Remoção endoscópica de corpo estranho impactado no íleo distal: relato de caso e revisão da literatura.

Relato de caso

Masculino, 88 anos, aposentado, apresentando quadro demencial leve, assintomático, foi encaminhado ao serviço de endoscopia após a ingestão acidental de sua prótese dentária fixa. O incidente ocorreu há 15 dias, sem eliminação do objeto nas fezes desde então. Ele buscou atendimento na unidade de emergência de sua cidade, onde uma radiografia revelou a presença do objeto na topografia da fossa ilíaca direita (foto 1). Ao exame físico, não havia alterações relevantes com palpação do abdome inocente.

Figura 1: radiografia de abdome e pelve.

Após preparo colônico com manitol e a realização de uma nova radiografia, que não apontou qualquer mudança na posição inicial da prótese dentária desde a admissão, o paciente foi submetido a colonoscopia. Até a intubação cecal o corpo estranho não foi encontrado, com presença de doença diverticular no hemicólon esquerdo (foto 2 e 3).

Percorridos cerca de 15 cm do íleo distal, a prótese dentária foi localizada. Com o auxílio de uma alça multifilamentar, foi possível mobilizá-la e, em seguida, capturar o corpo estranho impactado, trazendo-o até o ceco (vídeo 1). A remoção cuidadosa através dos cólons foi realizada com insuflação máxima e manobras delicadas nas angulações até a extração por via retal. Durante todo o procedimento, utilizou-se CO2 como gás insuflador e foi administrado antiespasmódico (escopolamina). Na revisão pós-remoção, não havia laceração da mucosa ou sinais de perfuração nos segmentos avaliados.

A prótese mediu 3 cm sendo composta por 5 dentes com três espiculas de superfície pontiaguda (pinos de fibra de vidro), tornando o segmento envolvido na impactação vulnerável a perfuração. (vídeo 2).

Clique aqui para visualizar outro caso de corpo estranho tratado por colonoscopia.

Discussão

A ingestão de corpos estranhos (CE) afeta diversos grupos etários e pode ser extremamente desafiador. Na maioria dos casos (quase 80%), não é necessária uma intervenção invasiva, já que os corpos estranhos passam pelo trato gastrointestinal (TGI) sem agravos. No entanto, cerca de 20% dos pacientes podem enfrentar complicações relativa a migração de objetos ao longo do trajeto pelo TGI, incluindo impactação (com ou sem obstrução), formação de fístulas, abscessos, sangramento e perfuração. Esta última, embora seja extremamente rara, ocorrendo em até 1% dos casos, é a complicação mais temida e potencialmente grave. 

Desde o primeiro relato em 1972 da remoção bem-sucedida de um CE usando um endoscópio flexível por McKechnie et al, este método continua a evoluir. A técnica endoscópica representa uma abordagem segura e minimente invasiva, com baixa morbidade e taxa de sucesso na remoção próximo a 95%. 

Entre os grupos com risco aumentado para ingestão acidental de corpos estranhos estão crianças, idosos, pessoas com transtornos psiquiátricos, aqueles sob intoxicação (alcoólica/entorpecentes), além dos indivíduos encarcerados (proposital para ganho secundário). Adultos e idosos, como no relato do caso, com problemas bucais e dentários (p. ex. usuários de próteses), estão particularmente expostos a ingestão acidental de CE devido a dificuldades mastigatórias e à redução da sensibilidade da cavidade oral.    

Os segmentos do TGI mais expostos à perfuração por CE são aqueles estreitados e com angulações naturais. Por essa razão possuem risco aumentado os esfíncteres esofágicos superior e inferior, o piloro, o duodeno, a válvula ileocecal, o apêndice e o cólon sigmoide. Quando o objeto ultrapassa o canal pilórico o intestino delgado se torna particularmente vulnerável devido ao seu lúmen ser relativamente reduzido. Pacientes com histórico cirúrgico abdominal (com anastomoses/aderências), doença diverticular, bem como massas intra-abdominais, merecem atenção especial.  

Existem diretrizes claras para as indicações de intervenções endoscópicas quando o objeto se encontra no trato gastrointestinal proximal ao ligamento de Treitz. No entanto, atualmente, há evidências limitadas sobre o papel da colonoscopia após a migração distal de corpos estranhos para o íleo e cólon, assim como escassos protocolos sobre o manejo para remoção desses objetos. 

Quando optado pelo tratamento conservador, em assintomáticos, o monitoramento por até uma semana pode ser realizado, visto que a maioria dos corpos estranhos ingeridos é excretada sem intercorrências pelo trato digestivo. A radiografia seriada a cada 72 horas é uma estratégia para acompanhar a progressão do CE ao longo do TGI. 

As indicações para a intervenção cirúrgica após ingestão de corpos estranhos incluem: (1) falha na remoção endoscópica, (2) inaptidão do paciente para endoscopia, (3) presença de complicações graves (perfuração, sangramento maciço, sinais de peritonite, abscessos cavitários, etc.). 

Avaliar as características do corpo estranho ingerido como sua forma, quantidade, tamanho, superfície, consistência, mobilidade, entre outros, é crucial ao considerar a remoção colonoscópica, a fim de traçar uma estratégia terapêutica e prever possíveis complicações. Esse risco aumenta consideravelmente quando o objeto é alongado e possui uma superfície pontiaguda, como espinhas de peixe, ossos de galinha ou palitos de dente. Há uma variedade de dispositivos disponíveis para auxiliar a extração, e a escolha deve ser feita após análise minuciosa das peculiaridades do corpo estranho. Estes dispositivos incluem CAPs (rígidos, flexíveis, plásticos, de látex), alças e pinças de diferentes tamanhos e formatos, rede coletora (Roth Net), overtube, fio guia, entre outros. A radiografia e a tomografia de abdome são importantes para definir o posicionamento do CE ao longo do TGI, se possível, deve ser realizado antes e após o preparo do cólon, para se certificar que não houve mudança do posicionamento do objeto. 

 Com relação ao intestino delgado a válvula ileocecal constitui uma barreira anatômica natural a progressão. A enteroscopia, quando disponível, pode ser utilizada para recuperar corpos estranhos nessa topografia. 

Conclusão

A abordagem endoscópica para remoção de corpos estranhos é uma alternativa segura e eficaz quando a intervenção se torna imperativa. Apesar de não estar isenta de riscos, sua natureza menos invasiva e traumática, em comparação com procedimentos cirúrgicos, a torna uma opção a ser considerada, especialmente para pacientes sem sinais de complicações, conforme exemplificado neste caso.

