.

Referências

  1. Bohlok, A., El Khoury, M., Bormans, A., et al. Schwannoma of the colon and rectum: a systematic literature review. World Journal of Surgical Oncology, 16, 125 (2018). DOI: 10.1186/s12957-018-1427-1.
  2. Schwannoma of the ascending colon: A rare case report. Asian Journal of Surgery, Volume 46, Issue 6, 2023, Pages 2417-2418. ISSN: 1015-9584.
  3. Kim, G., Kim, S. I., Lee, K. Y. Schwannoma of the sigmoid colon: a case report and review of literature*. Journal of Surgical Case Reports, 2019 Feb;2019(2):rjz046. DOI: 10.1093/jscr/rjz046.
  4. Baig, M. M. A. S., Patel, R., Kazem, M. A., Khan, A. Schwannoma in the ascending colon, a rare finding on surveillance colonoscopy. Journal of Surgical Case Reports, 2019 Feb;2019(2):rjz 046. DOI: 10.1093/jscr/rjz046.

Como citar este artigo

Botelho PF, Costa LS. Schwannoma de cólon ascendente: Uma rara lesão diagnosticada por ecoendoscopia Endoscopia Terapeutica 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/schwannoma-de-colon-ascendente-uma-rara-lesao-diagnosticada-por-ecoendoscopia/




Paciente atrasado: devo atender ou não?

Em nossa profissão é comum que pacientes cheguem atrasados às consultas e exijam serem atendidos. A questão é que tal comportamento não apenas pode prejudicar o atendimento médico de outros pacientes como a negativa em atendê-lo pode levar a uma relação conturbada entre ele e o profissional.

Como você tem resolvido estas questões? Seu comportamento é baseado no conhecimento do que dizem os pareceres dos conselhos médicos? Você se sente obrigado a atender o paciente atrasado? Vamos expor algumas decisões dos Conselhos sobre este assunto.

No Parecer no 1882/2007, respondendo a questionamento sobre se é infração ética do profissional deixar de atender paciente agendado eletivamente porque ele não chegou no horário agendado e se cabe à operadora de saúde impor algum tipo de penalidade ao profissional ou à clínica, o Conselho Regional de Medicina do Paraná expõe: “No compromisso de consultar e ser consultado, tanto o médico quanto o paciente, tem obrigações e deveres. Quando existe agendamento prévio deduz-se que outras pessoas também assim o fizeram, e que o profissional programa-se em função daquele, ao paciente cabe estar presente no horário estabelecido, devendo avisar de possíveis atrasos ou desistências em tempo hábil, no entanto, quando ocorre um atraso é prerrogativa do profissional liberal aguardar ou não, pelo período que considerar adequado, sendo prática médica diária habitual aguardar-se, mas não obrigatória. A relação com a operadora de plano de saúde deverá seguir o que estiver estabelecido em contrato ou adesão.”

No mesmo sentido o Conselho Regional de Medicina do Espirito Santo aborda o tema com as seguintes exposições baseadas no Código de Ética Médica, ao responder no Parecer no 000014/ 2014 a dúvida se é obrigatório o atendimento de paciente que chega atrasado em consulta:

– segundo o Capítulo I – Princípios Fundamentais – inciso II, “(…) “o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional” e o inciso IV do Código de Ética: “Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão”, o referido CRM expõe que “Esse zelo inclui também a pontualidade a ser buscada em respeito às pessoas que comparecem para atendimento nos horários agendados, tornando-se imperiosa a recusa à inserção de pessoas retardatárias em horários já destinados aos clientes pontuais.”;

– do inciso VII: “O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”, ressalta que o “médico não é obrigado a prestar atendimento em desacordo com a organização da agenda a ser seguida e dos horários a serem respeitados, ressalvadas as excepcionalidades previstas no inciso acima.”;

– do inciso VIII dos Princípios Fundamentais: “O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.”, refere que “Mesmo que tais imposições procedam de cliente que, qualquer que seja o motivo, não compareceu com pontualidade para o atendimento regular.”

