Acesso Transgástrico Endoscópico GATE (EDGE) em Bypass Gástrico: o passo a passo

Segundo o Ministério da Saúde, a obesidade atinge 6,7 milhões de pessoas no Brasil. Devido ao crescimento das taxas de obesidade adjunto a eficácia da cirurgia bariátrica, um levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) contabilizou 315.720 mil cirurgias bariátricas no período de 2017 a 2022. Com a crescente prevalência de pacientes com anatomia alterada principalmente pelo bypass gástrico com reconstrução em Y de Roux (BGYR), a necessidade de acesso no estômago excluso para tratamento de coledocolitíase, síndromes colestáticas obstrutivas benignas e malignas nessa população são fatores que motivaram o desenvolvimento de técnicas para acesso transgástrico e viabilizar a abordagem endoscópica.

Atualmente, as abordagens mais tradicionais são:

  • acesso por enteroscopia
  • acesso transgástrico intraoperatório: necessita equipe cirúrgica (assista ao vídeo – clique aqui)
  • gastric access temporary for endoscopy – GATE: realizado por ecoendoscopia. Essa técnica também pode ter a nomenclatura de Endoscopic ultrasound-Directed transGastric Endoscopic retrograde cholangiopancreatography – EDGE.

saiba mais sobre esse assunto nesse outro artigo – clique aqui

Dentre as três possibilidades, o GATE mostra-se mais promissor segundo uma metanálise head-to-head de Deliwala et al., cujo trabalho demonstrou

  • alta taxa de sucesso técnico quando comparado aos outros métodos: GATE 100% vs. enteroscopia 66% e GATE 97% vs. intraoperatorio 98%)
  • efeito adverso menor (GATE 9,6% vs. enteroscopia 16% e GATE 13% vs. intraop 17,6%),
  • tempo de procedimento menor (GATE 61,26 min vs. entero 169,38 min e GATE 75,64 min vs. intraop 187,73 min)
  • tempo de internação menor (GATE 1,8 dias vs. entero 6,9 dias e GATE 2,2 dias vs. intraop 5,4 dias).

As principais complicações do GATE são: falha de fechamento da fístula confeccionada (chegando a 17%) e migração do Stent (7% dos casos). Ambas as complicações são passíveis de correção por endoscopia e a abordagem cirúrgica é rara.

A seguir, descreveremos o passo a passo para o GATE.

A técnica

Consiste na confecção de acesso transgástrico através de uma gastrogastroanastomose ou por jejunogastroanastomose através da alça jejunal proximal do Y de Roux até o estômago excluso, por meio de ecoendoscopia setorial e uso de prótese metálica de aposição de lumens – LAMS (Figura 1);

Figura 1: Hot Axios, prótese metálica com aposição de lúmens inserido em catéter diatérmico que permite disparar sem necessidade de dilatação com cistótomo.

Passo 1: Avaliação ecoendoscópica

  • Em transição esofagogástrica, localizar a borda inferior do fígado e girar sentido horário pela visão ecoendoscópica até localizar a “bolacha do mar”, sand dollar sign, que seria o estômago excluso em sua porção antral (Figura 2);
Figura 2: Estômago excluso visto em ecoendoscopia, visualizando o formato de “bolacha do mar” devido ao engruvinhamento das pregas gástricas separadas em camadas ecográficas.

  • Puncionar a porção distal do estômago com agulha FNA de 19G até encostar na parede contralateral e retrair a agulha discretamente para centralizar no lúmen (Figura 3);
Figura 3: Visão ecográfica de punção do estômago excluso com agulha FNA 19G.

  • Administrar contraste iodado pela agulha (optar por seringas pequenas e contraste iodado (diluído em 50% com soro fisiológico), confirmando e dilatando o estômago excluso por ecoendoscopia e fluoroscopia (Figura 4);
Figura 4: Injeção de contraste e soro fisiológico em estômago excluso com a agulha FNA 19G.

  • Conectar a agulha com uma bomba de água adaptada com luer lock e preencher com soro fisiológico até distender o estômago de forma segura (distender com ao menos o diâmetro de uma coluna vertebral (estimado em 2,5 cm);
  • Dica: utilizar o doppler para evitar vasos no trajeto de punção e sangramento desnecessário é essencial.

Passo 2: Disparo do LAMS

  • Retrair a agulha e reposicionar o ecoendoscópico até visualizar a parte proximal do corpo gástrico excluso, logo abaixo da transição esogagogástrica, confirmando com ecoendoscopia, visão endoscópica e fluoroscopia;
  • Repuncionar com FNA 19G, em corpo proximal e distender o estômago excluso novamente com soro fisiológico em bomba até ter uma janela de punção com lúmen de ao menos 3 cm e visualizar o contraste em fundo (Figura 5);
Figura 5: Dilatação do estômago excluso através da injeção de soro fisiológico em nova punção de corpo proximal.

  • Caso o LAMS não seja diatérmico, será necessário uso de cistótomo para dilatação do trajeto guiada por fio-guia antes;
  • Disparo do LAMS (preferencialmente de 20 mm de diâmetro) em corpo proximal do estômago excluso o mais distal à transição esofagogástrica e proximal à anastomose gastrojejunal (Figura 6);
Figura 6: Visão endoscópica de parte proximal da LAMS disparada em estômago remanescente.

  • Dicas: não distar mais de 1 cm da parede do estômago remanescente com o excluso; molhar todo o catéter do LAMS antes de introduzir no aparelho; evitar puncionar em cima da linha de grampo afim de evitar permanência de fístula e área de fibrose.

Passo 3: Dilatação do LAMS e procedimento

Nesta etapa há duas possibilidades:

  • Em duas etapas: aguardar maturar a fístula em 1 a 2 semanas e seguir com procedimento após esse período com a prótese metálica já expandida ou dilatação do LAMS logo após disparo;
  • Etapa única: realizar dilatação logo após passagem da LAMS. Há opção de fixação da prótese com over-ther-scope-clip (Padlock e Ovesco) ou endossutura (Apollo) para minimizar a migração;

Dilatação da LAMS com balão hidrostático até 20 mm de diâmetro, com confirmação da dilatação por visão endoscópica e fluoroscópica (Figura 7 e 8);

Figura 7: Fluoroscopia de dilatação de LAMS com balão hidrostático.
Figura 8: Visão endoscópica da LAMS dilatada, podendo-se visualizar o estômago excluso em parte distal da prótese.

  • Prosseguir com o tratamento endoscópico proposto: CPRE principalmente
  • Dicas: em uso de duodenoscópios ou ecoendoscópios, entrar com aparelho em paralelo com a prótese; a prótese é móvel, então a fluoroscopia ajuda no posicionamento e minimiza a fricção com a prótese, evitando migração (Figura 9).
Figura 9: Passagem do aparelho com fluoroscopia e visão endoscópica combinada, mantendo-se o eixo do aparelho paralelo à LAMS.

Passo 4: Fechamento da fístula

  • Devido ao risco de complicações pós-procedimentos endoscópicos, como sangramento e perfuração pós-CPRE, mantém-se a LAMS por 1 a 2 semanas, possibilitando a reabordagem endoscópica. Alguns autores, preconizam a retirada imediata seguida por colocação de prótese plástica;
  • Após esse período, revisa-se por endoscopia digestiva alta (EDA), seguida de retirada do LAMS com pinça de corpo estranho ou com alça endoscópica, tracionando-se preferencialmente pela falange proximal da prótese;
  • Alguns autores preconizam troca por prótese plástica duplo pigtail de tamanho curto e outros por apenas retirar e deixar a fístula ocluir por cicatrização em segunda intenção;
  • O controle de fechamento da fístula com o estômago excluso pode ser feita com EDA, radiografia contrastada (EED) ou tomografia computadorizada com contraste não-baritado por via oral após 6 a 8 semanas da retirada da LAMS.

Em suma, o GATE mostra-se como um procedimento seguro e eficaz com taxa de sucesso técnico e clínico comparável a abordagem transgástrica intraoperatória, sem necessidade de combinar duas especialidades médicas, com menor taxa de efeitos adversos, menor tempo de procedimento e internação. A realização do procedimento após GATE em tempo único, com dilatação sem fixação do LAMS está cada vez mais se mostrando seguro e eficaz com o avanço das técnicas endoscópicas.

