Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago

Os endoscopistas ocidentais falham em diagnosticar 12% das neoplasias do trado digestivo superior.(1) Isso também te procupa? Saber que falhamos em diagnosticar uma fatia significativa de doenças letais deixa qualquer endoscopista apreensivo. Para o CEC de esôfago, um pequeno ajuste na sistematização de seu exame pode dobrar sua capacidade diagnóstica sem aumentar o tempo de seu exame. Salve vidas lendo o rápido texto abaixo↓↓.

Introdução

O CEC precoce de esôfago se apresenta como lesões sutis da mucosa que são dificilmente percebidas na endoscopia de rotina. A sensibilidade diagnóstica da luz branca é de preocupantes 50%.(2) Isso mesmo, deixamos de identificar metade dos casos de uma doença altamente letal em uma fase facilmente curável.

A displasia escamosa e o carcinoma intramucoso possuem alterações mínimas de relevo. O aspecto endoscópico consiste principalmente na deformação progressiva do padrão microvascular da mucosa: os “intra papilar capillary loops” (IPCLs). Usando um endoscópio de alta definição, vemos os IPCLs como pontos vermelhos à luz branca. Em um exame mais detalhado, usando magnificação, podemos ver a alça capilar adjacente à membrana basal. Por ser tão superficial, os IPCLs refletem precocemente as alterações epiteliais e se observados atentamente, permitem um diagnóstico precoce do CEC.(3)

A observação destas alterações é um desafio já que há um contraste pobre entre a mucosa subjacente de coloração rósea e a cor vermelha do IPCL. Como veremos mais adiante, a cromoscopia óptica ou digital apresenta um papel fundamental ao realçar o contraste dos vasos transformando em chamativas alterações discretas.(3)

Imagem 1 – Displasia de alto grau sob luz branca e NBI. 

Rastreio:

No rastreio para CEC, a cromoscopia com lugol sempre foi um método chave nos pacientes de alto risco. Sua sensibilidade chega a 90% permitindo um diagnóstico eficaz. Contudo, o lugol apresenta uma baixa especificidade além de necessitar da disponibilidade de seu antídoto (tiosulfato ou hipossulfito). Outras complicações como hiperssensibilidade ao iodo, laringite, pneumonite e dor retrosternal também estão associadas ao procedimento.(2) 

Imagem 2 – Luz branca + Lugol 2% em CEC intramucoso + displasia de alto grau semicircunferencial. 

Com o surgimento das tecnologias de cromoscopia integradas aos sistemas de endoscopias, foi possível solucionar vários dos incovenientes do Lugol. Tecnologias patenteadas por seus respectivos fabricantes como o NBI, o BLI e o i-Scan proporcionaram a capacidade de executar a cromoscopia com apenas um toque no aparelho, não havendo qualquer necessidade de acessório. O NBI é a ferramenta com maior nível de evidência e será abordado mais diretamente neste texto. 

O NBI subtrai alguns espectros da luz branca, deixando a vasculatura mais contrastada. Quando há alterações dos IPCLs uma mancha amarronzada fica bastante evidente ao lado da mucosa normal com tom esverdeado. Mesmo sem magnificação este aspecto endoscópico dobra a sensibilidade diagnóstica do exame.(4)  

E agora, a dica !

Com apenas um clique o endoscopista multiplica sua sensibilidade diagnóstica para o CEC de esôfago. Um salto de 50% para 90% de diagnósticos identificados! Sistematize da seguinte forma seu exame: Lavagem e aspiração do esôfago; Introdução do aparelho com luz branca; ao encerrar o procedimento, retire o aparelho com NBI ou similar ligado, inspecionando detalhadamente o esôfago na retirada. Tal é simples e certamente vai te ajudar a salvar vidas!

Referencias

1.         Menon S, Trudgill N. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy? A meta-analysis. Endosc Int Open. 2014;02(02):E46–50.

