Relação entre uso pré-operatório de semaglutida e estase gástrica: estudo retrospectivo envolvendo pacientes submetidos a endoscopia eletiva

Artigo original

Silveira SQ, da Silva LM, de Campos Vieira Abib A, de Moura DTH, de Moura EGH, Santos LB, Ho AM, Nersessian RSF, Lima FLM, Silva MV, Mizubuti GB. Relationship between perioperative semaglutide use and residual gastric content: A retrospective analysis of patients undergoing elective upper endoscopy. J Clin Anesth. 2023

Medicamentos análogos ao GLP-1 são utilizados no tratamento de diabetes e da obesidade, sendo observado o recente aumento do uso destes medicamentos, particularmente como auxílio em terapêuticas para perda de peso. Um dos principais representantes desta classe de medicamentos é a semaglutida (ozempic), cujo tempo de meia vida é de 7 dias, permitindo administração semanal o que auxilia na popularização de seu uso. Estas drogas podem trazer implicações para procedimentos anestésicos por reduzirem o esvaziamento gástrico, identificada em algumas publicações. 

Métodos

Estudo retrospectivo observacional realizado em único centro entre julho de 2021 e março de 2022 em um hospital terciário Brasileiro para realização de endoscopia digestiva alta. Foram excluídos do estudo pacientes com obstrução do trato digestivo, volvo gástrico, hemorragia digestiva alta, status de ASA maiores ou iguais a 4, cirurgia abdominal recente (até 2 meses), procedimentos endoscópicos de emergência, endoscopia associada a procedimentos cirúrgicos, insuficiência renal crônica ou doença hepática, acalasia, divertículo de Zenker, linite plástica, uso crônico de opióides/dependência química, pacientes em unidade de terapia intensiva, uso de de medicamentos que conhecidamente inferem com o esvaziamento gástrico (antidepressivos tricíclicos, opióides, procinéticos, antagonistas histamínicos) e registros médicos incompletos. Foram excluídos do estudo pacientes com uso de outros análogos de GLP-1 que não a semaglutida.

O objetivo primário foi identificar a presença de resíduo gástrico aumentado como qualquer quantidade de resíduo sólido do esôfago ao piloro ou drenagem superior a 0,8mL/Kg de líquido no dreno de aspiração. O volume de resíduo gástrico foi classificado em pequeno, médio ou volumoso de acordo com estimativa do endoscopista. O objetivo secundário foi a identificação de episódios de broncoaspiração.

Todos os exames foram realizados com acompanhamento de anestesista, sendo realizada sedação ou anestesia geral. Diversos dados demográficos foram coletados como sexo, idade, IMC, cirurgias prévias, ASA, tempo de jejum, presença e tipo de diabetes; sintomas digestivos como nausea, vômitos, dispepsia ou distensão abdominal no dia da endoscopia.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, um deles de pacientes expostos a uso subcutâneo de semaglutida (grupo SG) e outro grupo de pacientes sem uso de semaglutida por ao menos 30 dias antes da endoscopia (grupo NSG). A semaglutida foi utilizada para o tratamento de diabetes ou como terapia para perda de peso. Independente da indicação, a orientação foi de interromper o uso de semaglutida nos 10 a 14 dias que antecederam o exame endoscópico embora alguns pacientes não tenham seguido esta orientação.

Resultados

Foram incluídos 404 pacientes no estudo, sendo 33 no grupo SG (semaglutida) e 371 no outro grupo. A idade média foi de 50 anos (39-64), 48,5% feminino, obesidade em 19,9% dos pacientes e presença de sintomas digestivos em 6,4% (n=26). A principal indicação para uso de semaglutida foi promover perda de peso (87,8%) enquanto em 12,2% dos casos o medicamento foi usado para controle de diabetes. Os pacientes foram classificados em ASA I (19,3%), ASA II (71%) e ASA III (9,7%) , enquanto os pacientes ASA IV foram excluídos do estudo. O intervalo de jejum para líquidos claros foi de 9,3h (5 – 12,8h) e para sólidos de 14,5h (12,2 a 28,7h) . A maioria dos pacientes (n=392; 97%) foi submetida a exame sob sedação profunda enquanto 12 (3%) realizaram exame sob anestesia geral.

Foi observado aumento do resíduo gástrico em 6,7% (27) dos pacientes dos quais 24,2% (8) no grupo SG e 5,1% (19) no grupo NSG (p<0,001). Resíduos sólidos foram identificados em 85,2% dos pacientes com resíduo gástrico elevado cujo volume foi estimado pelo endoscopista como baixo (25,9%), moderado (25,9%) e elevado (48,1%). Não houve relação entre o volume de resíduo encontrado e o uso de semaglutida (p=0,99). Não houve variável específica associada à elevação do resíduo gástrico no grupo de pacientes SG.

O uso de semaglutida [PR=4,73 (95% IC 2,67-13-98)] e a presença de sintomas digestivos [PR=6,1 (2,67-13,98)] estiveram associados a aumento do resíduo gástrico enquanto a realização simultânea de endoscopia e colonoscopia demonstrou fator protetor com menor risco de resíduo gástrico elevado [PR=0,13 (0,15-0,78)].

O intervalo de tempo de interrupção da semaglutida em pacientes que apresentaram resíduo gástrico foi de 10 dias (6-15) enquanto os pacientes sem resíduo gástrico aumentado foi de 11 (7,75 a 12,5 dias) (p=0,67). 

Foi encontrado apenas 01 caso (0,24%) de broncoaspiração , o qual ocorreu em um paciente de 63 anos, IMC 37,7 Kg/m2 , hipertenso, com cirurgia prévia (bypass gástrico), sem sintomas digestivos, submetido a exame sob sedação profunda. O paciente interrompeu o uso de semaglutida 11 dias antes do exame e apresentava tempo de jejum adequado (12,4h sem líquidos/sólidos).

