Uso do escore SPICE (Smooth Protuding lesion Index at Capsule Endoscopy) para diferenciar massa subepitelial de abaulamento inocente.
Quem avalia exame de cápsula endoscópica com certeza se depara com abaulamentos na luz do intestino delgado que o iniciante imediatamente acreditará ser uma lesão subepitelial. Será que ele lembrou que poderia ser uma contração ou uma compressão extrínseca?
Em um exame onde só imagens são avaliadas, sem toque nem possibilidade de movimentar o aparelho para posições que possibilitem melhor visualização, é realmente desafiador conseguir diferenciar a causa do abaulamento. Falaremos sobre o escore SPICE (Smooth Protuding lesion Index at Capsule Endoscopy), que pode nos auxiliar nesta situação. O SPICE utiliza características da lesão, de apresentação e seu o tempo de visualização. SPICE > 2 tem sensibilidade de 83,3% e especificidade de 86,4% para massa subepitelial. Um abaulamento benigno é definido como protuberância redonda de mucosa com aparência normal, com margens suaves mal definidas e base maior que a altura. Seria como se colocássemos um objeto debaixo de um lençol, fazendo com que o lençol levantasse suavemente, com margens suaves e imprecisas. O escore se utiliza destas características para tentar definir que tipo é o abaulamento.
Escore SPICE
Critérios
Não
Sim
Margem mal definida com a mucosa adjacente
1
0
Diâmetro maior que a altura
1
0
Lúmen visível nas imagens em que aparece
0
1
Imagem da lesão aparece por mais de 10 minutos
0
1
Um valor > 2 é preditivo de massa subepitelial
Por exemplo: o tempo entre o primeiro e o último aparecimento do abaulamento na imagem abaixo é de 7 minutos (Figura 1). No caso, temos Score SPICE 1 (0 + 0 + 1 + 0 ).
Figura 1.
Uma característica relatada por Min et. al (que corresponderia ao primeiro critério da SPICE) é o grau de inclinação da base da protusão em relação a mucosa. Uma massa subepitelial bem definida formaria uma inclinação aguda, como se quisesse formar um pedículo. Um ângulo agudo (< 90º) tem maior possibilidade de ser criado por massa subepitelial (Figura 2) porém, um ângulo obtuso poderá ser formado por uma lesão, compressão extrínseca ou contração (Figura 3). Comparando com a SPICE, um ângulo menor que 90o tem a mesma especificidade e maior sensibilidade (92% x 32%).
Figura 2Figura 3
Apesar das ferramentas existentes, continua desafiador determinar com certeza a natureza de uma protusão em um exame de cápsula endoscópica mas estudos tem favorecido sua melhor definição, auxiliando no seguimento dos pacientes.
E você, teria dificuldade em afirmar se um abaulamento trata-se de massa subepitelial ou um artefato?
Referências
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Rosa B, Margalit-Yehuda R, Gatt K, Sciberras M, Girelli C, Saurin JC, Valdivia PC, Cotter J, Eliakim R, Caprioli F, Baatrup G, Keuchel M, Ellul P, Toth E, Koulaouzidis A. Scoring systems in clinical small-bowel capsule endoscopy: all you need to know! Endosc Int Open. 2021 Jun;9(6):E802-E823. doi: 10.1055/a-1372-4051. Epub 2021 May 27. Erratum in: Endosc Int Open. 2021 Jun;9(6):C6. doi: 10.1055/a-1521-0901. Erratum in: Endosc Int Open. 2021 Jun;9(6):C7. doi: 10.1055/a-1525-7686. PMID: 34079861; PMCID: PMC8159625.
Girelli CM, Porta P, Colombo E et al. Development of a novel index to discriminate bulge from mass on small-bowel capsule endoscopy. Gastrointest Endosc 2011; 74: 1067–1074
Os procedimentos de endoscopia são realizados sob sedação venosa, salvo raras exceções, com uma série de recomendações a respeito da segurança do paciente durante a sedação (clique aqui para Sete passos para anestesia segura em procedimentos endoscópicos). E o que acontece depois do exame? Após a sedação, como avaliar objetivamente quando o paciente está realmente apto a sair da sala de exame e do consultório?
Foram desenvolvidas algumas escalas para avaliar parâmetros clínicos do paciente que permitam liberar o mesmo com segurança após anestesia, seja ela local, loco-regional, sedação ou anestesia geral.
A escala de Aldrete e Kroulik foi desenvolvida em 1970 com o objetivo de determinar condições de alta após anestesia através da avaliação de cinco parâmetros simples: atividade motora, respiração, nível de consciência, pressão arterial e coloração da pele/leito ungueal (avaliação de hipoxemia). Em 1995 os mesmos autores modificaram a escala substituindo a avaliação subjetiva de hipoxemia por dados da oximetria de pulso. Vide critérios a seguir:
Atividade motora Movimenta os quatro membros – 2 pontos Movimenta dois membros – 1 ponto Não move os membros – 0 pontos
Respiração Capaz de respirar profundamente – 2 pontos Dispneia / limitação à respiração – 1 ponto Apneia – 0 pontos
Nível de consciência Completamente acordado – 2 pontos Desperta ao chamado – 1 ponto Não responde – 0 pontos
Circulação – pressão arterial Pressão arterial (PA) até 20% do nível pré-anestésico – 2 pontos PA em 20-49% do nível pré anestésico – 1 ponto PA em 50% nível pré anestésico – 0 pontos
Saturação de oxigênio Mantém saturação de oxigênio (SO2) > 92% em ar ambiente – 2 pontos Mantém SO2 >90% com oxigênio suplementar – 1 ponto Mantém SO2 <90% com oxigênio suplementar – 0 pontos
Cada parâmetro avaliado varia de 0 a 2 pontos, totalizando uma pontuação máxima de 10 na escala, sendo considerado como critério de alta um escore de 9 ou 10. Pacientes que estão com pontuação de 8 ou menos precisam de maior monitorização e possivelmente cuidados, intervenções de acordo com a necessidade como uso de cateter de oxigênio, expansão volêmica, drogas vasopressoras, uso de antagonistas como flumazenil.
A escala é objetiva, envolvendo parâmetros facilmente mensuráveis, rápida, sem trazer gastos, sendo utilizada regularmente nas salas de recuperação anestésica para determinar critérios de alta após sedação ou anestesia geral. Embora a escala possa ser aplicada por qualquer profissional de saúde que receba treinamento, a interpretação e tomada de decisão sobre a alta do paciente é de responsabilidade do médico.
Foi criada também a Escala de Aldrete para procedimentos ambulatoriais incluindo todos os cinco parâmetros da escala modificada e adicionando outros quatro parâmetros: sangramento (aspecto curativo), deambulação, alimentação, micção espontânea. O paciente é considerado apto para alta quando atinge um escore de 18 ou mais nesta escala.
Atividade motora Movimenta os quatro membros – 2 pontos Movimenta dois membros – 1 ponto Não move os membros – 0 pontos
Respiração Capaz de respirar profundamente – 2 pontos Dispneia / limitação à respiração – 1 ponto Apneia – 0 pontos
Nível de consciência Completamente acordado – 2 pontos Desperta ao chamado – 1 ponto Não responde – 0 pontos
Circulação – pressão arterial Pressão arterial (PA) até 20% do nível pré-anestésico – 2 pontos PA em 20-49% do nível pré anestésico – 1 ponto PA em 50% nível pré anestésico – 0 pontos
Saturação de oxigênio Mantém saturação de oxigênio (SO2) > 92% em ar ambiente – 2 pontos Mantém SO2 >90% com oxigênio suplementar – 1 ponto Mantém SO2 <90% com oxigênio suplementar – 0 pontos
Curativo Limpo e seco – 2 pontos Molhado porém sem expandir – 1 ponto Molhado, expandindo – 0 pontos
Deambulação Fica em pé e anda em linha reta – 2 pontos Tontura quando em pé – 1 ponto Tontura em posição supina – 0 pontos
Alimentação Apto a tomar líquidos – 2 pontos Nauseado – 1 ponto Vômitos – 0 pontos
Micção espontânea É capaz de urinar – 2 pontos Não urina mas está confortável – 1 ponto Não urina e sente desconforto – 0 pontos
Uma outra escala também é muito utilizada para avaliar a alta do paciente é a Modified Post-Anaesthetic Discharge Scoring System (MPADSS) que se destaca por incluir a avaliação da dor nos critérios de alta.
Sinais vitais Frequência cardíaca e pressão arterial variando até 20% do nível pré-anestésico – 2 Frequência cardíaca e pressão arterial entre 20% e 40% do nível pré-anestésico – 1 Frequência cardíaca e pressão arterial com mais de 40% do nível pré-anestésico – 0
Atividade Marcha adequada, sem tonturas ou nível similar ao pré anestésico – 2 Necessita de assistência para deambular – 1 Não deambula – 0
Náuseas e vômitos Sem queixas/ queixas mínimas controladas com medicação oral -2 Queixa moderada tratada com medicação venosa – 1 Queixas intensas ou contínuas apesar do tratamento – 0
Sangramento Ausente ou mínimo – 2 Moderado (1 episódio de hematêmese ou sangramento retal) – 1 Severo (2 ou mais episódios de hematêmese ou sangramento retal) – 0
Nesta escala o paciente é considerado apto para alta quando atinge escore igual ou superior a 9 em duas medidas consecutivas.