Referências

  1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). SBCBM, 2023. Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/obesidade-atinge-mais-de-67-milhoes-de-pessoas-no-brasil-em-2022/. Acesso em: 16, novembro, 2023.
  2. Deliwala SS, Mohan BP, Yarra P, Khan SR, Chandan S, Ramai D, et al. Efficacy & safety of EUS-directed transgastric endoscopic retrograde cholangiopancreatography (EDGE) in Roux-en-Y gastric bypass anatomy: a systematic review & meta-analysis. Surg Endosc. 2023 Jun;37(6):4144–58.
  3. Wang TJ, Thompson CC, Ryou M. Gastric access temporary for endoscopy (GATE): a proposed algorithm for EUS-directed transgastric ERCP in gastric bypass patients. Surg Endosc. 2019 Jun;33(6):2024–33.

Como citar este artigo

Kum AST, Nunes CM, Rocha SPR. Acesso Transgástrico Endoscópico GATE (EDGE) em Bypass Gástrico: o passo a passo. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/acesso-transgastrico-endoscopico-gate-edge-em-bypass-gastrico-com-y-de-roux-o-passo-a-passo/




Papel da ecoendoscopia na pancreatite aguda idiopática

Introdução

A pancreatite aguda é uma das doenças responsáveis pelo maior número de internações de urgência na gastroenterologia. Sua incidência é de 13 a 45 casos por 100 mil pessoas, sendo responsável por 270 mil internações por ano nos Estados Unidos 1. A maioria dos casos é de pouca gravidade, mas pode evoluir para formas graves, com necessidade de internação em centro de terapia intensiva e até óbito.  Sua mortalidade chega a próximo de 5%, sendo significativamente maior quando analisados somente os quadros mais graves 2.

A doença biliar litiásica e o etilismo são os principais agentes causais, sendo responsáveis por cerca de 60% a 80% dos casos 3. Outras causas menos comuns são alterações anatômicas, metabólicas, tumores, doenças autoimunes, entre outras.  No entanto, em uma porcentagem significativa dos casos, cerca de 10% a 30%, não é possível se identificar um fator causal após a avaliação inicial 3-4. Ela é definida, então, como pancreatite aguda idiopática, sendo a 3ª causa mais comum em algumas séries 3.

É de fundamental importância uma avaliação detalhada nesses pacientes com pancreatite aguda idiopática, uma vez que 14% a 26% podem apresentar episódios recorrentes, evoluindo até para pancreatite crônica 5-6. Em alguns casos, após a realização de exames especializados, pode se identificar um agente causal tratável, evitando, assim, novas crises.

            A ecoendoscopia é um procedimento minimamente invasivo e que, devido à proximidade do estômago e do duodeno com o pâncreas e as vias biliares, permite um exame detalhado dessa região. Vários estudos têm mostrado o seu benefício na investigação de pacientes com pancreatite aguda idiopática, no entanto o momento da sua realização ainda não está bem definido 1,2-8.

Acurácia da ecoendoscopia

A acurácia da ecoendoscopia na identificação de um agente causal em pacientes com pancreatite aguda idiopática varia muito entre os estudos, de 29% a 88% 4. Essa grande diferença se deve aos critérios de inclusão utilizados em cada estudo. Naqueles que os pacientes eram submetidos a um maior número de exames diagnósticos antes da realização da ecoendoscopia a acurácia foi mais baixa. Nos que os pacientes eram encaminhados mais precocemente para realização da ecoendoscopia a acurácia foi mais alta.

            Umans e colaboradores em uma meta-análise recente chegaram a uma acurácia de 59% 7. A litíase biliar, presença de cálculos, microcálculos ou barro biliar na vesícula ou no colédoco, foi a causa mais comum, sendo responsável por 30% dos casos (Figuras 1 e 2). Em segundo lugar veio a pancreatite crônica com 12% e em terceiro o pancreas divisum com 5%. É importante salientar que em 2% dos pacientes foi detectada uma neoplasia que não havia sido diagnosticada nos exames prévios. As lesões identificadas foram neoplasias papilares intraductais mucinosas (IPMN), carcinomas de pâncreas, tumores neuroendócrinos (Figura 3), adenomas e carcinomas de papila. Outras causas menos comuns foram pancreatite autoimune, ascaridíase, coledococele (Figuras 4 e 5), anomalia da junção biliopancreática e divertículo.

            Nesta mesma meta-análise, quando se comparou a acurácia da ecoendoscopia nos pacientes já submetidos a colecistectomia prévia com os não colecistectomizados, o resultado foi diferente entre os dois grupos, sendo de 50% e 64%, respectivamente 7. Demonstrando assim como a litíase na vesícula biliar é, de fato, uma das causas mais comuns.

Quando realizar a ecoendoscopia após o episódio de pancreatite?

Existe controvérsia na literatura de quando seria o momento ideal para realização da ecoendoscopia após um episódio de pancreatite aguda 5. Os autores que sugerem a realização do procedimento de forma mais precoce, às vezes com o paciente ainda internado, defendem que um possível diagnóstico poderia ser feito de forma mais rápida, evitando a possibilidade de uma recorrência e evitando também que o paciente perca o seguimento 5. Já os que preferem a realização do procedimento mais tardiamente, após cerca de 4 semanas da resolução do caso, defendem que as alterações inflamatórias secundárias à pancreatite poderiam dificultar o diagnóstico, diminuindo a acurácia da ecoendoscopia 5.

Na meta-análise de Umans e colaboradores, a acurácia da ecoendoscopia após a melhora da pancreatite aguda e antes da melhora foi de 61% e 48%, respectivamente 7.

Realizar a ecoendoscopia após o primeiro episódio de pancreatite aguda idiopática ou somente nos casos recorrentes?

Não existe consenso na literatura de qual seria a indicação ideal para realização da ecoendoscopia 5. Parece haver uma acurácia semelhante quando realizada após o primeiro episódio ou quando realizada após episódios recorrentes 5,7. Uma vez que muitas das causas identificadas são tratáveis e evitaria novas crises, existe uma tendência de já se indicar a ecoendoscopia após o primeiro episódio.

Ecoendoscopia X Colangiorressonância

Uma meta-análise de Wan e colaboradores, comparando a acurácia da ecoendoscopia com a colangiorressonância, demostrou uma melhor performance com a ecoendoscopia, 64% e 34%, respectivamente 8. O principal benefício ocorreu na litíase biliar (34% x 9%) e na pancreatite crônica (10% x 1%). No pancreas divisum a acurácia foi semelhante com as duas técnicas (2% x 2%). Quando se associou o uso de secretina, que não está disponível no Brasil, a colangiorressonância foi melhor (12%). Já Hallenslebem e colobaradores demostraram acurácia semelhante entre a ecoendoscopia (36%) e a colangiorressonância (33%) 8.

Conclusão

A ecoendoscopia tem papel fundamental na investigação de pacientes com pancreatite aguda idiopática. Ela apresenta uma alta acurácia para o diagnóstico de fatores causais, sendo vários deles tratáveis, evitando assim crises recorrentes.

            Ainda não está bem estabelecido na literatura qual seria o momento ideal para a realização do procedimento, mas a maioria dos estudos tendem a aguardar cerca de 4 semanas após a melhora da pancreatite para sua realização, minimizando assim a dificuldade diagnóstica secundária a alterações inflamatórias. A maioria dos autores recomendam, também, a realização da ecoendoscopia já após a primeira crise. Importante salientar que o diagnóstico de neoplasias não detectadas por outros métodos pode chegar a 7% 6.

            A colangiorressonância e a ecoendoscopia devem ser usadas em conjunto. Uma vez que a litíase biliar seria a causa mais comum e a ecoendoscopia teria uma melhor acurácia para este diagnóstico, existe uma tendência de indica-la como primeira opção após a investigação inicial negativa.