– do Capítulo II, inciso VIII, que afirma ser direito do médico: “Decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas venha a prejudicá-lo.”, explica que “A consequência dessa decisão é a recusa em reduzir o tempo de atendimento à clientela para permitir inserções e também a recusa em atender cliente sem dispor de tempo suficiente para tal, ressalvadas as excepcionalidades acima citadas”.

Dado o exposto, o referido Conselho conclui que “entende que o médico não é obrigado a prestar atendimento eletivo a clientes em atraso, havendo até mesmo a obrigação de não fazê-lo caso isso resulte em uma redução do tempo a ser empregado com a clientela pontual.”

Podemos então inferir que as decisões dos Conselhos concordam com a não obrigatoriedade do atendimento ao paciente atrasado, principalmente se seu atraso prejudique o atendimento dos demais. Lógico que o profissional deve levar em consideração o bom-senso para resolver cada caso, inclusive considerando que o paciente também deve ter a responsabilidade de suas obrigações.

Para mais informações, veja outros temas:

Até a próxima!

Referências

  1. https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/PR/2007/1882_2007.pdf
  2. https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/ES/2014/5_2014.pdf

Como citar este artigo

Brito HP. Paciente atrasado: devo atender ou não? Endoscopia Terapeutica 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/assuntosgerais/paciente-atrasado-devo-atender-ou-nao/




A Inteligência Artificial aprimora a detecção de vasos submucosos na endoscopia do terceiro espaço?

Resumo do artigo “Artificial intelligence improves submucosal vessel detection during third space endoscopy” publicado na Endoscopy em fevereiro de 2025 [1].

A inteligência artificial (IA) vem mostrando grande potencial no apoio à decisão diagnóstica em endoscopia gastrointestinal, porém sua aplicação em procedimentos terapêuticos, especialmente em procedimentos de terceiro espaço, como a dissecção submucosa (ESD) e a miotomia endoscópica peroral (POEM), ainda está sendo investigada [2].

Recentemente, Scheppach et al. (2025) [1], em um estudo publicado na revista Endoscopy, avaliaram o impacto de um algoritmo baseado em IA para detecção intraprocedimento de vasos sanguíneos submucosos, o que é essencial para prevenir complicações hemorrágicas durante esses procedimentos (vide Figura 1). O estudo contou com 19 endoscopistas, divididos em dois grupos segundo sua experiência em ESD (especialistas com >100 ESD e residentes em treinamento).

Figura 1 (esquerda) ilustra a imagem sem auxílio de IA e a Figura 2 (direita) demonstra a visão com o auxílio de IA. Imagem adaptada de Scheppach et al. (2025) [1].

O teste foi composto por 101 videoclipes padronizados que exibiam 200 vasos submucosos pré-definidos. Os desfechos avaliados foram: a taxa de detecção dos vasos (VDR) e o tempo médio para a detecção dos vasos (VDT).

Com o suporte da IA, houve aumento significativo de VDR pelos endoscopistas em geral, de 56,4% para 72,4% (p<0,001). Sem IA, os especialistas apresentaram maior VDR comparado aos residentes em treinamento (59.0% vs 54.0%, p=0.03), e com IA, mesmo com a diferença de experiência, não houve diferença estatística entre os grupos. Além disso, o VDT diminuiu de 6,7 segundos para 5,2 segundos (p<0,001). Notavelmente, residentes assistidos pela IA obtiveram uma taxa de detecção maior (70,8%) em comparação aos especialistas sem IA (59,0%, p<0,001), sugerindo que a IA pode nivelar diferenças de desempenho baseadas na experiência prévia.