Comentários

Inibidores da GLP-1 como a semaglutida têm sido utilizados com frequência para auxiliar na perda de peso (nesta publicação mais de 85% dos pacientes), no entanto não é infrequente encontrar pacientes utilizando estes medicamentos sem o adequado acompanhamento médico aumentando o risco de complicações e efeitos adversos da droga. Na realização de exames sob sedação/anestesia deve-se considerar que pode ocorrer retardo do esvaziamento gástrico elevando o risco de broncoaspiração, fato este que pode ser subestimado pelos pacientes ou até mesmo por colegas médicos.

O grupo da semaglutida (grupo SG) esteve associado com risco de resíduo gástrico aumentado [PR 5,15 (1,92 – 12,92)] o que potencialmente pode incrementar o risco de efeitos adversos durante anestesia/sedação. Foi identificada ainda uma incidência de resíduo gástrico sólido de 5,7% no estudo, chegando a 4,6% com a exclusão do grupo da semaglutida. A incidência é maior do que a relatada em uma série retrospectiva publicada por Bi et al envolvendo mais de 85000 pacientes, a qual teve como achado incidência de 3% de resíduo gástrico em pacientes submetidos a endoscopia. Nesta última, foi evidenciado risco elevado para achado de resíduo gástrico sólido em pacientes com diabetes tipo 1 (OR=1,7 p<0,001), diabetes tipo 2 (OR=1,4  p<0,001), amiloidose (OR=1,7 p<0,001), anormalidades estruturais do trato digestivo (estenose ou cirurgia esofágica, gástrica, duodenal; fundoplicatura) (OR =2,6 p<0,001) e gastroparesia (identificada em cintilografia) (OR=4,8 p<0,001). Ressalta-se que a incidência de resíduo gástrico em exames endoscópicos pode ser relevante e algumas condições podem aumentar esse risco. Dentre as condições citadas nestas publicações, as de maior risco foram anormalidades do trato digestivo alto (estenoses/cirurgias prévias), gastroparesia e uso de semaglutida.

Em contrapartida foi observado um fator protetor [PR=0,25; IC95% (0,16-0,39)] em relação à presença de resíduo gástrico sólido quando a endoscopia foi realizada em conjunto com colonoscopia quando comparada a endoscopia realizada isoladamente. Não é possível atribuir este resultado a um fator isolado visto que para a realização do preparo intestinal realiza-se alteração no tipo de dieta (isenta de resíduos) e são utilizadas soluções que podem acelerar o trânsito intestinal.

O uso de semaglutida causa sintomas gastrointestinais com frequência como náuseas, vômitos e diarreia, sendo uma das principais causas da interrupção do medicamento.

A presença concomitante de semaglutida e sintomas gastrointestinais esteve associada a maior risco de resíduo gástrico elevado (PR=16,5; 9,08 – 34,91) sendo importante ressaltar que pacientes no grupo semaglutida sem sintomas digestivos ainda tiveram risco elevado de apresentar resíduo gástrico (PR=9,8 – 5,6 a 17,66).

Ocorreu apenas um caso de broncoaspiração na publicação em um paciente idoso que apresentava outros fatores de risco para aumento do resíduo gástrico como cirurgia gástrica prévia, obesidade além do uso de semaglutida (interrompida 11 dias antes do exame) apesar de estar com tempo de jejum adequado (12,4h).

A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) publicou recente guideline sobre o uso de análogos de GLP-1 ressaltando o risco elevado de resíduo gástrico e consequente broncoaspiração nestes pacientes. Há recomendação geral para suspender a injeção dos medicamentos por uma semana antes do procedimento ou cirurgia, independente de dose, tempo de administração ou indicação do uso da droga.

Pacientes com sintomas gastrointestinais severos como náuseas/vômitos importantes, distensão ou dor abdominal no dia do exame ou cirurgia possuem risco elevado para broncoaspiração sendo recomendado adiar procedimentos eletivos. Pacientes sem sintomas gastrointestinais que não tenham suspendido os medicamentos como orientado podem realizar ultrassonografia para avaliar presença de resíduo gástrico ou serem submetidos a anestesia com as devidas precauções considerando paciente como “estômago cheio”.

Referências

  1. Silveira SQ, da Silva LM, de Campos Vieira Abib A, de Moura DTH, de Moura EGH, Santos LB, Ho AM, Nersessian RSF, Lima FLM, Silva MV, Mizubuti GB. Relationship between perioperative semaglutide use and residual gastric content: A retrospective analysis of patients undergoing elective upper endoscopy. J Clin Anesth. 2023
  2. Bi D, Choi C, League J, Camilleri M, Prichard DO. Food Residue During Esophagogastroduodenoscopy Is Commonly Encountered and Is Not Pathognomonic of Delayed Gastric Emptying. Dig Dis Sci. 2021 Nov;66(11):3951-3959.
  3. Joshi GP, Abdelmalak BB, Weigel WA et al. American Society of Anesthesiologists Consensus-Based Guidance on Preoperative Management of Patients (Adults and Children) on Glucagon-Like Peptide-1 (GLP-1) Receptor Agonists – American Society of Anesthesiologists (ASA) Task Force on Preoperative Fasting (jun 2023)

Como citar este artigo

Ferreira F. Relação entre uso preoperatório de semaglutida e estase gástrica: estudo retrospectivo envolvendo pacientes submetidos a endoscopia eletiva. Endoscopia Terapeutica, 2023 vol. II. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/relacao-entre-uso-pre-operatorio-de-semaglutida-e-estase-gastrica-estudo-retrospectivo-envolvendo-pacientes-submetidos-a-endoscopia-eletiva/




Quiz ! Papel do endoscopista nas neoplasias avançadas esofagogástricas – quando ajudar e quando encaminhar?

O diagnóstico precoce das neoplasias do trato digestivo é essencial para um melhor prognóstico, no entanto muitas vezes a detecção acontece num estágio mais avançado da doença.




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Ingestão de cáusticos e endoscopia – quando podemos realmente ajudar no quadro agudo?

A ingestão de cáusticos representa problema relevante tanto pelos danos agudos como crônicos, envolvendo pacientes de todas as faixas etárias. Na população pediátrica está habitualmente associada a ingestão acidental principalmente de produtos de limpeza armazenados de forma incorreta e reaproveitamento de embalagens.  Nas outras faixas etárias, tentativas de suicídio através da ingesta intencional de cáusticos são causa relevante, senão a mais frequente e grave.