Figura 1: microcálculos em vesícula biliar
Figura 2: coledocolitíase
Figura 3: tumor neuroendócrino em corpo do pâncreas
Figuras 4 e 5: coledococele (cisto de colédoco do tipo III)

Referências

  1. Working Group IAPAPAAPG. IAP/APA evidence-based guidelines for the management of acute pancreatitis. Pancreatology 2013; 13: e1–e15.
  2. Crockett SD, Wani S, Gradner TB, et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on Initial Management of Acute Pancreatitis. Gastroenterology 2018; 154(4): 1096-1101.
  3. Blanco GDV, Gesuale C, Varanese M, et al. Idiopathic acute pancreatitis: a review on etiology and diagnostic work-up. Clin J Gastroenterol 2019; 12(6): 511-524.
  4. Tepox-Padrón A, Bernal-Mendez RA, Duarte-Medrano G, et al. Utility of endoscopic ultrasound in idiopathic acute recurrent pancreatitis. BMJ Open Gastroenterol 2021; 8(1): e000538.
  5. Somani P, Sunkara T, Sharma M. Role of endoscopic ultrasound in idiopathic pancreatitis. World J Gastroenterol 2017; 14: 6952-6961.
  6. Hallensleben ND, Umans DS, Bouwense SA, et al. The diagnostic work-up and outcomes of “presumed” idiopathic pancreatitis: A post-hoc analysis of a multicentre observational cohort. United European Gastroenterol J. 2020; 8(3): 340-350.
  7. Umans DS, Rangkuti CK, Weiland CJS, et al. Endoscopic ultrasonography can detect a cause in the majority of patients with idiopathic acute pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Endoscopy 2020; 52(11): 955-964.
  8. Wan J, Ouyang Y, Yu C, et al. Comparison of EUS with MRCP in idiopathic acute pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc 2018; 87(5): 1180–8.

Como citar este artigo

Retes FA. Papel da ecoendoscopia na pancreatite aguda idiopática. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/papel-da-ecoendoscopia-na-pancreatite-aguda-idiopatica




Você sabe avaliar o hiato diafragmático? Classificação de Hill

A transição esofagogástrica (TEG) é a área anatômica onde o esôfago distal se junta ao estômago proximal. Em condições normais, está localizado ao nível da crura diafragmática. A localização da TEG, entretanto, não é estática e se move vários centímetros durante a deglutição e a respiração. Durante a deglutição, o músculo liso longitudinal do esôfago se contrai, o que encurta o esôfago, resultando em uma hérnia fisiológica. A TEG é posteriormente devolvida à sua localização original por estruturas elásticas de suporte, especialmente pela membrana frenoesofágica. Quando a TEG juntamente com o esfíncter esofágico inferior (EEI) e a cárdia estão permanentemente deslocadas para cima (intratorácica) através do hiato diafragmático, uma hérnia de hiato está presente.1 Comumente um deslizamento de 2 cm é o padrão adotado para esse diagnóstico, apesar da ausência de consenso.

Estudos demonstraram que uma hérnia de hiato prejudica a pressão do EEI e a função esfincteriana do diafragma.2 A presença e o comprimento axial de uma hérnia de hiato também demonstraram estar correlacionados com a gravidade do refluxo gastroesofágico.3 Devido a mudanças fisiológicas (deglutição e respiração) nessa região a mensuração da hérnia pode ser difícil, apresentando baixa a concordância interobservadores4, dessa forma outra opção para essa avaliação é a classificação de Hill.

Em 1996 Hill et al avaliou através de modelos in vitro e in vivo a relação da válvula mucosa da entrada do esôfago no estômago com a doença do refluxo. Os indivíduos sadios tinham uma prega proeminente de tecido que se estendia de 3 a 4 cm ao longo da pequena curvatura e abraçava firmemente o endoscópio. Esse aspecto foi progressivamente diminuído tornando-se ausentes em pacientes com refluxo.5

A inspeção da válvula em indivíduos controle e indivíduos com refluxo permitiu um sistema de classificação de Graus I a IV, conforme segue abaixo:6

Hill Grau I: uma prega proeminente de tecido ao longo da pequena curvatura junto ao endoscópio.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Hill Grau II: a prega é menos proeminente e há períodos de abertura e fechamento rápido ao redor do endoscópio.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Hill Grau III: a prega não é proeminente e o endoscópio não está firmemente preso a parede.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Hill Grau IV: não há prega e o lúmen do esôfago está aberto, muitas vezes permitindo que o epitélio escamoso seja visualizado por baixo. Uma hérnia de hiato está sempre presente.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Com relação aos achados endoscópicos e tratamento clínico, um estudo de 2023 com 922 pacientes em um seguimento de 6 anos, demonstrou que os paciente Hill graus III e IV estavam significativamente associados a esofagite e a necessidade de prescrição de inibidor de bomba de prótons (IBP) >2 vezes nesse período, sendo que os pacientes Hill grau IV apresentavam também maior associação com esôfago de Barret, queimação retroesternal e necessidade de nova endoscopia. Paciente graus II e III apresentavam mais esofagite comparado com o grau I, além disso com a elevação do grau na classificação de Hill, foi observado um aumento das queixas de queimação retroesternal. Entretanto as diferenças na prática clínica entre os pacientes Hill I e II não foram tão importantes.7

Em outro estudo com 150 pacientes consecutivos com refluxo, foi demonstrado que alterações da classificação de Hill (graus III e IV) são fatores preditivos significantes e independentes para baixa resposta ao tratamento com IBP. Além disso as phmetrias de 24h confirmaram maior refluxo nesses grupos.8

Segundo a ASGE os indivíduos com classificação I e II podem ser submetidos a procedimentos endoscópicos para correção de refluxo, enquanto nos graus III e IV deve ser optada pela via cirúrgica, visto a necessidade de correção do hiato nesses casos.9

Dessa forma a classificação de Hill é um importante mecanismo na avaliação endoscópica dos pacientes com suspeita de refluxo, sendo demonstrado aparente e discreta maior relação desta classificação, em comparação com medição axial da hérnia hiatal, na avaliação da barreira mecânica antirrefluxo da transição esofagogástrica.6

Referênicas:

  1. Kahrilas PJ, Kim HC, Pandolfino JE. Approaches to the diagnosis and grading of hiatal hernia. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2008; 22: 601–616
  2. Kahrilas PJ, Shi G, Manka M et al. Increased frequency of transient lower esophageal sphincter relaxation induced by gastric distention in reflux patients with hiatal hernia. Gastroenterology 2000; 118: 688– 695
  3. Sgouros S, Mpakos D, Rodias M et al. Prevalence and axial length of hiatus hernia in patients, with nonerosive reflux disease: a prospective study. J Clin Gastroenterol 2007; 41: 814
  4. Guda N, Partington S, Vakil NB. Inter- and intra-observer variability in the measurement of length at endoscopy: Implications for the measurement of Barrett’s esophagus. Gastrointest Endosc 2004; 59: 655–658
  5. Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJM et al. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc 1996; 44: 541–547
  6. Hansdotter I, Björ O, Andreasson A, et al. Hill classification is superior to the axial length of a hiatal hernia for assessment of the mechanical anti-reflux barrier at the gastroesophageal junction. Endosc Int Open. 2016 Mar;4(3):E311-7. doi: 10.1055/s-0042-101021. Epub 2016 Feb 10. PMID: 27004249; PMCID: PMC4798936.
  7. Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJ, et al. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc. 1996 Nov;44(5):541-7. doi: 10.1016/s0016-5107(96)70006-8. PMID: 8934159.
  8. Cheong JH, Kim GH, Lee BE, et al. Endoscopic grading of gastroesophageal flap valve helps predict proton pump inhibitor response in patients with gastroesophageal reflux disease. Scand J Gastroenterol. 2011 Jul;46(7-8):789-96. doi: 10.3109/00365521.2011.579154. Epub 2011 May 26. PMID: 21615222.
  9. https://www.youtube.com/watch?v=TgVqKGXxz2U

Como citar este artigo

Oliveira JF. Você sabe avaliar o hiato diafragmático? Classificação de Hill. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol. II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/voce-sabe-avaliar-o-hiato-diafragmatico-classificacao-de-hill/




ESD gástrica – dicas e truques

Muitos endoscopistas estão começando a realizar procedimentos avançados e a Dissecção endoscópica da submucosa (ESD) gástrica é um deles. No entanto, na literatura, o detalhamento das técnicas, dificuldades e estratégias são escassos. Nesse artigo, compilei alguns dados publicados assim como os aprendizados pessoais; para fornecer informações necessárias para quem está começando nesse desafiador mundo do terceiro espaço.