A IA isoladamente apresentou uma alta taxa de detecção (VDR de 93,5%) em diferentes tipos de ESD (esofágica 95,6%, gástrica 100%, retal 95,4%) e um pouco menor no POEM (73,9%). O tempo médio de detecção pela IA foi rápido, em torno de 1,5 segundos. Contudo, falsos positivos ocorreram em 4,5% dos casos, principalmente devido à detecção de tecidos carbonizados, tecido normal, bolhas de água ou faíscas elétricas. Esses falsos positivos foram rapidamente corrigidos pelo sistema, com duração média curta (0,7 segundos), minimizando o impacto sobre a execução do procedimento. Há algumas limitações inerentes a estudos inciais, como o uso restrito de equipamentos de uma única fabricante e o treinamento da IA com imagens de apenas um tipo de endoscópio.

Os resultados sugerem que a aplicação da IA em procedimentos endoscópicos terapêuticos pode trazer importantes benefícios clínicos, como maior segurança, redução no tempo de procedimento e potencial diminuição na variabilidade interpessoal. Este estudo abre portas para futuras investigações clínicas, onde o impacto real da IA poderá ser confirmado na prática diária dos endoscopistas.

Para mais informações, veja: Endoscopia no Futuro: Inteligência Artificial até que ponto?

Referências

  1. Scheppach MW, Mendel R, Muzalyova A, Rauber D, Probst A, Nagl S, Römmele C, Yip HC, Lau HSL, Gölder SK, Schmidt A, Kouladouros K, Abdelhafez M, Walter BM, Meinikheim M, Chiu PWY, Palm C, Messmann H, Ebigbo A. Artificial intelligence improves submucosal vessel detection during third space endoscopy. Endoscopy. 2025 Feb 5. doi: 10.1055/a-2534-1164. Epub ahead of print. PMID: 39909396.
  2. Ebigbo A, Mendel R, Scheppach MW, Probst A, Shahidi N, Prinz F, Fleischmann C, Römmele C, Goelder SK, Braun G, Rauber D, Rueckert T, de Souza LA Jr, Papa J, Byrne M, Palm C, Messmann H. Vessel and tissue recognition during third-space endoscopy using a deep learning algorithm. Gut. 2022 Dec;71(12):2388-2390. doi: 10.1136/gutjnl-2021-326470. Epub 2022 Sep 15. PMID: 36109151; PMCID: PMC9664130.

Como citar este artigo

Kum, AST. A Inteligência Artificial aprimora a detecção de vasos submucosos na endoscopia do terceiro espaço Endoscopia Terapeutica 2025, Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/assuntosgerais/a-inteligencia-artificial-aprimora-a-deteccao-de-vasos-submucosos-na-endoscopia-do-terceiro-espaco/




A drenagem ecoguiada coledocoduodenal (EUS-BD) pode substituir a CPRE com passagem de prótese nas obstruções biliares malignas distais?

Essa é a questão que Ji Young Bang e colaboradores buscaram responder em um estudo retrospectivo, avaliando os critérios de elegibilidade e as tecnologias disponíveis atualmente. O artigo “Rate of suitable cases for primary EUS-guided biliary drainage in distal malignant biliary obstruction” de Bang JY et al., publicado online em Gut em 26 de fevereiro de 2025, apresenta informações importantes sobre as limitações da drenagem ecoguiada, sob a ótica de um grupo com vasta expertise nessa abordagem.

Resumo

Atualmente, a CPRE é considerada a principal estratégia terapêutica para as obstruções malignas distais. No entanto, complicações como pancreatite, disfunção das próteses biliares e dificuldades no acesso à papila devido à invasão tumoral limitam sua aplicabilidade. A drenagem ecoguiada coledocoduodenal, proposta como alternativa à CPRE desde o início deste século, apresenta o benefício de evitar tanto a área de invasão tumoral quanto a instrumentação do ducto pancreático, o que reduz o risco de pancreatite e disfunção das próteses biliares. Uma meta-análise de 6 estudos randomizados controlados envolvendo 570 pacientes mostrou que a abordagem ecoendoscópica oferece menor risco de pancreatite e necessidade de reinternação por complicações associadas à drenagem biliar.