Os agentes cáusticos podem sem ácidos (ácido muriático, ácido sulfúrico, ácido fórmico -“formol”) ou álcalis (bases), dos quais os principais representantes em nosso meio são o hipoclorito de sódio (água sanitária) e hidróxido de sódio (soda cáustica). O potencial de dano relevante está associado a dois fatores principais, o pH do produto (maior risco com pH<2 ou >11) e o volume ingerido.

A ingestão de cáusticos alcalinos está associada a dano por necrose por liquefação onde há saponificação dos lipídeos, desnaturação de proteínas e trombose capilar com potencial de danos mais profundos e perfuração. O dano secundário à ingestão de ácidos está associado por sua vez à necrose por coagulação. Há uma evolução natural no processo de dano e cicatrização da mucosa que pode ser dividido em três fases principais:

  • Fase aguda (até 10 dias) – necrose aguda (liquefação ou coagulação), trombose e ativação de cascata inflamatória; início da deposição de colágeno e re-epitelização.
  • Fase sub-aguda (10 dias – 6 a 8 semanas) – maior atividade dos mecanismos de reparação, aumento de colágeno e reepitelização o que pode conferir melhora sintomática inicial, com potencial de retorno à dieta oral. Considerada uma fase “traiçoeira” pois os sintomas melhoram enquanto o esôfago se reepiteliza e forma possíveis estenoses.
  • Fase crônica (>6 a 8 semanas) – fase de cicatrização e estenoses. Há recrudescimento de sintomas de odinofagia, disfagia e vômitos pelo estabelecimento de estenoses cicatriciais no esôfago.

Manejo inicial

O manejo inicial visa oferecer suporte, com avaliação de possíveis danos às vias áreas, hidratação, dieta zero e realização de exames complementares. Os laboratoriais incluem hemograma, ureia, creatinina, enzimas hepáticas, enquanto os exames de imagem podem incluir radiografia simples (avaliar pneumoperitônio, pneumotórax ou pneumomediastino) e endoscopia. A tomografia tem capacidade de avaliar a profundidade do dano ao trato digestivo (não avaliada pela endoscopia), sendo utilizada em diversos centros, porém não é utilizada rotineiramente em nosso meio.

Endoscopia

A endoscopia digestiva alta possui papel importante no tratamento dos pacientes com ingestão cáustica através da classificação das lesões e consequente identificação do grupo de pacientes com maior risco para desenvolvimento de estenoses, os quais devem ser incluídos em um programa de dilatação.  A classificação utilizada é a Classificação de Zargar, sendo bastante simples:

  • Grau 1 – edema e enantema;
  • Grau 2 a – Friabilidade, erosões, eritema, exsudato inflamatório difuso;
  • Grau 2 b – úlceras superficiais ou profundas, confluentes ou não;
  • Grau 3 a – áreas de necrose;
  • Grau 3 b – necrose extensa.

A endoscopia deve ser realizada o quanto antes, preferencialmente nas primeiras 24h da ingesta e no máximo até 48h após. Após esse período, o risco de agravamento de lesões é maior e a endoscopia deve ser suspensa, podendo ser realizada após 3 semanas da ingestão, momento onde podem ser iniciadas as sessões de dilatação nos pacientes de risco para desenvolvimento de estenoses (Zargar 2b ou 3). Alguns estudos sugerem a realização de estudo contrastado para confirmar a presença de estenose antes da dilatação, o que também pode ser realizado nos pacientes que não conseguiram fazer endoscopia nas primeiras 48h. A presença de necrose esofágica pode estar associada a perfuração sendo importante avaliar a profundidade da lesão com tomografia. Quadros de necrose extensa habitualmente são cirúrgicos. 

É importante considerar que a ingestão de cáusticos pode desencadear uma série de alterações sistêmicas como acidose metabólica, distúrbios eletrolíticos, insuficiência renal e também danos (ou hiperatividade) das vias aéreas (principalmente os mais voláteis) requerendo cuidado adicional na sedação destes pacientes.

Mensagens principais:

  • A endoscopia deve ser realizada precocemente (máximo 48h);
  • Não induzir vômitos pelo risco de refluxo ao esôfago e agravamento dos danos;
  • Zargar 1 e 2a – baixo risco de desenvolvimento de estenoses;
  • Zargar 3a e 3b – risco de perfuração;
  • Risco aumentado de estenose e perfuração – pH <2 ou >11;
  • Danos às vias aéreas com cáusticos voláteis;

É importante avaliar que em muitas ocasiões não temos informações fidedignas relacionadas ao produto ingerido por diversos motivos:

  • Crianças ou responsáveis podem desconhecer o produto ingerido ou não darem informações verdadeiras por temor de possíveis repercussões;
  • Pacientes com tentativa de suicídio estão atravessando momento de grande pesar e instabilidade emocional, desconhecida pelo emergencista e podem maximizar ou minimizar dados relevantes;
  • Produtos formulados, manipulados, diluídos podem conter substâncias desconhecidas ou causarem reações químicas incertas;
  • Ingestão de produtos cáusticos em ambientes de trabalho, escolas, creches, fazendas, casa de terceiros etc – o temor de repercussões negativas e responsabilização por danos podem influenciar funcionários e familiares. 

Quer saber mais sobre esofagites cáusticas ou tratamento de estenoses? Entre em contato conosco!