Referências

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  3. Endoscopic removal of foreign bodies: A retrospective study in Japan. Kenji JL Limpias Kamiya  et al. World Journal of Gastrointestinal Endoscopy.  Jan. 2020;
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  5. Minimally invasive extraction of a Foreign Body from the small intestine using double baloon endoscopy. Nakamura ET AL.  Nagoya Journal of  Medincine Science. Feb. 2015;
  6. The role of endoscopy in the management of patients with known and suspected colonic obstruction and pseudo-obstruction. M. Edwyn Harrison. GIE – Gastrointestinal endoscopy. April 2010;
  7. Management of ingested foreign bodies and food impactions. ASGE Standards of Practice Committee. June 2011.

Como citar este artigo

Vieira B B. Remoção endoscópica de corpo estranho impactado no íleo distal: relato de caso e revisão da literatura. Endoscopia Terapeutica 2024 vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18662




Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia

Introdução

Cerca de metade dos pacientes com neoplasia malignas abdominais apresentam dor crônica, com uma incidência ainda maior em pacientes com câncer gástrico e pancreático em estado avançado (clique aqui para critérios de rastreio de neoplasia pancreática). O mecanismo da dor é multifatorial, com componentes nociceptivo (somático e visceral) e neuropático, sendo este último o mais resistente à terapêutica analgésica. O câncer pancreático apresenta-se com maior propensão para invasão perineural e, portanto, dor neuropática, o que explica uma maior prevalência do sintoma em pacientes com esta doença.

O controle inadequado da dor não prejudica apenas o aspecto da qualidade de vida dos pacientes, mas também está relacionado a desfechos clínicos piores, incluindo uma maior mortalidade.1,2,3

O manejo da dor deve ser feito de maneira multimodal, incluindo o uso de analgésicos não opioides, opioides e moduladores da dor, mas o efeito colateral destas medicações, sobretudo dos opioides (náusea, vômitos, constipação, sonolência, pruridos) é um fator limitante. Outro aspecto que dificulta o controle álgico é a tendência a resistência à ação das medicações e necessidade de aumento progressivo das doses, com consequente aumento dos efeitos colaterais. Neste contexto a neurólise do plexo celíaco (Figura 14) surge como um importante método complementar no tratamento da dor oncológica abdominal, podendo ser indicada também em contexto não oncológico como no caso da pancreatite crônica dolorosa. A intervenção direta no plexo celíaco atua na redução da transmissão dolorosa independente do tipo do sinal (nociceptivo ou neuropático).

Figura 1. Anatomia do plexo celíaco (adaptado de imagem do Dr. Gombosiu C publicada por Seicean A, 2017 4).

A neurólise consiste na destruição permanente do plexo pela injeção de uma substância neurolítica, como o etanol. É importante diferenciar do bloqueio celíaco que se refere a interrupção temporária da transmissão dolorosa pela injeção de corticoides ou anestésicos de longa duração.

Leia também: Estudo multicêntrico, randomizado comparando a neurólise ecoguiada do gânglio celíaco versus a neurólise ecoguiada do plexo celíaco

Técnica

O procedimento de neurólise do plexo celíaco foi classicamente descrito por abordagem posterior guiada por tomografia. Entretanto o advento da Ecoendoscopia, permitiu uma abordagem com menos eventos adversos, mais cômoda aos pacientes, mais custo-efetiva e com a possibilidade de visão em tempo real. A técnica ecoguiada foi descrita por Wiersema et al 5 em 1996.

A preparação do paciente deve levar em consideração avaliação da coagulação e função plaquetária, com descontinuação de agendes anticoagulantes e antiplaquetários, conforme recomendações habituais. As contraindicações relativas e absolutas estão expostas na tabela 1.

Tabela 1. Contraindicações da neurólise celíaca guiada por Ecoendoscopia
Absoluta Relativa
Câncer pancreático ressecável Varizes esofágicas ou gástricas
Coagulopatia (INR > 1,5) Cirurgia gástrica prévia
Plaquetas baixas (< 50.000) Anomalias do tronco celíaco

Devido a perda do tônus simpático, os pacientes podem apresentar hipotensão nos pós procedimento. Assim, há a necessidade de administração de cristaloides venosos no pré, intra e pós procedimento, com monitorização multiparamétrica até momento da alta.

O procedimento ecoguiado por ser feito por injeção única central, com uma agulha com ponta cônica e porção dista multiperfurada projetada especificamente para esta técnica (Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical – Figura 2), que sendo posicionada acima do tronco celíaco permite que a injeção seja pulverizada em um forma radial e uniforme, ou por agulha standard com duas injeções laterais ao tronco. Devido a maior disponibilidade das agulhas standard, transcrevemos a seguir técnica bilateral, conforme descrição do professor Sergio Eijii Matuguma, professor do serviço de endoscopia digestiva do hospital das clínicas da faculdade de medicina da universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Figura 2. Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical.

Materiais necessários:

  • 01 agulha fina de aspiração (FNA) 22G;
  • 01 frasco 20 ml de Bupivacaína 0,5%, sem vasoconstrictor;
  • 02 frascos 10 ml álcool absoluto estéril (98% GL);
  • 02 ampolas Soro Fisiológico (SF) 10 ml;
  • 02 seringas 10 ml (para solução de Bupivacaína);
  • 02 seringas 10 ml (para solução de Álcool absoluto);
  • 02 seringas 10 ml (para SF).

Preparo prévio:

  • Bupivacaína 0,25%

    • Aspirar na seringa de 10 ml = Bupivacaína 0,5% 5 ml + 5 ml SF;
    • Total final:  10 ml de Bupivacaína 0,25% ;
    • Preparar 2 seringas da solução.

  • Álcool absoluto estéril

    • Aspirar na seringa de 10 ml = álcool absoluto estéril 10 ml;
    • Total final: 10 ml de álcool;
    • Preparar 2 seringas de álcool.

  • Soro fisiológico

    • Aspirar na seringa de 10 ml = 10 ml SF;
    • Total final: 10 ml de SF;
    • Preparar 2 seringas SF.

  • Agulhas 22G (FNA)

    • Preencher agulha com 3 ml SF (para retirar o ar de dentro da luz da agulha) e deixar conectada a seringa 10 ml com SF.

  • Preparo do paciente

    • Administrar 500 a 1000 ml de ringer lactato IV antes do procedimento.