Trata-se de um guia, não de uma diretriz ou regra exata. As lesões podem estar localizadas em diferentes posições, assim como o tamanho e a presença de fibrose também interferem (e muito!) na estratégia de dissecção.

O que mais dificulta no tratamento das lesões gástricas é que o estômago não é um órgão tubular, nem oval. A gravidade tem grande importância quando vamos planejar a ESD e, no caso do estômago, a mudança de decúbito não altera muito (diferente do cólon e do reto). Portanto, entender os efeitos da gravidade é crucial para planejar os passos da dissecção.

 

Nível de dificuldade conforme a localização (opinião pessoal):

No corpo, a gravidade se direciona para o fundo e cardia, quando o paciente está em decúbito lateral esquerdo. Portanto, nas lesões localizadas no corpo, geralmente a melhor estratégia é começar a dissecção na parte anal da lesão, com o aparelho em retrovisão. Dessa forma, o “flap” formado vai se direcionando para cima, a favor da gravidade, facilitando a dissecção.

No antro, a gravidade se direciona da grande para a pequena curvatura. Nessa localização, geralmente a melhor estratégia é começar a dissecção de oral para anal, com o aparelho em visão frontal; porque dessa forma a gravidade vai tracionando naturalmente o “flap”.

Também podemos prever a dificuldade da ESD baseado na direção da gravidade (onde está acumulado o líquido).

Lesões localizadas na posição oposta da gravidade quase sempre são mais fáceis. Isso porque o “flap” espontaneamente vai sendo tracionado a favor da gravidade, tornando a dissecção mais fácil.

Nas lesões localizadas nos lados laterais à gravidade, de maneira geral, a melhor abordagem é iniciar primeiro a incisão e a dissecção no lado a favor da gravidade, porque dessa forma podemos usar a tensão da mucosa para abrir a linha de incisão. Depois disso, fazer a incisão do lado contra a gravidade e terminar a dissecção, usando a gravidade para tracionar o “flap” e facilitar o término do procedimento.

Caso iniciássemos a incisão e dissecção pelo lado contra a gravidade, no começo ia parecer fácil, mas aí a lesão iria cair a favor da gravidade e tornaria muito mais difícil a incisão desse lado.

Quando a lesão está localizada a favor da gravidade, o procedimento, por si só, já fica muito complicado. Nessa situação, o uso da técnica de tração é muito útil.

Para usar a técnica da tração, faça os seguintes passos:

1. Remova o aparelho e insira o clipe

2. Faça um nó (de preferência duplo) com um fio (pode ser fio dental ou fio cirúrgico)

3. Aperte o nó (deixe-o dentro das pás do clipe para não ter o risco de cortar quando fechar) e corte a ponta distal do fio.

4. Feche o clipe com cuidado e puxe o clipador para dentro do canal de trabalho

5. Introduza o aparelho de novo, abra o clipador e clipe onde irá fazer a tração

Outra dica importante é a direção dos movimentos conforme o tipo de acessório você está utilizando. 

Se for usar as “facas” com ponta ou “needle-knife” (p.ex Flush Knife, Dual Knife, Gold Knife), a incisão deve ser, preferencialmente, de distal para proximal e a dissecção do centro para a periferia.

Com as facas com a ponta isolada (IT-Knife), a incisão é usualmente feita de distal para proximal e a dissecção das laterais para o centro.

P.S: Por via de regra quando fazemos ESD, temos que começar pelo lado mais difícil porque se começarmos pelo lado mais fácil, o lado mais difícil fica muito mais difícil (às vezes, impossível)!

Conclusões

Para começar a fazer ESD, precisamos ter em mente a melhor estratégia para cada lesão. No estômago, a estratégia é baseada principalmente pela localização anatômica e direção da gravidade. É importante também reconhecer os acessórios e como utiliza-los.

Leitura complementar

Dissecção Endoscópica Submucosa (ESD): dicas para iniciar e aprimorar a técnica

Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional e ESD com auxílio de método de tração

Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao Dr Noriya Uedo, do Osaka International Cancer Institute, pela imensa habilidade em ensinar e transmitir o conhecimento, idealização das ilustrações, incontáveis demonstrações na prática e disposição em sanar minhas dúvidas. 

Agradecimento também ao colega Airto Lanas, do Hospital 12 do Octubre – Madri-Espanha, pela idealização do tema, contínuas e demoradas trocas de experiências, belíssimos desenhos e, claro, pela amizade durante o estágio no Japão.

Como citar este artigo

Nobre R e Lanas A. ESD gástrica – dicas e truques, Endoscopia Terapêutica; 2023, Vol 2. Dísponivel em:
endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/esd-gastrica-dicas-e-truques/




A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular

A canulação da papila duodenal maior (PDM) é uma das etapas fundamentais para o sucesso e minimização das complicações associadas ao procedimento de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), e as técnicas para alcançá-la sempre foram e continuarão sendo motivo de estudo e debate (1-3). Dentre todos os fatores que implicam em dificuldade no acesso biliar, o aspecto da papila duodenal é um dos pontos mais fáceis de serem reconhecidos. O objetivo deste artigo é apresentar duas classificações publicadas que tem o objetivo de analisar o aspecto macroscópio da papila, apresentando um alto potencial de aplicabilidade na prática do endoscopista.

Existem diferentes definições de canulação difícil, entretanto, desde 2016, a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE), recomenda o uso da definição proposta pelo grupo de estudo da Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (4), que mostra um aumento considerável nos eventos adversos quando qualquer um destes critérios está presente: mais de 5 minutos de tentativa, mais de 5 tentativas ou 2 passagens de fio no ducto pancreático.

Este mesmo grupo propôs uma classificação que divide a PDM em 4 tipos (Figura 1) assim descritos: regular (tipo I), que é o tipo mais comum, sem achados distintos, também referido como ‘aspecto clássico’; pequena (tipo II), com diâmetro menor do que 3 mm ou aproximadamente 2 vezes o diâmetro do papilótomo; protusa ou pendente (tipo III) se apresentando de forma saliente na luz duodenal, algumas vezes caída para baixo, com o orifício orientado caudalmente; e vincada ou estriada (tipo IV), na qual a mucosa ductal parece se estender distalmente para fora do orifício em forma de crista ou prega.

Fig. 1–tipos de papila descritos pela Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (6)

Em 2019 um estudo prospectivo multicêntrico conduzido pelo grupo escandinavo concluiu que o aspecto da PDM influencia na canulação biliar (5). Os resultados demonstraram que o tipo mais frequente de papila é o tipo I presente em 58% dos pacientes, seguido pelo tipo III em 23 %, pelo tipo II em 13 % e pelo tipo 4 com 8 %. A frequência de canulação difícil nos quatro tipos de papila propostos está demonstrada na figura abaixo (Figura 2), sendo possível notar a diferença estatística entre o tipo I e os tipos II e III.

Fig. 2 – Prevalência de canulação difícil pelo tipo de papila.

Uma outra classificação do aspecto papilar foi proposta pelo grupo da universidade de Cambridge, que fez uma análise consecutiva de 100 vídeos de canulação biliar realizada com sucesso. A classificação foi baseada em um aumento progressivo da proeminência da papila duodenal maior e também se divide em 4 tipos: plana (tipo 1), descrita como plana e imóvel, com epitélio biliar em continuidade com a parede duodenal, podendo ter um anel incompleto do epitélio papilar; proeminente (tipo 2), descrita como imóvel e elevada, com um anel claro e completo de epitélio papilar circundando o epitélio biliar; infundibular (tipo 3), descrita como imóvel e proeminente com infundíbulo e podendo ter uma prega mucosa transversal; e pendente (tipo 4), descrita como móvel, proeminente e pendente, com infundíbulo distendido, projetando-se no duodeno com um orifício voltado inferiormente (7).                

Analisando as classificações, é importante notar que ambas desconsideram a presença ou relação da papila com divertículos ou dobras e pregas duodenais. Além disso, a classificação britânica apresenta-se mais lógica do que a escandinava, já que a sequência reflete um aumento progressivo da proeminência e mobilidade da papila. Por outro lado, a classificação escandinava parece mais simples de ser utilizada e foi validada em estudo prospectivo com boa concordância entre observadores em um estudo multicêntrico prospectivo. A tabela abaixo (Tabela 1), traz uma correlação entre as classificações britânica e escandinava.