Referências

  1. Methasate A, Lohsiriwat V. Role of endoscopy in caustic injury of the esophagus. World J Gastrointest Endosc. 2018 Oct 16;10(10):274-282. doi: 10.4253/wjge.v10.i10.274. PMID: 30364838; PMCID: PMC6198306.
  2. ASGE Standards of Practice Committee, Lightdale JR, Acosta R, Shergill AK, Chandrasekhara V, Chathadi K, Early D, Evans JA, Fanelli RD, Fisher DA, Fonkalsrud L, Hwang JH, Kashab M, Muthusamy VR, Pasha S, Saltzman JR, Cash BD; American Society for Gastrointestinal Endoscopy. Modifications in endoscopic practice for pediatric patients. Gastrointest Endosc. 2014
  3. Chirica M, Kelly MD, Siboni S, Aiolfi A, Riva CG, Asti E, Ferrari D, Leppäniemi A, Ten Broek RPG, Brichon PY, Kluger Y, Fraga GP, Frey G, Andreollo NA, Coccolini F, Frattini C, Moore EE, Chiara O, Di Saverio S, Sartelli M, Weber D, Ansaloni L, Biffl W, Corte H, Wani I, Baiocchi G, Cattan P, Catena F, Bonavina L. Esophageal emergencies: WSES guidelines. World J Emerg Surg. 2019
  4. Tosca J, Villagrasa R, Sanahuja A, Sanchez A, Trejo GA, Herreros B, Pascual I, Mas P, Peña A, Minguez M. Caustic ingestion: development and validation of a prognostic score. Endoscopy. 2021 Aug;53(8):784-791. doi: 10.1055/a-1297-0333. Epub 2021 Jan 18. PMID: 33096569.

Como citar este artigo

Ferreira F. Ingestão de cáusticos e endoscopia – quando podemos realmente ajudar no quadro agudo? Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/ingestao-de-causticos-e-endoscopia–quando-podemos-realmente-ajudar-no-quadro-agudo/




Terapia endoscópica com vácuo (EVT) – Principais resultados de uma metanálise.

A endoscopia possui um papel de destaque no tratamento de fístulas pós cirúrgicas, particularmente bariátricas. Temos diversas opções de tratamento, com enfoques distintos e diversas publicações sobre estes métodos.

A terapia endoscópica com vácuo – Endoscopic Vacuum Therapy (EVT) – é uma técnica mais recente e por tal motivo ainda conta com menor quantidade de publicações e nenhuma metanálise, ao menos até a publicação do artigo original que iremos comentar aqui. 

Artigo original: Intriago JMV, de Moura DTH, do Monte Junior ES, et al. Endoscopic Vacuum Therapy (EVT) for the Treatment of Post-Bariatric Surgery Leaks and Fistulas: a Systematic Review and Meta-analysis. Obes Surg. 2022.

Os principais mecanismos de ação da EVT estão relacionados a sua capacidade de promover macro e microdeformação, mudanças na perfusão através de estímulo a angiogênese, controle de exsudato e clearance bacteriano. Resumidamente, a EVT atinge seus resultados promovendo estímulo a cicatrização ao mesmo tempo que mantém drenagem. A localização da sonda pode ser intracavitária (sonda alocada dentro da cavidade perigástrica) ou intraluminal (no lúmen esofágico/gástrico); em ambos casos o sistema é mantido com pressão negativa entre 125 a 175mmHg.

Os modelos utilizados podem ser de quatro tipos:

  • Open-pore sponge (OPS) – esponja localizada na extremidade da sonda
  • Open-pore film (OPF) – filme fino de drenagem na extremidade da sonda
  • Sonda EVT modificada* – modelo modificado de sonda, difundido por Flaubert Sena
  • Sonda EVT três lumens – modelo com sonda de três vias, permitindo a terapêutica com EVT ao mesmo tempo que oferece via alimentar com sonda única

 * Em nossas referências procure o artigo publicado na VideoGIE com um vídeo gratuito, detalhando como montar a sonda.

Métodos

O estudo foi protocolado na PROSPERO e aprovado pelo comitê de ética da Universidade de São Paulo seguindo as normativas da Cochrane (PRISMA).

Dois avaliadores independentes realizaram a busca com os alguns descritores em diversas bases de dados incluindo MEDLINE, Embase, Cochrane e outros com os descritores “negative pressure, vaccum, EVT, Evac , leak, leakage” e outros. Um terceiro avaliador esteve disponível para casos de não concordância.

Foram excluídos estudos com desenho inapropriado ou não descrito, dados insuficientes e estudos duplicados (neste caso, sendo utilizado apenas o mais recente). Em casos de estudos comparativo, foram selecionados apenas os dados referentes a EVT. Os pacientes inclusos na metanalise incluíam pacientes pós cirurgia bariátrica, fistulas ou vazamentos, independente do tempo de evolução, tratados com EVT.

Desfechos

Sucesso clínico (fechamento do defeito) e perfil de segurança (efeitos adversos e deslocamento da sonda EVT), número e intervalo entre trocas, tempo de permanência do dispositivo, terapia adjuvante utilizada, tempo de internamento hospitalar.

Estatística

O risco de viés foi avaliado considerando os critérios da Grading Recommendations Assessment, Development, and Evaluation (GRADE), utilizando software GRADE-pro. Para variáveis dicotomicas foi utilizado o método de Mantel–Haenszel, com intervalo de confiança de 95%. Foram utilizados testes de Higgins para avaliação de heterogenicidade, considerada alta com I2 maior que 50 % enquanto gráficos de Forest plot foram utilizados para avaliação dos estudos.

Resultados  

A busca inicial encontrou 5803 artigos, sendo selecionados 207 para avaliação de resumo. 12 estudos foram selecionados porém 7 foram excluídos por tratarem do mesmo grupo de pacientes, sendo mantido apenas os estudos mais recentes. Para análise final foram selecionados 5 artigos, todos retrospectivos (4 séries de caso e 01 coorte).

Características dos estudos:

O número total foi de 55 pacientes, assim divididos:

Morell B. et al – 6 pacientes, casos de fístula aguda após bypass gástrico (RYGB) e sleeve, utilizando (OPS) Eso-Esponge isoladamente ou em associação a com prótese em caso de fístulas de largo calibre (técnica stent over sponge).  Dois pacientes utilizaram EVT como terapia primária e quatro como terapia de resgate. Sucesso clínico em todos casos, sem relato de eventos adversos.

Christogianni V. et al – 21 pacientes com fístulas precoces (até 10 dias), pós sleeve. Todos pacientes foram submetidos a laparoscopia, lavagem e drenagem para posterior uso do EVT. Sucesso clínico em todos casos sendo 18 apenas com EVT; em três casos houve persistência de fístula onde o tratamento realizado foi drenagem interna através de cateter tipo duplo pigtail. Em quatro casos houve deslocamento/desalojamento do EVT.