Sequência da técnica:

  1. Localizar a artéria celíaca;
  2. Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
  3. Torque anti-horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para direita da aorta abdominal);
  4. Puncionar o local “espelho” do lado direito que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 4);
  5. Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
  6. Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaina 0,25%;
  7. Após, injetar de 10 ml de álcool absoluto estéril;
  8. Recolocar a seringa de SF, injetar 3 a 5 ml de SF, a fim de empurrar todo o álcool da luz da agulha;
  9. Remover a agulha;
  10. Para outro lado (à esquerda da aorta), localizar a artéria celíaca;
  11. Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
  12. Torque horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para esquerda da aorta abdominal);
  13. Puncionar o local “espelho” do lado esquerdo que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 5);
  14. Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
  15. Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaína 0,25%;
  16. Após, injeção de 10 ml de álcool absoluto estéril;
  17. Recolocar a seringa de SF e injetar 3 a 5 ml de SF para empurrar todo o álcool da luz da agulha;
  18. Remover a agulha.
Figura 3. Emergência da artéria celíaca (AC) junto à aorta abdominal (Ao). Notar ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica (elipse).
Figura 4. Ponto de punção à direita da aorta (torque anti-horário à partir da emergência da artéria celíaca).
Figura 5. Ponto de punção à esquerda da aorta (torque horário à partir da emergência da artéria celíaca).

Cuidados pós procedimento:

  • Observar:

    • Hipotensão postural (imediata). Se necessário administrar mais fluidos intravenosos;
    • Dor abdominal (primeiras 48 horas). É esperado pelo efeito de neurólise do álcool;
    • Diarreia transitória (primeiras 48h);
    • Alteração neurológica membros inferiores (primeiras 48h).

  • Após 48h é esperada reduz da dose de opioide, entretanto a maioria dos pacientes ainda necessitará de uso complementar de analgésicos.

Resultados e complicações

O alívio da dor bom ou excelente é esperado em 89% dos pacientes submetidos ao procedimento, nas primeiras 2 semanas, sendo mantida por 3 meses em cerca de 90% destes pacientes e alcançando eficácia significativa de 70 a 90% no momento da morte.6

Apesar de não haver aumento de sobrevida associada ao procedimento, há significativo aumento da qualidade de vida destes pacientes, com melhora do status funcional, capacidade de trabalhar, sono e aproveitamento de atividades de laser.7,8 Esses achados estão associados com a melhora da dor e com a diminuição dos efeitos colaterais associados aos analgésicos opioides.

A maior parte das complicações associadas ao procedimento são leves e transitórias (descritas acima na sessão referente à técnica: hipotensão postural, dor abdominal, diarreia, alteração neurológica em membros inferiores. Entretanto foram descritas na literatura casos isolados de complicações graves como trombose do tronco celíaco, paraplegia permanente por infarto da medula espinhal e abscesso retroperitoneal, provavelmente associados a erros técnicos na realização do procedimento.

Conclusão

A neurólise do plexo celíaco é um procedimento seguro e efetivo, que pode ser utilizado no manejo da dor abdominal crônica em doenças malignas e benignas (sobretudo neoplasia pancreática e pancreatite crônica dolorosa).9 Ele deve ser considerado um procedimento complementar no manejo destes pacientes e geralmente sua realização não leva a uma completa descontinuação do uso de analgésicos, porém ao promover sua redução, tem importante papel na melhora da qualidade de vida, especialmente quando indicado de forma mais precoce no manejo da doença.

Referências

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  2. Kelsen DP, Portenoy RK, Thaler HT, et al. Pain and depression in patients with newly diagnosed pancreas cancer. J Clin Oncol 1995;13(03):748–755
  3. Cornman-Homonoff J, Holzwanger DJ, Lee KS, Madoff DC, Li D. Celiac Plexus Block and Neurolysis in the Management of Chronic Upper Abdominal Pain. Semin Intervent Radiol. 2017 Dec;34(4):376-386.
  4. Seicean A. Celiac plexus neurolysis in pancreatic cancer: the endoscopic ultrasound approach. World J Gastroenterol. 2014 Jan 7;20(1):110-7.
  5. Wiersema MJ, Wiersema LM. Endosonography-guided celiac plexus neurolysis. Gastrointest Endosc. 1996 Dec;44(6):656-62. doi: 10.1016/s0016-5107(96)70047-0. PMID: 8979053.
  6. Eisenberg E, Carr DB, Chalmers TC. Neurolytic celiac plexus block for treatment of cancer pain: a meta-analysis. Anesth Analg 1995; 80(02):290–295
  7. Leblanc JK, Rawl S, Juan M, Johnson C, Kroenke K, McHenry L, Sherman S, McGreevy K, Al-Haddad M, Dewitt J. Endoscopic Ultrasound-Guided Celiac Plexus Neurolysis in Pancreatic Cancer: A Prospective Pilot Study of Safety Using 10 mL versus 20 mL Alcohol. Diagn Ther Endosc 2013; 2013: 327036
  8. Seicean A, Cainap C, Gulei I, Tantau M, Seicean R. Pain palliation by endoscopic ultrasound-guided celiac plexus neurolysis in patients with unresectable pancreatic cancer. J Gastrointestin Liver Dis 2013; 22: 59-64
  9. Pérez-Aguado G, de la Mata DM, Valenciano CM, Sainz IF. Endoscopic ultrasonography-guided celiac plexus neurolysis in patients with unresectable pancreatic cancer: An update. World J Gastrointest Endosc. 2021 Oct 16;13(10):460-472. doi: 10.4253/wjge.v13.i10.460. PMID: 34733407; PMCID: PMC8546561.

Como citar este artigo

Mendoça EQ e Matuguma SE. Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia. Endoscopia Terapeutica 2024 Vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tecnica-para-neurolise-do-plexo-celiaco-por-ecoendoscopia/




Sangramento pós-drenagem endoscópica de necrose pancreática

Introdução

A pancreatite aguda necrotizante é responsável por até 10% dos casos de pancreatite aguda. A necrose do tecido pancreático, peripancreático ou ambos, permanece estéril na maioria dos pacientes, entretanto cerca de 30% dos pacientes apresentam infecção da coleção necrótica (WON), condição clínica que impõe alta mortalidade. Evolução com falência de órgãos, colangite ou necessidade de debridamento cirúrgico de WON infectado são fortes preditores de mortalidade, o que torna prudente a adoção de estratégias terapêuticas minimamente invasivas para o tratamento dessa complicação (1).