2.        Morita FHA, Bernardo WM, Ide E, Rocha RSP, Aquino JCM, Minata MK, et al. Narrow band imaging versus lugol chromoendoscopy to diagnose squamous cell carcinoma of the esophagus: A systematic review and meta-analysis. BMC Cancer [Internet]. 2017;17(1):1–14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12885-016-3011-9

3.        Inoue H, Kaga M, Ikeda H, Sato C, Sato H, Minami H, et al. Magnification endoscopy in esophageal squamous cell carcinoma: A review of the intrapapillary capillary loop classification. Ann Gastroenterol. 2015;28(1):41–8.

4.        Ide E, Maluf-Filho F, Chaves DM, Matuguma SE, Sakai P. Narrow-band imaging without magnifcation for detecting early esophageal squamous cell carcinoma. World J Gastroenterol. 2011;17(39):4408–13.

Como citar este artigo

Pontual JP, Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago, Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/dica-rapida-e-simples-que-salva-vidas-identifique-precocemente-o-carcinoma-de-celulas-escamosas-cec-no-esofago/




PAPILA DUODENAL MAIOR: Precisamos inspecionar na rotina?

Todos sabemos que o endoscópio “standard” não favorece a visualização da parede medial da segunda porção do duodeno. Identificar e inspecionar detalhadamente a papila de Vater não costuma ser uma tarefa simples durante a endoscopia digestiva alta (EDA) de rotina. Será que deveríamos investir tempo na inspeção detalhada desta área frequentemente trabalhosa?

Para responder tal pergunta, precisamos refletir sobre as patologias clinicamente relevantes da papila.  A principal delas é o adenoma e sua degeneração maligna. Os pólipos duodenais são lesões incomuns, encontrados em 0,3 a 4,6% das EDAS.(1) Dentre estes pólipos, os adenomas representam apenas 7% das lesões,  são localizados preferencialmente na segunda porção, podendo ou não envolver a papila maior.(2) Em uma média extrapolada das estatísticas supracitadas, consideramos uma prevalência de aproximadamente 0,05 a 0,1% de adenomas ampulares nas EDAS.

Figura 1 – Adenoma de papila

A evidência médica é pobre para definir a importância da inspeção de maneira rotineira. Mas uma incidência de adenoma papilar em aproximadamente 1 caso para cada mil EDAs parece ser uma justificativa razoável para investimento de tempo na inspeção, mesmo que tangencial da papila. Não podemos esquecer que a polipose adenomatosa familiar é um capítulo à parte. A incidência de adenomas duodenais pode chegar a 92% ao longo da vida, possuindo protocolo específico de rastreio e manejo.(3)

O último guideline da ESGE sobre parâmetros de qualidade em endoscopia digestiva alta, publicado em 2019, estabeleceu como prioridade de pesquisa a definição da importância da visualização da papila na endoscopia de rotina. (4) Em guideline subsequente sobre o manejo de tumores ampulares, publicado em 2021, a ESGE recomenda que a papila seja inspecionada rotineiramente, apesar da evidência limitada. (5).

Em caso de suspeita clínica (ex. amilase ou bilirrubinas, pancreatite idiopática, etc), ou aspecto endoscópico suspeito, a inspeção detalhada da papila é mandatória. Para tal finalidade, o duodenoscópio deve ser o aparelho de primeira escolha.(5) Usando o gastroscópio “standard”, a papila é totalmente visualizada em apenas 24% das EDAs e vista parcialmente em 69%. Ou seja, na indisponibilidade de um duodenoscópio, a avaliação apropriada da papila fica bastante comprometida. Esse problema pode ser facilmente solucionado com o uso de um cap transparente que permite a visualização completa da papila em até 97% dos exames. (6)

Figura 2 – Exposição completa da papila com o uso de “cap”

Respondendo à pergunta inicial:

  1. Devemos inspecionar a papila rotineiramente
  2. Em casos suspeitos: usar o duodenoscópio
  3. O gastroscópio com “cap” é uma excelente alternativa ao duodenoscópio

Falar sobre os aspectos endoscópicos da papila e o manejo das patologias, transcende o propósito deste post. Você gostaria de ver estes tópicos abordados no Endoscopia Terapêutica? Deixe seu comentário!