Foi realizada uma comparação entre a escala de Aldrete modificada e a MPADSS em publicação envolvendo 120 pacientes em cada grupo, em pacientes submetidos a endoscopia ambulatorial sob sedação venosa. Houve maior percentagem de pacientes considerados recuperados dentro da primeira hora pós sedação no grupo avaliado pela escala de Aldrete (42,5% vs 25%, p<0,01) embora a taxa de pacientes com sonolência no momento da alta tenha sido maior (19,1% vs 5%, p<0,01); não houve diferença significativa na taxa de efeitos adversos nas primeiras 24h entre ambos grupos.
É importante respeitar todas as etapas para a realização de uma endoscopia segura, não esquecendo da relevância em avaliar as condições de alta do paciente, algo que se torna mais fácil com auxílio de escalas objetivas como as citadas.
Referências
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Oliveira Filho GR. Rotinas de cuidados pós-anestésicos de anestesiologistas brasileiros [Postanesthetic routines of Brazilian anesthesiologists]. Rev Bras Anestesiol. 2003 Aug;53(4):518-34.
Como citar este artigo
Ferreira F. Você já ouviu falar sobre a Escala de Aldrete? Endoscopia Terapeutica, 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/voce-ja-ouviu-falar-sobre-a-escala-de-aldrete/
Esfincterotomia transpancreática
A canulação biliar é etapa fundamental no sucesso da CPRE, sendo o acesso biliar difícil associado a maiores taxas de falha na CPRE e eventos adversos documentados na literatura1.
Na falha de acesso à via biliar pela técnica convencional métodos alternativos de acesso pela CPRE podem ser empregados, tais como a fístula suprapapilar, cateterização por duplo fio guia, esfincterotomia transpancreática (ETP), pré-corte e diferentes técnicas de acesso por Rendez Vous2.
A ETP, descrita por Goff em 1995 3, vem recentemente sendo discutida como importante método de acesso, nos casos de cateterização inadvertida do DPP.
A técnica consiste em, após a cateterização do ducto pancreático principal, direcionar o papilótomo para o eixo da via biliar às 11h, realizando a esfincterotomia (Figura 1).
Figura 1: ilustração da técnica de esfincterotomia transpancreática.
Na sequência é recomendada a passagem de uma prótese pancreática e em seguida procedida a cateterização da via biliar (Figura 2).
Figura 2: esfincterectomia transpancreática seguida de passagem de prótese pancreática.
Uma das vantagens potenciais do método é o acesso ser direcionado pela presença do fio guia, em contrapartida à fístula suprapapilar, podendo beneficiar endoscopistas em treinamento4.
Nos últimos anos foram realizados novos trabalhos, avaliando as taxas de sucesso da ETP, assim como a ocorrência de eventos adversos relacionados. Clique para saber mais sobre Estratégias de prevenção de pancreatite pós-CPRE.
Dois estudos retrospectivos se destacam pelas grandes amostras de pacientes submetidos à CPRE5,6. O primeiro realizou comparação entre um grupo controle cujo acesso convencional obteve sucesso, ETP, duplo fio-guia e pré-corte com estilete, as taxas de sucesso foram respectivamente 94,9% / 87,2% / 74,5% / 69.6%, não houve diferença significativa em eventos adversos entre o grupo controle e a ETP, nesta a taxa de pancreatite foi de 1,1% e a de sangramento 0,3%. O segundo trabalho citado avaliou pacientes submetidos à ETP em comparação aos com acesso biliar convencional, o sucesso técnico da ETP foi de 95,9%, a ocorrência de pancreatite nesse grupo de 2,8% e o desfecho de sangramento apresentou-se significativamente superior quando comparado ao acesso convencional (10,9%, P=0,005), atribuindo porém o risco de sangramento a tentativas prévias de acesso por pré-corte.
Em ensaio clínico randomizado multicêntrico comparando ETP e duplo fio-guia em acesso biliar difícil7, Kylänpää e colaboradores demonstraram superioridade da ETP na realização de acesso biliar (84,6 % x 69,7 %; P = 0.01), sem diferença na taxa de pancreatite (13,5 % x 16,2 %).
Por fim, a metanálise comparando as diferentes técnicas de acesso à via biliar difícil8, favoreceu a realização de ETP em relação à persistir na tentativa com técnica tradicional, duplo fio guia, pré-corte e canulação assistida por prótese pancreática para o desfecho de acesso bem sucedido à via biliar.
Com base nos trabalhos avaliados a esfincterotomia transpancreática se demonstra como método seguro e eficaz para a canulação biliar em casos de falha do acesso convencional, devendo ser uma opção no arsenal do endoscopista. É importante destacar que a seleção da técnica para o acesso biliar em caso de falha na canulação convencional deve considerar o aspecto endoscópico da papila, patologia de base, ocorrência de cateterização do DPP e a expertise do endoscopista.
Referências
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Kouanda A, Bayudan A, Hussain A, Avila P, Kamal F, Hasan MK, Dai SC, Munroe C, Thiruvengadam N, Arain MA. Current state of biliary cannulation techniques during endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP): International survey study. Endosc Int Open. 2023 Jun 21;11(6):E588-E598.
Goff JS. Common bile duct pre-cut sphincterotomy: transpancreatic sphincter approach. Gastrointestinal Endoscopy. 1995 41(5), 502–505.
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Barakat MT, Girotra M, Huang RJ, Choudhary A, Thosani NC, Kothari S, Sethi S, Banerjee S. Goff Septotomy Is a Safe and Effective Salvage Biliary Access Technique Following Failed Cannulation at ERCP. Dig Dis Sci. 2021 Mar;66(3):866-872.
Papaefthymiou A, Florou T, Koffas A, Kateri C, Pateras K, Fytsilis F, Chougias D, Bektsis T, Manolakis A, Kapsoritakis A, Potamianos S. Efficacy and safety of transpancreatic sphincterotomy in endoscopic retrograde cholangiopancreatography: a retrospective cohort study. Ann Gastroenterol. 2022 Nov-Dec;35(6):648-653.
Kylänpää L, Koskensalo V, Saarela A, Ejstrud P, Udd M, Lindström O, Rainio M, Tenca A, Halttunen J, Qvigstad G, Arnelo U, Fagerström N, Hauge T, Aabakken L, Grönroos J. Transpancreatic biliary sphincterotomy versus double guidewire in difficult biliary cannulation: a randomized controlled trial. Endoscopy. 2021 Oct;53(10):1011-1019.
Facciorusso A, Ramai D, Gkolfakis P, Khan SR, Papanikolaou IS, Triantafyllou K, Tringali A, Chandan S, Mohan BP, Adler DG. Comparative efficacy of different methods for difficult biliary cannulation in ERCP: systematic review and network meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2022 Jan;95(1):60-71.e12.
Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva
Os pólipos gástricos são achados comuns, estando presente em 0,5% a 23% das endoscopias digestivas altas (1). A incidência de cada tipo histológico é variável de acordo com a população estuda, sendo os pólipos de glândulas fúndicas e os hiperplásicos os mais comuns. Um estudo feito no Brasil (2) mostrou que os pólipos hiperplásicos são os mais prevalentes, correspondendo a 71,3% dos pólipos, enquanto nos Estados Unidos (3) os de glândulas fúndicas são os mais comuns, representando 77%.
Os pólipos hiperplásicos são mais frequentes na sexta ou sétima décadas de vida, com uma questionável predominância no sexo feminino (4). Sua etiologia está geralmente associada a uma regeneração exacerbada da mucosa secundária a agressão contínua. Dessa forma, existe uma forte associação entre o pólipo hiperplásico e a presença de infeção pelo H. pylori, gastrite crônica, gastrite autoimune, metaplasia intestinal, gastropatia química, cirrose hepática e pós-terapia hemostática de angiectasias gástricas (4,5). Na maioria dos casos são assintomáticos no entanto, podem causar anemia, hemorragia digestiva ou até dificuldade do esvaziamento gástrico.
Tipicamente eles são solitários, menores que 20 mm e localizados no antro (60%) (4), vide figuras 1 a 3. Múltiplos pólipos podem estar presentes em até 20% dos casos (4). Geralmente são sésseis, com superfície lisa ou discretamente lobulada, friáveis e hiperemiados. No entanto podem crescer e atingir tamanhos maiores que 100 mm, associado a erosões ou úlceras superficiais em sua superfície.
Figura 1: pólipo hiperplásico em antro.Figura 2: pólipo hiperplásico intruso no piloro.Figura 3: pólipo hiperplásico extruindo do piloro.
Risco de malignização
A presença de displasia ou malignidade pode ocorrer em 1,9% a 10,4% dos pólipos hiperplásicos (6). No entanto essa prevalência pode variar de acordo com a população. Em pacientes asiáticos a displasia pode ocorrer em 1,4% a 16,4% dos casos e malignidade em 1,1% a 4,4%. Já em pacientes ocidentais a displasia pode acontecer em 3,3% a 9,7% dos casos e a malignidade em 0,6% a 2,1% (7).
O principal fator de risco para a presença de displasia ou malignidade é o tamanho do pólipo, especialmente aqueles maiores que 25 mm (5,8). Outros fatores que podem estar associados são: idade maior que 65 anos, presença de metaplasia intestinal e displasia na mucosa adjacente (5,8).