Na última década o conceito de estratégia minimamente invasiva do tipo “step-up approach” tornou-se amplamente utilizado e corroborado pela Associação Americana de Gastroenterologia (2). A drenagem endoscópica transluminal associada ou não à necrosectomia consolidou-se como a terapêutica de primeira escolha na abordagem de pancreatite aguda necrotizante complicada.  Essa via de intervenção apresenta menor incidência de descompensação clínica por falência de órgãos, fístulas e perfuração quando comparada às técnicas cirúrgicas e por radiologia intervencionista minimamente invasivas (3).

Técnica Endoscópica

A primeira experiência de drenagem endoscópica de necrose pancreática remete ao final da década de 1980 e descrevia a utilização de endoscópico convencional, adotando como referência para punção a impressão criada pela coleção sobre a parede gástrica. Com o passar dos anos a técnica de drenagem guiada por ecoendoscopia tornou-se a modalidade de escolha para o procedimento, o que permitiu alta taxa de sucesso na criação do trajeto até a coleção, identificação de vasos sanguíneos, distribuição da coleção e janela adequada para a punção (4,5)

Recomenda-se aguardar período de pelo menos 4 semanas até a primeira intervenção, o que permite encapsulação e delineamento das margens da coleção necrótica. Entretanto na vigência de infecção, falência orgânica persistente ou ausência de melhora clínica a despeito das intervenções clínicas instituídas, é assertivo realizar a primeira intervenção em intervalo menor (2).

A via de drenagem endoscópica, transgástrica ou transduodenal, é definida de acordo com a localização do maior componente da coleção necrótica (cabeça, corpo ou cauda) e a relação com o estômago e duodeno. Não existe diferença em termos de sucesso terapêutico ou segurança entre as vias, embora a drenagem transgástrica permita acesso direto à coleção na necessidade de necrosectomia. O trajeto de drenagem pode ser assegurado por meio de Lumen-apposing metal stents (LAMS) ou double pigtail stents (DPS), de acordo com disponibilidade do stent, experiência do endoscopista e fatores econômicos, sem diferença no sucesso terapêutico (6).

Eventos adversos e sangramento

Apesar da efetividade clínica da drenagem endoscópica, a incidência de eventos adversos não é desprezível. Infecção, perfuração, migração de stent e hemorragia ocorrem em até 20% dos casos.

A ocorrência de sangramento é frequentemente descrita nas séries históricas e nos clássicos trabalhos que ratificam o tratamento endoscópico em termos de eficácia e segurança, tipo de prótese e tempo para abordagem da coleção necrótica. Entretanto são escassos os dados sobre etiologia do sangramento, abordagem adotada para hemostasia definitiva e os desfechos fatais (7).

Fatores de risco associados a sangramento

O desafio do manejo de sangramento nessa população motivou a publicação de dois recentes estudos retrospectivos, que avaliaram fatores preditores de sangramento nos pacientes submetidos à necrosectomia endoscópica. Zheng et al. estudaram 145 pacientes, dos quais 39 (26.9%) apresentaram sangramento pós-procedimento. A maioria dos episódios de sangramento (94.1%) foi efetivamente controlado com terapia hemostática endoscópica. Na análise multivariada, insuficiência renal, necrose infectada confirmada por cultura e três ou mais sessões de debridamento foram associados a maior risco de sangramento (9). Holmes et al. estudaram 151 pacientes, dos quais 18 (11.9%) apresentaram sangramento. Tratamento por radiologia intervencionista foi necessário para 8 pacientes. Na análise multivariada somente a presença de vaso identificado durante a necrosectomia endoscópica se mostrou fator de risco para sangramento (10).

Apesar de inúmeras publicações que não revelaram diferença significativa na ocorrência de sangramento entre os tipos de stents utilizado (LAMS x DPS x Fully covered metal stent), questionamentos sobre os dispositivos são frequentemente levantados. Especula-se que a rápida descompressão da coleção através do LAMS predispõe à erosão de vasos adjacentes e hemorragia. Além disso o maior diâmetro do LAMS permitiria maior influxo de secreção gástrica ácida para o interior da coleção, o que aumentaria a exposição de vasos e o risco de sangramento (para saber mais sobre LAMS clique aqui). Não obstante, os stents plásticos possuem menor diâmetro, exigem maior número de sessões de debridamento e são mantidos em posição por mais tempo, também aumentando o risco de hemorragia (7).

O sangramento pode se originar do sítio de punção, da própria parede gástrica ou duodenal, ramos colaterais gástricos ou duodenais, ou ainda vasos no interior da cavidade da coleção necrótica (WON). Menos comumente, os pseudoaneurismas de artérias viscerais impõem devido risco eminente de sangramento fatal. A utilização de TC de abdome com contraste na fase arterial permite a identificação de pseudoaneurisma e o tratamento preemptivo dessa condição, de modo a diminuir os riscos de sangramento periprocedimento (11).

Além das particularidades anatômicas, a irrigação do tecido necrótico com peróxido de hidrogênio tem maior risco de sangramento pós-procedimento quando comparado a solução de estreptoquinase nas sessões de debridamento (12).

Abordagem terapêutica de sangramento

Do ponto de vista terapêutico, o sangramento associado à drenagem endoscópica de WON pode ser dividido em sangramento intra-procedimento ou sangramento pós-procedimento. É fundamental que antes de iniciar o tratamento endoscópico de WON, a equipe envolvida certifique-se da disponibilidade de leito de terapia intensiva, reserva de hemocomponentes e retaguardas de radiologia intervencionista e cirurgia, e encontre-se preparada para a abordagem imediata da complicação (4).

Quando identificado sangramento durante o procedimento, a severidade da perda sanguínea orientará a abordagem. Em caso de sangramento autolimitado e de pequeno volume, é aceitável a admissão em terapia intensiva no pós-operatório imediato, com avaliação clínica e monitorização seriada dos níveis de hematimetria. Diferentemente, em caso de perda de volume sanguíneo significativo, terapias endoscópicas de hemostasia (clipe metálico, cauterização, agente tópico, tamponamento com balão dilatador ou prótese metálica) devem ser avaliadas e aplicadas no intraoperatório. Na falha terapêutica, o paciente deve ser encaminhado à radiologia intervencionista ou cirurgia imediatamente.