Referências

1.        Culver EL, McIntyre AS. Sporadic duodenal polyps: Classification, investigation, and management. Endoscopy. 2011;43(2):144–55.

2.        Klein A, Bourke MJ. Duodenal and Papillary Adenomas [Internet]. Third Edition. Clinical Gastrointestinal Endoscopy. Elsevier Inc.; 2019. 374-381.e3 p. Available from: https://doi.org/10.1016/B978-0-323-41509-5.00034-7

3.        Leerdam ME Van, Roos VH, Hooft JE Van, Dekker E, Jover R, Michal F, et al. Endoscopic management of polyposis syndromes : European Society of Gastrointestinal Endoscopy ( ESGE ) Guideline Authors. 2019;877–95.

4.        Spada C, McNamara D, Despott EJ, Adler S, Cash BD, Fernández-Urién I, et al. Performance measures for small-bowel endoscopy: A European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Quality Improvement Initiative. United Eur Gastroenterol J. 2019;7(5):614–41.

5.        Vanbiervliet G, Strijker M, Arvanitakis M, Aelvoet A, Arnelo U, Beyna T, et al. Endoscopic management of ampullary tumors: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2021;53(4):429–48.

6.        Abdelhafez M, Phillip V, Hapfelmeier A, Elnegouly M, Poszler A, Strobel K, et al. Cap Assisted Upper Endoscopy for Examination of the Major Duodenal Papilla : A Randomized , Blinded , Controlled Crossover Study ( CAPPA Study ). Nat Publ Gr [Internet]. 2017;(October 2016):1–9. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2017.47




CPRE com sistema troca rápida: menor tempo e menor taxa de complicações.

Cenas que, infelizmente, você já viu antes:

  • fio-guia no chão durante um procedimento difícil;
  • assistente pouco experiente com dificuldade na coordenação do manejo do fio-guia;
  • perda da canulação na troca acessórios.

Para solucionar este tipo de situação, foram desenvolvidas plataformas com fios-guia curtos que permitem uma troca rápida dos acessórios, tornando as CPREs mais seguras e rápidas.

Nesta publicação vamos explorar suas vantagens, funcionalidades e formas de uso.

 

Evolução da endoscopia biliopancreática

A técnica e os acessórios da colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) evoluíram progressivamente ao longo das últimas décadas. Percebeu-se que a melhor opção para a canulação é usar o papilótomo. Posteriormente, ficou claro que a cateterização seletiva com o fio-guia é mais eficaz. Contudo, a manipulação do fio-guia pela técnica tradicional é pouco prática e implica em algumas dificuldades como as citadas no início do texto. Além disso, não diminui a incidência de pancreatite pós CPRE em relação às demais técnicas de canulação(1).

O fio-guia hidrofílico tradicionalmente utilizado na CPRE possui comprimento entre 420 e 480cm, sendo bastante longo para permitir a troca de acessórios “over the wire”. Neste processo, não é raro a perda acidental da canulação ou queda de parte do fio no chão. A necessidade de um excelente grau de comunicação com o auxiliar também pode gerar dificuldade durante o acesso papilar. Enquanto o endoscopista ajusta a posição do endoscópio e do cateter, o assistente fica responsável pela manopla do papilótomo e pelo avanço do fio-guia. A forma como este avanço é feito traumatiza a papila em maior ou menor grau, implicando diretamente no índice de pancreatite pós CPER.(2

 

(Vídeo 1: Removendo o papilótomo tradicional com fio-guia de 450cm. Observem o contraste com os vídeos subsequentes)

 

Visando otimizar as manobras do procedimento, surgiu a ideia de um sistema com fio-guia de manipulação mais fácil e rápida. Este sistema possui três pilares: fio-guia curto (185 a 270 cm), acessórios que permitam troca sobre o fio-guia curto e uma de trava para fixar o guia. O primeiro sistema nesta plataforma foi introduzido no mercado em 1999 pela Boston Scientific o sistema RX. Posteriormente, a Cook em 2004 e a Olympus em 2005, lançaram suas próprias plataformas. (2) Atualmente vários fabricantes como Mediglobe e MI Tech também aderiram ao sistema baseado no fio-guia curto, mas a importação para o Brasil não é universal entre os fornecedores.