Archid R. et al – coorte retrospectiva avaliando 27 pacientes comparando EVT e prótese no tratamento de fístulas agudas e crônicas após LSG. Foram utilizados dois modelos de sistema EVT o Eso-Esponge (nos casos intracavitários) e o sistema open-pore film (OPF) em intra-luminais. O EVT foi realizado como terapêutica primária em 10 casos e como método complementar em 4 (após radiologia intervencionista ou drenagem cirúrgica). Houve sucesso em 85,7% (12/14), um deles necessitando uso de stent após EVT. Um paciente com múltiplas comorbidades foi a óbito por sepse (evento não relacionado ao EVT).

Leeds SG. et al – EVT realizado com dispositivo manufaturado utilizando esponja para tratamento de fístulas pós sleeve, agudas ou crônicas. Nove pacientes foram selecionados dos quais 3 tiveram EVT como terapêutica primária. Oito pacientes obtiveram sucesso clínico (8/9) dos quais 5 utilizaram próteses em alguma etapa do tratamento. Um paciente foi a óbito por falência múltipla de órgãos, não sendo relacionado ao EVT. Houve relato de um quadro de pancreatite como evento adverso moderado.

Zaveri et at – 6 pacientes com fístulas agudas ou crônicas após sleeve, dos quais 3 tiveram EVT como terapêutica primária. Houve sucesso clínico em 5/6 pacientes e um paciente foi submetido a tratamento complementar com prótese. Não houve relato de evento adverso ou óbito.

Metanálise

Taxa de sucesso clínico (6 estudos): 87,2% (95% CI 75,4–93,8%; I2 = 0%; P = 0,000)

Número de trocas do sistema EVT (4 estudos): 6,47 (95% CI 4.00–8.94; I2 = 85,30%; P = 0,000)

Intervalo entre a troca de sistemas (2 estudos): 4,39 dias (95% CI 3,60–5,17; I2 = 93,31%; P = 0,000)

Tempo de permanência EVT (6 estudos): 5,67 dias (95% CI 15,16–36,18; I2 = 93,31%; P = 0,000)

Terapia adjuvante durante EVT (2 estudos): 35,3% (95% CI 19,3–75,2; I2 = 14,617%; P = 0,284), ambos estudos descrevendo cirurgia como um dos métodos

Internamento hospitalar (4 estudos): 44,43 dias (95% CI 30,01–58,84 dias; I2 = 80,82%; P = 0,000)

Deslocamento do sistema EVT (2 estudos): 2,5% (95% CI 2,7–42,7; I2 = 35,52%; P = 0,021)

Eventos adversos (seis estudos): 6%, todos moderados (95% CI 1,9%–17%; I2 = 0%; P = 0,000) 

Mortalidade – dois casos foram relatados porém ambos não relacionados ao EVT

Discussão

O tratamento com EVT foi realizado de forma isolada em apenas 32.72% (18 de 55) dos casos apresentados na metanálise, o que dificulta a interpretação dos resultados. De toda forma, os resultados foram positivos tanto em casos agudos quanto em casos crônicos, estes últimos mais difíceis de tratar habitualmente.

A experiência das equipes e uso de sondas distintas podem influenciar nos resultados embora não exista um número grande de casos para fazer estudos comparativos. Foi observada diferença relevante no tempo de tratamento em alguns dos estudos com destaque para a publicação de Leeds com média de 81,3 dias de permanência, todos casos utilizando sondas OPS em contraste com Archid R que utilizou OFD em todos casos e obteve 37,04 dias de permanência. Uma possível explicação pode estar relacionada ao uso de sondas OPS que estão associadas a criação de tecido ingrowth e obstrução, requerendo intervalo mais curto entre as trocas.  

Os dados apresentados na metanálise são muito relevantes porém o estudo possui suas limitações pela pequena quantidade de dados disponíveis na literatura, tempo relativamente curto do desenvolvimento da técnica, característica de estudos retrospectivos, uso de sondas de EVT diferentes e realização de terapias combinadas (mais de um método endoscópico ou uso de outros métodos como cirurgia e drenagem percutânea).

Referências

de Moura DTH, Hirsch BS, Do Monte Junior ES, et al. Cost-effective modified endoscopic vacuum therapy for the treatment of gastrointestinal transmural defects: step-by-step process of man-ufacturing and its advantages. VideoGIE. 2021;6:523–8 *

de Moura DTH, Hirsch BS, Boghossian MB,  et al. Low-cost modified endoscopic vacuum therapy using a triple-lumen tube allows nutrition and drainage for treatment of an early post–bari-atric surgery leak. Endoscopy. 2021;

Kuehn F, Loske G, Schiffmann L, et al. Endoscopic vacuum ther-apy for various defects of the upper gastrointestinal tract. Surg Endosc. 2017;31:3449–58

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Septotomia para tratamento de fístula bariátrica

Uma das mais graves complicações da cirurgia bariátrica, independente da técnica utilizada, é o desenvolvimento de fístulas. Esta condição está associada à elevada morbimortalidade, gerando grandes expectativas e pressão sobre a equipe cirúrgica.

O tratamento de fístulas deve ser realizado em caráter multidisciplinar para promover as melhores opções possíveis para a recuperação plena do paciente. O controle do foco séptico pode envolver cirurgia, endoscopia e radiologia intervencionista, muitas vezes em associação.

A endoscopia digestiva possui um papel fundamental no suporte ao paciente com fístula após cirurgia bariátrica, devendo ser realizada em todos os pacientes mesmo que não tenha o intuito de tratar a fístula, pois permite avaliar possíveis fatores de risco para persistência ou recidiva (alterações anatômicas, desvio de eixo, estenoses associadas, detecção de drenos dentro do lúmen gástrico etc). 