Conduta
A Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) recomenda a ressecção de todos os pólipos hiperplásicos maiores que 5 mm (9), enquanto o guideline britânico recomenda a retirada daqueles maiores que 10 mm (10). Outras indicações seriam a presença de displasia à biópsia ou pólipos sintomáticos (11).
A pesquisa de H. pylori é fundamental nesses casos, uma vez que existe uma associação entre a presença do pólipo hiperplásico e a infecção pelo H. pylori, que pode chegar a até 37% (4,8). Além disso, a erradicação da bactéria pode promover a regressão do pólipo em até 84% dos casos, especialmente dos pólipos menores, e parece reduzir as taxas de recidiva pós-ressecção (12).
Um exame cuidadoso do restante do estômago também é muito importante, pois esses pacientes apresentam outras alterações que predispõe ao câncer gástrico, como atrofia gástrica e metaplasia intestinal. A taxa de lesões malignas sincrônicas pode chegar a 7,1% (11).
O seguimento endoscópico ainda não está bem estabelecido. Recomenda-se repetir a endoscopia digestiva alta em 12 meses, especialmente naqueles pacientes que apresentaram displasia (11).
Recidiva
Os pólipos hiperplásicos apresentam altas taxas recidiva, mesmo quando ressecados em monobloco (R0), podendo variar de 12% a 51% (6,8). O tempo médio para o diagnóstico da recorrência é entre 1 e 2 anos e não necessariamente estão associados a riscos maiores de displasia ou malignidade (5,12).
O mecanismo pelo qual ela acontece ainda não está bem estabelecido. Aparentemente a técnica de ressecção, seja mucosectomia ou dissecção endoscópica de submucosa não tem relação a recidiva. A infecção pelo H. pylori, conforme descrito anteriormente, parece ter uma associação tanto com o surgimento do pólipo quanto com a sua recidiva após a ressecção (12). Portanto seu tratamento deve ser sempre tentado. A localização no antro também se relaciona a uma maior recorrência, acredita-se que pela maior contratilidade local e um provável refluxo biliar (6). Outros fatores que podem estar associados são: pólipos grandes (maiores que 16 mm), múltiplos, superfície lobulada, idade menor que 65 anos e presença de cirrose (5,6).
Conclusão
Os pólipos hiperplásicos são achados relativamente comuns em endoscopias digestivas altas do dia a dia. Geralmente são pequenos e assintomáticos. No entanto, devido ao risco de displasia e malignidade, mesmo que pequeno, eles devem ser ressecados, principalmente quando maiores que 10 mm. Deve-se dar atenção especial para a pesquisa de H. pylori e de outras entidades que podem estar associadas como gastrite, atrofia e metaplasia. Apesar de altas taxas de recidiva, ainda não está bem estabelecido nenhum protocolo de seguimento.
Referencias
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A microlitíase biliar é uma entidade identificada e descrita a relativamente pouco tempo, ainda sendo tema de muita controvérsia na literatura, desde sua definição e diagnóstico até sua relevância clínica e manejo. Com o aumento da disponibilidade do exame de ecoendoscopia e a consequente ampliação das indicações e solicitações deste exame, tornou-se uma condição cada vez mais identificada em uma população muito heterogênea de pacientes, que varia desde pacientes com obstrução das vias biliares, passando por pacientes com dor abdominal ou dispepsia, chegando até pacientes assintomáticos em exames “de rotina” ou indicados por outros motivos. Tal situação nos faz questionar, investigar e revisitar o conceito e o manejo desta condição que se torna cada vez mais presente no nosso dia a dia.
Já foi discutido anteriormente a questão da microlitíase biliar e do barro biliar neste portal, onde foram apontadas as diferenças ecográficas das duas entidades consideradas no nosso meio e possíveis condutas, bem como a relevância da microlitíase biliar no contexto da investigação etiológica da pancreatite aguda.
Neste artigo, avaliaremos as definições mais aceitas na literatura bem como as controvérsias ainda não resolvidas e discutiremos a relação entre a microlitíase biliar e sintomas dispépticos.
Definição
As definições para microlitíase biliar e barro biliar variam imensamente na literatura, e vão desde descrições distintas para as duas entidades, passando por autores que as tratam como sinônimos, até publicações que ignoram uma ou outra entidade.
Para tentar resolver esse problema facilmente identificável na literatura, Żorniak e col. (1) publicaram um consenso sobre o tema em 2023. O estudo contou com três principais etapas de elaboração: inicialmente foi realizada uma revisão sistemática da literatura que identificou 69 artigos originais e 26 artigos de revisão que definiam “microlitíase biliar” e “barro biliar”; em um segundo momento, 30 “experts” em ecoendoscopia foram consultados através de um questionário sobre o tema; por fim, as definições mais aceitas foram organizadas e revalidadas pelos autores, passando por uma última etapa de votação.
Para demonstrar a heterogeneidade na literatura, cito alguns dos descritores mais encontrados nesta revisão:
– Microlitíase biliar: “sinal/foco/forma hiperecoica com ou sem sombra acústica posterior”, “sinal/foco/forma hiperecoica necessariamente com sombra acústica posterior”, “sinal/foco/forma hiperecoica necessariamente sem sombra acústica posterior”, “imagem ecogênica móvel sem sombra acústica posterior”. Em relação ao tamanho, os estudos variaram desde <1mm até <10mm, porém a grande maioria definiu entre <3mm ou <5mm.
– Barro biliar: “substância fluida”, “nível fluido”, “múltiplos cálculos sem sombra acústica posterior”, “conteúdo em camadas na porção pendente da vesícula”, “conteúdo de baixa amplitude ecográfica”, “imagens hiperecoicas móveis sem combra acústica porterior”, “agregado hiperecoico sem sombra acústica posterior”, “material um pouco hiperecoico móvel”, “material ecogênico homogêneo”, “material ecogênico heterogêneo”.
Observa-se tanto uma sobreposição quanto uma troca ou mistura de definições entre as duas entidades na literatura especializada.
Com a difícil missão de determinar um consenso, os autores chegaram nas seguintes definições (original em inglês e respectiva tradução pelo autor deste artigo):
Microcálculo biliar: “calculi in the biliary tract and gallbladder of ≤5 mm in diameter with acoustic shadowing” / “cálculo nas vias biliares ou vesícula biliar com sombra acústica posterior com diâmetro menor ou igual 5mm”
Barro biliar: “Discrete, hyperechoic material inside the gallbladder or the bile duct, without acoustic shadowing, which sediments in the most dependent part of the gallbladder.” / “Material discretamente hiperecoico, sem sombra acústica posterior, com sedimentação na parte mais pendente da vesícula biliar”
Cálculo biliar: “calculi in the biliary tract and gallbladder of >5 mm in diameter with acoustic shadowing” / “cálculo nas vias biliares ou vesícula biliar com sombra acústica posterior com diâmetro maior que 5mm”
Em outro trabalho, Quispel e col. (2) estudaram o grau de concordância entre ecoendoscopistas em relação a microlitíase biliar e barro biliar. Eles avaliaram a concordância entre 41 ecoendoscopistas “experts” utilizando 30 vídeos. As definições aceitas neste trabalho foram (original em inglês e tradução do autor deste artigo):
Barro biliar (“sludge”): “Layered, cloud shaped, mobile echoic bile duct content, without acoustic shadowing” / “conteúdo ecogênico móvel em camadas sem sombra acústica posterior”
Microlitíase biliar (“microlithiasis”): “Hyperechoic circumscript bile duct content, < 3mm with or without acoustic shadowing” / “imagem hiperecoica com ou sem sombra acústica posterior menor que 3mm”
Cálculo biliar (“stones”): “Hyperechoic circumscript bile duct content, ≥ 3mm with or without acoustic shadowing” / “imagem hiperecoica com ou sem sombra acústica posterior maior ou igual a 3mm”
Neste estudo, houve uma concordância interobservador considerada moderada para um ou mais cálculos biliares – kappa de Fleiss (IC95%) 0,46 (0,13-0,78) -, fraca para microlitíase – kappa de Fleiss (IC95%) 0,25 (0,07-0,43) – e muito fraca para barro biliar – kappa de Fleiss (IC95%) 0,16 (0,07-0,25).
Em nosso meio, tendemos a definir de forma diferente tanto do consenso publicado quanto do estudo de Quispel e col., como demonstrado no artigo publicado previamente (“Microcálculos e barro biliar – Quais seus valores para a prática clínica?”) e no último manual de ecoendoscopia da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED) (3).
– Microcálculos/microlitíase: imagem móvel, hiperecoica, sem sombra acústica posterior e ≤3mm
Microlitíase biliar
– Barro biliar: conteúdo ecogênico móvel, sem sombra acústica posterior, com formação de nível.
Barro biliar
– Cálculo: imagem hiperecoica com sombra acústica posterior, independentemente do tamanho (podem ser chamados de cálculos pequenos se menores que 5mm).
Cálculo biliar
No entendimento do autor deste artigo, as definições que utilizamos no nosso meio apresentam maior correlação com os achados ecográficos e com os diferentes perfis de pacientes. Porém, com a publicação do consenso, caso a comunidade de ecoendoscopistas passe a utilizar a classificação proposta, a tendência será unificar os achados que hoje consideremos em nosso meio “microlitíase biliar” e “barro biliar” denominando ambos como “barro biliar”, enquanto o termo “microlitíase biliar” será utilizado para cálculos pequenos ≤5mm.
