Perfuração na Colonoscopia: Cuidados e Manejo

Introdução

O câncer colorretal (CCR) se trata de uma preocupação global com incidência ascendente com o decorrer dos anos, chegando a uma estimativa do número atual de 1.960.000 chegar a 3.600.000 casos em 2050 segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) [1]. A colonoscopia tem um papel importante no diagnóstico do CCR e também para diminuir sua incidência e mortalidade através do tratamento de afecções colorretais através de polipectomias e ressecções de lesões pré-malignas [2, 3]. 

Como em todo ato médico intervencionista, podem ocorrer eventos adversos inerentes a qualquer procedimento, e no caso das colonoscopias são: náuseas, vômitos ou distensão abdominal pelo preparo intestinal; hipotensão arterial, bradicardia, depressão respiratória e broncoaspiração pela sedação; dor abdominal, sangramento e perfuração pelo procedimento.

Cada paciente é um indivíduo particular, podendo ter anatomia variada congênita ou por cirurgias prévias, sendo que os dispositivos de endoscopia e colonoscopia seguem um design para um biotipo padrão. Como conseguinte, complicações como a perfuração podem ocorrer independente da técnica e expertise do endoscopista. As perfurações são efeitos adversos raros, inerentes a qualquer procedimento endoscópico, potencialmente graves e sua incidência estimada globalmente é de 0,016 a 0,8% para colonoscopias diagnósticas e 0,02 a 8% para colonoscopias terapêuticas [4].

Os mecanismos associados às perfurações de cólon após colonoscopia são: 

  • trauma direto ocasionado pelo movimento progressivo do colonoscópio;
  • pressão lateral na parede do cólon decorrente de alças do aparelho;
  • passagem do colonoscópio por áreas doentes (estenoses, tumores ou divertículos);
  • barotrauma por insuflação excessiva de ar;
  • aplicação de corrente elétrica em ressecções endoscópicas.

Aproximadamente 45-60% das perfurações são diagnosticadas durante o procedimento e o restante é reconhecido após o exame com base em sinais e sintomas clínicos que se manifestam geralmente em até 48h como dor abdominal importante com distensão abdominal, sinais de peritonite, taquicardia, leucocitose e febre [4], ou identificados através de exames de imagem como radiografia simples ou tomografia computadorizada (TC) com sinais de pneumoperitônio. Um dos pontos mais críticos do manejo da perfuração tardia é o tempo do diagnóstico, já que a mortalidade nessas condições pode chegar a 5-25% [3,4].

Clique aqui para mais informações de perfurações de trato gastrointestinal alto.

Manejo

A depender de diferentes fatores, visando minimizar a morbimortalidade da perfuração por colonoscopia e se baseando na diretriz da World Society of Emergency Surgery [4], a conduta varia conforme diferentes cenários apresentados a seguir.

Suspeita de perfurações não identificadas durante a colonoscopia

Após colonoscopias diagnósticas ou terapêuticas recentes, devem ser orientados a procurar o pronto socorro e serem investigados para perfuração intestinal por exames laboratoriais e de imagem os pacientes que apresentem os seguintes sintomas:

  • dor abdominal persistente e refratária a sintomáticos;
  • distensão abdominal importante fora do habitual;
  • febre e calafrios;
  • sangramento retal.

Os marcadores bioquímicos solicitados no caso de suspeita de perfuração são essencialmente leucograma e proteína C reativa. A complicação pode ser confirmada com a demonstração de ar livre intra-peritoneal ou extra-peritoneal. A TC possui maior sensibilidade do que as radiografias abdominais para detectar pneumoperitônio.

Perfurações identificadas durante a colonoscopia

Caso a perfuração seja detectada durante o procedimento pelo endoscopista, os seguintes detalhes das informações ajudam na tomada de decisão:

  • Indicação de colonoscopia (ou seja, diagnóstica ou terapêutica);
  • Doença cólica associada (por exemplo, estenoses, pólipos, tumores);
  • Estado geral do paciente e presença de comorbidades;
  • Tipo de gás usado para insuflação;
  • Qualidade da preparação do cólon;
  • Hora da ocorrência da perfuração;
  • Localização e tamanho da lesão;
  • Se houve intervenção endoscópica pretendida ou sucedida.

O tratamento endoscópico pode ser considerado como uma abordagem inicial se for viável dentro de 4 horas após o procedimento, com paciente estável e pouca contaminação peritoneal, a depender:

  • Perfurações Menores que 2 cm: avaliar fechamento primário por via endoscópica com hemoclipes associado ou não a terapia a vácuo endoscópico, internação, jejum, hidratação endovenosa e antibioticoterapia por 3-5 dias com cobertura de Gram negativo e anaeróbio.
  • Perfurações Maiores que 2 cm: referir para a cirurgia. Pode-se de acordo com experiência do endoscopista e os recursos locais, características dos pacientes e localização da lesão avaliar a possibilidade de fechamento primário por via endoscópica e, seguir com mesmo processo das perfurações menores que 2 cm.

O manejo não operatório, conservador, das perfurações pode ser apropriado em pacientes selecionados, incluindo pacientes que estão hemodinamicamente estáveis, sem sepse, com dor localizada e sem líquido livre em exame de imagem. A TC abdominal é sugerida para ajudar a descartar peritonite ou formação precoce de abscesso. Um diagnóstico diferencial importante é a síndrome pós-coagulação.

Perfurações tardias

Em casos de perfurações confirmadas não identificadas durante a colonoscopia, deve-se avisar imediatamente a equipe de cirurgia e endoscopia, seguida de internação hospitalar, em UTI a depender do estado e comorbidade do paciente, e avaliar necessidade de intervenção cirúrgica.

Pacientes com pequenas perfurações, ausência de sinais de sepse e peritonite, preparo de cólon adequado, assintomático ou com melhora dos sintomas: 

  • internação;
  • jejum por 2-6 horas;
  • hidratação endovenosa;
  • antibioticoterapia com cobertura de Gram negativo e anaeróbio por 3-5 dias. 

A cirurgia de emergência é recomendada quando o paciente desenvolve sinais e sintomas de peritonite, em casos de deterioração clínica, suspeita de grande perfuração, falha no manejo conservador, preparo intestinal inadequado ou na presença de doença cólica subjacente que requeira cirurgia.

Fluxograma do Manejo da Perfuração na Colonoscopia

Fluxograma para perfuração na colonoscopia (adaptado de WSES guidelines for the management of iatrogenic colonoscopy perforation)

Referências

  1. Dados de Cancer Tomorrow da International Agency for Research on Cancer, da World Health Organization. https://gco.iarc.fr/tomorrow/en.
  2. Zauber AG, Winawer SJ, O’Brien MJ, et al. Colonoscopic polypectomy and long-term prevention of colorectal-cancer deaths. N Engl J Med. 2012 Feb 23;366(8):687-96. doi: 10.1056/NEJMoa1100370. PMID: 22356322; PMCID: PMC3322371.
  3. Lee J, Lee YJ, Seo JW, et al. Incidence of colonoscopy-related perforation and risk factors for poor outcomes: 3-year results from a prospective, multicenter registry (with videos). Surg Endosc 37, 5865–5874 (2023). https://doi.org/10.1007/s00464-023-10046-5.
  4. de’Angelis N, Di Saverio S, Chiara O, et al. 2017 WSES guidelines for the management of iatrogenic colonoscopy perforation. World J Emerg Surg. 2018 Jan 24;13:5. doi: 10.1186/s13017-018-0162-9. PMID: 29416554; PMCID: PMC5784542.

Como citar este artigo

Santos JB, Vilela Filho TF, Furuya Júnior CK, Kuga R, Kum AST. Perfuração na Colonoscopia: Cuidados e Manejo. Endoscopia Terapeutica 2024, Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/perfuracao-na-colonoscopia-cuidados-e-manejo/




Terapêuticas endoscópicas para manejo de coledocolitíase complexa

A coledocolitíase é uma complicação da doença calculosa da vesícula biliar que acomete 10 a 20% dessa população. A grande maioria dos casos (90%), possui resolução com técnicas de tratamento endoscópico convencional, entretanto, os 10% restantes compõem um grupo populacional que possui uma condição entitulada de coledocolitíase complexa [1].

Definição

A coledocolitíase complexa, também conhecida como “cálculo difícil” ou “calculo de difícil manejo”, é definida segundo alguns critérios que dependem das características do cálculo, localização do cálculo, anatomia do paciente e fatores associados aos pacientes.