 

(Vídeo 2: Montando o dispositivo de trava + deixando o papilótomo com fio-guia curto prontos para a cateterização)

 

Vantagens

    • Índice de Complicações

A intensidade do trauma à papila durante as tentativas de canulação biliar está diretamente relacionado ao índice de pancreatite pós-CPER. Nos papilótomos com fio-guia curto, o endoscopista controla pessoalmente o avanço do guia, permitindo uma coordenação precisa com a movimentação do aparelho e do papilótomo. O endoscopista também recebe o feedback táctil do fio-guia que não é possível na técnica tradicional. Tal característica permite decisões mais precisas quanto à direção, à força utilizada e à resistência mecânica presente contra o avanço do guia.

Um estudo prospectivo randomizado comparando a linha de troca rápida RX da Boston Scientific com a linha padrão do mesmo fabricante obteve um resultado bastante impactante. A amostra planejada de 500 pacientes precisou ser encerrada precocemente em 216 casos devido à significante diferença de eventos adversos com implicações de segurança para o grupo controle. O índice de complicação foi quatro vezes menor (2,8% versus 11,2%) no grupo de pacientes abordados com a linha de troca rápida RX. (3)

 

(Vídeo 3: O endoscopista controla o papilótomo e o fio-guia. Após a cateterização, a remoção do papilótomo é simples, rápida e segura.)

 

  • Tempo de Procedimento e exposição à radiação

O tempo de procedimento também é significativamente menor com os acessórios de troca rápida. O fio-guia curto travado permite uma troca rápida e segura sem a necessidade de ações sincronizadas entre o endoscopista e seu assistente. O método reduz o tempo de procedimento ente 25 a 60%. A exposição à radiação também é significativamente reduzida com menos no tempo de uso da radioscopia.(4)

 

CONCLUSÃO

Diante dos melhores resultados, a migração para o sistema de troca rápida em grande parte dos países foi expressiva. Essa evolução ficou bem ilustrada em estudo tcheco que mostrou uma progressão de zero para 98% dos procedimentos usando a troca rápida em um período de quatro anos em 1506 pacientes(5). Atualmente, 90% dos endoscopistas norte americanos usam troca rápida.

O uso da técnica tradicional de CPRE com fio-guia longo ainda é bastante prevalente no Brasil. A exposição de um maior número de endoscopistas brasileiros ao sistema de troca rápida provavelmente impactará favoravelmente nas CPREs. Mais estudos em nosso país são garantidos.

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Bailey AA, Bourke MJ, Williams SJ, Walsh PR, Murray MA, Lee EYT, et al. A prospective randomized trial of cannulation technique in ERCP : effects on technical success and post − ERCP pancreatitis. 2008;296–301.
  2. Reddy SC, Draganov P V. ERCP wire systems: The long and the short of it. World J Gastroenterol. 2009;15(1):55–60.
  3. Buxbaum J, Leonor P, Tung J, Lane C, Sahakian A, Laine L. Randomized Trial of Endoscopist-Controlled vs. Assistant-Controlled Wire-Guided Cannulation of the Bile Duct. Am J Gastroenterol [Internet]. 2016;111(12):1841–7. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2016.268
  4. Technology Status Evaluation Report, Report E. Short-wire ERCP systems. 2007;66(4).
  5. Maceček J, Staňka B,  Konvička P. Hybrid short-wire ERCP technique, five years of experience. Gastroent Hepatol 2021; 75(3): 200–206.



Gastroparesia

A gastroparesia é uma desordem motora caracterizada clinicamente por saciedade precoce, distensão abdominal, náusea, regurgitação e vômito. Seu diagnóstico costuma ser dado por sintomas típicos e confirmado por cintilografia do esvaziamento gástrico.