Dada essas observações promissoras, a drenagem ecoguiada primária tem sido sugerida como uma alternativa terapêutica à CPRE. No entanto, o procedimento técnico, que envolve o acesso ao ducto biliar com uma agulha de 19 Gauge, exige que o ducto biliar esteja dilatado. Dois dos seis estudos da meta-análise utilizaram como critério de elegibilidade um diâmetro do hepatocolédoco superior a 12 mm, enquanto nos outros estudos, a média do diâmetro foi superior a 12 mm.

A proporção de pacientes com obstrução biliar maligna distal em que a drenagem ecoguiada é viável na prática clínica ainda não é bem conhecida. Para investigar essa questão, Bang e colaboradores analisaram dados retrospectivos de pacientes submetidos à CPRE e à drenagem ecoguiada entre janeiro de 2022 e novembro de 2024. A CPRE foi utilizada como modalidade primária, e a drenagem ecoguiada como abordagem de resgate em pacientes com falha da CPRE. Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos e dilatação superior a 11 mm do hepatocolédoco.

Dos 3201 pacientes submetidos à CPRE durante o período do estudo, 439 foram incluídos na análise. A drenagem por CPRE foi bem-sucedida em 406 pacientes (92,5%), com uma mediana do diâmetro do hepatocolédoco de 11,5 mm (IQR 10-15 mm). Em 59 casos (14,5%), foram necessárias técnicas avançadas de canulação. Complicações ocorreram em 38 pacientes (9,4%), incluindo pancreatite em 18 casos, colangite em 11, sangramentos em 7 e duas perfurações. Todos os eventos adversos foram controlados por endoscopia, exceto um sangramento que exigiu intervenção radiológica.

Nos 33 pacientes em que a CPRE falhou, a drenagem ecoguiada foi bem-sucedida em 29 casos (87,9%). Foram realizadas 28 coledocoduodenostomias e um acesso por rendez-vous. A mediana do diâmetro do hepatocolédoco nesses casos foi de 16 mm (IQR 13-18 mm). No caso tratado com rendez-vous, o diâmetro do hepatocolédoco era de 11 mm. Nos 28 pacientes tratados com drenagem ecoguiada, a prótese axios foi utilizada em 22 casos, e próteses metálicas totalmente revestidas foram aplicadas em 6.

Dois pacientes não puderam ser tratados com drenagem ecoguiada devido a um diâmetro do hepatocolédoco inferior a 10 mm, enquanto outros dois apresentaram insucesso técnico devido ao disparo inadequado da flange distal das próteses. Todos esses casos foram tratados com drenagem percutânea.

Durante o período do estudo, observou-se que os pacientes tratados com CPRE apresentaram uma mediana do diâmetro do hepatocolédoco significativamente menor (11,5 mm, IQR 10-15 mm) em comparação aos tratados com drenagem ecoguiada de resgate (16 mm, IQR 13-18 mm; p<0,001). Notavelmente, 44,9% dos pacientes (197 dos 439) apresentaram diâmetro inferior a 12 mm, o que os tornou inelegíveis para a drenagem ecoguiada.

Bang e cols. concluem que embora este estudo reforce a drenagem ecoguiada como uma excelente opção de resgate após falha da CPRE no tratamento da obstrução biliar maligna distal, ele também revela que uma proporção significativa de pacientes (44,9%) não seria elegível para a coledocoduodenostomia por ecoendoscopia. A CPRE continua sendo a primeira escolha para drenagem biliar em casos de obstrução biliar maligna distal, com uma taxa de sucesso superior a 95% nas mãos de especialistas, quando a papila duodenal é acessível. A drenagem ecoguiada é uma alternativa eficaz quando há dilatação do ducto biliar, mas a presença de uma dilatação mínima de 12 mm é crítica para o sucesso da abordagem, especialmente no uso da prótese LAMS. Portanto, dado o atual cenário técnico e tecnológico, não é realista substituir a CPRE pela drenagem coledocoduodenal ecoguiada, uma vez que essa abordagem só é viável para 60% dos pacientes, ou seja, aqueles com dilatação superior a 11 mm. Em comparação, a CPRE oferece um sucesso superior a 99% na drenagem biliar de pacientes com estenose maligna distal.