  • Quanto às características dos cálculos: Cálculos de grande dimensão (>15mm), múltiplos cálculos (> 3 cálculos maiores do que 10mm), cálculos duros e aqueles com formato não-habitual (quadrado ou em barril) apresentam dificuldade de captura pelo basket e geralmente necessitam de litotripsia;
  • Quanto à localização dos cálculos: Cálculos intra-hepáticos, acima de estenoses, impactados no ducto colédoco ou associado a síndrome de Mirizzi oferecem dificuldade no acesso;
  • Quanto à situação anatômica: Alteração congênita ou cirúrgica da via biliar (Billroth II/ bypass gástrico com Y de roux) e divertículo duodenal com papila peri/intradiverticular que dificultam o acesso e limita o endoscópio e o manejo de acessórios;
  • Quanto ao paciente: Idade avançada, condições clinicas ruins, instabilidade hemodinâmica, tendência a sangramento e respostas paradoxais que favorecem a ocorrência de efeitos adversos;

Manejo

A coledocolitíase com cálculos não complexos geralmente alcança altas taxas de sucesso terapêutico com a técnica convencional de acesso e exploração da via biliar, geralmente com papilotomia e remoção com balão extrator. No caso de cálculos complexos, são necessárias técnicas adicionais para a completa resolução do quadro, como dilatação da papila com balão, uso de basket com sistema de litotripsia mecânica ou até mesmo uso de colangioscopia com litotripsia a laser.

Dilatação da papila com balão

A dilatação da papila com balão é um método que pode ser utilizado em associação ou não à papilotomia endoscópica e que tem potencial em reduzir de 30 a 50% o uso de litotripsia mecânica [2].

Dilatação balonada de papila duodenal maior com balão hidrostático via CPRE.

A dilatação da papila pode auxiliar na resolução de cálculos de pacientes que tenham chances aumentadas de sangramento pós-esfincterotomia e àqueles que a papilotomia completa não é tecnicamente possível (intradiverticular, papila com infundíbulo pequeno). Sugere-se uma seleção criteriosa de pacientes, evitando-se procedimentos forçados, duração ideal da dilatação e conversão imediata para procedimentos alternativos.

Clique aqui para mais informações sobre dilatação da papila com balão.

Litotripsia mecânica

A litotripsia mecânica (LM) é uma técnica geralmente utilizada após a falha na tentativa de remoção cálculo após realização de esfincterotomia e dilatação da papila com balão, geralmente, ocasionada por desproporção do cálculo em relação à via biliar distal. Possui taxa de sucesso relatado entre 79 a 96% e baixas taxas de mortalidade, bem como de efeitos adversos (3,5%) [3].

A cesta é utilizada para captura de cálculos e podem ser também instrumento para realização de quebra mecânica do cálculo de forma integrada ou com utilização de litotriptor de emergência.

Apesar disso, a LM pode necessitar de múltiplas sessões e ainda assim não ser eficaz na eliminação completa dos cálculos, portanto, sendo necessário de procedimentos adicionais com utilização de acessórios mais robustos como a colangioscopia com litotripsia eletro-hidráulica ou à laser.
A taxa de sucesso é inversamente proporcional ao diâmetro do cálculo, tendo 68% de chance de resolução em cálculos maiores que 28 mm e chegando a 90% em cálculos inferiores a 10mm de diâmetro [2]. Outro fator que reduz as chances de resolução são a impactação do cálculo na via biliar, formato moldado pela via biliar e cálculos endurecidos.

Stent biliar endoscópico

A inserção de stent biliar é opção terapêutica para pacientes com insucesso na remoção dos cálculos e necessidade de drenagem da via biliar, evitando-se assim a colangite. O atrito do stent sobre os cálculos promove sua fragmentação e aumentam as chances de resolução em uma abordagem posterior.
Os stents metálicos autoexpansíveis totalmente recobertos também podem ser utilizados para drenar a via biliar após uma remoção malsucedida de cálculos, entretanto, com custo-efetividade ainda questionável.

Litotripsia guiada por colangioscopia

A colangioscopia é um procedimento que permite a visualização do interior da via biliar e é realizado através do uso do colangioscópio, instrumento que é inserido através do canal do duodenoscópio para que seja introduzido na via biliar visualizando seus ductos e paredes. Esse é um procedimento idealmente realizado por endoscopistas experientes e equipe treinada para o manejo do acessório, chegando a alcançar taxas de sucesso superiores a 90% no clareamento da via biliar [1].
A litotripsia guiada por colangioscopia pode ser realizada através de duas modalidades: à laser (LL) ou eletro-hidráulica (LEH).

Clique aqui para mais informações sobre litotripsia por colangioscopia.

Uma importante metanálise, comparou a taxa de sucesso da litotripsia extracorpórea (LECO), LL e LEH no clareamento da via biliar, sendo 84,5%, 95,1% e 88,4%, respectivamente, bem como taxas de complicação mais altas nos procedimentos de LEH (13,8%), seguidos de LL (9,6%) e LECO (8,4%) [4]. Entretanto, outra metanalise mais recente, compara LL vs. LEH mostrando superioridade de sucesso nessa última com taxas de sucesso terapêutico de 88,6% e 91,4%, respectivamente [5].

Recomenda-se que tal procedimento deve ser reservado para uso em casos selecionados de insucesso com CPRE convencional, preferencialmente sendo realizada em centro de referência, devido a sua complexidade, custo e eventos adversos, apesar de alguns autores já deferem sua indicação como terapia de primeira linha para pacientes com coledocolitiase complexa a fim de redução de numero de intervenções e elevação de custo-efetividade.

Conclusão

A CPRE é procedimento terapêutico destinado a manejo de doenças das vias biliopancreáticas, incluindo o manejo dos cálculos nas vias biliares. A coledocolitiase complexa, apesar de pouco frequente, ainda é uma afecção que exige não apenas expertise na sua condução como também de conhecimento e habilidade dos endoscopistas. Hoje, temos um vasto arsenal para resolução desses casos, como uso de balão dilatador para correção da desproporção cálculo-papila e instrumentos de litotripsia (mecânica, extracorpórea e guiada por colangioscopia, seja a laser ou eletrohidráulica) e é de fundamental importância o treinamento de equipes para sua correta utilização em tais situações.

Referências

  1. Trikudanathan G, Navaneethan U, Parsi MA. Endoscopic management of difficult common bile duct stones. World J Gastroenterol. 2013 Jan 14;19(2):165-73. doi: 10.3748/wjg.v19.i2.165. PMID: 23345939; PMCID: PMC3547556.
  2. Tringali A, Costa D, Fugazza A, Colombo M, Khalaf K, Repici A, Anderloni A. Endoscopic management of difficult common bile duct stones: Where are we now? A comprehensive review. World J Gastroenterol. 2021 Nov 28;27(44):7597-7611. doi: 10.3748/wjg.v27.i44.7597. PMID: 34908801; PMCID: PMC8641054.
  3. Thomas M, Howell DA, Carr-Locke D, Mel Wilcox C, Chak A, Raijman I, Watkins JL, Schmalz MJ, Geenen JE, Catalano MF. Mechanical lithotripsy of pancreatic and biliary stones: complications and available treatment options collected from expert centers. Am J Gastroenterol. 2007 Sep;102(9):1896-902. doi: 10.1111/j.1572-0241.2007.01350.x. Epub 2007 Jun 15. PMID: 17573790.
  4. Veld JV, van Huijgevoort NCM, Boermeester MA, Besselink MG, van Delden OM, Fockens P, van Hooft JE. A systematic review of advanced endoscopy-assisted lithotripsy for retained biliary tract stones: laser, electrohydraulic or extracorporeal shock wave. Endoscopy. 2018 Sep;50(9):896-909. doi: 10.1055/a-0637-8806. Epub 2018 Jul 10. PMID: 29991072.
  5. Galetti F, Moura DTH, Ribeiro IB, Funari MP, Coronel M, Sachde AH, Brunaldi VO, Franzini TP, Bernardo WM, Moura EGH. Cholangioscopy-guided lithotripsy vs. conventional therapy for complex bile duct stones: a systematic review and meta-analysis. Arq Bras Cir Dig. 2020 Jun 26;33(1):e1491. doi: 10.1590/0102-672020190001e1491. PMID: 32609255; PMCID: PMC7325696.