De qualquer forma, o mesmo consenso fez um levantamento retrospectivo que mostrou que não há diferença em relação a gravidade da pancreatite aguda biliar, independente de qual entidade biliar (cálculo, microcálculo ou barro) esteja relacionada ao evento, e alguns autores consideram que barro biliar e microlitíase biliar compartilham a mesma significância clínica (4).
Por fim, acreditamos que ainda haverá discussões na literatura para estabelecimento das definições para que haja uma melhor comunicação tanto entre os ecoendoscopistas, quanto entre médicos assistentes/solicitantes, e também na própria literatura, afim de homogeneizar a nomenclatura para estudos futuros. Dessa forma, até uma pacificação sobre o tema na literatura, sugere-se aos ecoendoscopistas descreverem os achados com precisão no corpo do laudo e realizar adequada documentação de imagens, para que o médico assistente/solicitante tenha ferramentas para interpretar corretamente os achados e tomar as melhores condutas cabíveis em cada caso, independente da definição utilizada na conclusão do laudo.
Microlitíase biliar e sintomas dispépticos
Como comentado na introdução deste artigo, com o aumento da disponibilidade da ecoendoscopia, os pedidos de exame para pacientes com sintomas dispépticos variados se tornaram parte importante da agenda de ecoendoscopia nos grandes centros, com identificação de “microcálculos/barro biliar” em um amplo perfil de pacientes e levando muitas vezes a indicação de colecistectomia. Tal cenário nos faz questionar o papel da ecoendoscopia para este perfil de pacientes, a indicação da colecistectomia e a relação com os sintomas apresentados.
Montenegro e col. (4) estudaram retrospectivamente pacientes com sintomas dispépticos variados, encaminhados para realização de ecoendoscopia após resultados negativos para litíase biliar por ultrassonografia abdominal, que foram diagnosticados com microlitíase e/ou barro biliar na ecoendoscopia e submetidos a colecistectomia. Eles excluíram pacientes assintomáticos e pacientes que tiveram qualquer complicação relacionada a litíase biliar (pancreatite, colangite, colestase ou colecistite).
Neste artigo, os autores utilizaram a seguinte definição (original em ingês e tradução do autor deste artigo): – Minilithiasis and/or biliary sludge (minilitíase e/ou barro biliar): “the presence of isoechoic and/or hyperechoic focus without an acoustic shadow less than 5 mm, which could be viewed with or without a massage in the epigastrium or right hypochondrium” / “presença de focos isoecoicos e/ou hiperecoicos sem sombra acústica posterior, menores que 5mm, que podem ser visualizados com ou sem compressão do epigástrio ou hipocôndrio direito”
A partir de uma base de dados de 1121 pacientes que realizaram ecoendoscopia entre os anos de 2014 e 2018, foram incluídos 50 pacientes compatíveis com os critérios de inclusão.
Dentre os sintomas relatados, 58% (29/50) apresentavam cólica biliar típica e 42% (21/50) apresentavam sintomas atípicos, sendo estes: dor no quadrante superior direito (24%), epigastralgia + dor no quadrante superior direito (2%), epigastralgia + náuseas/vômitos (6%), epigastralgia isolada (2%), dor abdominal difusa com ou sem distensão (8%).
Setenta porcento dos pacientes (35/50) tiveram remissão dos sintomas após a colecistectomia. No grupo dos pacientes com cólica biliar típica, a remissão foi de 86,2% enquanto no grupo de pacientes com sintomas atípicos foi de 47,6%. No grupo de pacientes com sintomas atípicos, houve diferença importante na resposta ao tratamento de acordo com o sintoma apresentado, notando-se remissão na maior parte dos pacientes com dor no quadrante superior direito e em nenhum dos 4 pacientes com dor abdominal difusa. A tabela abaixo resume os sintomas pré e pós-colecistectomia (tabela 2 do artigo original).
Tabela com sumário dos sintomas pré e pós-colecistectomia de Montenegro e col. (4)
Foi identificada apenas uma (2%) complicação com necessidade de reabordagem pós colecistectomia devido a hemoperitônio e 18% (9/50) de pacientes que evoluíram com diarreia pós colecistectomia.
Os autores concluem que pacientes com quadro de cólica biliar típica com presença de microcálculos/barro biliar à ecoendoscopia devem ser submetidos à colecistectomia, enquanto pacientes com sintomas atípicos devem ser amplamente investigados para descartar outras etiologias antes de serem submetidos a colecistectomia, sendo esta avaliação a chave para uma adequada correlação entre os sintomas e os achados ecográficos e consequente resolução dos sintomas após colecistectomia.
Jang e col. (5) estudaram o uso de medicações litolíticas (Ácidos Quenodesoxicólico e Ursodesoxicólico) para tratamento de pacientes com diagnóstico de dispepsia funcional refratária (DFR). A DFR é definida como sintomas dispépticos sem causa definida, persistentes após tratamento com sintomáticos, sendo difícil a diferenciação entre dispepsia funcional e dispepsia biliar em muitos casos.
Neste estudo prospectivo não-randomizado simples cego, foram incluídos 37 pacientes com diagnóstico de DFR e com exames de Endoscopia Digestiva Alta (EDA), ultrassom de abdome e exame de contratilidade da vesícula biliar normais. Importante notar que não foi realizada ecoendoscopia nos pacientes deste estudo. Foi utilizado uma escala de sintomas chamada de “Escala de sintomas globais de 7 pontos” (“7-point global symptom scale”), que relaciona os sintomas dispépticos com a severidade e impacto na vida do paciente, na qual 1 ponto o paciente refere não ter problemas com os sintomas dispépticos e 7 o paciente apresente um problema muito severo que interfere e limita as atividades diárias. Os sintomas relatados foram dor epigástrica, queimação epigástrica, saciedade precoce e empachamento pós-prandial.
Após 12 semanas de tratamento, a média da escala de sintomas caiu de 5,6 para 2,6, sendo que 94,6% (35/37) referiram algum grau de melhora dos sintomas e apenas 5,4% (2/37) não apresentaram nenhuma melhora.
Os autores concluem que grande parte dos pacientes diagnosticados com DFR podem ter na realidade dispepsia biliar, podendo ser beneficiados com o tratamento proposto com litolíticos. Eles ainda pontuam que a microlitíase biliar não foi adequadamente avaliada no estudo, podendo estar presente em parte ou totalidade dos pacientes que responderam ao tratamento.
Avaliando em conjunto os estudos apresentados, podemos inferir que a microlitíase/barro biliar deve ser considerada no diagnóstico diferencial em pacientes com dispepsia, porém o sucesso do tratamento – seja com colecistectomia ou com litolíticos – depende do tipo de sintoma apresentado e a exclusão de outras etiologias.
É importante considerar que são estudos de baixa qualidade metodológica para avaliar a eficácia do tratamento, mas que apontam para uma possibilidade que deve ser considerada e melhor estudada, preferencialmente com ensaios clínicos randomizados.
Conclusão
A microlitíase biliar é um tema ainda muito controverso, com divergências que vão desde a definição até o tratamento, principalmente quando relacionada a sintomas dispépticos.
Em relação a definição de microlitíase e barro biliar, há um debate que teremos que percorrer para chegarmos a conclusões mais consensuais e compatíveis com os achados do dia a dia. Considerando a literatura disponível, que se mostra ainda muito controversa apesar do esforço em estabelecer um consenso, cabe ao ecoendoscopista descrever e documentar com precisão os achados para que o médico interlocutor consiga identificar corretamente a entidade descrita, independente da definição utilizada.
Em relação a microlitíase/barro biliar e os sintomas dispépticos, alguns estudos de baixa qualidade metodológica sugerem a possibilidade de correlação entre tais entidades e sintomas dispépticos, com possível melhora dos sintomas em parte dos pacientes após colecistectomia ou tratamento com litolíticos. Entretanto é fundamento ressaltar que cada paciente deve ser avaliado com parcimônia, considerando os sintomas apresentados e realizando ampla investigação de outras etiologias mais prováveis, especialmente quando sintomas considerados atípicos para doença biliar são os mais importantes.
Referências
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Quispel, R., Schutz, H. M., Hallensleben, N. D., Bhalla, A., Timmer, R., van Hooft, J. E., Venneman, N. G., Erler, N. S., Veldt, B. J., van Driel, L. M. J. W., & Bruno, M. J. (2021). Do endosonographers agree on the presence of bile duct sludge and the subsequent need for intervention?. Endoscopy international open, 9(6), E911–E917. https://doi.org/10.1055/a-1452-8919
De Araújo W.C., Nahoum R.G., Como eu faço: pesquisa de pancreatite idiopática. In: Salomão B.C., Moura E.G.H.M. Ecoendoscopia como eu faço? / núcleo de ecoendoscopia SOBED – São Paulo : Editora dos Editores, 2023. Cap. 5 p.87-96
Montenegro, A., Andújar, X., Fernández-Bañares, F., Esteve, M., & Loras, C. (2022). Usefulness of endoscopic ultrasound in patients with minilithiasis and/or biliary sludge as a cause of symptoms of probable biliary origin after cholecystectomy. Gastroenterologia y hepatologia, 45(2), 91–98. https://doi.org/10.1016/j.gastrohep.2021.03.010
Jang, S. I., Lee, T. H., Jeong, S., Kwon, C. I., Koh, D. H., Kim, Y. J., Lee, H. S., Do, M. Y., Cho, J. H., & Lee, D. K. (2022). Efficacy of Chenodeoxycholic Acid and Ursodeoxycholic Acid Treatments for Refractory Functional Dyspepsia. Journal of clinical medicine, 11(11), 3190. https://doi.org/10.3390/jcm11113190
Antrombóticos (Antiagregantes e Anticoagulantes): Manejo na Endoscopia
O termo antitrombótico compila as drogas que possuem efeito antiagregante plaquetário ou anticoagulante. Muitos pacientes têm feito uso dessas medicações contínuas em situações clínicas como fibrilação atrial, implante de valvas mecânicas, trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar.