Tabela 1. Correlação entre classificações britânicas e escandinava

Classificação de Cambridge Classificação Escandinava Prevalência na população de Cambridge, % Prevalência na população Escandinava, %
Tipo 1 Tipos II e IV 20 21 (13 + 8)
Tipo 2 Tipo I 45 56
Tipos 3 e 4 Tipo III 38 (25 + 13) 23

                Diante do exposto, fica claro que o estudo dos tipos de papila e a sua correlação com dificuldade da canulação, bem como no risco de complicações associadas, é matéria que requer ainda investigação e discussão, podendo ter implicações por exemplo no ensino da CPRE, podendo os preceptores oferecer aos endoscopistas em treinamento tipos mais favoráveis à canulação. Outro ponto interessante seria a identificação de manobras técnicas mais favoráveis para a canulação difícil em cada tipo específico de papila, obedecendo o racional do acesso biliar proposto por Hawes e Deviere que consiste nos dois passos básicos: insinuação e canulação profunda (8). Independente da experiência do endoscopista ou da classificação escolhida, a mensagem final que fica é que devemos estar atentos aos tipos de papila na prática diária, procurando nos antecipar às possíveis dificuldades que serão encontradas na canulação.

Referências

  1. Adler DG. Guidewire cannulation in ERCP: from zero to hero! Gastrointest Endosc 2018;87:202-4.
  2. Hawes RH, Devière J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3.
  3. Reddy ND, Nabi Z, Lakhtakia S. How to improve cannulation rates during endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Gastroenterology 2017;152:1275-9.
  4. Halttunen J, Meisner S, Aabakken L, et al. Difficult cannulation as defined by a prospective study of the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy (SADE) in 907 ERCPs. Scand J Gastroenterol 2014;49:752-8
  5. Haraldsson E, Kylänpää L, Grönroos J, et al. Macroscopic appearance of the major duodenal papilla influences bile duct cannulation: a prospective multicenter study by the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy Study Group for ERCP. Gastrointest Endosc. 2019 Dec;90(6):957-963.
  6. Haraldsson E, Lundell L, Swahn F, et al. Endoscopic classification of the papilla of Vater. Results of an inter- and intraobserver agrément study. United Eur Gastroenterol 2016;5:504-10
  7. Sinha A, Thiarya D, Patel S, et al. Anatomical factors affecting ease of common bile duct cannulation and efficacy of sphincterotomy during ERCP. Gut 2019;68:A9.
  8. Hawes R, Deviere J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3

Como citar este artigo

Mendoça EQ. A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/a-primeira-impressao-e-a-que-fica-aspecto-da-papila-duodenal-maior-o-que-saber-antes-de-canular/




Pólipos de Vesícula Biliar

Os pólipos da vesícula biliar geralmente são achados incidentais diagnosticados durante exames de ultrassom abdominal ou durante colecistectomia. Geralmente não apresentam sintomas, mas ocasionalmente podem causar desconfortos similares aos causados por cálculos biliares.

Uma revisão pormenorizada desse assunto foi publicada recentemente no Gastropedia, e pode ser acessada através desse link: Pólipos de Vesícula Biliar

Em resumo, os pólipos de vesícula podem ser classificados como:

  • Pólipos benignos não neoplásicos: pólipos de colesterol, adenomiomatose, pólipos inflamatórios
  • Pólipos benignos neoplásicos: adenomas e mais raramente fibromas, lipomas e leiomiomas
  • Pólipos malignos: adenocarcinoma de vesícula e mais raramente Carcinoma escamoso, cistoadenoma mucinoso e adenoacantomas

Fizemos ainda uma revisão mais detalhada das lesões mais comuns:

Acesse os artigos pelos links acima e bons estudos!




CPRE em pacientes gestantes

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é um procedimento endoscópico destinado à diagnosticar e tratar doenças das vias biliares e pancreáticas, indicado para pacientes com afecções malignas e benignas de tais órgãos. Apesar dos benefícios proporcionados por esse procedimento serem bem documentados em literatura, a sua eficácia clínica e segurança no período gestacional ainda não são bem consolidadas.

Na gestação existe um aumento da prevalência de colelitíase (3 a 12%) em função do metabolismo da progesterona que está elevada nesse período e, por consequência, aumentam a frequência das complicações da litíase biliar, sendo a coledocolitíase a mais comum.

As indicações de CPRE na gestação devem ser de cunho terapêutico e devem ser muito bem avaliadas, afinal, quando adiá-los podem acarretar em consequências graves, que suplantam os possíveis riscos inerentes ao próprio procedimento em qualquer período.

As principais patologias que podem requerer uma CPRE inadiável durante o período gestacional são: coledocolitíase, obstruções biliares malignas, colangite e fístulas/estenoses biliares. Não existe em literatura, nenhum consenso que assegure a melhor fase da gestação para realização do exame, apesar de se saber sobre as fragilidades relacionadas ao primeiro trimestre de um modo geral.

As contraindicações são semelhantes à dos exames endoscópicos, como coagulopatias graves e suspeita de perfuração intestinal. Os procedimentos menos invasivos possuem menores riscos de complicações em relação aos procedimentos cirúrgicos, pois possuem menor morbimortalidade, e portanto, menores chances de danos à saúde materna e do feto.

A CPRE na gestação deve ser programada em seus mínimos detalhes e preferencialmente realizada por profissional experiente e habilitado para otimização do tempo e minimização dos riscos. Também deve contar com equipe multidisciplinar para avaliação da gestante, pela anestesiologia, e do feto, pela ginecologia, esta última, realizada preferencialmente antes, durante e após o procedimento.

Precauções da CPRE em gestantes

Radiação

Durante a realização do procedimento, algumas precauções devem ser tomadas, principalmente no que diz respeito à radiação, pois tem potencial deletério, podendo ocasionar, inclusive, abortamento. Apesar de não haver consenso em relação ao tempo de exposição à radiação na literatura, e também, haver uma grande variação pessoal na absorção da mesma, algumas sociedades de obstetrícia publicaram que um nível de radiação abaixo de 50 mGy (o equivalente a aproximadamente 140 segundos de radiação) estão associados a baixas taxas de aborto e má formações. Algumas técnicas descritas podem evitar a utilização de radiação, à exemplo da técnica americana que usa como base a aspiração profunda da via biliar após cateterização (confirmada por retorno bilioso) ou por alocação de prótese biliar às cegas e resolução definitiva em um segundo momento. Entretanto, apesar de serem alternativas potenciais, dados da literatura demonstram segurança na realização do mesmo na gestação, apesar de uma metanalise comprovar que técnicas livres de radiação parecem reduzir as taxas de complicações não relacionadas à gravidez, mas não de complicações fetais e relacionadas ao período gestacional.

Os fatores abaixo parecem ser tão importantes quanto o tempo de fluoroscopia:

  • tipo de equipamento utilizado,
  • uso de proteção,
  • posicionamento do paciente e a técnica do endoscopista.

Posicionamento do bisturi elétrico

Cuidados adicionais a serem tomados devem ser com o posicionamento da placa de bisturi elétrico. Vale ressaltar que o líquido amniótico é um ótimo condutor de corrente elétrica, assim tal placa deve ser posicionada preferencialmente acima do nível do abdômen (tórax de preferência) a fim de se evitar condução elétrica no feto. 

Riscos de complicações

Além das complicações inerentes ao próprio procedimento, independente de sua realização no período gestacional, como pancreatite aguda, perfuração intestinal e sangramentos; as gestantes estão sujeitas a vários outros riscos durante os procedimentos endoscópicos, como hipóxia e hipotensão, parto prematuro, trauma e teratogênese.

Os riscos e complicações são pouco claros na literatura devido ao seu reduzido número de estudos na área, entretanto, dados demonstram que as taxas de perfuração, sangramento e infecção não diferem da população em geral submetida à CPRE, bem como a sua taxa de sucesso que gira em torno de 95%. Entretanto, há maior taxa de pancreatite (12% vs 5%), provavelmente pela maior dificuldade do procedimento e menor uso de stents pancreáticos.