Comentários:

Apesar de metanálises recentes, como as de Gapakumar e colaboradores e Khoury e colaboradores, apontarem que a drenagem ecoguiada coledocoduodenal apresenta vantagens, como menor índice de pancreatite, maior tempo de patência com menor disfunção da prótese biliar e menor tempo de procedimento, sugerindo sua utilização como abordagem primária, Bang e colaboradores, em sua análise retrospectiva, destacam as limitações do método. Eles reforçam a necessidade de uma dilatação maior que 11 mm para que a drenagem ecoguiada seja bem-sucedida.

Assim, podemos concluir que, no cenário atual, a drenagem ecoguiada coledocoduodenal é uma opção terapêutica eficaz na falha da drenagem por CPRE, especialmente quando o acesso à papila não é viável por endoscopia e há dilatação superior a 11 mm do hepatocolédoco.

Para mais informações, veja: Drenagem biliar ecoguiada: resumo e considerações sobre o guideline americano (ASGE) de 2024.

Referências

  1. Bang JY, Faraj Agha M, Hawes R, Varadarajulu S. Rate of suitable cases for primary EUS-guided biliary drainage in distal malignant biliary obstruction. Gut. 2025 Feb 26:gutjnl-2025-334979. doi: 10.1136/gutjnl-2025-334979. Epub ahead of print. PMID: 40011036.
  2. Gopakumar H, Singh RR, Revanur V, Kandula R, Puli SR. Endoscopic Ultrasound-Guided vs Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography-Guided Biliary Drainage as Primary Approach to Malignant Distal Biliary Obstruction: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Am J Gastroenterol. 2024 Aug 1;119(8):1607-1615. doi: 10.14309/ajg.0000000000002736. Epub 2024 Feb 29. PMID: 38421018.
  3. Khoury T, Sbeit W, Fumex F, Marasco G, Eusebi LH, Fusaroli P, Chan SM, Shahin A, Basheer M, Gincul R, Leblanc S, Teoh AYB, Jacques J, Lisotti A, Napoléon B. Endoscopic ultrasound- versus ERCP-guided primary drainage of inoperable malignant distal biliary obstruction: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Endoscopy. 2024 Dec;56(12):955-963. doi: 10.1055/a-2340-0697. Epub 2024 Jun 6. PMID: 38843824.

Como citar este artigo

Ide E. A drenagem ecoguiada coledocoduodenal (EUS-BD) pode substituir a CPRE com passagem de prótese nas obstruções biliares malignas distais? Endoscopia Terapeutica 2025, Vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/artigoscomentados/a-drenagem-ecoguiada-coledocoduodenal-eus-bd-pode-substituir-a-cpre-com-passagem-de-protese-nas-obstrucoes-biliares-malignas-distais/




Devemos Indicar de Rotina a Pesquisa de H. pylori no Acompanhamento Endoscópico de Pacientes Pós-Bypass Gástrico?

Não é obrigatório realizar a pesquisa de Helicobacter pylori em pacientes  realizando endoscopia para acompanhamento pós-operatório de cirurgia bariátrica, como o bypass gástrico. 

A decisão de testar pode ser individualizada e baseada em fatores como a prevalência local de H. pylori, presença de sintomas gastrointestinais,  erosões jejunais ou úlceras marginais1,2.

Indicações de realizar a pesquisa de H. pylori:

  • Pacientes que apresentam sintomas como dor abdominal crônica, desconforto abdominal ou anemia refratária, a endoscopia pode ser indicada para avaliar a presença de H. pylori e outras patologias significativas.
  • Presença de úlceras marginais. Alguns estudos sugerem que a infecção por H. pylori pode estar associada a um risco aumentado de complicações pós-operatórias, como úlceras marginais. Porém,  outros estudos não encontraram diferenças significativas nos resultados pós-operatórios entre pacientes com e sem H. pylori 2-3.   Mesmo assim, na presença de úlceras, a pesquisa deve ser realizada. 
  • A erradicação pré-operatória de H. pylori pode ser benéfica em áreas de alta prevalência, mas não é universalmente recomendada1,4. Nos casos em que o tratamento é realizado no pré-operatório o controle deve ser feito, de preferência, antes da cirurgia. 