Visando redução dos riscos e um uso adequado das drogas antitrombóticas periprocedimentos, incluindo aqueles com abordagens endoscópicas, faz-se necessário um adequado entendimento dos processos de hemostasia, dos mecanismos de ação dessas medicações, suas indicações de uso, farmacocinética e abordagem em caso de sangramento. Para tal, as condutas citadas serão baseadas nos Guidelines da American Society for Gastrointestinal Endoscopy (ASGE) e European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) [1,2].
Mecanismos de Coagulação
A hemostasia primária é o processo inicial da coagulação desencadeado pela lesão vascular. Imediatamente, mecanismos locais produzem vasoconstrição, alteração da permeabilidade vascular com produção de edema, vasodilatação dos vasos tributários da região em que ocorreu a lesão e adesão das plaquetas. O endotélio do vaso lesionado libera difosfato de adenosina, serotonina e tromboxano A2. As plaquetas respondem a essas citocinas com a expressão de glicoproteína IIb/IIIa e junto à molécula de adesão celular plaqueta endotélio tipo 1 levam a formação de um tampão plaquetário inicial (Figura 1).
Figura 1: Início de agregação plaquetária em área de lesão de vaso (adaptado de National Bleeding Disorders Foundation – hemophilia.org)
Na hemostasia secundária, a coagulação sanguínea consiste na conversão de uma proteína solúvel do plasma, o fibrinogênio, em um polímero insolúvel, a fibrina, por ação de uma enzima denominada trombina (Figura 2).
Figura 2: Formação de fibrina em lesão tecidual (adaptado de National Bleeding Disorders Foundation – hemophilia.org)
Isso ocorre com a exposição do fator tecidual no local da lesão endotelial junto com as cascatas de coagulação em suas vias intrínseca e extrínseca (Figura 3).
Figura 3: Formação de fibrina em lesão tecidual (adaptado de Parekh et al. Am J Gastroenterol 2014) [3]
Drogas Antitrombóticas
Além das drogas antigas como a Varfarina, um antagonista da vitamina K com ação anticoagulante, e o ácido acetil salicílico (AAS), um inibidor da ciclooxigenase com efeito antiagregante plaquetário, temos novas classes de drogas que serão discutidas a seguir.
– Antiagregante plaquetários: Tienopiridinas
As tienopiridinas atuam como antagonistas do receptor P2Y12, inibindo a agregação plaquetária dependente da adenosina difosfato que é liberada após a lesão endotelial, durante a hemostasia primária. As principais drogas desse grupos são Clopidogrel (Plavix), Prasugrel (Effient) e Ticagrelor (Brillinta).
– Antiagregante plaquetários: Inibidores da GPIIbIIIa
Os inibidores do complexo glicoprotéico IIb/IIIa constituem classe heterogênea de fármacos capazes de bloquear a via final comum da agregação plaquetária. Para uso clínico, por via endovenosa, constituído por: Tirofiban (Aggrastat), Abciximab (ReoPro) e Eptifibatide (Integrilin).
– Anticoagulante: Varfarina e Heparinas
Apesar de possuir largo tempo de utilização e efetividade bem definida, a Varfarina (Warfarin, conhecido como Coumadin e Marevan) possui algumas desvantagens frente às novas drogas anticoagulantes que são: sua estreita janela terapêutica e margem de segurança necessitando de monitorização laboratorial frequente, inicio lento de ação, com alcance de faixa terapêutica somente após alguns dias em muitos casos, e a potencial influência da dieta e outras medicações na sua atividade. Por outro lado, é uma droga difusamente conhecida, com potencial de reversão dos seus efeitos de modo rápido e fácil com uso de vitamina K ou mesmo plasma.
Já as heparinas interagem com a antitrombina, um anticoagulante natural que inativa os fatores IXa, Xa e XIa, aumentando o efeito deste anticoagulante em mais de 1000 vezes. Representando pela Heparina não fracionada (HNF) e as de baixo peso molecular (HBPM), devido ao seu tempo de meia-vida curto, elas são utilizadas como método de ponte: troca de anticoagulante de longa duração por curta em procedimentos de alto risco.
– Anticoagulante: Inibidores Xa
Representando pela Rivaroxabana (Xarelto), os inibidores do fator Xa inibem competitivamente o fator X ativado e atuam da cascata como um todo, já que o fator X unifica as vias intrínseca e extrínseca da coagulação. Ao se associar com o fator Va o fator X forma um complexo chamado protrombinase que atua na transformação da protrombina em trombina. A rivaroxabana atua prevenindo a formação da protrombinase e consequentemente da trombina.
– Anticoagulante: Inibidores diretos da Trombina
Os inibidores diretos da trombina são representados pelas drogas Bivalirudina (Angiomax) e Dabigatran (Pradaxa). A Bivalirudina é um droga utilizada principalmente em procedimentos de intervenção coronariana percutânea. Já o Dabigatran é uma droga aprovada na prevenção de isquemia cerebral em casos de fibrilação atrial não valvular e no tromboembolismo venoso.
Vide resumo da tabela abaixo com o tempo de duração dos antitrombóticos equivalente ao tempo de suspensão caso seja indicado (Tabela 1).
Tabela 1: Tempo de duração e suspensão das drogas antitrombóticas (Comissão Científica SOBED 2017-2018).
Manejo Endoscópico
Com base nos conceitos acima, a forma como iremos abordar quaisquer procedimentos endoscópicos baseiam-se na janela terapêutica: em que há menor risco de sangramento (baixo risco do procedimento ou suspensão da medicação antitrombótica) versus o risco tromboembólico (doença trombótica de base), ilustrado na Figura 4.
Figura 4: Ilustração da janela terapêutica (modificado de Huo et al., Science Bulletin, 2019) [4].
Para isso, devemos inicialmente avaliar o risco versus benefício e adiar, quando possível, os procedimentos eletivos até que a terapia antitrombótica de curto prazo seja concluída. Antes da suspensão de qualquer medicação antitrombótica, o paciente deverá realizar avaliação com seu médico prescritor quanto à suspensão das medicações e indicação do exame.
Sendo um exame indicado, o primeiro passo é seguir com estratificação de risco de sangramento do procedimento, seguido de estratificação de risco tromboembólico e conduta.
Risco de sangramento do procedimento
BAIXO Risco de Sangramento
ALTO Risco de Sangramento
Procedimentos diagnósticos com ou sem biópsia
Polipectomia endoscópica
CPRE com passagem de prótese biliar ou pancreática (Sem esfincterotomia)
CPRE com esfincterotomia
Colocação de próteses esofágicas, enterais ou colônicas
Ampulectomia
Ecoendoscopia diagnóstica
Mucosectomia e ESD
Dilatação de estenose
Tratamento de varizes
Gastrostomia endoscópica
Ecoendoscopia com punção ou terapêutica
Ablação esofágica ou gástrica
Tabela 2: Estratificação de risco de sangramento do procedimento
Risco tromboembólico
Baixo Risco Tromboembólico
Alto Risco Tromboembólico
Válvula cardíaca biológica
Válvula cardíaca metálica mitral ou aórtica
Válvula cardiáca com Fibrilação Atrial
Fibrilação Atrial com Estenose Mitral
Fibrilação Atrial Sem Alto Risco (CHADS 2 ≤ 4 pontos): * Insuficiência cardíaca (1 ponto) * Hipertensão (1 ponto) * Idade > 75 anos (1 ponto) * Diabetes mellitus (1 ponto) * AVE ou AIT (2 pontos)
Fibrilação Atrial Com Alto Risco (CHADS 2 >4 pontos)
Fibrilação Atrial com AVE ou AIT com menos de 3 meses
TVP com mais de 3 meses de tratamento
TVP com menos de 3 meses de tratamento
Tabela 3: Estratificação de risco tromboembólico
Conduta
Procedimentos de BAIXO Risco de Sangramento:
Mantém antiagregação;
Mantém Varfarina se dentro da faixa terapêutica, caso contrário, aguardar correção de dose com especialista;
Suspender outros anticoagulantes somente no dia;
Procedimentos de ALTO Risco de Sangramento e BAIXO Risco Tromboembólico:
Suspender Clopidogrel, Ticagrelol ou Prasugrel 7 dias antes e reiniciar 1 a 2 dias após procedimento, mantendo sempre o AAS;
Suspender anticoagulantes orais diretos (DOAC – Direct Oral AntiCoagulants: Dabigatrana, Rivaroxabana, Apixabana e Edoxabana) 3 dias antes, sendo 5 dias se doença renal com clearance de 30-50mL/min, e retomar em 2 a 3 dias após procedimento;
Suspender Varfarina 5 dias antes (checar se INR<1,5 antes do exame) e retomar dose usual ao fim do dia do procedimento.