Como citar este artigo

Martins S. Terapeuticas endoscopicas para manejo de coledocolitíase complexa. Endoscopia Terapeutica, 2024, vol 1. Disponivel em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/terapeuticas-endoscopicas-para-manejo-de-coledocolitiase-complexa/




Síndrome de Polipose Serrilhada (SPS)

A lesão serrilhada séssil (LSS) é o novo termo para lesões anteriormente chamadas de adenoma serrilhado séssil (SSA) e LSS com displasia é o termo usado para as lesões anteriormente chamadas de SSA com displasia. Uma revisão detalhada das lesões serrilhadas você encontra nesse outro artigo.

Com base nisso, a Síndrome de Polipose Serrilhada (SPS) é uma condição rara caracterizada por várias lesões serrilhadas colorretais e risco aumentado de câncer colorretal.

  • A prevalência varia de 0,03% a 0,5% em pacientes submetidos à colonoscopia.
  • O diagnóstico geralmente ocorre entre 50-55 anos, embora varie de 20-70 anos
  • Prevalência semelhante em homens e mulheres.

Clique aqui para saber de outras síndromes de polipose colorretal.

Critérios Atualizados para Polipose Serrilhada:

Em comparação com a edição anterior, a OMS em 2019 atualizou os critérios diagnósticos, permanendo apenas 2 dos 3 critérios clínicos para a definição de SPS:

  1. Critério: Pelo menos 5 lesões/pólipos serrilhados proximais ao reto, todos com tamanho ≥ 5 mm, sendo que pelo menos 2 com tamanho ≥ 10 mm.
  2. Critério: Mais de 20 lesões/pólipos serrilhados de qualquer tamanho distribuídos pelo cólon, com pelo menos 5 deles proximais ao reto.

  • Pacientes que atendem pelo menos um critério são diagnosticados com polipose serrilhada.
  • Todos os subtipos de pólipos serrilhados (lesão serrilhada séssil, pólipo hiperplásico, adenoma serrilhado tradicional, adenoma serrilhado não classificado) são incluídos na contagem.
  • A contagem é cumulativa ao longo de várias colonoscopias.
  • Estudos relatam risco de câncer entre 15–30% em pacientes com SPS, variando conforme idade, fenótipo do pólipo e características histológicas de alto risco.
  • Recomenda-se vigilância endoscópica rigorosa (colonoscopia anual).
  • Estudos mais recentes mostraram que a maioria dos pacientes apresentam controle endoscópico com diminuição do número e tamanho dos pólipos após 2-3 colonoscopias anuais, sugerindo espaçamento do intervalo de vigilância para 2 anos após essa etapa inicial [1].

Resumo das Alterações:

Critérios diagnósticos para Síndrome de Polipose Serrilhada de acordo com OMS 2019

Referência

  1. MacPhail M.E., Thygesen S.B., Patel N., Broadley H.M., Rex D.K. Endoscopic control of polyp burden and expansion of surveillance intervals in serrated polyposis syndrome. Gastrointest. Endosc. 2019;90:96–100. doi: 10.1016/j.gie.2018.11.016. 

Como citar este artigo

Martins BC e Tanigawa R. Síndrome de Polipose Serrilhada (SPS). Endoscopia Terapeutica, 2024 vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/sindrome-de-polipose-serrilhada-sps/




Lesões Serrilhadas Colorretais: Dossiê Completo!

1. Introdução

O câncer colorretal (CCR) é um grande problema de saúde pública, associado a uma alta taxa de morbidade e mortalidade no ocidente. O CCR representa o ponto final de uma ampla gama de alterações genéticas e epigenéticas que ocorrem em células colorretais normais.

Estima-se que aproximadamente 85% dos CCRs se desenvolvem a partir de pólipos colorretais. Os pólipos adenomatosos e as lesões serrilhadas sésseis (LSS ou SSL em inglês) são os precursores mais importantes do CCR. Estima-se que adenomas e LSS estejam presentes em 20% a 50% dos indivíduos com mais de 50 anos de idade [1].

2. Classificação da OMS para Lesões Serrilhadas Colorretais

Até 2010, lesões serrilhadas colorretais eram geralmente consideradas como lesões inofensivas e relatadas como pólipos hiperplásicos (PHs) por patologistas e gastroenterologistas.

Posteriormente, uma variedade de termos foi usada para descrever essas lesões, contribuindo para mal-entendidos sobre a terminologia e classificação das lesões serrilhadas.

Em 2010, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs a seguinte classificação para lesões serrilhadas colorretais (4ª edição = penúltima versão até a publicação deste artigo):

Tipo Histológico Tipo Histológico
Pólipo Hiperplásico (PH) • Tipo Microvesicular
• Tipo rico em células caliciformes
• Tipo pobre em mucina
Adenoma/Pólipo Serrilhado Séssil (SSA/P) • SSA/P com displasia
• SSA/P sem displasia
Adenoma Serrilhado Tradicional (TSA)
Classificação das Lesões Serrilhadas Colorretais (OMS 2010 Antiga 4ª Edição)

Em 2019 a OMS atualizou a classificação Lesões serrilhadas colorretais (5ª. Edição) [2]. Esta nova classificação diferencia lesões serrilhadas em quatro categorias:

Tipo Histológico Subtipo Histológico
Pólipo Hiperplásico (PH) • Tipo Microvesicular
• Tipo rico em células caliciformes
Lesão Serrilhada Séssil (LSS) • LSS
• LSS com displasia (LSSD)
Adenoma Serrilhado Tradicional (TSA)
Adenoma Serrilhado, Não Classificado
Classificação das Lesões Serrilhadas Colorretais (OMS 2019 5ª Edição)

A principal mudança na terminologia é a aprovação do novo termo “lesão serrilhada séssil ” (LSS), que visa adequar as terminologias anteriores confusas “adenoma séssil serrilhado e pólipo séssil serrilhado “. De fato, o termo “adenoma” inclui o conceito de displasia, que não é observada em um número significativo de LSSs. Agora, quando o patologista observa um padrão displásico nas LSSs, deve utilizar a terminologia “LSS com displasia”. Além disso, grande parte das LSSs não apresentam aparência polipoide, tornando o termo “pólipo” inadequado.

3. Lesões Serrilhadas Colorretais: Características Histológicas e Endoscópicas

Microscopicamente, as lesões serrilhadas colorretais são caracterizadas pela presença de dobras semelhantes a dentes de serra nas criptas epiteliais [1]. As diferenças entre os principais subtipos de lesões serrilhadas estão nas características arquiteturais e na localização/extensão da zona proliferativa.

3.1 – Pólipos Hiperplásicos (PH)

  • Os PHs são as lesões serrilhadas mais comuns, representando cerca de 75% de todos os pólipos serrilhados.
  • Prevalência estimada em pacientes submetidos a colonoscopias de rastreio é de 20–30%.
  • Nos PH, as criptas são retas e alongadas, com uma arquitetura serrilhada confinada aos dois terços superiores das criptas e as células mostram mínima atipia citológica.
  • Na parte basal da cripta, a arquitetura é regular e não serrilhada, e as células não apresentam sinais de atipia.
  • PH são comumente encontrados no cólon esquerdo, principalmente no cólon retossigmoide, e normalmente têm menos de 5 mm.
  • Na endoscopia com luz branca, aparecem como lesões elevadas ou sésseis, às vezes cobertas com mucosa normal.
  • Na cromoendoscopia, são observadas padrão de criptas tipo II do tipo estrelado na superfície da lesão.
Pólipos sésseis hiperplásicos. Na magnificação de imagem com filtro de luz observa-se padrão de criptas estrelado (tipo II)

Duas variantes de Pólipos Hiperplásicos:

  • pólipos hiperplásicos de tipo microvesicular:

    • caracterizados pela presença de pequenas gotículas de muco nas células
    • são considerados precursores de LSS.

Pólipo hiperplásico microvesicular: serrilhamento presente nas porções superficiais das criptas, que são recobertas por células com citoplasma exibindo vacúolos apicais. Não há atipias.

  • pólipos hiperplásicos ricos em células caliciformes:
Pólipo hiperplásico rico em células caliciformes. Observe as criptas alargadas e tortuosas, com células caliciformes sem atipias.

3.2 – Lesões Sésseis Serrilhadas (LSS)

  • LSS são o segundo tipo mais comum de lesão serrilhada e são consideradas lesões precursoras de CRC. (Mais detalhes etiopatogênicos)
  • Prevalência de LSS na população geral é de 5–10%.
  • Geralmente, LSS são maiores que PH, com diâmetro médio entre 5-7 mm, e sua forma é plana ou séssil.
  • Ao contrário dos PH, LSS são mais frequentes no cólon direito.
  • Característica histológica que distingue LSS de PH é a presença de criptas serrilhadas distorcidas.
  • Para diagnóstico histológico de LSS, a cripta deve mostrar pelo menos uma das seguintes características:

    1. Crescimento horizontal ao longo da camada muscular da mucosa.
    2. Dilatação da base da cripta.
    3. Serrilhamento se estendendo até a base da cripta.
    4. Proliferação assimétrica.