Diversas técnicas endoscópicas têm sido relatadas para o tratamento de fístulas após cirurgia bariátrica, como a colocação de clips, cola, dilatação, terapia a vácuo, colocação de próteses e estenotomia. (assista a video-aula aqui)

Na estenotomia, objetiva-se a correção de defeito anatômico que predispõe a cronificação da fístula (septo entre fístula e cavidade gástrica), com auxílio de papilótomo de ponta (needle-knife ou similares) ou cateter de argônio. O segundo é utilizado preferencialmente nos casos com importante reação inflamatória e, portanto, maior risco de sangramento. O tratamento deve ser realizado em sessões com um intervalo de no mínimo uma semana, para permitir a cicatrização do tecido e redução da reação inflamatória. É associada com frequência à dilatação com balão de acalásia (5-10 psi) para auxiliar na remodelação da anatomia da bolsa gástrica.

Como citar este artigo:

Ferreira FC. Septotomia para tratamento de fístula bariátrica. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-septotomia-para-tratamento-de-fistula-bariatrica/

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Sobre esofagite eosinofílica (EoE): qual a alternativa é correta?

 

 




Gastrite atrófica – guia prático sobre OLGA e OLGIM

A gastrite atrófica é um achado frequente de exames endoscópicos, sendo um dos fatores de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico.  Para identificar e estratificar grupos de risco foi criada uma classificação denominada OLGA (Operative Link of Gastritis Assesment), baseada na localização das biópsias e achados histológicos avaliando de forma objetiva o grau de atrofia.  A classificação é reprodutível, de fácil execução, permitindo selecionar o grupo de pacientes de maior risco que devem ter seguimento mais rígido, mantendo a custo-efetividade do rastreamento.

Resumidamente, as biópsias devem ser realizadas nos seguintes locais e identificadas em três frascos separados, com ao menos dois fragmentos de cada local: 

  1. Parede anterior e parede posterior de corpo (C1 e C2) 
  2. Incisura angular (A3)
  3. Pequena e grande curvatura de antro (A1 e A2)

Obs: se quiser uma discussão mais aprofundada a respeito dos locais de biópsia, confira esse outro artigo: onde coletar as biópsias para estadiamento OLGA?

O escore OLGA é classificado de acordo com o resultado destas biópsias, conforme tabela abaixo: 

Escore OLGA
Escore de OLGA para avaliação de atrofia gástrica

Essa classificação não leva em consideração a avaliação de outro fator de risco relevante caracterizado pela metaplasia intestinal. Para suprir esta deficiência, a classificação de OLGIM foi criada e basicamente reproduz a mesma ideia de avaliar a localização de biópsias com aspectos histológicos, porém voltadas para a metaplasia intestinal.

Os estágios são muito parecidos conforme disposto na tabela abaixo:

Score OLGIM
Score de OLGIM para avaliação de metaplasia intestinal

É realmente necessário fazer essas biópsias? A avaliação endoscópica não é suficiente?? 

Diversas publicações mostraram ao longo do tempo que os scores OLGA III/IV possuem maior risco para desenvolvimento de câncer gástrico, sendo relevante realizar seguimento cuidadoso neste subgrupo. Dentre elas destaca-se a publicação da GUT de 2007 envolvendo 448 pacientes  estratificados utilizando o sistema OLGA com identificação de aumento gradativo da faixa etária e prevalência de infeção com H. Pylori (HP) nos escores maiores. Além disso, lesões neoplásicas foram identificadas apenas nos estágios OLGA III e IV. 

Publicações mais recentes corroboram estes achados como a extensa metanálise envolvendo cerca de 2700 pacientes (8 estudos , dos quais 6 caso-controle) realizada por Yue H et al em 2018. Nessa publicação, foi descrito maior risco de desenvolvimento de câncer gástrico em escores  OLGA III e IV (OR 2,64; 95% IC p<0,00001) e OLGIM III e IV (OR  3.99;  95%  IC , p< 0,00001), confirmando a importância dos escores descritos nesse post e ressaltando a importância de fazer sim as biópsias. 

O que dizem então os guidelines?

ASGE (2021 )

  • As biópsias devem ser realizadas em antro, incisura e corpo;
  • A presença de metaplasia intestinal implica em diagnóstico de gastrite atrófica; 
  • Achados endoscópicos típicos: mucosa gástrica pálida, aumento da visualização de vascularização submucosa e perda de pregas gástricas;
  • Pacientes com gastrite atrófica e com HP + devem realizar tratamento e confirmar erradicação;
  • Rastreamento a cada 3 anos em pacientes com atrofia gástrica avançada (baseado na histologia e extensão de acometimento); 
  • Na presença de gastrite autoimune, pesquisar vitamina B12, Ferro e anticorpos anticorpos anti-célula parietal e anti-fator intrínseco, doenças tireoideanas. Suspeitar de gastrite autoimune em pacientes com deficiência de B12 e/ou de Ferro;
  • Anemia perniciosa é uma manifestação tardia de gastrite autoimune – no diagnóstico realizar biópsias para confirmar predominância de atrofia em corpo e excluir neoplasia e tumores neuroendócrinos;
  • Pacientes com gastrite autoimune devem ser rastreados para tumor neuroendócrino tipo 1 e os menores que 1cm devem ser ressecados. Controle endoscópico a cada 1-2 anos. 

ESGE (2019 – MAPSII)

  • Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal possuem risco aumentado de adenocarcinoma;
  • Endoscopia com equipamentos de alta definição e cromoscopia (CE) são superiores a endoscópios de alta definição com luz convencional
  • Cromoscopia pode direcionar as biópsias para áreas mais representativas, com maior risco de malignidade;  
  • Realizar biópsias em ao menos dois locais (corpo e antro – grande e pequena curvaturas) e enviar em frascos separados; 
  • Pacientes com atrofia leve a moderada restrita ao antro não possuem evidência para recomendação de rastreamento;
  • Pacientes com metaplasia intestinal em uma única região porém com histórico familiar de câncer gástrico, metaplasia incompleta ou gastrite crônica com HP persistente – considerar rastreamento e biópsias guiadas por CE em 3 anos; 
  • Casos de gastrite atrófica severa devem ser rastreados a cada 3 anos;
  • Displasia, sem lesão endoscópica definida devem ser submetidos a endoscopia com CE; 
  • Lesão endoscópica com displasia de baixo ou alto grau / carcinoma devem ser estadiados e tratados; 
  • Erradicação de H. pylori traz cicatrização do tecido não atrófico reduzindo o risco de câncer.