Procedimentos de ALTO Risco de Sangramento e ALTO Risco Tromboembólico:
Suspender Clopidogrel, Ticagrelol ou Prasugrel 7 dias antes e reiniciar 1 a 2 dias após procedimento, mantendo sempre o AAS;
Suspender anticoagulantes orais diretos (DOAC – Direct Oral AntiCoagulants: Dabigatrana, Rivaroxabana, Apixabana e Edoxabana) 3 dias antes, sendo 5 dias se doença renal com clearance de 30-50mL/min, e retomar em 2 a 3 dias após procedimento;
Realizar ponte de anticoagulação: Suspender Varfarina 5 dias antes, com início de HBPM (Enoxaparina) 3 dias antes do procedimento, seguida de suspensão no dia do procedimento. Retomar o uso da Varfarina ao fim do dia do procedimento, mantendo a HBPM até faixa de INR terapêutica.
Manter AAS em todos os casos, principalmente para prevenção secundária. As exceções são: suspender imediatamente em quadro agudo de sangramento, prevenção primária que poderá ser suspensa 5 dias antes em procedimentos de alto risco de sangramento e, segundo a ESGE, suspender para ampulectomia. [1,5]
Em casos de alto risco trombóticos de pacientes com stent coronariano ou dúvidas do risco tromboembólico, recomenda-se avaliação do cardiologista para manejo de antiagregação e anticoagulação.
Referências:
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ASGE Standards of Practice Committee; Acosta RD, Abraham NS, et al. The management of antithrombotic agents for patients undergoing GI endoscopy. Gastrointest Endosc. 2016 Jan;83(1):3-16. doi: 10.1016/j.gie.2015.09.035. Epub 2015 Nov 24. Erratum in: Gastrointest Endosc. 2016 Mar;83(3):678. PMID: 26621548.
Parekh PJ, Merrell J, Clary M, Brush JE, Johnson DA. New anticoagulants and antiplatelet agents: a primer for the clinical gastroenterologist. Am J Gastroenterol. 2014 Jan;109(1):9-19. doi: 10.1038/ajg.2013.228. PMID: 24402526.
Huo Y, Jeong YH, Gong Y, et al. 2018 update of expert consensus statement on antiplatelet therapy in East Asian patients with ACS or undergoing PCI. Sci Bull (Beijing). 2019 Feb 15;64(3):166-179. doi: 10.1016/j.scib.2018.12.020. Epub 2018 Dec 28. PMID: 36659616.
Biondi-Zoccai GG, Lotrionte M, Agostoni P, et al. A systematic review and meta-analysis on the hazards of discontinuing or not adhering to aspirin among 50,279 patients at risk for coronary artery disease. Eur Heart J. 2006 Nov;27(22):2667-74. doi: 10.1093/eurheartj/ehl334. Epub 2006 Oct 19. PMID: 17053008.
Stents de aposição de lúmen nas drenagens de coleções fluidas pancreáticas e risco de sangramento – onde estamos?
Desde a introdução dos stents metálicos de aposição de lúmen (LAMS) em 2012, as aplicações e usos desses dispositivos têm crescido constantemente. Eles têm sido empregados em uma ampla variedade de procedimentos, incluindo o tratamento de estenoses gastrointestinais luminais, para cistogastrostomia e necrosectomia endoscópica direta, para drenagem da vesícula biliar e para gastrojejunostomia.
Os LAMS estão sendo cada vez mais preferidos em relação aos stents plásticos (duplo pigtail) para pacientes submetidos à drenagem ecoguiada de coleções fluidas pancreáticas (PFC) por possuírem implantação tecnicamente fácil e amplo lúmen que facilita o rápido escoamento do conteúdo do cisto, no entanto, foram relatados eventos adversos tardios, como sangramento, migração e sepultamento do stent. A maioria dos estudos que descreve tais complicações não foi prospectiva e as definições utilizadas não foram uniformes, o que limita a padronização dos eventos adversos relacionados aos LAMS. Clique aqui para rever a Classificação de Atlanta para coleções fluidas peripancreáticas.
Uma auditoria de um ensaio clínico randomizado comparando a eficácia dos LAMS com stents plásticos de duplo pigtail relatou uma taxa inesperadamente alta de sangramento grave. O estudo observou que 10 de 31 pacientes (32,2%) no braço de tratamento LAMS tiveram complicações, incluindo três episódios de sangramento tardio começando três semanas após a colocação do stent. 1 O protocolo do estudo foi alterado e foi postulado que os stents plásticos tendem a gravitar em direção ao lúmen paulatinamente enquanto os LAMS poderiam ocasionar um rápido colapso da cavidade, resultando no risco de contato entre os vasos retroperitoneais e a flange distal do stent. O atrito prolongado poderia gerar erosão e ruptura dos vasos, causando sangramento agudo grave. Considerando essa hipótese, o tempo de permanência do stent além de 4 semanas foi relatado como um preditor de sangramento tardio e formou-se consenso para remoção do mesmo antes deste prazo na prática clínica. Todavia, essa recomendação é baseada principalmente em dados de uma coorte de centro único, limitando a generalização dos resultados. 1, 2
Um estudo de coorte prospectivo com revisão sistemática sobre eventos hemorrágicos após a colocação de LAMS compilou 21 estudos envolvendo 1.378 pacientes com uma taxa de sangramento de 3,8% (52/1378), dos quais 46,2% (24/52) ocorreram na primeira semana após a colocação de LAMS. A conclusão após análise dos casos publicados foi de que o risco de sangramento estaria relacionado a fatores inerentes ao próprio procedimento ao invés do tempo de permanência do stent, inferindo que um protocolo de remoção precoce dos LAMS para PFC é eficaz em prevenir tal desfecho. 3
Em 2022 foi publicada a análise retrospectiva do maior banco de dados multicêntrico (1.018 pacientes) existente sobre o uso de LAMS para drenagem de PFC (18 unidades do Reino Unido e Irlanda), aumentando o conhecimento neste cenário. Nenhum dos fatores analisados, como tipo (WON versus pseudocisto), tamanho da coleção (≤10 cm versus >10 cm) ou tempo de remoção do stent (≤4 semanas versus 4–8 semanas versus >8 semanas), mostrou correlação com eventos adversos tardios. Esses resultados fornecem mais evidências indiretas para manutenção da LAMS in situ além de 4 semanas, caso necessário clinicamente. 4
Para mais informações de manejo pós-drenagem ecoguiada de coleções peripancreáticas: clique aqui.
O uso de LAMS para o manejo das PFC tem excelentes taxas de sucesso técnico e clínico, no entanto, o índice de eventos adversos não é desprezível e deve ser cuidadosamente considerado antes das drenagens, em particular para WON. A prorrogação da sua permanência às vezes é necessária em pacientes com necrose pancreática extensa que obtém melhora clínica discreta ao cabo de 4 semanas. Até que haja mais estudos prospectivos para elucidarem este dilema, as descobertas de um grande conjunto de dados da vida real (banco de dados multicêntrico) acrescentam-se à literatura existente sobre o manejo dos LAMS para a drenagem de PFC e apoiam seu uso estendido em pacientes onde clinicamente indicado, desde que haja supervisão estreita.
Imagens de Necrosectomia Endoscópica Direta em paciente com WON após drenagem através de LAMS
Referências
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Bang JY, Hasan M, Navaneethan U, et al. Lumen-apposing metal stents (LAMS) for pancreatic fluid collection (PFC) drainage: may not be business as usual. Gut. 2017;66(12):2054–2056.
Waseem Ahmad, Syed A. Fehmi, Thomas J. Savides, Gobind Anand, Michael A. Chang, Wilson T. Kwong. Protocol of early lumen apposing metal stent removal for pseudocysts and walled off necrosis avoids bleeding complications. Scand J Gastroenterol. 2020 Feb;55(2):242-247.
Manu Nayar , John S Leeds , UK & Ireland LAMS Colloborative, Kofi Oppong. Lumen-apposing metal stents for drainage of pancreatic fluid collections: does timing of removal matter? Gut 2022;71:850–853.
Paciente sem pedido médico solicitando exame: o que faço?
Paciente comparece para realizar exame endoscópico com você mas está sem pedido médico, seja por ter esquecido ou por simplesmente desejar fazer o exame por conta própria. Com certeza, isso já aconteceu com todos que fazem exame diagnóstico. E agora, você pode fazer o exame sem pedido médico? E se você mesmo fizer o pedido do exame que você irá realizar no paciente?
Neste artigo veremos algumas decisões, dentre várias de mesmo sentido, sobre casos como este.
O artigo 37 do Código de Ética Médica proíbe prescrever tratamentos ou procedimentos sem atendimento ao paciente: “É vedado ao médico: prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”.
O parecer CFM no 18/15, faz os seguintes apontamentos: da Lei nº 12.842, de 10/07/13: “art. 2º, parágrafo único, item II: “O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças” e “no art. 4º, parágrafo 4º: São atividades privativas do médico: III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias”.
O mesmo parecer argumenta:” O diagnóstico de uma doença humana é um ato complexo de raciocínio, que envolve informações colhidas da anamnese, observações clínicas através do exame físico e, quando necessário, informações adicionais através de exames complementares que auxiliam o médico em seu diagnóstico” e define “Quando um paciente, seja particular, usuário do SUS ou de operadora de plano de saúde, no exercício de sua autonomia, solicita a um médico que seja realizado um determinado exame complementar, este profissional somente poderá realizá-lo sem a requisição do médico assistente do paciente, se assumir inteira responsabilidade profissional sobre o ato praticado”, concluindo que “No caso referido, em que se trata de demanda espontânea, a consulente só poderá realizar o exame questionado, e outros que configurem ato médico, se assumir a responsabilidade pela solicitação, pelo procedimento e pela orientação ao paciente dos cuidados necessários.”