Na ocorrência de sangramento pós-procedimento, deve-se além de pesquisar alterações endoscópicas e anatômicas que o justifiquem, distúrbios da coagulação que possam precipitar o evento adverso. Na presença de lesão tratável por endoscopia, devem ser aplicados os princípios de hemostasia endoscópica. Na presença de aneurismas, pseudoaneurismas ou falha endoscópica, a abordagem por radiologia intervencionista deve ser programada.

Diante da experiência acumulada por diferentes grupos, Jiang et al. propuseram um algoritmo para manejo multidisciplinar de hemorragia na drenagem por ecoendoscopia de coleções fluidas peripancreáticas (Figura 1). O tratamento de coleção necrótica infectada é moroso e exige habilidades técnicas nos campos da clínica, cirurgia, endoscopia e radiologia. A difusão da prática de drenagem endoscópica gerou atenção para complicações inerentes ao procedimento, incluindo o sangramento. O emprego da terapia endoscópica ciente dos fatores de risco para sangramento e estratégias para tratá-lo permitem efetividade com menor incidência de eventos adversos.

Referências

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  5. Varadarajulu, S.; Christein, J.D.; Tamhane, A.; Drelichman, E.R.; Wilcox, C.M.Prospective Randomized Trial Comparing EUS and EGD for Transmural Drainage of Pancreatic Pseudocysts (with Videos). Gastrointest. Endosc. 2008; 68, 1102–1111.
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  10. Holmes I, Shinn B, Mitsuhashi S, et al. Prediction and management of bleeding during endoscopic necrosectomy for pancreatic walled-off necrosis: results of a large retrospective cohort at a tertiary referral center. Gastrointest Endosc 2022;95(03): 482–488
  11. Sekikawa Z, Yamamoto T, Aoki R, et al. Prophylactic Coil Embolization of the Vessels for Endoscopic Necrosectomy in Patients with Necrotizing Pancreatitis. J Vasc Interv Radiol. 2019 Jan;30(1):124-126. doi: 10.1016/j.jvir.2018.05.025. PMID: 30580813.
  12. Bhargava MV, Rana SS, Gorsi U, Kang M, Gupta R.  Assessing the Efficacy and Outcomes Following Irrigation with Streptokinase Versus Hydrogen Peroxide in Necrotizing Pancreatitis: A Randomized Pilot Study. Dig Dis and Sciences 2022; 67(8): 4146-53

Como citar este artigo

Ide E. e Nascimento Filho Hm. Sangramento pós-drenagem endoscópica de necrose pancreática. Terapêutica Endoscópica 2024 vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sangramento-pos-drenagem-endoscopica-de-necrose-pancreatica/




Quiz Cólon

Paciente masculino 73 anos, obeso, hipertenso e diabético, submetido a cirurgia de quadril devido a fratura no colo do fêmur. No segundo dia de pós-operatório, iniciou com quadro de dor e distensão abdominal associado a parada de eliminação de fezes. Rx de abdome demonstrava dilatação difusa do cólon, sem dilatação significativa de alças de delgado. Foram iniciadas, então, medidas de suporte clínico, como jejum, hidratação, passagem de sonda nasogástrica e suspensão de medicamentos opioides. Paciente evoluiu sem melhora clínica, com piora da distensão abdominal sendo submetido a TC de abdome no quinto dia de pós-operatório. Exame mostrou grande dilatação difusa de todo cólon, com diâmetro estimado do ceco de 14 cm. A equipe de endoscopia foi chamada para realização de colonoscopia descompressiva.




Volvo de transverso em paciente com Síndrome de West

Autores: Flávio Ferreira, Elba Alves, Diego Malta, Ewandson Pedroza, Rebecca Rushansky

Paciente de 16 anos, feminina, portadora de síndrome de West, desnutrida com importante sequela motora e retardo mental em decorrência de doença de base caracterizada por crises convulsivas frequentes desde a infância. Genitora relata que a paciente foi admitida em unidade de emergência com quadro de vômitos, dor abdominal, diarreia há cerca de 4 dias, tendo recebido tratamento com hidratação, analgesia e lavagem retal, sendo liberada em sequência. A paciente permaneceu com os mesmos sintomas, tendo evoluído com piora importante da distensão abdominal levando a novo atendimento em unidade de emergência após 3 dias. 

Na admissão a paciente encontrava-se caquética, com posição viciosa de membros,  taquipneica, murmúrio vesicular abolido em bases, padrão respiratório de esforço, taquicárdica, hipotensa com distensão abdominal severa sendo possível identificar mosqueamento cutâneo em região do abdômen, dor abdominal difusa sem sinais de irritação peritoneal, ausência de ruídos hidroaéreos, toque retal sem fezes ou lesões.

Os principais exames laboratoriais evidenciam hemoglobina 7,7 g/dl, leucograma  26.850 com 8% de bastões, plaquetas 173.000  Uréia 20 Creatinina 0,5. Na gasometria arterial pH 7,48 com PCO2 19,8 bicarbonato de 19,1 e lactato de 3,5mmol/l.

Radiografia simples de abdome demonstra congestão pulmonar, redução dos espaços  intervertebrais em tórax, distensão abdominal severa, ausência de pneumoperitônio (Figura 1). A tomografia de abdome corrobora os achados do raio X simples de abdome, evidenciando ainda diâmetro do cólon de aproximadamente 13cm (Figura 2). 

Figura 1: Radiografia de tórax e abdome PA
Figura 2: tomografia de abdome sem contraste (A: distensão colônica exercendo efeito de massa sobre pulmões e coração ;  B: distensão colônica em pelve; C e D distensão com detalhe para aspecto em formato de U invertido com nível hidroaéreo à direita e esquerda)

Após discussão multidisciplinar, optou-se pela tentativa de colonoscopia descompressiva, com equipe cirúrgica em sala para abordagem em caso de não resolução ou complicações.

Durante a colonoscopia percebe-se presença de resíduos fecais em moderada quantidade, distensão não importante de reto e sigmoide. Progressão do aparelho por um segmento relevante sendo evidenciados resíduos fecais, mucosa com áreas de enantema e certa friabilidade. Em determinado ponto, não sendo possível identificar qual segmento colônico, o aparelho atingiu uma área de torção com mucosa difusamente violácea, congesta. Após a transposição desta área o aparelho atinge cólon extremamente distendido com mucosa enegrecida, friável, indicando isquemia e necrose (Figura 3). Aspirado mais de 2000ml de líquido de estase e gás com evidente redução do volume abdominal da paciente (Figura 4).  