Em resumo, diante de uma indicação bem embasada, equipe preparada, materiais adequados e com os cuidados citados acima, o procedimento pode ser realizado com segrança, efiácia e com baixos índices de complicações tanto para a paciente quanto para o feto.

Leia mais

CPRE em mulheres grávidas é seguro?

CPRE em pacientes pediátricos

Referências

  1. Savas N. Gastrointestinal endoscopy in pregnancy. World J Gastroenterol. 2014 Nov 7;20(41):15241-52. doi:10.3748/wjg.v20.i41.15241.
  2. Agcaoglu O, Ozcinar B, Gok AF, Yanar F, Yanar H, Ertekin C, Gunay K. ERCP without radiation during pregnancy in the minimal invasive world. Arch Gynecol Obstet. 2013 Dec;288(6):1275-8. doi: 10.1007/s00404-013-2890-0.
  3. Magno-Pereira V, Moutinho-Ribeiro P, Macedo G. Demystifying endoscopicretrograde cholangiopancreatography (ERCP) during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017 Dec;219:35-39. doi: 10.1016/j.ejogrb.2017.10.008.
  4. Azab M, Bharadwaj S, Jayaraj M, Hong AS, Solaimani P, Mubder M, Yeom H, Yoo JW, Volk ML. Safety of endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP) in pregnancy: A systematic review and meta-analysis. Saudi J Gastroenterol. 2019 Nov-Dec;25(6):341-354. doi: 10.4103/sjg.SJG_92_19. PMID: 31744939; PMCID: PMC6941455.
  5. Konduk BT, Bayraktar O. Efficacy and safety of endoscopic retrograde cholangiopancreatography in pregnancy: A high-volume study with long-term follow-up. Turk J Gastroenterol. 2019 Sep;30(9):811-816. doi: 10.5152/tjg.2019.18799. PMID: 31258133; PMCID: PMC6750819.

Como citar este artigo

Martins S. CPRE em pacientes gestantes. Endoscopia Terapeutica, 2023 vol. 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/cpre-em-pacientes-gestantes




Demografia Médica no Brasil 2023 – Uma leitura sobre a Endoscopia Digestiva

Publicado em fevereiro de 2023, a pesquisa Demografia Médica no Brasil (DMB), é uma referência sobre a profissão e suas especialidades no país. Iniciada em 2011 no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o estudo encontra-se na sua sexta edição, e é fruto do acordo de cooperação técnica celebrado entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a FMUSP.

No relatório, é apresentada uma análise demográfica detalhada e atualizada, discriminando também aspectos relevantes das especialidades e residências médicas.

Com isso, é possível extrair informações relevantes sobre quantos e quais médicos estão disponíveis no Brasil para atuar no sistema de saúde, quais as regiões mais ou menos assistidas, o que mudou na formação e no trabalho médico no país, entre outras informações.

Aqui estão alguns dos principais pontos:

  • Em pouco mais de duas décadas, desde 2000, quando o Brasil contava com 219.896 médicos, o número de profissionais mais do que dobrou. No mesmo período, a população geral do país cresceu cerca de 27%

  • A estimativa é que o Brasil chegue em 2025 com taxa de 2,91 médicos por 1.000 habitantes, quase três vezes maior que a taxa de 1980 (0,94 médico por 1.000 habitantes), e acima da taxa de 2015, que era de 2 médicos por 1.000 habitantes.
  • A distribuição de médicos é desigual em todo o país, com a região Sudeste tendo a maior concentração de médicos (3,39 por 1.000 habitantes), enquanto a região Norte tem a menor (1,45 por 1.000 habitantes).

  • Mulheres serão a maioria dos médicos em 2024 (50,2%)

Em relação à Endoscopia Digestiva:

  • A especialidade de Endoscopia conta com 1.253 médicos do sexo feminino (31,7%) e 2.703 do sexo masculino (68,3%), resultando em uma razão de 2,2 homens para cada mulher na especialidade.
  • Houve um aumento de 2374 especialista em 2012 para 4365 em 2023 (aumento de 83,86%).
  • A média de idade do especialista é 50,5 +/- 12 anos

    • < 35 anos: 400 (10,1%)
    • >55 anos: 1477 (37,3%)

  • Existem 142 residentes em Endoscopia (67 são R1), representando 0,3% do total de residentes do país.

  • Os estados com maior número de especialistas em Endoscopia são:
Unidade da Federação Número de Especialistas Percentual do Total (%)
Brasil 4365 100%
São Paulo 1181 27.05%
Minas Gerais 452 10.36%
Rio de Janeiro 383 8.77%
Paraná 333 7.63%
Rio Grande do Sul 319 7.31%
Bahia 230 5.27%
Santa Catarina 202 4.63%
Ceará 170 3.89%
Goiás 138 3.16%
Distrito Federal 128 2.93%
Pernambuco 124 2.84%
Espírito Santo 107 2.45%
Paraíba 86 1.97%
Pará 72 1.65%
Mato Grosso 65 1.49%
Mato Grosso do Sul 57 1.31%
Maranhão 49 1.12%
Alagoas 47 1.08%
Rio Grande do Norte 44 1.01%
Amazonas 40 0.92%
Piauí 37 0.85%
Sergipe 37 0.85%
Tocantins 26 0.60%
Rondônia 24 0.55%
Amapá 7 0.16%
Roraima 4 0.09%
Acre 3 0.07%

  • Entre os especialistas em Gastroenterologia (5997), 2.128 (35,48%) também são especialistas em Endoscopia.
  • Outras áreas com mais de uma especialização, incluindo Endoscopia:

Quais foram os dados que mais te surpreenderam?

Referências

  1. SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2023. São Paulo, SP: FMUSP, AMB, 2023. 344 p. ISBN: 978-65-00-60986-8.
  2. Documento completo: https://amb.org.br/wp-content/uploads/2023/02/DemografiaMedica2023_8fev-1.pdf

Como citar este artigo

Medrado B. Demografia Médica no Brasil 2023 – Uma leitura sobre a Endoscopia Digestiva. Endoscopia Terapeutica 2023 vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/demografia-medica-no-brasil-2023-uma-leitura-sobre-a-endoscopia-digestiva




Onde coletar as biópsias gástricas para o estadiamento OLGA?

O protocolo OLGA para estadiamento da atrofia gástrica ficou muito popular no nosso meio. Cada vez mais os endoscopistas estão recebendo pedidos dos gastroenterologistas solicitando coleta de biópsias conforme o protocolo OLGA.

Mas existe uma dúvida persistente: de que locais devemos coletar essas biópsias?

O Sistema Sidney

Primeiramente, devemos revisitar um artigo importantíssimo acerca do assunto: O update do sistema Sydney, escrito pelo Dr. Michael Dixon, pelo famoso Dr. Pelayo Correa além de outros autores (Dixon M, 1996). Destaco esse trecho:

Recommendations: For optimal assessment, five biopsy specimens are taken, two from the antrum within 2 to 3 cm from the pylorus, one from the distal lesser curvature, and the other from the distal greater curvature, two from the corpus about 8 cm from the cardia (one from the lesser and the other from the greater curvature), and one from the incisura angularis (Fig. 2). Samples from antrum, corpus, and incisura angularis should be separately identifiable.”

Sistema OLGA

Em abril de 2005, um grupo internacional de gastroenterologistas e patologistas (Operative Link for Gastritis Assessment [OLGA]) reuniu-se em Parma, Itália, com o objetivo de reavaliar criticamente as diretrizes atualizadas do Sistema de Sydney e determinar se seria possível adicionar alguma espécie de estadiamento da gastrite crônica.

Como o risco do CaG esta relacionado a extensão da atrofia gástrica, um sistema que envolvesse o status da atrofia poderia fornecer informações importantes para o prognostico e seguimento desses pacientes. Nasce então o sistema OLGA.