O parecer do CREMESP emitido em 05/03/2020, para a consulta n0 238.116/18, sobre a criação de plataforma on-line para gerar pedido de exame, esclarece que “Primeiramente, cumpre esclarecer que o médico tem o dever de elaborar o prontuário para cada paciente a que assiste, conforme previsto no art. 87 do Código de Ética Médica (…)” e analisa o disposto no art. 50 da Resolução do CFM no 1.638/02, sobre os itens que deverão constar obrigatoriamente no prontuário confeccionado em qualquer suporte, eletrônico ou papel: “(…); b. Anamnese, exame físico, exames complementares solicitados e seus respectivos resultados, hipóteses diagnósticas, diagnóstico definitivo e tratamento efetuado (…)”, concluindo que “nos prontuários médicos devem constar o exame físico realizado no paciente no ato da consulta , e que a consulta deve sempre preceder a solicitação de qualquer exame complementar”.
Resumindo o que foi exposto: devemos ter em mente que a solicitação de um exame é parte de todo um procedimento para diagnóstico de um quadro apresentado pelo paciente na consulta: anamnese, exame físico, hipóteses diagnósticas, exames solicitados e posteriormente, condutas, sendo obrigatória a confecção do prontuário do paciente. Assim, é necessário o pedido médico para a realização do exame, que pode ser feito pelo mesmo profissional que irá fazer o exame. Neste caso, ele assumirá a responsabilidade pelo paciente, devendo também confeccionar o prontuário.
Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade
A endoscopia digestiva alta é o único método diagnóstico capaz de detectar lesões do trato gastrointestinal alto pré neoplásicas (adenomas e displasias) e neoplásicas precoces. Entretanto, mesmo pacientes previamente examinados não estão isentos do risco de detectar neoplasia nesses órgãos durante o seu seguimento de curto e médio prazo.
Conforme dados da World Health Organization, tumores do trato digestivo são detectados em estadio clínico inicial (ECI) na menor parte dos casos no ocidente, com taxas variando entre 7% e 16,9% para tumores esofágicos e entre 10,2 e 18% tumores gástricos.1 O diagnóstico em estágios avançados está diretamente associado à pobre sobrevida em 5 anos – 13% para tumores esofágicos e de 17% para tumores gástricos. Por outro lado, a identificação e o tratamento da doença localizada muda história natural da doença, atingindo taxas de sobrevida em 5 anos acima de 80%.2
Nesse contexto, vários estudos foram realizados para avaliar a taxa de perda de lesões neoplásicas em endoscopias digestivas altas. De forma geral, mas não consensual, define-se como lesão perdida aquela identificada no intervalo de 6 meses até 36 meses após a endoscopia índex. Esse período foi estabelecido considerando-se o tempo de duplicação tumoral gástrico de 2 a 3 anos sugerido por Fujita. Esse intervalo de tempo baseia-se no conceito de que os tumores gástricos podem ser visibilizados em endoscopias até 3 anos antes da sua apresentação clínica inicial. 3
Uma meta-análise de 2022 mostrou que 11,3% das neoplasias esofagogástricas e duodenais foram perdidas em endoscopias digestivas altas.2 Desses casos, 29% dos casos haviam realizado exame em um intervalo de 1 ano e 71% entre 1 e 3 anos do momento do diagnóstico.2
Uma revisão sistemática e metanálise de Pimenta-Melo A.R, et al mostraram resultados semelhantes: 9,4% dos tumores gástricos são potencialmente perdidos. A principal lesão perdida é o adenocarcinoma localizado no corpo gástrico. Os fatores preditivos para falha diagnóstica são: idade mais jovem (<55 anos), sexo feminino sexo, atrofia gástrica acentuada, adenoma ou úlcera gástrica e número inadequado de fragmentos de biópsia. 4
No Japão, foram realizadas endoscopias de seguimento em 44% dos 8.364 pacientes do estudo. Desses, 32 pacientes (0,9%) tiveram diagnóstico de câncer gástrico nos meses subsequentes. A incidência aumentou para 3,9% em pacientes com idade entre 60-69 anos com atrofia acentuada, definida como O2-3 de Kimura-Takemoto. 5
Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente em cárdia, pequena curvatura e parede posterior do corpo gástrico. 2,4 Outro fator é a presença de biópsia negativa, apesar da suspeição endoscópica pelo aspecto macroscópico da lesão. 6
O subgrupo de pacientes com lesões gástricas sincrônicas também foi avaliado, mostrando que 23,3% das lesões sincrônicas foram perdidas. Com isso, os autores demonstram a necessidade de uma inspeção cuidadosa da mucosa adjacente, mesmo em pacientes com lesões visíveis. Os principais preditores de risco foram lesões pequenas, adenoma como tipo histológico e àquelas localizadas no terço superior gástrico. 4
Em uma revisão sistemática e meta-análise de 2022, ao avaliar apenas casos de esôfago de Barrett, a taxa de perda de lesões com displasia de alto grau ou adenocarcinoma foi de 26%. Nesse trabalho, foi considerado o intervalo de 1 ano entre a endoscopia índex com esôfago de Barrett (sem displasia, displasia de baixo grau ou indefinida) e a endoscopia que detectou displasia de alto grau ou adenocarcinoma.7 Realizar exame com aparelho de alta definição, dispender 1 minuto de inspeção a cada 1 cm do esôfago de Barrett, utilizar recursos de cromoscopia (virtual e com ácido acético) e identificar adequadamente e registrar fotograficamente os principais marcos anatômicos demonstrou aumento na taxa de detecção dessas lesões. 8
Em um estudo recente (Endoscopy 2022) com base nos registros de câncer da Polônia, a perda média de lesões no trato digestivo alto após uma endoscopia foi de 6% (N=33.241 total), percentual que se manteve estável entre os anos de 2012 e 2018. Foram definidos como tumores perdidos àqueles diagnosticados entre 6 e 36 meses da endoscopia índex. 9 Nesse mesmo trabalho, a maioria das lesões perdidas foram gástricas (81%), seguidas das esofágicas (17%) e duodenais (2%). No esôfago, as taxas de perda de adenocarcinomas e de carcinoma escamoso foram 6,1% e 4,2%, respectivamente. Além disso, estágios mais avançados no momento do diagnóstico foram observados nos pacientes com adenocarcinoma em relação aos tumores escamosos esofágicos. No estômago a taxa global de perda de adenocarcinomas foi de 5,7%. Quanto à localização, a proporção de lesões gástricas perdidas proximais e distais foi semelhante, porém as lesões proximais foram diagnosticadas em estágios mais avançados. Lesões definidas como perdidas (entre 6 e 36 meses) apresentaram-se proporcionalmente em estágios mais avançados em relação às lesões definidas como prevalentes (< 6 meses). Os principais fatores de risco associados à perda de lesões foram exames realizados de forma ambulatorial (RR: 1,3); sexo feminino (RR 1,3); e pacientes com múltiplas comorbidades (Charlson comorbidity index ≥ 5; RR 6). 9
Um estudo escocês mostrou que 73% dos casos de perda de lesões estiveram relacionados ao endoscopista ou ao seguimento: não identificação da lesão (27%); não realização de biópsias (14%); biópsias insuficientes (9%); ou seguimento inadequado (9%).10 Esse mesmo trabalho mostrou que 67% dos pacientes tinham endoscopia prévia em intervalo menor de 1 ano, 13% entre 1 e 2 anos e 20% entre 2 e 3 anos. 10 Cerca de 70% dos tumores esofágicos e gástricos e foram diagnosticados em estadio avançado (EC III e IV). Sintomas de alarme (disfagia, anemia, hematêmese, perda ponderal, vômito) estavam presentes na endoscopia inicial em 75% dos pacientes com tumores esofágicos e 57% daqueles com neoplasias gástricas.10
Entre as principais limitações no diagnóstico de lesões esofagogástricas e duodenais estão os fatores relacionadas ao operador, como a não identificação da lesão, à sedação inadequada, ao preparo inadequado do órgão, à distensibilidade insuficiente das pregas gástricas, a não realização de biópsias ou biópsias insuficientes. Fatores como a experiência do endoscopista e a qualidade dos aparelhos utilizados nos exames também são fatores relevantes, porém pouco estudados. A maioria dos trabalhos possuem dados anteriores à era da cromoscopia e da magnificação. Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais, a baixa suspeição diagnóstica, e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente no estômago.
Apesar da endoscopia ter um alto valor preditivo negativo (99,7%)4, pacientes que persistem com sintomas de alarme após uma endoscopia sem achados críticos devem prosseguir a investigação, e aqueles com atrofia acentuada devem repetir a endoscopia anualmente.