Figura 3: Imagens da colonoscopia (A e B – sigmóide e descendente; C a F – isquemia e necrose em transverso) 
Figura 4: paciente antes e depois da colonoscopia descompressiva

Equipe cirúrgica procedeu então laparotomia de emergência com achado de líquido citrino em cavidade abdominal, cólon sigmóide e descendente preservados; volvo em cólon transverso o qual apresentava isquemia irreversível e necrose; ceco e cólon ascendente distendidos porém sem evidências de isquemia (Figura 5). O procedimento cirúrgico realizado foi a ressecção do cólon transverso com colostomia e sepultamento do coto distal.

Figura 5 – imagens da cirurgia

Paciente encaminhada para UTI no pós operatório, já em uso de drogas vasoativas, mantendo taquicardia, hipotensão e necessidade de ventilação mecânica. Durante sua evolução manteve-se com abdome flácido, colostomia de bom aspecto e funcionante. Seu quadro clínico no entanto sempre persistiu grave, com tentativas falhas de desmame de ventilação mecânica, agravamento das crises convulsivas já frequentes antes do internamento hospitalar. Neste cenário, considerando gravidade de doença de base em si com paciente apresentando convulsões frequentes, totalmente dependente para cuidados, com disfagia, dupla incontinência e a gravidade da paciente no momento, equipe médica e familiares optaram por manter medidas proporcionais de cuidado. Paciente faleceu no 11º dia de internamento hospitalar.

Discussão

A síndrome de West corresponde a uma encefalopatia caracterizada em sua forma clássica por crises convulsivas na infância, hipsarrtimia (alterações de atividade elétrica na eletroencefalografia) e retardo do desenvolvimento psicomotor. No caso da paciente, a falta de acesso aos sistemas de saúde levaram a diagnóstico tardio e tratamento irregular determinando desenvolvimento de uma forma severa da doença com qualidade de vida limitada.

Volvos colônicos correspondem à rotação de um segmento de cólon determinando torção de seu mesentério com consequente isquemia e distensão à montante. Volvo de sigmóide é a forma mais frequente correspondendo a cerca 80% dos casos, seguido de ceco/cólon ascendente (menos de 20%) e raros casos de volvo de transverso.  Os principais sintomas são dor e distensão abdominal, constipação, vômitos, interrupção de eliminação de fezes e flatos. Nos casos mais graves há perfuração de alça com sinais de peritonite e choque séptico. A evolução pode ser lenta com episódios recorrentes de dor alternados com remissão sintomática por distorção espontânea do volvo.

A radiografia simples de abdome pode evidenciar o sinal clássico em “grão de feijão” além de permitir a avaliação da extensão da obstrução, distensão concomitante de delgado e presença ou não de pneumoperitônio. A tomografia de abdome pode evidenciar os mesmos sinais e trazer maior detalhamento dos segmentos colônicos com medidas precisas do calibre do órgão, fato este relevante pois há risco aumentado de perfuração quando o diâmetro cecal é superior a 12 cm.

Pacientes sem sintomas ou sinais radiológicos sugestivos de perfuração devem ser submetidos a colonoscopia para desobstrução do volvo. O preparo anterógrado é contraindicado, no entanto a lavagem retal pode ser utilizada. O exame deve ser realizado com mínima insuflação sendo necessário ultrapassar a região da torção, descomprimir o cólon (aspirando o conteúdo líquido e removendo o gás). A avaliação da viabilidade da mucosa é essencial, buscando sinais de isquemia ou perfuração para determinar se será necessário realizar tratamento cirúrgico imediato ou não. A taxa de sucesso da colonoscopia descompressiva é alta (60-95%), no entanto a taxa de recorrência a longo prazo é elevada (43 a 75%) caso o paciente não seja submetido a tratamento cirúrgico posteriormente.

Pacientes com sinais de perfuração, com insucesso técnico na descompressão endoscópica ou que apresentem sinais de inviabilidade do cólon durante colonoscopia devem ser submetidos a cirurgia de urgência com ressecção do segmento com isquemia irreversível.

O tratamento cirúrgico de escolha, posterior a colonoscopia descompressiva bem sucedida,  é a ressecção do segmento colônico envolvido. Tratamento cirúrgico sem ressecção (pexia) possui taxa de recorrência variável na literatura podendo chegar a 29-36%, devendo ser considerado apenas em casos selecionados. 

Clique aqui para saber mais sobre o assunto com outras imagens como o sinal do “grão de café” e publicações sobre volvo colônico. 

Referências

  1. Bayileyegn NS, Merga OT. Simultaneous cecal and transverse colon volvulus: An exceedingly rare case of intestinal obstruction from Ethiopia: A case report and review of literatures. Int J Surg Case Rep. 2023 Oct;111:108725. doi: 10.1016/j.ijscr.2023.108725. Epub 2023 Sep 4. PMID: 37769412; PMCID: PMC10539922.
  2. Tian BWCA, Vigutto G, Tan E, van Goor H, Bendinelli C, Abu-Zidan F, Ivatury R, Sakakushev B, Di Carlo I, Sganga G, Maier RV, Coimbra R, Leppäniemi A, Litvin A, Damaskos D, Broek RT, Biffl W, Di Saverio S, De Simone B, Ceresoli M, Picetti E, Galante J, Tebala GD, Beka SG, Bonavina L, Cui Y, Khan J, Cicuttin E, Amico F, Kenji I, Hecker A, Ansaloni L, Sartelli M, Moore EE, Kluger Y, Testini M, Weber D, Agnoletti V, Angelis ND, Coccolini F, Sall I, Catena F. WSES consensus guidelines on sigmoid volvulus management. World J Emerg Surg. 2023 May 15;18(1):34. doi: 10.1186/s13017-023-00502-x. PMID: 37189134; PMCID: PMC10186802.
  3. Bouali M, Yaqine K, Elbakouri A, Bensardi F, Elhattabi K, Fadil A. Ischemic volvulus of the transverse colon caused by intestinal malrotation: A case report. Int J Surg Case Rep. 2021 Jun;83:105971. doi: 10.1016/j.ijscr.2021.105971. Epub 2021 May 18. PMID: 34023547; PMCID: PMC8163956.
  4. Alavi K, Poylin V, Davids JS, Patel SV, Felder S, Valente MA, Paquette IM, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Management of Colonic Volvulus and Acute Colonic Pseudo-Obstruction. Dis Colon Rectum. 2021 Sep 1;64(9):1046-1057. doi: 10.1097/DCR.0000000000002159. PMID: 34016826.