  • Características endoscópicas:

    • presença de uma capa de muco
    • Coloração pálida/esbranquiçada.
    • Padrão de criptas tipo II-O (abertas) na cromoscopia com magnificação.

Lesão serrilhada séssil. Bases das criptas com crescimento horizontal ao longo da camada muscular da mucosa.

3.3 – Lesões Sésseis Serrilhadas com Displasia (LSS-D)

  • De acordo com seu potencial carcinogênico conhecido, LSSs podem originar focos displásicos.
  • Esta entidade histológica, chamada LSSD, representa um subgrupo dos LSSs.
  • Estima-se que cerca de 4–8% dos LSSs contêm displasia.
  • Pelo menos três tipos morfológicos diferentes de displasia foram descritos em LSSD:

    • Displasia intestinal (semelhante a adenoma): rara.
    • Displasia serrilhada: mais comum.
    • Displasia de mínima divergência: poucas alterações em comparação com LSS e perda característica de MLH1.

  • Endoscopicamente, essas lesões geralmente apresentam nódulos na superfície.
  • Sinais como morfologia (sub)pediculada, elevação dupla, depressão central e tonalidade avermelhada são sinais suspeitos de displasia. [3]
  • Na cromoendoscopia com magnificação, exibem um padrão de pit adenomatoso (Kudo tipo III, IV). [4]

3.4 – Adenoma Serrilhado Tradicional (AST ou TSA em inglês)

  • Mais frequentes no cólon esquerdo.
  • São as lesões serrilhadas mais raras do colorretal com prevalência de menos de 1%.
  • Geralmente, AST são maiores que LSS e têm aparência polipoide ou pediculada.
  • Histologicamente, apresentam arquitetura vilosa distorcida e, em muitos casos, vilosidades com pontas bulbosas.
  • Tanto a displasia tipo adenoma quanto a displasia serrilhada podem ser observadas nos AST.
  • O risco e a rapidez de progressão para carcinoma são desconhecidos.
  • Na endoscopia, parecem lesões avermelhadas, protuberantes ou pediculadas e, macroscopicamente, apresentam aspecto de “pinha” ou “coral”.

Adenoma serrilhado tradicional – projeções vilosas com serrilhamento da superfície
Adenoma serrilhado tradicional. As células que revestem os vilos são colunares com citoplasma acidófilo e núcleos ovalados e pseudoestratificados. O serrilhamento da superfície ocorre pela presença de criptas ectópicas.
Aspecto endoscópico do AST. Lesão polipoide com aspecto “em pinha”. A última imagem pertence a um segundo caso e apresentava um pedículo curto. 

Resumo das Alterações:

  • Lesão serrilhada sésseis (LSS) é o novo termo para lesões anteriormente chamadas de adenoma serrilhado séssil (SSA). As diretrizes clínicas para o gerenciamento de SSA se aplicam à LSS.
  • LSS com displasia é o termo usado para as lesões anteriormente chamadas de SSA com displasia citológica.
  • Adenoma serrilhado não classificado foi introduzido para pólipos raros difíceis de classificar como LSS ou TSA.

Resumo dos Critérios Histológicos para Lesões Sésseis e Pólipos:

  • Uma única cripta distorcida incontestável é o suficiente para diagnosticar uma lesão serrilhada sésseis (LSS). A distorção da arquitetura da cripta pode incluir crescimento horizontal ao longo da muscular da mucosa, dilatação da base da cripta e proliferação assimétrica.
  • Lesões/pólipos serrilhados planos sem cripta típica do tipo LSS são diagnosticados como pólipo hiperplásico (PH) por exclusão. Dilatação simétrica leve da cripta e células caliciformes na base das criptas não são suficientes para diagnóstico de LSS.
  • Estratificação em displasia de baixo e alto grau não é recomendada.
  • O diagnóstico de adenoma serrilhado tradicional (TSA) requer duas das seguintes características:

    • (1) serrilhamento em forma de fenda;
    • (2) células eosinofílicas altas com núcleos de lápis;
    • (3) formações de criptas ectópicas.

Referências:

  1. Mezzapesa M, Losurdo G, Celiberto F, Rizzi S, d’Amati A, Piscitelli D, Ierardi E, Di Leo A. Serrated Colorectal Lesions: An Up-to-Date Review from Histological Pattern to Molecular Pathogenesis. Int J Mol Sci. 2022 Apr 18;23(8):4461. doi: 10.3390/ijms23084461. PMID: 35457279; PMCID: PMC9032676.
  2. WHO Classification of Tumours Editorial Board . WHO Classification of Tumors: DIGESTIVE System Tumours. 5th ed. International Agency for Research on Cancer; Lyon, France: 2019
  3. Murakami T, Sakamoto N, Ritsuno H, Shibuya T, Osada T, Mitomi H, Yao T, Watanabe S. Distinct endoscopic characteristics of sessile serrated adenoma/polyp with and without dysplasia/carcinoma. Gastrointest Endosc. 2017 Mar;85(3):590-600. doi: 10.1016/j.gie.2016.09.018. Epub 2016 Sep 20. PMID: 27663716.
  4. Tate D.J., Jayanna M., Awadie H., Desomer L., Lee R., Heitman S.J., Sidhu M., Goodrick K., Burgess N.G., Mahajan H., et al. A standardized imaging protocol for the endoscopic prediction of dysplasia within sessile serrated polyps. Gastrointest. Endosc. 2018;87:222–231. doi: 10.1016/j.gie.2017.06.031.

Como citar este artigo

Martins BC e Tanigawa R. Lesões Serrilhadas Colorretais: Dossiê Completo. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/lesoes-serrilhadas-colorretais-dossie-completo/




Acesso Transgástrico Endoscópico GATE (EDGE) em Bypass Gástrico: o passo a passo

Segundo o Ministério da Saúde, a obesidade atinge 6,7 milhões de pessoas no Brasil. Devido ao crescimento das taxas de obesidade adjunto a eficácia da cirurgia bariátrica, um levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) contabilizou 315.720 mil cirurgias bariátricas no período de 2017 a 2022. Com a crescente prevalência de pacientes com anatomia alterada principalmente pelo bypass gástrico com reconstrução em Y de Roux (BGYR), a necessidade de acesso no estômago excluso para tratamento de coledocolitíase, síndromes colestáticas obstrutivas benignas e malignas nessa população são fatores que motivaram o desenvolvimento de técnicas para acesso transgástrico e viabilizar a abordagem endoscópica.

Atualmente, as abordagens mais tradicionais são:

  • acesso por enteroscopia
  • acesso transgástrico intraoperatório: necessita equipe cirúrgica (assista ao vídeo – clique aqui)
  • gastric access temporary for endoscopy – GATE: realizado por ecoendoscopia. Essa técnica também pode ter a nomenclatura de Endoscopic ultrasound-Directed transGastric Endoscopic retrograde cholangiopancreatography – EDGE.

saiba mais sobre esse assunto nesse outro artigo – clique aqui

Dentre as três possibilidades, o GATE mostra-se mais promissor segundo uma metanálise head-to-head de Deliwala et al., cujo trabalho demonstrou

  • alta taxa de sucesso técnico quando comparado aos outros métodos: GATE 100% vs. enteroscopia 66% e GATE 97% vs. intraoperatorio 98%)
  • efeito adverso menor (GATE 9,6% vs. enteroscopia 16% e GATE 13% vs. intraop 17,6%),
  • tempo de procedimento menor (GATE 61,26 min vs. entero 169,38 min e GATE 75,64 min vs. intraop 187,73 min)
  • tempo de internação menor (GATE 1,8 dias vs. entero 6,9 dias e GATE 2,2 dias vs. intraop 5,4 dias).

As principais complicações do GATE são: falha de fechamento da fístula confeccionada (chegando a 17%) e migração do Stent (7% dos casos). Ambas as complicações são passíveis de correção por endoscopia e a abordagem cirúrgica é rara.

A seguir, descreveremos o passo a passo para o GATE.

A técnica

Consiste na confecção de acesso transgástrico através de uma gastrogastroanastomose ou por jejunogastroanastomose através da alça jejunal proximal do Y de Roux até o estômago excluso, por meio de ecoendoscopia setorial e uso de prótese metálica de aposição de lumens – LAMS (Figura 1);

Figura 1: Hot Axios, prótese metálica com aposição de lúmens inserido em catéter diatérmico que permite disparar sem necessidade de dilatação com cistótomo.