Nesse artigo, os autores escrevem o seguinte paragrafo:

“…the Sydney Systems took into account the topographical distribution of the elementary lesions in the different gastric compartments and recommended that multiple endoscopic biopsy samples be taken from predefined sites of the stomach [8]. Five main sites were considered necessary: (1) greater and lesser curvature of the distal antrum (mucus-secreting mucosa), (2) greater and lesser curvature of the proximal corpus (oxyntic mucosa), and (3) lesser curvature at the incisura angularis, where the earliest atrophic-metaplastic changes tend to occur.” [Rugge M. Hum Pathol. 2005]

Ou seja, eles se baseiam nas recomendações do sistema Sidney e recomendam biópsias da pequena e grande curvatura tanto de corpo quanto de antro, além da incisura.

Em 2007 surge uma nova publicação do protocolo OLGA

“According to the Sydney system, the biopsy sampling protocol required that no less than five biopsy samples were obtained: two from the antral mucosa; one from the mucosa of the angularis incisura; two from the oxyntic area. Biopsy samples were submitted to the pathology department in different vials labelled according to the site of the sample.” [Rugge M. Gut. 2007]

Notem que aqui ele já não fala nada a respeito da parede gástrica, se pequena curvatura, grande, anterior ou posterior.

Um ano depois, em 2008, sai a seguinte publicação

“The OLGA proposal (basically consistent with the Houston-updated biopsy protocol) consists in recommending (at least) five biopsy samples from: (1) the greater and lesser curvatures of the distal antrum (A1–A2 = mucussecreting mucosa); (2) the lesser curvature at the incisura angularis (A3), where the earliest atrophic–metaplastic changes mostly occur; and (3) the anterior and posterior walls of the proximal corpus (C1–C2 = oxyntic mucosa) (Fig. 2)”. Rugge M. Dig Liver Dis. 2008.

Aqui ele já muda para parede anterior e posterior de corpo, porém cita a mesma referência de Dixon M et al, do updated Sydney System de 1994, que recomendava PC e GC 🧐. Esse novo artigo do Dr. Massimo Rugge tem ilustrações bonitinhas e que foram bastante reproduzidas nas aulas de congressos, publicações, etc. Talvez um dos motivos da maioria das pessoas entenderem que o local correto é a parede anterior e posterior de corpo.

Teria sido um erro da publicação?

A princípio parece que não, pois em publicações posteriores, Massimo Rugge e colaboradores reiteram a coleta na parede anterior e posterior de corpo, mas em outras publicações voltam para pequena e grande curvatura e em algumas citam apenas corpo, antro e incisura, sem especificar a parede. Explicado então porque existe tanta confusão a esse respeito.

MAPS II

Mais recentemente, a ESGE, em conjunto com outras sociedades europeias (European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) publicaram o consenso MAPS (Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach). Nesse consenso a preferência é pela pequena e grande curvatura.

“Biopsies of at least two topographic sites (from both the antrum and the corpus, at the lesser and greater curvature of each) should be taken and clearly labelled in two separate vials.”

Nesse consenso a preferência é pela pequena e grande curvatura, mas sumiu a incisura angularis! 😫

Incisura angularis: to biopsy or not biopsy?

Mais biópsias permitirão um melhor estadiamento. No entanto, na prática clínica, mais biópsias significam mais tempo e mais custos.

O racional para a biópsia da incisura vem das recomendações do sistema Sydney atualizado. O sistema Sydney original recomendava duas biópsias de antro e duas de corpo. Já o sistema Sydney atualizado recomenda incluir a incisura, visto ser o local onde mais precocemente ocorre as alterações atróficas e metaplásicas “….lesser curvature at the incisura angularis, where the earliest atrophic-metaplastic changes tend to occur”. No entanto, essa recomendação foi baseada em conceitos, e não havia evidências cientificas sugerindo um benefício clínico.

Estudos sobre o benefício da amostragem de biópsia da incisura:

  • Um grande estudo com mais de 400 mil biópsias mostrou que a aderência ao sistema original de Sydney proporcionou a mais alta eficácia diagnóstica para infecção por H. pylori e IM. A inclusão de uma biópsia da incisura resultou em ganhos diagnósticos marginais a um custo adicional. [Lash JG, 2013]
  • Dois estudos europeu mostraram que sem a biópsia da incisura, 14/1048 pacientes mudariam a categoria de alto risco (III/IV) para baixo risco (I/II) do estadiamento OLGA. [Isajevs S, 2014 e Varbanova M, 2016]
  • Isso se traduziu em um número necessário para tratar de 75 – 80, o que significa que um em cada 75 – 80 pacientes não seria corretamente incluído em um grupo de alto risco se a biópsia da incisura não fosse realizada.
  • Outro estudo europeu, incluindo população de alto risco (parentes de primeiro grau de pacientes com câncer gástrico de início precoce) avaliou o sistema OLGA sem a biópsia da incisura e demonstrou um downgrade geral de 15% e 30% em comparação com o sistema OLGA original. No entanto, para pacientes em estágios de alto risco (OLGA III/IV), o rebaixamento foi menor (apenas 5% dos pacientes). [Marcos-Pinto R, 2012]
  • Um estudo coreano (Kim YI, 2017) incluindo 247 pcts de alto risco testou vários protocolos de biópsias e mostrou que incluir a incisura angularis e obter biópsias da pequena e grande curvaturas de corpo (PC + GC) ao invés da parede anterior e posterior (AP) identificavam mais pacientes no grupo de alto risco de OLGA e OLGIM

    • Corpo (PC + GC), incisura, antro (PC + GC) = 64,4%
    • Corpo (PC + GC) + antro (PC + GC) = 59,5% (p= .031)
    • Corpo (AP), incisura, antro (PC + GC) = 55,5% (P< .001)
    • Corpo (AP) + antro (PC + GC) = 47,8% (P< .001)

Em resumo, existe um pequeno rendimento adicional de uma biópsia da incisura o qual precisa ser equilibrado em relação aos custos e tempo, tempo e trabalho. O consenso MAPS II recomenda um mínimo de duas biópsias do antro e duas biópsias do corpo, observando que pode ser considerado adicionar uma biópsia da incisura para maximizar a detecção de pacientes com condições pré-neoplásicas, especialmente quando a cromoendoscopia não está disponível.

Onde colher então?

Minha preferência é pela pequena e grande curvatura. Além dos motivos já expostos, devemos lembrar da linha F, que é a linha de progressão da atrofia no estômago. Segundo a classificação de Kimura, a linha F se estende pela pequena curvatura do corpo em direção à cárdia. Ou seja: maior chance de pegar uma amostra com sinais de atrofia se incluirmos a PC nas amostras.