Como citar este artigo

Ferreira F. Volvo de transverso em paciente com Síndrome de West. Endoscopia Terapeutica 2024 vl. 01. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18604




Pólipo hamartomatoso juvenil solitário pediátrico: relato de caso e revisão de literatura.

Paciente do sexo feminino, 4 anos de idade, apresentando episódios recorrentes de sangramento retal (hematoquezia) há 11 meses, sem instabilidade hemodinâmica ou necessidade de hemotransfusão. Histórico atual de intolerância à lactose, sem outras doenças crônicas ou cirurgias. Apesar da exclusão de lacticínios e derivados da dieta, os episódios de sangramento persistiram.
Realizou colonoscopia, ambulatorialmente, onde foi identificado um pólipo pediculado lobulado no cólon descendente distal, com mucosa congesta e edematosa, coberta por fibrina e áreas hiperêmicas, com padrão de criptas tipo II de Kudo (Fig.1-2). O pólo cefálico tinha aproximadamente 3 cm de diâmetro, com um pedículo longo e largo (Fig.3-4). Foi realizada a polipectomia utilizando alça diatérmica, com ressecção completa em monobloco (Fig.5-6). Optou-se pelo fechamento do sítio da excisão com um endoclipe, sem complicações (Fig.7-8). Não houve achados adicionais nos demais segmentos estudados. O procedimento teve duração de 30 minutos, com alta da paciente após sua conclusão.

O exame anatomopatológico revelou tratar-se de uma lesão polipóide hiperplásica benigna, com estroma frouxo (Fig.9-10). As estruturas glandulares estavam hiperplásicas, variando de tamanho e ocasionalmente dilatadas cisticamente, sem apresentar atipias. O diagnóstico é compatível com pólipo hamartomatoso juvenil.

Revisão de literatura

As principais causas de hemorragia digestiva baixa, em crianças de 2 a 12 anos, incluem fissura anal, pólipo juvenil, enterocolite infecciosa e DII (Doença Inflamatória Intestinal). Mais raramente, podem estar relacionadas à úlcera retal solitária, duplicação intestinal, púrpura de Henoch-Schönlein, síndrome hemolítico-urêmica e malformação vascular colônica.

A presença de pólipo hamartomatoso juvenil solitário (esporádico), em crianças com menos de 10 anos de idade, tem incidência de até 2%. O termo “juvenil” refere-se ao tipo anatomopatológico do pólipo e não à idade de aparecimento. Apesar de serem infrequentes, também são descritos casos em adultos. Esses pólipos não são neoplásicos, apresentando histologicamente espaços císticos dilatados, inflamação, aumento da vascularização e áreas de destruição epitelial.

Distribuem-se por qualquer segmento colônico, com predileção pelo hemicólon esquerdo, sendo a topografia retossigmoidea a mais comum. O tipo pediculado é o mais frequente. Apesar da denominação “pólipos juvenis solitários”, eles podem ser únicos ou ocorrer em até 5 pólipos, sendo que 50% das crianças com essa condição apresentam mais de um pólipo. A verdadeira incidência de pólipos juvenis solitários é subestimada devido à sua apresentação clínica discreta e, geralmente, indolor, além da dificuldade do acesso a exame confirmatório.

O tipo pediculado é o mais frequente. Eventualmente, pode ocorrer torção no próprio eixo e autoamputação do pólipo, com consequente hemorragia, que pode ser volumosa.

Ao exame, o tamanho varia de 1 a 3 cm de diâmetro, com friabilidade associada, o que leva ao sangramento retal. Pode haver prolapso do pólipo através do ânus e, raramente, dor abdominal. Um terço das crianças apresenta-se com anemia microcítica em consequência do sangramento crônico, fato que pode induzir erroneamente o diagnóstico de doença inflamatória intestinal e postergar a solicitação da colonoscopia.

É essencial frisar que o pólipo hamartomatoso juvenil solitário difere da síndrome da polipose juvenil familiar (SPJ). A SPJ também é caracterizada pela presença de pólipos hamartomatosos contudo trata-se de uma doença genética autossômica dominante, causada por mutações nos genes SMAD4 e BMPR1A, que confere um risco aumentado de desenvolver câncer no trato gastrointestinal ao longo da vida. A SPJ abrange a Síndrome da Polipose Juvenil, a Síndrome de Peutz-Jeghers e a Síndrome do Tumor Hamartomatoso PTEN. O diagnóstico da SPJ requer o preenchimento de um dos seguintes critérios:

  • 1) mais de 5 pólipos juvenis no cólon e/ou no reto;
  • 2) múltiplos pólipos juvenis ao longo do trato gastrointestinal;
  • 3) qualquer número de pólipos com história familiar presente.

A SPJ familiar é uma condição pré-neoplásica, distinguindo-se do pólipo hamartomatoso solitário, que é esporádico, benigno e apresenta baixo risco de malignização.

A colonoscopia é uma ferramenta amplamente utilizada em todo o mundo para diagnosticar sangramentos gastrointestinais baixos e, frequentemente, serve como método terapêutico em muitos desses casos. No entanto, os exames endoscópicos pediátricos apresentam particularidades que exigem cuidados mínimos essenciais, devendo ser realizados em hospitais que possuam serviços de pediatria e anestesia preparados, tendo assegurado o apoio multiespecialidades indispensáveis ao tratamento de possíveis complicações, sobretudo quando se pratica endoscopia terapêutica.  Além disso, o preparo adequado dos cólons é outro aspecto crucial, que pode representar um desafio, podendo atrasar ou adiar o acesso ao exame, diagnóstico e tratamento.

Como tratamento padrão, preconiza-se a remoção desses pólipos por via endoscópica, utilizando a técnica e os recursos adequados.

Conclusão

A investigação do sangramento corretal persistente em crianças com menos de 10 anos deve incluir a realização de colonoscopia. Na presença de um pólipo hamartomatoso juvenil esporádico, após a completa remoção, dado o baixo risco de transformação maligna, não há indicação de repetir a colonoscopia rotineiramente ou encaminhamento para aconselhamento genético, eliminando a necessidade de qualquer acompanhamento posterior adicional.