Passo 1: Avaliação ecoendoscópica

  • Em transição esofagogástrica, localizar a borda inferior do fígado e girar sentido horário pela visão ecoendoscópica até localizar a “bolacha do mar”, sand dollar sign, que seria o estômago excluso em sua porção antral (Figura 2);
Figura 2: Estômago excluso visto em ecoendoscopia, visualizando o formato de “bolacha do mar” devido ao engruvinhamento das pregas gástricas separadas em camadas ecográficas.

  • Puncionar a porção distal do estômago com agulha FNA de 19G até encostar na parede contralateral e retrair a agulha discretamente para centralizar no lúmen (Figura 3);
Figura 3: Visão ecográfica de punção do estômago excluso com agulha FNA 19G.

  • Administrar contraste iodado pela agulha (optar por seringas pequenas e contraste iodado (diluído em 50% com soro fisiológico), confirmando e dilatando o estômago excluso por ecoendoscopia e fluoroscopia (Figura 4);
Figura 4: Injeção de contraste e soro fisiológico em estômago excluso com a agulha FNA 19G.

  • Conectar a agulha com uma bomba de água adaptada com luer lock e preencher com soro fisiológico até distender o estômago de forma segura (distender com ao menos o diâmetro de uma coluna vertebral (estimado em 2,5 cm);
  • Dica: utilizar o doppler para evitar vasos no trajeto de punção e sangramento desnecessário é essencial.

Passo 2: Disparo do LAMS

  • Retrair a agulha e reposicionar o ecoendoscópico até visualizar a parte proximal do corpo gástrico excluso, logo abaixo da transição esogagogástrica, confirmando com ecoendoscopia, visão endoscópica e fluoroscopia;
  • Repuncionar com FNA 19G, em corpo proximal e distender o estômago excluso novamente com soro fisiológico em bomba até ter uma janela de punção com lúmen de ao menos 3 cm e visualizar o contraste em fundo (Figura 5);
Figura 5: Dilatação do estômago excluso através da injeção de soro fisiológico em nova punção de corpo proximal.

  • Caso o LAMS não seja diatérmico, será necessário uso de cistótomo para dilatação do trajeto guiada por fio-guia antes;
  • Disparo do LAMS (preferencialmente de 20 mm de diâmetro) em corpo proximal do estômago excluso o mais distal à transição esofagogástrica e proximal à anastomose gastrojejunal (Figura 6);
Figura 6: Visão endoscópica de parte proximal da LAMS disparada em estômago remanescente.

  • Dicas: não distar mais de 1 cm da parede do estômago remanescente com o excluso; molhar todo o catéter do LAMS antes de introduzir no aparelho; evitar puncionar em cima da linha de grampo afim de evitar permanência de fístula e área de fibrose.

Passo 3: Dilatação do LAMS e procedimento

Nesta etapa há duas possibilidades:

  • Em duas etapas: aguardar maturar a fístula em 1 a 2 semanas e seguir com procedimento após esse período com a prótese metálica já expandida ou dilatação do LAMS logo após disparo;
  • Etapa única: realizar dilatação logo após passagem da LAMS. Há opção de fixação da prótese com over-ther-scope-clip (Padlock e Ovesco) ou endossutura (Apollo) para minimizar a migração;

Dilatação da LAMS com balão hidrostático até 20 mm de diâmetro, com confirmação da dilatação por visão endoscópica e fluoroscópica (Figura 7 e 8);

Figura 7: Fluoroscopia de dilatação de LAMS com balão hidrostático.
Figura 8: Visão endoscópica da LAMS dilatada, podendo-se visualizar o estômago excluso em parte distal da prótese.

  • Prosseguir com o tratamento endoscópico proposto: CPRE principalmente
  • Dicas: em uso de duodenoscópios ou ecoendoscópios, entrar com aparelho em paralelo com a prótese; a prótese é móvel, então a fluoroscopia ajuda no posicionamento e minimiza a fricção com a prótese, evitando migração (Figura 9).
Figura 9: Passagem do aparelho com fluoroscopia e visão endoscópica combinada, mantendo-se o eixo do aparelho paralelo à LAMS.

Passo 4: Fechamento da fístula

  • Devido ao risco de complicações pós-procedimentos endoscópicos, como sangramento e perfuração pós-CPRE, mantém-se a LAMS por 1 a 2 semanas, possibilitando a reabordagem endoscópica. Alguns autores, preconizam a retirada imediata seguida por colocação de prótese plástica;
  • Após esse período, revisa-se por endoscopia digestiva alta (EDA), seguida de retirada do LAMS com pinça de corpo estranho ou com alça endoscópica, tracionando-se preferencialmente pela falange proximal da prótese;
  • Alguns autores preconizam troca por prótese plástica duplo pigtail de tamanho curto e outros por apenas retirar e deixar a fístula ocluir por cicatrização em segunda intenção;
  • O controle de fechamento da fístula com o estômago excluso pode ser feita com EDA, radiografia contrastada (EED) ou tomografia computadorizada com contraste não-baritado por via oral após 6 a 8 semanas da retirada da LAMS.

Em suma, o GATE mostra-se como um procedimento seguro e eficaz com taxa de sucesso técnico e clínico comparável a abordagem transgástrica intraoperatória, sem necessidade de combinar duas especialidades médicas, com menor taxa de efeitos adversos, menor tempo de procedimento e internação. A realização do procedimento após GATE em tempo único, com dilatação sem fixação do LAMS está cada vez mais se mostrando seguro e eficaz com o avanço das técnicas endoscópicas.

Referências

  1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). SBCBM, 2023. Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/obesidade-atinge-mais-de-67-milhoes-de-pessoas-no-brasil-em-2022/. Acesso em: 16, novembro, 2023.
  2. Deliwala SS, Mohan BP, Yarra P, Khan SR, Chandan S, Ramai D, et al. Efficacy & safety of EUS-directed transgastric endoscopic retrograde cholangiopancreatography (EDGE) in Roux-en-Y gastric bypass anatomy: a systematic review & meta-analysis. Surg Endosc. 2023 Jun;37(6):4144–58.
  3. Wang TJ, Thompson CC, Ryou M. Gastric access temporary for endoscopy (GATE): a proposed algorithm for EUS-directed transgastric ERCP in gastric bypass patients. Surg Endosc. 2019 Jun;33(6):2024–33.

Como citar este artigo

Kum AST, Nunes CM, Rocha SPR. Acesso Transgástrico Endoscópico GATE (EDGE) em Bypass Gástrico: o passo a passo. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/acesso-transgastrico-endoscopico-gate-edge-em-bypass-gastrico-com-y-de-roux-o-passo-a-passo/




Papel da ecoendoscopia na pancreatite aguda idiopática

Introdução

A pancreatite aguda é uma das doenças responsáveis pelo maior número de internações de urgência na gastroenterologia. Sua incidência é de 13 a 45 casos por 100 mil pessoas, sendo responsável por 270 mil internações por ano nos Estados Unidos 1. A maioria dos casos é de pouca gravidade, mas pode evoluir para formas graves, com necessidade de internação em centro de terapia intensiva e até óbito.  Sua mortalidade chega a próximo de 5%, sendo significativamente maior quando analisados somente os quadros mais graves 2.

A doença biliar litiásica e o etilismo são os principais agentes causais, sendo responsáveis por cerca de 60% a 80% dos casos 3. Outras causas menos comuns são alterações anatômicas, metabólicas, tumores, doenças autoimunes, entre outras.  No entanto, em uma porcentagem significativa dos casos, cerca de 10% a 30%, não é possível se identificar um fator causal após a avaliação inicial 3-4. Ela é definida, então, como pancreatite aguda idiopática, sendo a 3ª causa mais comum em algumas séries 3.

É de fundamental importância uma avaliação detalhada nesses pacientes com pancreatite aguda idiopática, uma vez que 14% a 26% podem apresentar episódios recorrentes, evoluindo até para pancreatite crônica 5-6. Em alguns casos, após a realização de exames especializados, pode se identificar um agente causal tratável, evitando, assim, novas crises.

            A ecoendoscopia é um procedimento minimamente invasivo e que, devido à proximidade do estômago e do duodeno com o pâncreas e as vias biliares, permite um exame detalhado dessa região. Vários estudos têm mostrado o seu benefício na investigação de pacientes com pancreatite aguda idiopática, no entanto o momento da sua realização ainda não está bem definido 1,2-8.