Referências:

  1. Yue, H., Shan, L., & Bin, L. (2018). The significance of OLGA and OLGIM staging systems in the risk assessment of gastric cancer: a systematic review and meta-analysis. In Gastric Cancer (Vol. 21, Issue 4, pp. 579–587).
  2. Rugge, M., Meggio, A., Pennelli, G., Piscioli, F., Giacomelli, L., de Pretis, G., & Graham, D. Y. (2007). Gastritis staging in clinical practice: The OLGA staging system. Gut, 56(5), 631–636.
  3. Coelho, M. C. F., et al. (2021). Helicobacter pylori chronic gastritis on patients with premalignant conditions: Olga and olgim evaluation and serum biomarkers performance. Arquivos de Gastroenterologia, 58(1), 39–47.
  4. Pimentel-Nunes, P., Libânio, D., Marcos-Pinto, R., et al. (2019). Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) guideline update 2019. Endoscopy, 51(4)

Quer saber mais? Acompanhe esse outro post que preparamos para você.






Quiz: você conhece este tipo de lesão?

Paciente de 56 anos, hipertensa, com queixa de dor epigástrica e retroesternal, tosse persistente, pigarro e queimor. Realizou endoscopia que evidenciou esofagite de refluxo, gastrite antral leve e as alterações evidenciadas nas imagens abaixo:

Quiz: você conhece este tipo de lesão? Quiz: Paciente de 56 anos, hipertensa, com queixa de dor epigástrica e retroesternal, tosse persistente, pigarro e queimor. Quiz: Realizou endoscopia que evidenciou esofagite de refluxo, gastrite antral leve e as alterações Quiz: Você conhece este tipo de lesão? Quiz: Hiperplasia de glândulas de Brunner, Metaplasia gástrica em bulbo, Lesões de Kaposi, Pseudomelanose duodenal ou Hemocrematose?

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Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional e ESD com auxílio de método de tração

Artigo original: Comparing a conventional and a spring-and-loop with clip traction method of endoscopic submucosal dissection for superficial gastric neoplasms: a randomized controlled trial (with videos). Nagata M, Fujikawa T, Munakata H. Gastrointest Endosc. 2021 May;93(5):1097-1109.

Técnicas de dissecção endoscópica da submucosa permitem o tratamento de lesões neoplásicas precoces, com vasto suporte na literatura sobre eficácia, segurança e menor taxa de recorrência que outros métodos endoscópicos, seguindo os critérios adequados para indicação do procedimento. Na prática, observamos que a dificuldade técnica inerente ao procedimento e tempo prolongado para sua realização acabam por limitar as indicações, sendo realizado apenas por alguns experts. A incapacidade de realizar contratração do tecido a ser removido é citada por vários como uma das principais dificuldades do procedimento.

Existem algumas publicações mostrando dispositivos diferentes com o objetivo de promover contratração utilizando fios, clips, elásticos ou, até mesmo, magnetos. No estudo em questão, foi utilizado um dispositivo que consiste em uma mola acoplada a um loop em uma extremidade e um clip na outra, sendo denominado apenas como “mola” no decorrer do texto. A tração é realizada ancorando o clip do próprio dispositivo na lesão e utilizando um clip convencional para apreender o loop, deslocá-lo ao local desejado e ancorar no tecido gástrico com o clip.

Figura 1 – Legenda : Dispositivo loop-mola-clip (SLC, Zeon Medical, Tokyo-Japão) com mola de 5 mm (extensível até 8 cm), loop de 4 mm e clip metálico.

Métodos

Estudo prospectivo, em único centro, randomizado, envolvendo o tratamento de neoplasia gástrica precoce através de dois braços – ESD convencional (ESD-C) e ESD com loop-mola-clip (ESD-M).

A randomização foi realizada com auxílio de software, porém os pacientes e pesquisadores tinham conhecimento sobre os grupos (não cego).

Foram avaliados, como objetivo primário, o tempo do procedimento em minutos e, como objetivos secundários, taxas de efeitos adversos, ressecção en bloc, avaliação histológica da amostra e dados referentes ao dispositivo de mola, os quais foram detalhados em:

  1. a) tempo de liberação do dispositivo – tempo entre visualização do clip no monitor e fixação na parede gástrica para promover tração. Havendo necessidade de reposicionamento, esse tempo também foi incluído;
  2. b) dano tecidual – presença de lacerações ou ruptura do tecido relacionada ao dispositivo de tração durante ESD;
  3. c) quebra do dispositivo – perda da elasticidade da mola.

Critérios de inclusão: ausência de cirurgia gástrica, confirmação histológica de adenoma ou adenocarcinoma precoce por biópsias prévias, de acordo com o esquema abaixo:

  1. a) carcinoma diferenciado de qualquer tamanho, sem ulceração/cicatriz;
  2. b) carcinoma diferenciado ≤ 30 mm, com ulceração/cicatriz;
  3. c) carcinoma indiferenciado ≤ 20 mm, sem ulceração/cicatriz.

Todos os procedimentos foram realizados por um único endoscopista, expert em dissecção endoscópica da submucosa com mais de 750 casos de ESD convencional e mais de 50 casos de ESD-M. Os procedimentos foram realizados com insuflação de CO2, utilizando overtube, gastroscópio convencional e cap.

A técnica de ESD convencional não utilizou qualquer dispositivo de tração, técnicas underwater ou pocket.

A técnica de ESD-M foi realizada da seguinte forma, resumidamente:

  1. Marcação da lesão de forma convencional.
  2. Avaliação da melhor forma de ressecção, através de visão frontal ou retroversão.
  3. Posicionamento da mola na lesão de acordo com o acesso para ESD:
  • visão frontal – mola na face proximal/oral da lesão;
  • retroversão – mola na face distal/anal da lesão.
  1. Após posicionamento de uma extremidade do dispositivo, um clipador convencional era utilizado para apreender o loop e fixá-lo na posição desejada.
  • Nos casos em que a dissecção foi realizada em retroversão, foi necessário avaliar o local de posicionamento do clip na parede gástrica para reduzir o risco de deslocamento ou tração exagerada do dispositivo com a mobilização do endoscópio.