Existe relação entre a presença de H. pylori no pouch gástrico e a presença de H. pylori no estômago excluso?

A relação entre a presença de Helicobacter pylori no reservatório gástrico e no estômago excluso após cirurgia o bypass gástrico em Y de Roux, não é completamente elucidada.  No entanto, alguns estudos sobre gastrectomias parciais sugerem que a colonização por H. pylori pode variar entre diferentes partes do estômago remanescente ou excluído, influenciada por fatores como refluxo biliar e alterações na anatomia gástrica5-6.

Um estudo avaliou com  enteroscopia  pacientes submetidos à by-pass gástrico em Y Roux.  O H. pylori foi detectado em 20% dos pacientes no estômago excluso e em 34% no reservatório gástrico7.  

A presença de H. pylori no estômago excluído pode ser menos comum devido à falta de exposição ao ácido gástrico e à bile, que são fatores que podem influenciar a colonização bacteriana. Além disso, a erradicação de H. pylori no reservatório gástrico pode não garantir a erradicação no estômago excluído, caso a infecção esteja presente em ambas as áreas antes da cirurgia.

E aí? Você concorda com essa conduta?  Como é a sua rotina? Compartilhe a sua experiência conosco nos comentários.

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Referências

  1. Clinical Practice Guidelines for the Perioperative Nutrition, Metabolic, and Nonsurgical Support of Patients Undergoing Bariatric Procedures – 2019 Update: Cosponsored by American Association of Clinical Endocrinologists/­American College of Endocrinology, the Obesity Society, American Society for Metabolic and Bariatric Surgery, Obesity Medicine Association, and American Society of Anesthesiologists. Mechanick JI, Apovian C, Brethauer S, et al. Obesity (Silver Spring, Md.). 2020;28(4):O1-O58. doi:10.1002/oby.22719.
  2. The Role of Endoscopy in the Bariatric Surgery Patient. Evans JA, Muthusamy VR, Acosta RD, et al. Gastrointestinal Endoscopy. 2015;81(5):1063-72. doi:10.1016/j.gie.2014.09.044.
  3. H. Pylori as a Predictor of Marginal Ulceration: A Nationwide Analysis. Schulman AR, Abougergi MS, Thompson CC. Obesity (Silver Spring, Md.). 2017;25(3):522-526. doi:10.1002/oby.21759.
  4. Preoperative Bariatric Screening and Treatment of Helicobacter Pylori. Hartin CW, ReMine DS, Lucktong TA. Surgical Endoscopy. 2009;23(11):2531-4. doi:10.1007/s00464-009-0449-8.
  5. Helicobacter Pylori Infection Following Partial Gastrectomy for Gastric Cancer. Park S, Chun HJ. World Journal of Gastroenterology. 2014;20(11):2765-70. doi:10.3748/wjg.v20.i11.2765.
  6. Spontaneous Clearance of Helicobacter Pylori After Pylorus-Preserving Gastrectomy for Gastric Cancer. Miyashita T, Miwa K, Inokuchi M, et al. Oncology Reports. 2013;30(1):299-303. doi:10.3892/or.2013.2472.
  7. What to Expect in the Excluded Stomach Mucosa After Vertical Banded Roux-en-Y Gastric Bypass for Morbid Obesity. Safatle-Ribeiro AV, Kuga R, Iriya K, et al. Journal of Gastrointestinal Surgery : Official Journal of the Society for Surgery of the Alimentary Tract. 2007;11(2):133-7. doi:10.1007/s11605-006-0047-1.

Como citar este artigo

Orso IRB. Devemos Indicar de Rotina a Pesquisa de H. pylori no Acompanhamento Endoscópico de Pacientes Pós-Bypass Gástrico? Endoscopia Terapeutica. Ano 2025. Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/uncategorized/rascunho-automatico/