Acurácia da ecoendoscopia

A acurácia da ecoendoscopia na identificação de um agente causal em pacientes com pancreatite aguda idiopática varia muito entre os estudos, de 29% a 88% 4. Essa grande diferença se deve aos critérios de inclusão utilizados em cada estudo. Naqueles que os pacientes eram submetidos a um maior número de exames diagnósticos antes da realização da ecoendoscopia a acurácia foi mais baixa. Nos que os pacientes eram encaminhados mais precocemente para realização da ecoendoscopia a acurácia foi mais alta.

            Umans e colaboradores em uma meta-análise recente chegaram a uma acurácia de 59% 7. A litíase biliar, presença de cálculos, microcálculos ou barro biliar na vesícula ou no colédoco, foi a causa mais comum, sendo responsável por 30% dos casos (Figuras 1 e 2). Em segundo lugar veio a pancreatite crônica com 12% e em terceiro o pancreas divisum com 5%. É importante salientar que em 2% dos pacientes foi detectada uma neoplasia que não havia sido diagnosticada nos exames prévios. As lesões identificadas foram neoplasias papilares intraductais mucinosas (IPMN), carcinomas de pâncreas, tumores neuroendócrinos (Figura 3), adenomas e carcinomas de papila. Outras causas menos comuns foram pancreatite autoimune, ascaridíase, coledococele (Figuras 4 e 5), anomalia da junção biliopancreática e divertículo.

            Nesta mesma meta-análise, quando se comparou a acurácia da ecoendoscopia nos pacientes já submetidos a colecistectomia prévia com os não colecistectomizados, o resultado foi diferente entre os dois grupos, sendo de 50% e 64%, respectivamente 7. Demonstrando assim como a litíase na vesícula biliar é, de fato, uma das causas mais comuns.

Quando realizar a ecoendoscopia após o episódio de pancreatite?

Existe controvérsia na literatura de quando seria o momento ideal para realização da ecoendoscopia após um episódio de pancreatite aguda 5. Os autores que sugerem a realização do procedimento de forma mais precoce, às vezes com o paciente ainda internado, defendem que um possível diagnóstico poderia ser feito de forma mais rápida, evitando a possibilidade de uma recorrência e evitando também que o paciente perca o seguimento 5. Já os que preferem a realização do procedimento mais tardiamente, após cerca de 4 semanas da resolução do caso, defendem que as alterações inflamatórias secundárias à pancreatite poderiam dificultar o diagnóstico, diminuindo a acurácia da ecoendoscopia 5.

Na meta-análise de Umans e colaboradores, a acurácia da ecoendoscopia após a melhora da pancreatite aguda e antes da melhora foi de 61% e 48%, respectivamente 7.

Realizar a ecoendoscopia após o primeiro episódio de pancreatite aguda idiopática ou somente nos casos recorrentes?

Não existe consenso na literatura de qual seria a indicação ideal para realização da ecoendoscopia 5. Parece haver uma acurácia semelhante quando realizada após o primeiro episódio ou quando realizada após episódios recorrentes 5,7. Uma vez que muitas das causas identificadas são tratáveis e evitaria novas crises, existe uma tendência de já se indicar a ecoendoscopia após o primeiro episódio.

Ecoendoscopia X Colangiorressonância

Uma meta-análise de Wan e colaboradores, comparando a acurácia da ecoendoscopia com a colangiorressonância, demostrou uma melhor performance com a ecoendoscopia, 64% e 34%, respectivamente 8. O principal benefício ocorreu na litíase biliar (34% x 9%) e na pancreatite crônica (10% x 1%). No pancreas divisum a acurácia foi semelhante com as duas técnicas (2% x 2%). Quando se associou o uso de secretina, que não está disponível no Brasil, a colangiorressonância foi melhor (12%). Já Hallenslebem e colobaradores demostraram acurácia semelhante entre a ecoendoscopia (36%) e a colangiorressonância (33%) 8.

Conclusão

A ecoendoscopia tem papel fundamental na investigação de pacientes com pancreatite aguda idiopática. Ela apresenta uma alta acurácia para o diagnóstico de fatores causais, sendo vários deles tratáveis, evitando assim crises recorrentes.

            Ainda não está bem estabelecido na literatura qual seria o momento ideal para a realização do procedimento, mas a maioria dos estudos tendem a aguardar cerca de 4 semanas após a melhora da pancreatite para sua realização, minimizando assim a dificuldade diagnóstica secundária a alterações inflamatórias. A maioria dos autores recomendam, também, a realização da ecoendoscopia já após a primeira crise. Importante salientar que o diagnóstico de neoplasias não detectadas por outros métodos pode chegar a 7% 6.

            A colangiorressonância e a ecoendoscopia devem ser usadas em conjunto. Uma vez que a litíase biliar seria a causa mais comum e a ecoendoscopia teria uma melhor acurácia para este diagnóstico, existe uma tendência de indica-la como primeira opção após a investigação inicial negativa.

Figura 1: microcálculos em vesícula biliar
Figura 2: coledocolitíase
Figura 3: tumor neuroendócrino em corpo do pâncreas
Figuras 4 e 5: coledococele (cisto de colédoco do tipo III)

Referências

  1. Working Group IAPAPAAPG. IAP/APA evidence-based guidelines for the management of acute pancreatitis. Pancreatology 2013; 13: e1–e15.
  2. Crockett SD, Wani S, Gradner TB, et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on Initial Management of Acute Pancreatitis. Gastroenterology 2018; 154(4): 1096-1101.
  3. Blanco GDV, Gesuale C, Varanese M, et al. Idiopathic acute pancreatitis: a review on etiology and diagnostic work-up. Clin J Gastroenterol 2019; 12(6): 511-524.
  4. Tepox-Padrón A, Bernal-Mendez RA, Duarte-Medrano G, et al. Utility of endoscopic ultrasound in idiopathic acute recurrent pancreatitis. BMJ Open Gastroenterol 2021; 8(1): e000538.
  5. Somani P, Sunkara T, Sharma M. Role of endoscopic ultrasound in idiopathic pancreatitis. World J Gastroenterol 2017; 14: 6952-6961.
  6. Hallensleben ND, Umans DS, Bouwense SA, et al. The diagnostic work-up and outcomes of “presumed” idiopathic pancreatitis: A post-hoc analysis of a multicentre observational cohort. United European Gastroenterol J. 2020; 8(3): 340-350.
  7. Umans DS, Rangkuti CK, Weiland CJS, et al. Endoscopic ultrasonography can detect a cause in the majority of patients with idiopathic acute pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Endoscopy 2020; 52(11): 955-964.
  8. Wan J, Ouyang Y, Yu C, et al. Comparison of EUS with MRCP in idiopathic acute pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc 2018; 87(5): 1180–8.

Como citar este artigo

Retes FA. Papel da ecoendoscopia na pancreatite aguda idiopática. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/papel-da-ecoendoscopia-na-pancreatite-aguda-idiopatica




Você sabe avaliar o hiato diafragmático? Classificação de Hill

A transição esofagogástrica (TEG) é a área anatômica onde o esôfago distal se junta ao estômago proximal. Em condições normais, está localizado ao nível da crura diafragmática. A localização da TEG, entretanto, não é estática e se move vários centímetros durante a deglutição e a respiração. Durante a deglutição, o músculo liso longitudinal do esôfago se contrai, o que encurta o esôfago, resultando em uma hérnia fisiológica. A TEG é posteriormente devolvida à sua localização original por estruturas elásticas de suporte, especialmente pela membrana frenoesofágica. Quando a TEG juntamente com o esfíncter esofágico inferior (EEI) e a cárdia estão permanentemente deslocadas para cima (intratorácica) através do hiato diafragmático, uma hérnia de hiato está presente.1 Comumente um deslizamento de 2 cm é o padrão adotado para esse diagnóstico, apesar da ausência de consenso.

Estudos demonstraram que uma hérnia de hiato prejudica a pressão do EEI e a função esfincteriana do diafragma.2 A presença e o comprimento axial de uma hérnia de hiato também demonstraram estar correlacionados com a gravidade do refluxo gastroesofágico.3 Devido a mudanças fisiológicas (deglutição e respiração) nessa região a mensuração da hérnia pode ser difícil, apresentando baixa a concordância interobservadores4, dessa forma outra opção para essa avaliação é a classificação de Hill.