Existem alguns escores para mensurar o impacto clínico da gastroparesia. O mais validado é o Gastroparesis Cardinal Symptom Index (GCSI). Uma somatória maior ou igual a 20 é indicativa de sintomas importantes com sério comprometimento da qualidade de vida (tabela 1).

Tabela 1

PATOGÊNESE

A patogênese do retardo do esvaziamento gástrico ainda não é inteiramente compreendida, mas possui dois pilares: a hipomotilidade gástrica e o aumento da pressão pilórica sem evidência de obstrução mecânica.

As causas mais frequentes são a diabetes mellitus e a lesão cirúrgica do nervo vago. Outras etiologias como doenças de depósito, neurológicas e infecciosas também podem estar relacionadas.

 

MANEJO

Clínico

O manejo clínico é baseado no controle glicêmico associado a agentes procinéticos, antieméticos e analgésicos. Contudo, esta abordagem possui eficácia limitada e efeitos colaterais indesejáveis(2).

Cirúrgico

Nos pacientes refratários ao tratamento clínico, a piloroplastia é uma opção terapêutica eficaz. O racional de atuar sobre o piloro foi clinicamente comprovado em estudo envolvendo 177 pacientes submetidos a piloroplastia laparoscópica. O seguimento por cinco anos identificou a normalização da cintilografia de esvaziamento gástrico em 77% dos pacientes. Apesar dos bons resultados, há um risco cirúrgico relevante de eventos adversos como vazamento, sangramento e infecção de ferida operatória(3).

Endoscópico

Abordagens endoscópicas como gastrostomia descompressiva, gastrojejunostomia (Figura 1), injeção pilórica de toxina botulínica e até colocação de stent transpilórico são alternativas com eficácia. Contudo os resultados ainda são insatisfatórios e a evidência é limitada(4).

Figura 1 : PEG- jejuno

G-POEM

Com a escalada da endoscopia do terceiro espaço , Kashab transportou o racional da piloroplastia cirúrgica para a esfera da endoscopia terapêutica, realizando a primeira piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) em 2013(5). A técnica vem ganhando espaço na literatura com seus baixíssimos índices de complicação e resultados clínicos similares à piloroplastia videolaparoscópica(6).

A técnica consiste em uma incisão na mucosa do antro (mucosotomia) para acesso e confecção de um túnel submucoso rente à muscular própria até transpor o canal pilórico. Após a dissecção do esfíncter, ele é seccionado sob visão direta. Com esta intervenção, observamos uma clara ampliação do canal pilórico à visão endoscópica no antro. O tempo final do procedimento é o fechamento da mucosotomia com clipes ou sutura endoscópica(7).

 

Figura 2: Piloro cerrado + injeção submucosa no trajeto do túnel

 

Figura 3: Cap afunilado para a confecção da mucosotomia

 

Figura 4: Túnel submucoso

 

Figura 5: Início da piloromiotomia

 

Figura 6: Piloro inteiramente seccionado

 

Figura 7: Piloro ampliado

 

Em metanálise realizada em 2020, foram identificados mais de 7000 publicações sobre a piloromiotomia endoscópica, dimensionando a popularidade do tema(Dra. Karime Lucas -ref 8). Visando a objetiva mensuração da eficácia técnica, foram incluídos apenas os trabalhos com documentação do GCSI e da cintilografia antes e após o procedimento, totalizando 281 pacientes. O levantamento identificou 100% de sucesso técnico e 71% de sucesso clínico. Havendo uma maior taxa de sucesso nas etiologias pós cirúrgicas e idiopáticas. Uma pior resposta foi encontrada nos pacientes diabéticos e nos portadores de GCSI muito elevados (superior a 30).