Aparelhos com alta definição de imagem e com cromoscopia digital devem ser preconizados. É preciso realizar um preparo adequado, com lavagem e remoção de saliva e bolhas, adequada insuflação e tempo suficiente de inspeção. Ainda, o exame deve ser sistematizado, a fim de identificar discretas alterações da mucosa, caracterizando-as conforme as classificações endoscópicas, realizando a foto documentação (> 25 fotos) e coletando biópsias adequadas. Especial atenção deve ser dada para as seguintes regiões da câmera gástrica: grande curvatura do corpo, antro, incisura angularis e cárdia. Enfim, as boas práticas endoscópicas devem ser preconizadas para não perder a chance de diagnosticar lesões iniciais, passíveis de tratamentos curativos.
Referências
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BasL.A. M.Weusten1, 2, Raf Bisschops3 , Mario Dinis-Ribeiro4, Massimiliano di Pietro5, Oliver Pech6 MCWS, , Francisco Baldaque-Silva8 9, , Maximilien Barret10, Emmanuel Coron11, 12 G-E, Rebecca C. Fitzgerald5, MarnixJansen14 MJ, , Ines Marques-de-Sa4 , ArtiRattan16 WKT, EvaP. D.Verheij17, Pauline A.Zellenrath7, Konstantinos Triantafyllou18 REP. Diagnosis and management of Barrett esophagus: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2023;55.
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Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia
Introdução
Cerca de metade dos pacientes com neoplasia malignas abdominais apresentam dor crônica, com uma incidência ainda maior em pacientes com câncer gástrico e pancreático em estado avançado (clique aqui para critérios de rastreio de neoplasia pancreática). O mecanismo da dor é multifatorial, com componentes nociceptivo (somático e visceral) e neuropático, sendo este último o mais resistente à terapêutica analgésica. O câncer pancreático apresenta-se com maior propensão para invasão perineural e, portanto, dor neuropática, o que explica uma maior prevalência do sintoma em pacientes com esta doença.
O controle inadequado da dor não prejudica apenas o aspecto da qualidade de vida dos pacientes, mas também está relacionado a desfechos clínicos piores, incluindo uma maior mortalidade.1,2,3
O manejo da dor deve ser feito de maneira multimodal, incluindo o uso de analgésicos não opioides, opioides e moduladores da dor, mas o efeito colateral destas medicações, sobretudo dos opioides (náusea, vômitos, constipação, sonolência, pruridos) é um fator limitante. Outro aspecto que dificulta o controle álgico é a tendência a resistência à ação das medicações e necessidade de aumento progressivo das doses, com consequente aumento dos efeitos colaterais. Neste contexto a neurólise do plexo celíaco (Figura 14) surge como um importante método complementar no tratamento da dor oncológica abdominal, podendo ser indicada também em contexto não oncológico como no caso da pancreatite crônica dolorosa. A intervenção direta no plexo celíaco atua na redução da transmissão dolorosa independente do tipo do sinal (nociceptivo ou neuropático).
Figura 1. Anatomia do plexo celíaco (adaptado de imagem do Dr. Gombosiu C publicada por Seicean A, 2017 4).
A neurólise consiste na destruição permanente do plexo pela injeção de uma substância neurolítica, como o etanol. É importante diferenciar do bloqueio celíaco que se refere a interrupção temporária da transmissão dolorosa pela injeção de corticoides ou anestésicos de longa duração.
O procedimento de neurólise do plexo celíaco foi classicamente descrito por abordagem posterior guiada por tomografia. Entretanto o advento da Ecoendoscopia, permitiu uma abordagem com menos eventos adversos, mais cômoda aos pacientes, mais custo-efetiva e com a possibilidade de visão em tempo real. A técnica ecoguiada foi descrita por Wiersema et al 5 em 1996.
A preparação do paciente deve levar em consideração avaliação da coagulação e função plaquetária, com descontinuação de agendes anticoagulantes e antiplaquetários, conforme recomendações habituais. As contraindicações relativas e absolutas estão expostas na tabela 1.
Tabela 1. Contraindicações da neurólise celíaca guiada por Ecoendoscopia
Absoluta
Relativa
Câncer pancreático ressecável
Varizes esofágicas ou gástricas
Coagulopatia (INR > 1,5)
Cirurgia gástrica prévia
Plaquetas baixas (< 50.000)
Anomalias do tronco celíaco
Devido a perda do tônus simpático, os pacientes podem apresentar hipotensão nos pós procedimento. Assim, há a necessidade de administração de cristaloides venosos no pré, intra e pós procedimento, com monitorização multiparamétrica até momento da alta.
O procedimento ecoguiado por ser feito por injeção única central, com uma agulha com ponta cônica e porção dista multiperfurada projetada especificamente para esta técnica (Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical – Figura 2), que sendo posicionada acima do tronco celíaco permite que a injeção seja pulverizada em um forma radial e uniforme, ou por agulha standard com duas injeções laterais ao tronco. Devido a maior disponibilidade das agulhas standard, transcrevemos a seguir técnica bilateral, conforme descrição do professor Sergio Eijii Matuguma, professor do serviço de endoscopia digestiva do hospital das clínicas da faculdade de medicina da universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Figura 2. Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical.
Materiais necessários:
01 agulha fina de aspiração (FNA) 22G;
01 frasco 20 ml de Bupivacaína 0,5%, sem vasoconstrictor;
02 frascos 10 ml álcool absoluto estéril (98% GL);
02 ampolas Soro Fisiológico (SF) 10 ml;
02 seringas 10 ml (para solução de Bupivacaína);
02 seringas 10 ml (para solução de Álcool absoluto);
02 seringas 10 ml (para SF).
Preparo prévio:
Bupivacaína 0,25%
Aspirar na seringa de 10 ml = Bupivacaína 0,5% 5 ml + 5 ml SF;
Total final: 10 ml de Bupivacaína 0,25% ;
Preparar 2 seringas da solução.
Álcool absoluto estéril
Aspirar na seringa de 10 ml = álcool absoluto estéril 10 ml;
Total final: 10 ml de álcool;
Preparar 2 seringas de álcool.
Soro fisiológico
Aspirar na seringa de 10 ml = 10 ml SF;
Total final: 10 ml de SF;
Preparar 2 seringas SF.
Agulhas 22G (FNA)
Preencher agulha com 3 ml SF (para retirar o ar de dentro da luz da agulha) e deixar conectada a seringa 10 ml com SF.
Preparo do paciente
Administrar 500 a 1000 ml de ringer lactato IV antes do procedimento.
Sequência da técnica:
Localizar a artéria celíaca;
Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
Torque anti-horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para direita da aorta abdominal);
Puncionar o local “espelho” do lado direito que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 4);
Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaina 0,25%;
Após, injetar de 10 ml de álcool absoluto estéril;
Recolocar a seringa de SF, injetar 3 a 5 ml de SF, a fim de empurrar todo o álcool da luz da agulha;
Remover a agulha;
Para outro lado (à esquerda da aorta), localizar a artéria celíaca;
Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
Torque horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para esquerda da aorta abdominal);
Puncionar o local “espelho” do lado esquerdo que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 5);
Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaína 0,25%;
Após, injeção de 10 ml de álcool absoluto estéril;
Recolocar a seringa de SF e injetar 3 a 5 ml de SF para empurrar todo o álcool da luz da agulha;
Remover a agulha.
Figura 3. Emergência da artéria celíaca (AC) junto à aorta abdominal (Ao). Notar ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica (elipse).Figura 4. Ponto de punção à direita da aorta (torque anti-horário à partir da emergência da artéria celíaca).Figura 5. Ponto de punção à esquerda da aorta (torque horário à partir da emergência da artéria celíaca).
Cuidados pós procedimento:
Observar:
Hipotensão postural (imediata). Se necessário administrar mais fluidos intravenosos;
Dor abdominal (primeiras 48 horas). É esperado pelo efeito de neurólise do álcool;
Diarreia transitória (primeiras 48h);
Alteração neurológica membros inferiores (primeiras 48h).
Após 48h é esperada reduz da dose de opioide, entretanto a maioria dos pacientes ainda necessitará de uso complementar de analgésicos.
Resultados e complicações
O alívio da dor bom ou excelente é esperado em 89% dos pacientes submetidos ao procedimento, nas primeiras 2 semanas, sendo mantida por 3 meses em cerca de 90% destes pacientes e alcançando eficácia significativa de 70 a 90% no momento da morte.6
Apesar de não haver aumento de sobrevida associada ao procedimento, há significativo aumento da qualidade de vida destes pacientes, com melhora do status funcional, capacidade de trabalhar, sono e aproveitamento de atividades de laser.7,8 Esses achados estão associados com a melhora da dor e com a diminuição dos efeitos colaterais associados aos analgésicos opioides.
A maior parte das complicações associadas ao procedimento são leves e transitórias (descritas acima na sessão referente à técnica: hipotensão postural, dor abdominal, diarreia, alteração neurológica em membros inferiores. Entretanto foram descritas na literatura casos isolados de complicações graves como trombose do tronco celíaco, paraplegia permanente por infarto da medula espinhal e abscesso retroperitoneal, provavelmente associados a erros técnicos na realização do procedimento.
Conclusão
A neurólise do plexo celíaco é um procedimento seguro e efetivo, que pode ser utilizado no manejo da dor abdominal crônica em doenças malignas e benignas (sobretudo neoplasia pancreática e pancreatite crônica dolorosa).9 Ele deve ser considerado um procedimento complementar no manejo destes pacientes e geralmente sua realização não leva a uma completa descontinuação do uso de analgésicos, porém ao promover sua redução, tem importante papel na melhora da qualidade de vida, especialmente quando indicado de forma mais precoce no manejo da doença.
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