Em 1996 Hill et al avaliou através de modelos in vitro e in vivo a relação da válvula mucosa da entrada do esôfago no estômago com a doença do refluxo. Os indivíduos sadios tinham uma prega proeminente de tecido que se estendia de 3 a 4 cm ao longo da pequena curvatura e abraçava firmemente o endoscópio. Esse aspecto foi progressivamente diminuído tornando-se ausentes em pacientes com refluxo.5

A inspeção da válvula em indivíduos controle e indivíduos com refluxo permitiu um sistema de classificação de Graus I a IV, conforme segue abaixo:6

Hill Grau I: uma prega proeminente de tecido ao longo da pequena curvatura junto ao endoscópio.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Hill Grau II: a prega é menos proeminente e há períodos de abertura e fechamento rápido ao redor do endoscópio.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Hill Grau III: a prega não é proeminente e o endoscópio não está firmemente preso a parede.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Hill Grau IV: não há prega e o lúmen do esôfago está aberto, muitas vezes permitindo que o epitélio escamoso seja visualizado por baixo. Uma hérnia de hiato está sempre presente.

imagem retirada de Hansdotter et al.6

Com relação aos achados endoscópicos e tratamento clínico, um estudo de 2023 com 922 pacientes em um seguimento de 6 anos, demonstrou que os paciente Hill graus III e IV estavam significativamente associados a esofagite e a necessidade de prescrição de inibidor de bomba de prótons (IBP) >2 vezes nesse período, sendo que os pacientes Hill grau IV apresentavam também maior associação com esôfago de Barret, queimação retroesternal e necessidade de nova endoscopia. Paciente graus II e III apresentavam mais esofagite comparado com o grau I, além disso com a elevação do grau na classificação de Hill, foi observado um aumento das queixas de queimação retroesternal. Entretanto as diferenças na prática clínica entre os pacientes Hill I e II não foram tão importantes.7

Em outro estudo com 150 pacientes consecutivos com refluxo, foi demonstrado que alterações da classificação de Hill (graus III e IV) são fatores preditivos significantes e independentes para baixa resposta ao tratamento com IBP. Além disso as phmetrias de 24h confirmaram maior refluxo nesses grupos.8

Segundo a ASGE os indivíduos com classificação I e II podem ser submetidos a procedimentos endoscópicos para correção de refluxo, enquanto nos graus III e IV deve ser optada pela via cirúrgica, visto a necessidade de correção do hiato nesses casos.9

Dessa forma a classificação de Hill é um importante mecanismo na avaliação endoscópica dos pacientes com suspeita de refluxo, sendo demonstrado aparente e discreta maior relação desta classificação, em comparação com medição axial da hérnia hiatal, na avaliação da barreira mecânica antirrefluxo da transição esofagogástrica.6

Referênicas:

  1. Kahrilas PJ, Kim HC, Pandolfino JE. Approaches to the diagnosis and grading of hiatal hernia. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2008; 22: 601–616
  2. Kahrilas PJ, Shi G, Manka M et al. Increased frequency of transient lower esophageal sphincter relaxation induced by gastric distention in reflux patients with hiatal hernia. Gastroenterology 2000; 118: 688– 695
  3. Sgouros S, Mpakos D, Rodias M et al. Prevalence and axial length of hiatus hernia in patients, with nonerosive reflux disease: a prospective study. J Clin Gastroenterol 2007; 41: 814
  4. Guda N, Partington S, Vakil NB. Inter- and intra-observer variability in the measurement of length at endoscopy: Implications for the measurement of Barrett’s esophagus. Gastrointest Endosc 2004; 59: 655–658
  5. Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJM et al. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc 1996; 44: 541–547
  6. Hansdotter I, Björ O, Andreasson A, et al. Hill classification is superior to the axial length of a hiatal hernia for assessment of the mechanical anti-reflux barrier at the gastroesophageal junction. Endosc Int Open. 2016 Mar;4(3):E311-7. doi: 10.1055/s-0042-101021. Epub 2016 Feb 10. PMID: 27004249; PMCID: PMC4798936.
  7. Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJ, et al. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc. 1996 Nov;44(5):541-7. doi: 10.1016/s0016-5107(96)70006-8. PMID: 8934159.
  8. Cheong JH, Kim GH, Lee BE, et al. Endoscopic grading of gastroesophageal flap valve helps predict proton pump inhibitor response in patients with gastroesophageal reflux disease. Scand J Gastroenterol. 2011 Jul;46(7-8):789-96. doi: 10.3109/00365521.2011.579154. Epub 2011 May 26. PMID: 21615222.
  9. https://www.youtube.com/watch?v=TgVqKGXxz2U

Como citar este artigo

Oliveira JF. Você sabe avaliar o hiato diafragmático? Classificação de Hill. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol. II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/voce-sabe-avaliar-o-hiato-diafragmatico-classificacao-de-hill/




ESD gástrica – dicas e truques

Muitos endoscopistas estão começando a realizar procedimentos avançados e a Dissecção endoscópica da submucosa (ESD) gástrica é um deles. No entanto, na literatura, o detalhamento das técnicas, dificuldades e estratégias são escassos. Nesse artigo, compilei alguns dados publicados assim como os aprendizados pessoais; para fornecer informações necessárias para quem está começando nesse desafiador mundo do terceiro espaço.

Trata-se de um guia, não de uma diretriz ou regra exata. As lesões podem estar localizadas em diferentes posições, assim como o tamanho e a presença de fibrose também interferem (e muito!) na estratégia de dissecção.

O que mais dificulta no tratamento das lesões gástricas é que o estômago não é um órgão tubular, nem oval. A gravidade tem grande importância quando vamos planejar a ESD e, no caso do estômago, a mudança de decúbito não altera muito (diferente do cólon e do reto). Portanto, entender os efeitos da gravidade é crucial para planejar os passos da dissecção.

 

Nível de dificuldade conforme a localização (opinião pessoal):

No corpo, a gravidade se direciona para o fundo e cardia, quando o paciente está em decúbito lateral esquerdo. Portanto, nas lesões localizadas no corpo, geralmente a melhor estratégia é começar a dissecção na parte anal da lesão, com o aparelho em retrovisão. Dessa forma, o “flap” formado vai se direcionando para cima, a favor da gravidade, facilitando a dissecção.

No antro, a gravidade se direciona da grande para a pequena curvatura. Nessa localização, geralmente a melhor estratégia é começar a dissecção de oral para anal, com o aparelho em visão frontal; porque dessa forma a gravidade vai tracionando naturalmente o “flap”.

Também podemos prever a dificuldade da ESD baseado na direção da gravidade (onde está acumulado o líquido).

Lesões localizadas na posição oposta da gravidade quase sempre são mais fáceis. Isso porque o “flap” espontaneamente vai sendo tracionado a favor da gravidade, tornando a dissecção mais fácil.

Nas lesões localizadas nos lados laterais à gravidade, de maneira geral, a melhor abordagem é iniciar primeiro a incisão e a dissecção no lado a favor da gravidade, porque dessa forma podemos usar a tensão da mucosa para abrir a linha de incisão. Depois disso, fazer a incisão do lado contra a gravidade e terminar a dissecção, usando a gravidade para tracionar o “flap” e facilitar o término do procedimento.

Caso iniciássemos a incisão e dissecção pelo lado contra a gravidade, no começo ia parecer fácil, mas aí a lesão iria cair a favor da gravidade e tornaria muito mais difícil a incisão desse lado.

Quando a lesão está localizada a favor da gravidade, o procedimento, por si só, já fica muito complicado. Nessa situação, o uso da técnica de tração é muito útil.

Para usar a técnica da tração, faça os seguintes passos:

1. Remova o aparelho e insira o clipe

2. Faça um nó (de preferência duplo) com um fio (pode ser fio dental ou fio cirúrgico)

3. Aperte o nó (deixe-o dentro das pás do clipe para não ter o risco de cortar quando fechar) e corte a ponta distal do fio.

4. Feche o clipe com cuidado e puxe o clipador para dentro do canal de trabalho

5. Introduza o aparelho de novo, abra o clipador e clipe onde irá fazer a tração

Outra dica importante é a direção dos movimentos conforme o tipo de acessório você está utilizando. 

Se for usar as “facas” com ponta ou “needle-knife” (p.ex Flush Knife, Dual Knife, Gold Knife), a incisão deve ser, preferencialmente, de distal para proximal e a dissecção do centro para a periferia.

Com as facas com a ponta isolada (IT-Knife), a incisão é usualmente feita de distal para proximal e a dissecção das laterais para o centro.

P.S: Por via de regra quando fazemos ESD, temos que começar pelo lado mais difícil porque se começarmos pelo lado mais fácil, o lado mais difícil fica muito mais difícil (às vezes, impossível)!