Uma taxa de êxito mais modesta foi encontrada em estudo prospectivo multicêntrico envolvendo 80 pacientes publicado em 2022(9). O sucesso clínico, definido como queda ≥25% em duas subescalas do escore GCSI, foi de 56% em 12 meses. Um número inferior à média das publicações sobre o tema, ressaltando a necessidade de mais estudos para identificar o perfil de pacientes que obterão melhores resultados com a piloromiotomia endoscópica.

CONCLUSÃO

A gastroparesia afeta de maneira marcante a qualidade de vida e o estado nutricional dos pacientes. A piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) surgiu como uma alternativa promissora e segura no tratamento dos pacientes refratários. Mais estudos prospectivos são necessários para confirmar os atuais resultados e individualizar o perfil de pacientes que mais se beneficiarão da técnica.

BIBLIOGRAFIA

1. Cardinal G, Index S, Res QL, Pubmed N. Gastroparesis Cardinal Symptom Index ( GCSI ): development and validation of a patient reported assessment of severity of gastroparesis. 2013;11–2.

2. Camilleri M, Parkman HP, Shafi MA, Abell TL, Gerson L. Clinical guideline: Management of gastroparesis. Am J Gastroenterol. 2013;108(1):18–37.

3. Shada AL, Dunst CM, Pescarus R, Speer EA, Cassera M, Reavis KM, et al. Laparoscopic pyloroplasty is a safe and effective first-line surgical therapy for refractory gastroparesis. Surg Endosc. 2016;30(4):1326–32.

4. Xu J, Chen T, Elkholy S, Xu M, Zhong Y, Zhang Y, et al. Gastric Peroral Endoscopic Myotomy (G-POEM) as a Treatment for Refractory Gastroparesis: Long-Term Outcomes. Can J Gastroenterol Hepatol. 2018;2018.

5. Khashab MA, Stein E, Clarke JO, Saxena P, Kumbhari V, Chander Roland B, et al. Gastric peroral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: First human endoscopic pyloromyotomy (with video). Gastrointest Endosc. 2013;78(5):764–8.

6. Landreneau JP, Strong AT, El-Hayek K, Tu C, Villamere J, Ponsky JL, et al. Laparoscopic pyloroplasty versus endoscopic per-oral pyloromyotomy for the treatment of gastroparesis. Surg Endosc [Internet]. 2019;33(3):773–81. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6342-6

7. Li L, Spandorfer R, Qu C, Yang Y, Liang S, Chen H, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: a detailed description of the procedure, our experience, and review of the literature. Surg Endosc [Internet]. 2018;32(8):3421–31. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6112-5

8. Uemura KL, Chaves D, Bernardo WM, Uemura RS, de Moura DTH, de Moura EGH. Peroral endoscopic pyloromyotomy for gastroparesis: a systematic review and meta-analysis. Endosc Int Open. 2020;08(07):E911–23.

9. Vosoughi K, Ichkhanian Y, Benias P, Miller L, Aadam AA, Triggs JR, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy (G-POEM) for refractory gastroparesis: Results from an international prospective trial. Gut. 2022;71(1):25–33.




Endoscopia no terceiro espaço

A endoscopia digestiva é uma especialidade médica jovem e em franco desenvolvimento. Nas últimas quatro ou cinco décadas, evoluímos de meros espectadores do trato digestivo através de fibroscópios para endoscopistas intervencionistas munidos de videoendoscópios de alta definição com uma ampla gama de acessórios. Alguns marcos históricos dessa evolução foram as primeiras: polipectomia (1969); papilotomia com retirada de cálculo (1974); gastrostomia endoscópica (1979); ligadura elástica (1990) (SIVAK, 2006).

A terapêutica na superfície luminal do aparelho digestivo, também chamada de “primeiro espaço” teve um grande marco histórico nos anos 2000. O desenvolvimento da dissecção submucosa (ESD) permitiu ressecções em monobloco de grandes lesões, assim como ressecções curativas de neoplasias precoces. Os acessórios criados para atender às necessidades desta técnica foram importantes na criação e aprimoramentos de diversos outros procedimentos (SIVAK, 2006).

