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Microcálculos e barro biliar – Quais seus valores para a prática clínica?

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A doença calculosa da vesícula biliar é responsável por grande volume das cirurgias eletivas dentro do nosso sistema de saúde e as complicações da doença biliar geram inúmeros atendimentos e internações de urgência: colecistite aguda, pancreatite aguda biliar, coledocolitíase e colangite aguda.

Nos Estados Unidos há dados que demonstram prevalência de colelitíase de 6% na população masculina e 9% em pacientes do sexo feminino. Há poucos estudos nacionais, cada um demonstrou prevalência variável, mas todos acima de 5% da população brasileira e com predominância no sexo feminino. 

Dentre as suas formas de apresentação, o barro biliar e a microlitíase são achados menos frequentes e discute-se se seriam um passo intermediário na formação dos cálculos biliares. Nesse artigo descreveremos seus conceitos e principais repercussões clínicas.

Barro Biliar

O barro biliar é mais comumente formada de cristais de colesterol a partir da estase biliar, mas sua composição pode variar de acordo com a etiologia2 (complexos de cálcio-ceftriaxone, por exemplo).

Frequentemente relatado em situações específicas que predispõem estase biliar ou formação de cristais como: nutrição parenteral, doentes críticos, uso de ceftriaxone e gestação como exemplos mais comuns. Nessas situações, o barro biliar possui potencial reversível e, caso paciente não apresente complicações da doença biliar, recomenda-se observação até a retirada do fator causal.

Descrito principalmente como um achado ultrassonográfico, a vesícula biliar apresenta um conteúdo hipoecogênico que se deposita formando nível em relação a bile mais fluída e sem formar sombra acústica posterior. O barro biliar muda de posição lentamente de acordo com o decúbito do paciente.

Figura 1 – Ultrassonografia transabdominal demonstrando barro biliar hipoecogênico formando nível conforme a gravidade, sem formação de sombra acústica posterior.

Em estudos observacionais apresenta evolução variável, podendo regredir espontaneamente em até 20% dos casos seguidos por 3 anos. Entretanto, em paciente elegíveis; recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica quando há sintomas compatíveis com obstrução biliar ou se vigência de doença biliar complicada.

Microlitíase

É definida como presença de cálculos menores que 3 mm. Devido a suas dimensões possui difícil visualização via ultrassonografia transabdominal. Assim, situações clínicas de alta suspeita de litíase biliar com ultrassonografia transabdominal negativa podem ser melhor esclarecidas via ecoendoscopia (exame que pode chegar a sensibilidade de 95% para esse diagnóstico). 4

Figura 2 – Achado ecoendoscópico de microlitíase biliar – microcálculos hiperecogênicos em suspensão na vesícula biliar (aspecto de céu estrelado).

Como esse achado depende, muitas vezes, de um exame de alta complexidade e pouco disponível como a ecoendoscopia; a quase totalidade do casos de microlitíase são de pacientes com sintomas de cólica biliar ou após doença biliar complicada. Além disso, acredita-se que os microcálculos possuem um maior potencial de migração devido às suas dimensões. Por isso, recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica

Por fim, é importante ressaltar que a literatura disponível para essas formas de apresentação da doença calculosa da vesícula biliar é focada em paciente sintomáticos ou em investigação etiológica de doença biliar complicada.  Dessa forma, onde se tem maior disponibilidade de exames no contexto de paciente assintomático, recomenda-se cautela frente a esses achados para não oferecermos procedimentos fúteis ao paciente.

Referências

  1. Everhart, J. E., Khare, M., Hill, M. & Maurer, K. R. Prevalence and ethnic differences in gallbladder disease in the United States. Gastroenterology 117, 632–639 (1999).
  2. Coelho, J. C., Bonilha, R., Pitaki, S.A., et al. Prevalence of gallstones in a Brazilian Population. Int Surg. 84: 25-28 (1999).
  3. Wang, H. H., Portincasa, P., Liu, M., Tso, P. & Wang, D. Q. H. Similarities and differences between biliary sludge and microlithiasis: Their clinical and pathophysiological significances. Liver Res. 2, 186–199 (2018).
  4. Ko, C. W., Sekijima, J. H. & Lee, S. P. Biliary sludge. Ann. Intern. Med. 130, 301–311 (1999).
  5. Dill, J. E. et al. Combined Endoscopic Ultrasound and Stimulated Biliary Drainage in Cholecystitis and Microlithiasis – Diagnoses and Outcomes. Endoscopy 27, 424–427 (1995).
  6. Lammert, F. et al. EASL Clinical Practice Guidelines on the prevention, diagnosis and treatment of gallstones. J. Hepatol. 65, 146–181 (2016).

Daniel de Paiva Magalhães
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Residência médica em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo pelo Hospital das Clínicas da FMUSP.
Cirurgião voluntário do Serviço de Pâncreas e Vias Biliares do Hospital das Clínicas - USP.
Cirurgião do Aparelho Digestivo no Hospital Israelita Albert Einstein


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