 

Figura 2 – imagens demonstrando localização da lesão e posicionamento do dispositivo de mola para auxiliar na tração durante ESD-M. Vídeo disponível em www.giejournal.org (artigo completo disponível gratuitamente).

Resultados

Foram selecionados, inicialmente, 87 pacientes, sendo excluídos 7 (recusa em participar, não atendimento aos critérios de indicação, outras causas), totalizando 80 pacientes, 40 em cada braço do estudo – todos esses completaram o estudo e tiveram seus dados analisados.

O perfil dos pacientes foi muito semelhante entre o grupo de ESD-M e ESD-C em idade (75,3 x 74,6) e predominância de sexo masculino (75% vs. 72,5%), respectivamente. As outras características das lesões também foram bastante uniformes.

ESD-M (n=40) ESD-C (n=40)
Tamanho lesão (mm) Mean (Range) 15,9 (5-48) 15,7 (1,4-45)
Localização Proximal 7 (17,5%) 6 (15%)
Médio 19 (47,5%) 19 (47,5%)
Distal 14 (35%) 15 (37,5%)
Posição Grande curvatura 10 (25%) 7 (17,5%)
Pequena curvatura 19 (47,5%) 15 (37,5%)
Parede anterior 6 (15%) 7 (17,5%)
Parede posterior 5 (12,5%) 11 (27,5%)
Morfologia Deprimida (0-IIc; 0-III) 19 (47,5%) 24 (60%)
Plana (0-IIb) 1 (2,5%) 2 (5%)
Elevada (0-I; 0-IIa) 20 (50%) 14 (35%)
Histologia Adenoma 6 (15%) 7 (17,5%)
Adenocarcinoma diferenciado 34 (85%) 30 (75%)
Adenocarcinoma não diferenciado 0 (0%) 3 (7,5%)

 

Em relação ao uso do dispositivo de aplicação da mola, foi evidenciado tempo de liberação médio de 1,82 minutos (0,8 a 4,25). Não houve dano ao tecido a ser ressecado, e todas as âncoras foram removidas ao término do procedimento. Foi necessário usar um segundo dispositivo (média de 1,15) em 15% dos casos (n=6) por soltura do dispositivo (n=1), falha em fixar o dispositivo (n=2) e necessidade de tração adicional (n=3).

Foi observado menor tempo para realização de ESD-M e maior velocidade de dissecção neste grupo, ambos com diferenças estatisticamente significantes. Não houve diferença entre taxas de ressecção en bloc, perfuração e efeitos adversos. Os resultados estão dispostos na tabela abaixo.

    ESD-M (n=40) ESD-C (n=40) p-value
ESD procedure time Mean (Range) 42,9 (10,4-125,1) 61.7 (13,6-217,3) 0,019
Dissection speed, mm2/min Mean (Range) 28,1 (9-66,6) 1,5 (5,8-40,4) <0,001
Specimen size, mm Mean (Range) 36,1 (22-61) 37 (22-67) 0,705
Depth (size,mm / %) Mucosa 33 (82.5%) 34 (85%) 0,415
Submucosa <500 µm 1 (2,5%) 3 (7,5%)  
Submucosa ≥500 µm 6 (15%) 3 (7,5%)  
Presence of ulceration   7 (17,5%) 7 (17,5%)  
En bloc resection   40 (100%) 40 (100%)  
Complete resection   36 (90%) 39 (97,5%) 0,359
Adverse events Post-ESD bleeding 2 (5) 3 (7,5)  
Perforation 0 0  
Others 0 0  

 

Houve diferença no posicionamento do endoscópio para a realização da dissecção endoscópica, sendo observada preferência por abordagem frontal no grupo de ESD-M e uma equivalência entre abordagem frontal e retroversão no grupo de ESD-C.

Na análise de subgrupo, foi constatada vantagem para o grupo de ESD-M, com tempo menor para realização do procedimento para lesões nos terços superiores e lesões menores que 20 mm.

Comentários

Modificações na técnica e desenvolvimento de novos dispositivos, como o descrito no trabalho, têm potencial muito grande de trazer auxílio para a realização de ESD, facilitando sua reprodutibilidade e ampliando as indicações. 

Foi discutido no artigo que não houve diferença significativa no tempo de execução entre ESD convencional e tipo ESD-M para lesões em terço distal do estômago, no entanto, esta posição é mais favorável para a dissecção, potencialmente reduzindo as vantagens do uso do dispositivo tipo mola. Apesar dessa citação, é importante observar que o expert já realizou mais de 800 casos de ESD, possuindo técnica e habilidade suficiente para a realização dos procedimentos de maneira rápida e segura. Para médicos com menor experiência, é possível imaginar que os resultados entre ESD-M e ESD-C sejam ainda mais distintos.

Como citar este artigo

Ferreira F. Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional vs ESD com auxílio de método de tração. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estudo-comparativo-rct-entre-realizacao-de-esd-para-remocao-de-neoplasia-gastrica-precoce-atraves-de-metodo-convencional-e-esd-com-auxilio-de-metodo-de-tracao

Referências

  1. Nagata M, Fujikawa T, Munakata H. Comparing a conventional and a spring-and-loop with clip traction method of endoscopic submucosal dissection for superficial gastric neoplasms: a randomized controlled trial (with videos). Gastrointest Endosc. 2021 May;93(5):1097-1109. Epub 2020 Oct 12
  2. Okagawa Y, Abe S, Takamaru H, Sekiguchi M, Yamada M, Sakamoto T, Saito Y. A novel technique for adjusting traction direction during colorectal endoscopic submucosal dissection using S-O clip. Endoscopy. 2021 May;53(5):E177-E178. doi: 10.1055/a-1216-1167. Epub 2020 Aug 20. PMID: 32818993.

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