 

Conceito de cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais

O conceito de cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais (NOTES) surgiu em 2004 com a proposta de peritonioscopia transgástrica (KALLOO, 2004). Acessar a cavidade peritoneal com o endoscópico, o dito “segundo espaço”, encontrou impasses técnicos que impediram seu crescimento. O NOTES, contudo, deixou de herança um grande avanço para a endoscopia terapêutica com o surgimento do conceito de túnel submucoso com “flap” de mucosa formando uma válvula de segurança (SUMIYAMA, 2007).

Essa técnica abriu as portas para a exploração do “terceiro espaço” e o surgimento de novas possibilidades com a endoscopia submucosa. Em 2008, Inoue tratou a primeira acalasia através de uma miotomia endoscópica da cárdia por um túnel submucoso. Surgia o POEM, abrindo um universo de novas possibilidades terapêuticas por endoscopia.

Por um longo período, a muscular própria foi considerada uma fronteira onde o endoscopista não deveria intervir diante do risco de perfuração. Com o desenvolvimento da técnica de tunelização submucosa, este limite deixou de existir. Patologias de abordagem exclusivamente cirúrgica passaram a contar com a opção de tratamento endoscópico eficaz, seguro e com o mínimo de invasão no organismo.

Nesta sessão do site Endoscopia Terapêutica, faremos uma breve revisão das aplicações da endoscopia no terceiro espaço: POEM e suas variantes Z-POEM, D-POEM, G-POEM, assim como o STER.

 

POEM

Em 2010, Inoue publicou a primeira série de casos de miotomia endoscópica peroral (POEM) para o tratamento da acalasia da cárdia, lançando para o mundo uma nova opção terapêutica. Nos anos subsequentes, um grande número de publicações comprovou sua segurança e eficácia, elevando rapidamente o POEM para uma opção terapêutica ao lado da tradicional cardiomiotomia a Heller e da dilatação pneumática.

O grande atrativo do POEM é a possibilidade de oferecer uma miotomia precisa sem a necessidade de incisão cirúrgica. A técnica consiste na injeção de solução cristaloide ou, de preferência, coloide na submucosa, confeccionando um coxim para a incisão mucosa que permite o acesso do endoscópio ao terceiro espaço. Esta mucosectomia deve ser feita no mínimo 2,0 cm acima do início da miotomia para garantir a formação de uma válvula pelo flap de mucosa e submucosa. A confecção do túnel entre a submucosa e a muscular própria através de dissecção eletrocirúrgica tem sua extensão definida pelo endoscopista a depender do comprimento da miotomia necessária. A secção da musculatura pode ser dirigida à camada circular da muscular própria ou envolver também a longitudinal – não há evidência da superioridade de uma ou outra técnica (LIU, 2020).

 

Etapas da tunelização submucosa e realização da miotomia da camada circular.

Etapas da tunelização submucosa e realização da miotomia da camada circular.

 

A precisa separação entre a submucosa e a muscular própria permite um controle da extensão e da profundidade da miotomia que normalmente não é possível na cirurgia. Essa versatilidade tornou o POEM a primeira escolha terapêutica nos distúrbios espásticos do esôfago como a acalasia do tipo Chicago III ou o esôfago em quebra-nozes. Nos subtipos Chicago I e II de acalasia, o POEM possui eficácia equivalente a Heller (Kahrilas AGA), mas com o tempo cirúrgico significativamente menor no POEM (MOURA; WERNER).

Contudo, o refluxo gastroesofágico (DRGE) continua sendo um ponto a ser melhorado na técnica, com incidências que variam de 10 a 70%, dependendo do conceito usado para a definição de DRGE e do continente do estudo (LIU, 2020). Na prática, a maior parte destes pacientes são assintomáticos ou portadores de erosões classe “A” ou “B” de Los Angeles. Sintomas relevantes ou graus mais severos de DRGE na endoscopia ocorrem em uma minoria dos pacientes. Mesmo assim, a supressão ácida e o acompanhamento endoscópico faz parte do seguimento pós-operatório.