Conclusões

Para começar a fazer ESD, precisamos ter em mente a melhor estratégia para cada lesão. No estômago, a estratégia é baseada principalmente pela localização anatômica e direção da gravidade. É importante também reconhecer os acessórios e como utiliza-los.

Leitura complementar

Dissecção Endoscópica Submucosa (ESD): dicas para iniciar e aprimorar a técnica

Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional e ESD com auxílio de método de tração

Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao Dr Noriya Uedo, do Osaka International Cancer Institute, pela imensa habilidade em ensinar e transmitir o conhecimento, idealização das ilustrações, incontáveis demonstrações na prática e disposição em sanar minhas dúvidas. 

Agradecimento também ao colega Airto Lanas, do Hospital 12 do Octubre – Madri-Espanha, pela idealização do tema, contínuas e demoradas trocas de experiências, belíssimos desenhos e, claro, pela amizade durante o estágio no Japão.

Como citar este artigo

Nobre R e Lanas A. ESD gástrica – dicas e truques, Endoscopia Terapêutica; 2023, Vol 2. Dísponivel em:
endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/esd-gastrica-dicas-e-truques/




A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular

A canulação da papila duodenal maior (PDM) é uma das etapas fundamentais para o sucesso e minimização das complicações associadas ao procedimento de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), e as técnicas para alcançá-la sempre foram e continuarão sendo motivo de estudo e debate (1-3). Dentre todos os fatores que implicam em dificuldade no acesso biliar, o aspecto da papila duodenal é um dos pontos mais fáceis de serem reconhecidos. O objetivo deste artigo é apresentar duas classificações publicadas que tem o objetivo de analisar o aspecto macroscópio da papila, apresentando um alto potencial de aplicabilidade na prática do endoscopista.

Existem diferentes definições de canulação difícil, entretanto, desde 2016, a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE), recomenda o uso da definição proposta pelo grupo de estudo da Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (4), que mostra um aumento considerável nos eventos adversos quando qualquer um destes critérios está presente: mais de 5 minutos de tentativa, mais de 5 tentativas ou 2 passagens de fio no ducto pancreático.

Este mesmo grupo propôs uma classificação que divide a PDM em 4 tipos (Figura 1) assim descritos: regular (tipo I), que é o tipo mais comum, sem achados distintos, também referido como ‘aspecto clássico’; pequena (tipo II), com diâmetro menor do que 3 mm ou aproximadamente 2 vezes o diâmetro do papilótomo; protusa ou pendente (tipo III) se apresentando de forma saliente na luz duodenal, algumas vezes caída para baixo, com o orifício orientado caudalmente; e vincada ou estriada (tipo IV), na qual a mucosa ductal parece se estender distalmente para fora do orifício em forma de crista ou prega.

Fig. 1–tipos de papila descritos pela Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (6)

Em 2019 um estudo prospectivo multicêntrico conduzido pelo grupo escandinavo concluiu que o aspecto da PDM influencia na canulação biliar (5). Os resultados demonstraram que o tipo mais frequente de papila é o tipo I presente em 58% dos pacientes, seguido pelo tipo III em 23 %, pelo tipo II em 13 % e pelo tipo 4 com 8 %. A frequência de canulação difícil nos quatro tipos de papila propostos está demonstrada na figura abaixo (Figura 2), sendo possível notar a diferença estatística entre o tipo I e os tipos II e III.

Fig. 2 – Prevalência de canulação difícil pelo tipo de papila.

Uma outra classificação do aspecto papilar foi proposta pelo grupo da universidade de Cambridge, que fez uma análise consecutiva de 100 vídeos de canulação biliar realizada com sucesso. A classificação foi baseada em um aumento progressivo da proeminência da papila duodenal maior e também se divide em 4 tipos: plana (tipo 1), descrita como plana e imóvel, com epitélio biliar em continuidade com a parede duodenal, podendo ter um anel incompleto do epitélio papilar; proeminente (tipo 2), descrita como imóvel e elevada, com um anel claro e completo de epitélio papilar circundando o epitélio biliar; infundibular (tipo 3), descrita como imóvel e proeminente com infundíbulo e podendo ter uma prega mucosa transversal; e pendente (tipo 4), descrita como móvel, proeminente e pendente, com infundíbulo distendido, projetando-se no duodeno com um orifício voltado inferiormente (7).                

Analisando as classificações, é importante notar que ambas desconsideram a presença ou relação da papila com divertículos ou dobras e pregas duodenais. Além disso, a classificação britânica apresenta-se mais lógica do que a escandinava, já que a sequência reflete um aumento progressivo da proeminência e mobilidade da papila. Por outro lado, a classificação escandinava parece mais simples de ser utilizada e foi validada em estudo prospectivo com boa concordância entre observadores em um estudo multicêntrico prospectivo. A tabela abaixo (Tabela 1), traz uma correlação entre as classificações britânica e escandinava.

Tabela 1. Correlação entre classificações britânicas e escandinava

Classificação de Cambridge Classificação Escandinava Prevalência na população de Cambridge, % Prevalência na população Escandinava, %
Tipo 1 Tipos II e IV 20 21 (13 + 8)
Tipo 2 Tipo I 45 56
Tipos 3 e 4 Tipo III 38 (25 + 13) 23

                Diante do exposto, fica claro que o estudo dos tipos de papila e a sua correlação com dificuldade da canulação, bem como no risco de complicações associadas, é matéria que requer ainda investigação e discussão, podendo ter implicações por exemplo no ensino da CPRE, podendo os preceptores oferecer aos endoscopistas em treinamento tipos mais favoráveis à canulação. Outro ponto interessante seria a identificação de manobras técnicas mais favoráveis para a canulação difícil em cada tipo específico de papila, obedecendo o racional do acesso biliar proposto por Hawes e Deviere que consiste nos dois passos básicos: insinuação e canulação profunda (8). Independente da experiência do endoscopista ou da classificação escolhida, a mensagem final que fica é que devemos estar atentos aos tipos de papila na prática diária, procurando nos antecipar às possíveis dificuldades que serão encontradas na canulação.

Referências

  1. Adler DG. Guidewire cannulation in ERCP: from zero to hero! Gastrointest Endosc 2018;87:202-4.
  2. Hawes RH, Devière J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3.
  3. Reddy ND, Nabi Z, Lakhtakia S. How to improve cannulation rates during endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Gastroenterology 2017;152:1275-9.
  4. Halttunen J, Meisner S, Aabakken L, et al. Difficult cannulation as defined by a prospective study of the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy (SADE) in 907 ERCPs. Scand J Gastroenterol 2014;49:752-8
  5. Haraldsson E, Kylänpää L, Grönroos J, et al. Macroscopic appearance of the major duodenal papilla influences bile duct cannulation: a prospective multicenter study by the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy Study Group for ERCP. Gastrointest Endosc. 2019 Dec;90(6):957-963.
  6. Haraldsson E, Lundell L, Swahn F, et al. Endoscopic classification of the papilla of Vater. Results of an inter- and intraobserver agrément study. United Eur Gastroenterol 2016;5:504-10
  7. Sinha A, Thiarya D, Patel S, et al. Anatomical factors affecting ease of common bile duct cannulation and efficacy of sphincterotomy during ERCP. Gut 2019;68:A9.
  8. Hawes R, Deviere J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3

Como citar este artigo

Mendoça EQ. A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/a-primeira-impressao-e-a-que-fica-aspecto-da-papila-duodenal-maior-o-que-saber-antes-de-canular/




Pólipos de Vesícula Biliar

Os pólipos da vesícula biliar geralmente são achados incidentais diagnosticados durante exames de ultrassom abdominal ou durante colecistectomia. Geralmente não apresentam sintomas, mas ocasionalmente podem causar desconfortos similares aos causados por cálculos biliares.

Uma revisão pormenorizada desse assunto foi publicada recentemente no Gastropedia, e pode ser acessada através desse link: Pólipos de Vesícula Biliar

Em resumo, os pólipos de vesícula podem ser classificados como:

  • Pólipos benignos não neoplásicos: pólipos de colesterol, adenomiomatose, pólipos inflamatórios
  • Pólipos benignos neoplásicos: adenomas e mais raramente fibromas, lipomas e leiomiomas
  • Pólipos malignos: adenocarcinoma de vesícula e mais raramente Carcinoma escamoso, cistoadenoma mucinoso e adenoacantomas

Fizemos ainda uma revisão mais detalhada das lesões mais comuns:

Acesse os artigos pelos links acima e bons estudos!