Referências

  1. Yachha SK, Khanduri A, Sharma BC, Kumar M. Gastrointestinal bleeding in children. Journal of Gastroenteroly and Hepatology. 1996;11:903–907.
  2. Colonoscopic finding in children with lower gastrointestinal complaints. Journal of Gastroenteroly and Hepatology. 2023 Nov 8;7(12):863-868.
  3. Current role of colonoscopy in infants and young children: a multicenter study.  BMC Gastroenterology. 2019; 19: 149.
  4. A solitary rectal juvenile polyp with chicken skin-like changes in the surrounding mucosa in an adult: A case report. Experimental and  Therapeutic Medicine. 2023 Apr; 25(4): 185.
  5. Cancer risk and mortality in patients with solitary juvenile polyps—A nationwide cohort study with matched controls. United European Gastroenterology Journal. jul, 2023.
  6. Figueiredo LZ, Martins BC. Síndrome da Polipose Juvenil. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-polipose-juvenil.

Como citar este artigo

Vieira BB. Pólipo hamartomatoso juvenil solitário pediátrico: relato de caso e revisão de literatura. Endoscopia Terapeutica 2024, Vol I. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/polipo-hamartomatoso-juvenil-solitario-pediatrico-relato-de-caso-e-revisao-de-literatura/




O uso de aplicativos de comunicação para sanar dúvidas sobre casos

Surge uma dúvida sobre um caso e você gostaria da opinião de outros especialistas sobre como conduzí-lo. Para isso, usa seu aplicativo de comunicação e os apresenta o caso. Como expor o caso seguindo das normativas às quais o médico está sujeito? Podemos pedir auxílio desta forma? Vamos ajudá-lo a esclarecer esta dúvida e para tal, trouxemos as conclusões de pareceres que podem nos ajudar. Como muitos deles são parecidos, expus os que trazem informações complementares entre eles.

Contas pessoais de aplicativos

No parecer do CFM 14/2017 (1) a Conjur opina afirmando que o uso, “no contexto da medicina, dos novos métodos e recursos tecnológicos é medida irreversível e que encontra amparo no atual cenário de evolução das relações humanas, já que, como dito, traz incontáveis benefícios ao mister do profissional médico na busca do melhor diagnóstico e do posterior prognóstico dos pacientes e de suas enfermidade”, sendo possível o uso do WhatsApp e outros congêneres “para formação de grupos formados exclusivamente por profissionais médicos, visando realizar discussões de casos médicos que demandem a intervenção das diversas especialidades médicas”, lembrando que esses assuntos são cobertos pelo sigilo médico; que os médicos devem ser registrados nos Conselhos de Medicina; que os casos clínicos e pacientes não devem ser referidos ou expostos de maneira que possam ser identificados; que todos do grupo “são pessoalmente responsáveis pelas informações, opiniões, palavras e mídias que disponibilizem em suas discussões”; “que os assuntos médicos sigilosos não podem ser compartilhados em grupos de amigos, mesmo que composto apenas por médicos, em virtude de seu aspecto recreativo e informal, não estando esses grupos comprometidos com a garantia do sigilo requerido para troca de informações de caráter científico ou clínico.”

O parecer 2771/2019 CRM-PR (2), além do exposto anteriormente, refere também o uso do aplicativo com pacientes: “É permitido o uso do WhatsApp e plataformas similares para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, para enviar dados ou tirar dúvidas, bem como em grupos fechados de especialistas ou do corpo clínico de uma instituição ou cátedra, com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem podem circular em grupos recreativos, mesmo que composto apenas por médicos.”

Adicionalmente, o parecer No 2568/2017 – CRM-PR (3) atenta que “o ideal é a troca de informação a respeito de pacientes SER DE MÉDICO PARA MÉDICO, e não para grupo de médicos. Não podemos nos esquecer de que quem envia e/ou recebe a informação está preso ao sigilo médico, conforme determina nosso Código de Ética Médica, nos artigos 73 e 75 (…)”

Contas comerciais de aplicativos

Nos últimos anos surgiram as contas comerciais, as quais profissionais de diversas áreas fazem uso. Neste caso, pode surgir uma pequena diferença sobre a questão do sigilo por parte do aplicativo.  Abrangendo esta dúvida, o CREMESP divulgou o parecer no 17.574/21 (4), do qual extraímos as seguintes informações:

  • sobre a conta pessoal: “Diante das informações que constam no site do WhatsApp e no aplicativo, as conversas entre particulares através do uso de tal aplicativo WhatsApp são, pelo menos aparentemente, segundo informado pela empresa, seguras e garantem a preservação do sigilo, podendo ser tal aplicativo utilizado como ferramenta de trabalho pelos médicos, principalmente diante da utilização da criptografia de ponta a ponta que, apesar da subscritora do presente parecer não possuir conhecimentos aprofundados sobre a área de tecnologia da informação, parece assegurar a privacidade das conversas.”
  • sobre a conta comercial: “(…) a nova política de privacidade, deixa de garantir essa proteção em conversas com contas comerciais, que são aquelas usadas por empresas. Isto porque muitas empresas que prestam atendimento pelo WhatsApp, o fazem através de ferramentas que gerenciam os seus chats. Tais ferramentas são vendidas por empresas de tecnologia e algumas delas oferecem opções de hospedagem dos diálogos com clientes, como é o caso do Facebook. Assim, como neste caso há um terceiro armazenando e gerenciando interações com empresas, o WhatsApp não consegue garantir a criptografia de ponta a ponta para esses chats. (…).”

Tal parecer conclui: “(…) que os médicos podem continuar a utilizar o aplicativo WhatsApp nas conversas realizadas entre particulares e grupos de particulares, desde que atendam o disposto no Código de Ética Médica e demais normativas em vigor emanadas do Conselho Federal de Medicina e dos Conselhos Regionais de Medicina. Porém, em conversas realizadas entre médicos e contas comerciais, o profissional deverá ter especial atenção e se abster de mencionar através de tal ferramenta qualquer informação que esteja protegida pelo sigilo médico.”

Assim, o uso destes aplicativos é permitido para que sejam tiradas dúvidas referentes a casos, respeitando-se os ditames legais e do Código de Ética Médico porém, não se recomenda que seja realizado por meio de conta comercial.

Referências

  1. PARECER CFM nº14/2017. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2017/14
  2. PARECER Nº 2771/2019 CRM-PR. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/PR/2019/2771_2019.pdf
  3. PARECER Nº 2568/2017 – CRM-PR. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/PR/2017/2568_2017.pdf
  4. .PARECER Nº 17574/2021 CRM-SP Disponível em: https://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=18879

Como citar este artigo

Brito HP. O uso de aplicativos de comunicação para sanar dúvidas sobre casos. Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/o-uso-de-aplicativos-de-comunicacao-para-sanar-duvidas-sobre-casos/