 

Z-POEM e D-POEM

A tunelização da submucosa permitiu uma abordagem mais precisa do septo dos divertículos esofágicos. A dissecção rente à muscular própria permite a precisa secção do septo até sua base, local que frequentemente não é abordado na septotomia tradicional, pelo risco de perfuração ou surgimento de fístula com risco de mediastinite (para saber mais sobre Z-POEM, confira o post clicando neste link).

A maior série publicada de pacientes com divertículo de Zenker tratados por Z-POEM envolveu 75 pacientes com controle sintomático em 92% dos pacientes e sem complicações tardias (Yang, 2020).

O tratamento dos divertículos de esôfago médio e epifrênicos (D-POEM) segue o mesmo princípio com a vantagem de ser possível estender a miotomia o quanto for necessário para o tratamento dos distúrbios espásticos frequentemente presentes nesses casos. A abordagem cirúrgica, classicamente indicada, possui uma precisão limitada para a extensão e profundidade da miotomia do corpo esofágico, com maior risco de lesão transmural. Tal evento é raro no D-POEM, conferindo à técnica um perfil eficaz e seguro (MAYDEO, 2019).

 

Fístula esofagopleural com formação de abscesso torácico no pós-operatório de diverticulectomia epifrênica videotoracoscópica.

Fístula esofagopleural com formação de abscesso torácico no pós-operatório de diverticulectomia epifrênica videotoracoscópica. O esôfago distal apresentava distúrbio espástico associado. Procedido com a passagem de duas próteses plásticas do tipo duplo pig-tail de 7F na fístula seguida de POEM com miotomia longa da camada circular do esôfago na face contralateral.

 

G-POEM

 

Gastroparesia

A gastroparesia é produto de uma peristalse não coordenada do antro com o momento de relaxamento pilórico. Esta patologia pode ser idiopática, diabética ou iatrogênica. Quando medidas clínicas falham, o tratamento cirúrgico tradicional é a piloroplastia, visando facilitar o esvaziamento gástrico.

O mesmo princípio é obtido pela endoscopia do terceiro espaço com secção da musculatura pilórica sob visão direta e preservando as demais camadas do trato digestivo. A piloromiotomia endoscópica através de tunelização submucosa é referida genericamente na literatura como G-POEM.

Mohan e colaboradores conduziram uma metanálise que comparou os resultados de G-POEM em 332 pacientes versus a piloroplastia cirúrgica em 375 pacientes, identificando taxa de sucesso clínico equivalentes (75,8% x 77,3%) (MOHAN, 2019). Tal achado posiciona a endoscopia como uma boa opção terapêutica nos casos de gastroparesia refratária (saiba mais sobre G-POEM clicando neste link).

 

Estenose da gastrectomia vertical Sleeve

A presença de sintomas como disfagia, vômitos, intolerância alimentar, perda de peso acelerada e doença do refluxo gastroesofágico no pós-operatório de gastrectomia vertical deve levantar a suspeita clínica de estenose. Esse evento adverso ocorre entre 0,1 e 4% das cirurgias.

Apesar de não haver consenso na literatura sobre seu manejo, habitualmente iniciamos com sessões de dilatação pneumática. Nos casos de falência terapêutica, as próximas etapas que seguem são o uso de prótese e finalmente cirurgia de conversão para by-pass.

Contudo, a estenotomia gástrica através da tunelização submucosa, genericamente incluída na categoria G-POEM, tem mostrado resultados promissores na resolução dos casos refratários. O racional consiste na secção da musculatura gástrica sob visão direta. A estenose é tratada seguindo o mesmo princípio da seromiotomia cirúrgica, mas com maior precisão, minimizando o risco de perfuração transmural (DE MOURA, 2019). Tais características não são oferecidas por nenhuma outra modalidade terapêutica.

 

Estenostomia de “twist” gástrico por túnel submucoso. Imagens de uma estenostomia de “twist” gástrico por túnel submucoso. Esta paciente também, além da