Saiba mais

Classificação de Kimura-Takemoto

Explicação sobre estadiamento OLGA

OLGA, OLGIM e Kimura

Laudando gastrite atrófica

Referências

  1. Dixon MF, Genta RM, Yardley JH, Correa P. Classification and grading of gastritis. The updated Sydney System. International Workshop on the Histopathology of Gastritis, Houston 1994. Am J Surg Pathol. 1996 Oct;20(10):1161-81. doi: 10.1097/00000478-199610000-00001. PMID: 8827022.
  2. Rugge M, Genta RM. Staging and grading of chronic gastritis. Hum Pathol. 2005 Mar;36(3):228-33. doi: 10.1016/j.humpath.2004.12.008. PMID: 15791566.
  3. Rugge M, Meggio A, Pennelli G, Piscioli F, Giacomelli L, De Pretis G, Graham DY. Gastritis staging in clinical practice: the OLGA staging system. Gut. 2007 May;56(5):631-6. doi: 10.1136/gut.2006.106666. Epub 2006 Dec 1. PMID: 17142647; PMCID: PMC1942143.
  4. Rugge M, Correa P, Di Mario F, El-Omar E, Fiocca R, Geboes K, Genta RM, Graham DY, Hattori T, Malfertheiner P, Nakajima S, Sipponen P, Sung J, Weinstein W, Vieth M. OLGA staging for gastritis: a tutorial. Dig Liver Dis. 2008 Aug;40(8):650-8. doi: 10.1016/j.dld.2008.02.030. PMID: 18424244.
  5. Pimentel-Nunes P, Libânio D, Marcos-Pinto R, Areia M, Leja M, Esposito G, Garrido M, Kikuste I, Megraud F, Matysiak-Budnik T, Annibale B, Dumonceau JM, Barros R, Fléjou JF, Carneiro F, van Hooft JE, Kuipers EJ, Dinis-Ribeiro M. Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): guideline update 2019. Endoscopy. 2019 Apr;51(4):365-388. doi: 10.1055/a-0859-1883. Epub 2019 Mar 6. PMID: 30841008.
  6. Misiewicz JJ. The Sydney System: a new classification of gastritis. Introduction. J Gastroenterol Hepatol 1991; 6: 207 – 208
  7. Isajevs S, Liepniece-Karele I, Janciauskas D et al. The effect of incisura angularis biopsy sampling on the assessment of gastritis stage. Eur J Gastroenterol Hepatol 2014; 26: 510 – 513
  8. Lash JG, Genta RM. Adherence to the Sydney System guidelines increases the detection of Helicobacter gastritis and intestinal metaplasia in 400738 sets of gastric biopsies. Aliment Pharmacol Ther 2013; 38: 424 – 431
  9. Varbanova M, Wex T, Jechorek D et al. Impact of the angulus biopsy for the detection of gastric preneoplastic conditions and gastric cancer risk assessment. J Clin Pathol 2016; 69: 19 – 25
  10. Marcos-Pinto R, Carneiro F, Dinis-Ribeiro M et al. First-degree relatives of patients with early-onset gastric carcinoma show even at young ages a high prevalence of advanced OLGA/OLGIM stages and dysplasia. Aliment Pharmacol Ther 2012; 35: 1451 – 1459
  11. Kim YI, Kook MC, Cho SJ, Lee JY, Kim CG, Joo J, Choi IJ. Effect of biopsy site on detection of gastric cancer high-risk groups by OLGA and OLGIM stages. Helicobacter. 2017 Dec;22(6). doi: 10.1111/hel.12442. Epub 2017 Sep 22. PMID: 28940945.

Como citar este artigo

Martins BC. Onde coletar as biópsias gástricas para o estadiamento OLGA? Endoscopia Terapeutica 2023, vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/onde-coletar-as-biopsias-gastricas-para-o-estadiamento-olga




Nova Classificação de Eventos Adversos em Endoscopia Digestiva: AGREE

Com a expansão das técnicas endoscópicas diagnosticas e terapêuticas faz-se necessário métodos uniformes e mundialmente reconhecidos para avaliação dos eventos adversos relacionados aos procedimentos endoscópicos. Essa padronização permite avaliação da qualidade de serviço, de procedimento, bem como, para estudos científicos (coorte, ensaios clínicos randomizados e metanálises).

Na literatura atual há uma escassez de ferramentas de definição para tais eventos. Para intervenções cirúrgicas existe a classificação de Clavien-Dindo (CD)1, que, por vezes, sua utilização foi extrapolada para procedimentos endoscópicos. A classificação de CD é inadequada quando aplicada para procedimentos endoscópicos, pois existem diferenças quanto a origem dos pacientes: a maioria são ambulatoriais nos procedimentos endoscópicos comparado ao perfil internado para as intervenções cirúrgicas.

Com o objetivo de padronizar o registro de eventos adversos em endoscopia digestiva, foi proposta a nova classificação chamada AGREE (Classification for Adverse events in GastRointEstinal Endoscopy)2.

Esta classificação estratifica os pacientes desde os que não apresentam eventos adversos em 30 dias até os que evoluem para óbito por complicações relacionadas ao procedimento endoscópico (vide tabela 1). A definição de evento adverso nesta nova classificação foi similar à classificação de CD, que define evento adverso como um desfecho negativo para o paciente que impede a conclusão de um procedimento planejado ou causa qualquer desvio do curso pós-procedimento padrão, independente da correlação direta. Por exemplo, paciente vítima de acidente de bicicleta que foi submetido a colonoscopia 3 dias antes sob sedação consciente pode parecer não relacionado ao procedimento, mas ainda deve ser registrado como evento adverso. Vale ressaltar que, assim como é realizado na classificação de CD, caso o paciente apresente múltiplos eventos adversos relacionados, apenas o mais grave deve ser considerado.

Graduação Definição
Ausência de Evento Adverso Contato telefônico com profissional, ambulatório ou serviço de endoscopia ou observação estendida após procedimento < 3h, sem qualquer necessidade de intervenção.
Grau I

Evento adverso sem necessidade de intervenção endoscópica, radiológica ou cirúrgica.
– Comparecimento a emergência,
– Admissão hospitalar <24h,
– Uso de drogas sintomáticas ou eletrólitos,
– Testes diagnósticos laboratoriais ou radiológicos.

Grau II Evento adverso com necessidade de uso de outras medicações (antibióticos, antitrombóticos), necessidade de transfusão sanguínea ou admissão hospitalar por mais de 24h.
Grau III III a – necessidade de intervenção endoscópica ou radiológica
III b – necessidade de intervenção cirúrgica
Grau IV Necessidade de cuidados intensivos
IV a- disfunção orgânica simples (incluindo dialise)
IV b – disfunção múltipla de órgãos
Grau V Óbito
Tabela 1: Classificação de AGREE

Para a validação desta nova ferramenta de registro de eventos adversos endoscópicos, foram cumpridas três etapas. Na primeira etapa, foram analisadas as diferentes percepções dos eventos adversos sob a ótica de endoscopistas experientes, enfermeiras e pacientes, sendo selecionados casos fictícios e analisados para graduação dos eventos na nova classificação AGREE. Como esperado, houve algumas subjetividades principalmente na análise do nexo causal do evento adverso e o procedimento endoscópico. Além disso, endoscopistas experientes tinham uma percepção menos grave sobre a necessidade de uma nova intervenção para tratamento de um evento adverso do que enfermeiras e pacientes. Na segunda etapa da validação, foram coletados dados retrospectivos de eventos adversos registrados num serviço acadêmico de Amsterdam no período de janeiro de 2016 a novembro de 2020. Foram aplicadas a classificação AGREE em todos os 436 eventos adversos. Na terceira e última etapa de validação da classificação AGREE, foram aplicados questionários para especialistas de 30 países e 5 continentes diferentes. Um dado importante é que cerca de metade dos endoscopistas experientes dos diferentes centros do mundo não utilizavam nenhum banco de dados para reportar os seus eventos adversos.

É importante ressaltar algumas limitações dessa nova classificação as quais podemos citar a ausência de definição de leve, moderada ou grave como é padronizada na classificação da ASGE3, além de não haver uma graduação de gravidade relacionada a longa permanência hospitalar na nova classificação AGREE. Comparando as duas classificações, os efeitos adversos severos correspondem graus II a IVb da classificação de AGREE. Outra ressalva deve-se a variedade de políticas aplicadas no manejo dos eventos adversos nos diversos serviços dos diversos países, dando abertura para subjetividade na avaliação de desvio do tratamento pós-procedimento padrão.

Entretanto, esta nova classificação AGREE foi considerada simples, reprodutível, aplicável e lógica pela maioria dos endoscopistas especialistas, tornando-se uma importante ferramenta no registro padronizado dos eventos adversos, gerando estudos através do banco de dados e contribuindo com a melhoria das práticas endoscópicas em todo mundo.

Em suma, o AGREE permite uma padronização exequível em todo o mundo para avaliar qualidade de serviço de endoscopia, criticidade de um novo procedimento e fomento de estudos científicos observacionais, ensaios clínicos e metanálises.

Referências

  1. Dindo D, Demartines N, Clavien PA. Classification of surgical complications: a new proposal with evaluation in a cohort of 6336 patients and results of a survey. Ann Surg. 2004 Aug;240(2):205–13.
  2. Nass KJ, Zwager LW, van der Vlugt M, Dekker E, Bossuyt PMM, Ravindran S, et al. Novel classification for adverse events in GI endoscopy: the AGREE classification. Gastrointest Endosc. 2022 Jun;95(6):1078-1085.e8.
  3. Ben-Menachem T, Decker GA, Early DS, Evans J, Fanelli RD, Fisher DA, et al. Adverse events of upper GI endoscopy. Gastrointest Endosc. 2012 Oct;76(4):707–18.

Como citar este artigo

Kum AST Nova Classificação de Eventos Adversos em Endoscopia Digestiva: AGREE Endoscopia Terapeutica 2023, vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/nova-classificacao-de-eventos-adversos-em-endoscopia-digestiva-agree/