Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia

Introdução

Cerca de metade dos pacientes com neoplasia malignas abdominais apresentam dor crônica, com uma incidência ainda maior em pacientes com câncer gástrico e pancreático em estado avançado (clique aqui para critérios de rastreio de neoplasia pancreática). O mecanismo da dor é multifatorial, com componentes nociceptivo (somático e visceral) e neuropático, sendo este último o mais resistente à terapêutica analgésica. O câncer pancreático apresenta-se com maior propensão para invasão perineural e, portanto, dor neuropática, o que explica uma maior prevalência do sintoma em pacientes com esta doença.

O controle inadequado da dor não prejudica apenas o aspecto da qualidade de vida dos pacientes, mas também está relacionado a desfechos clínicos piores, incluindo uma maior mortalidade.1,2,3

O manejo da dor deve ser feito de maneira multimodal, incluindo o uso de analgésicos não opioides, opioides e moduladores da dor, mas o efeito colateral destas medicações, sobretudo dos opioides (náusea, vômitos, constipação, sonolência, pruridos) é um fator limitante. Outro aspecto que dificulta o controle álgico é a tendência a resistência à ação das medicações e necessidade de aumento progressivo das doses, com consequente aumento dos efeitos colaterais. Neste contexto a neurólise do plexo celíaco (Figura 14) surge como um importante método complementar no tratamento da dor oncológica abdominal, podendo ser indicada também em contexto não oncológico como no caso da pancreatite crônica dolorosa. A intervenção direta no plexo celíaco atua na redução da transmissão dolorosa independente do tipo do sinal (nociceptivo ou neuropático).

Figura 1. Anatomia do plexo celíaco (adaptado de imagem do Dr. Gombosiu C publicada por Seicean A, 2017 4).

A neurólise consiste na destruição permanente do plexo pela injeção de uma substância neurolítica, como o etanol. É importante diferenciar do bloqueio celíaco que se refere a interrupção temporária da transmissão dolorosa pela injeção de corticoides ou anestésicos de longa duração.

Leia também: Estudo multicêntrico, randomizado comparando a neurólise ecoguiada do gânglio celíaco versus a neurólise ecoguiada do plexo celíaco

Técnica

O procedimento de neurólise do plexo celíaco foi classicamente descrito por abordagem posterior guiada por tomografia. Entretanto o advento da Ecoendoscopia, permitiu uma abordagem com menos eventos adversos, mais cômoda aos pacientes, mais custo-efetiva e com a possibilidade de visão em tempo real. A técnica ecoguiada foi descrita por Wiersema et al 5 em 1996.

A preparação do paciente deve levar em consideração avaliação da coagulação e função plaquetária, com descontinuação de agendes anticoagulantes e antiplaquetários, conforme recomendações habituais. As contraindicações relativas e absolutas estão expostas na tabela 1.

Tabela 1. Contraindicações da neurólise celíaca guiada por Ecoendoscopia
Absoluta Relativa
Câncer pancreático ressecável Varizes esofágicas ou gástricas
Coagulopatia (INR > 1,5) Cirurgia gástrica prévia
Plaquetas baixas (< 50.000) Anomalias do tronco celíaco

Devido a perda do tônus simpático, os pacientes podem apresentar hipotensão nos pós procedimento. Assim, há a necessidade de administração de cristaloides venosos no pré, intra e pós procedimento, com monitorização multiparamétrica até momento da alta.

O procedimento ecoguiado por ser feito por injeção única central, com uma agulha com ponta cônica e porção dista multiperfurada projetada especificamente para esta técnica (Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical – Figura 2), que sendo posicionada acima do tronco celíaco permite que a injeção seja pulverizada em um forma radial e uniforme, ou por agulha standard com duas injeções laterais ao tronco. Devido a maior disponibilidade das agulhas standard, transcrevemos a seguir técnica bilateral, conforme descrição do professor Sergio Eijii Matuguma, professor do serviço de endoscopia digestiva do hospital das clínicas da faculdade de medicina da universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Figura 2. Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical.

Materiais necessários:

  • 01 agulha fina de aspiração (FNA) 22G;
  • 01 frasco 20 ml de Bupivacaína 0,5%, sem vasoconstrictor;
  • 02 frascos 10 ml álcool absoluto estéril (98% GL);
  • 02 ampolas Soro Fisiológico (SF) 10 ml;
  • 02 seringas 10 ml (para solução de Bupivacaína);
  • 02 seringas 10 ml (para solução de Álcool absoluto);
  • 02 seringas 10 ml (para SF).

Preparo prévio:

  • Bupivacaína 0,25%

    • Aspirar na seringa de 10 ml = Bupivacaína 0,5% 5 ml + 5 ml SF;
    • Total final:  10 ml de Bupivacaína 0,25% ;
    • Preparar 2 seringas da solução.

  • Álcool absoluto estéril

    • Aspirar na seringa de 10 ml = álcool absoluto estéril 10 ml;
    • Total final: 10 ml de álcool;
    • Preparar 2 seringas de álcool.

  • Soro fisiológico

    • Aspirar na seringa de 10 ml = 10 ml SF;
    • Total final: 10 ml de SF;
    • Preparar 2 seringas SF.

  • Agulhas 22G (FNA)

    • Preencher agulha com 3 ml SF (para retirar o ar de dentro da luz da agulha) e deixar conectada a seringa 10 ml com SF.

  • Preparo do paciente

    • Administrar 500 a 1000 ml de ringer lactato IV antes do procedimento.

Sequência da técnica:

  1. Localizar a artéria celíaca;
  2. Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
  3. Torque anti-horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para direita da aorta abdominal);
  4. Puncionar o local “espelho” do lado direito que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 4);
  5. Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
  6. Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaina 0,25%;
  7. Após, injetar de 10 ml de álcool absoluto estéril;
  8. Recolocar a seringa de SF, injetar 3 a 5 ml de SF, a fim de empurrar todo o álcool da luz da agulha;
  9. Remover a agulha;
  10. Para outro lado (à esquerda da aorta), localizar a artéria celíaca;
  11. Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
  12. Torque horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para esquerda da aorta abdominal);
  13. Puncionar o local “espelho” do lado esquerdo que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 5);
  14. Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
  15. Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaína 0,25%;
  16. Após, injeção de 10 ml de álcool absoluto estéril;
  17. Recolocar a seringa de SF e injetar 3 a 5 ml de SF para empurrar todo o álcool da luz da agulha;
  18. Remover a agulha.
Figura 3. Emergência da artéria celíaca (AC) junto à aorta abdominal (Ao). Notar ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica (elipse).
Figura 4. Ponto de punção à direita da aorta (torque anti-horário à partir da emergência da artéria celíaca).
Figura 5. Ponto de punção à esquerda da aorta (torque horário à partir da emergência da artéria celíaca).

Cuidados pós procedimento:

  • Observar:

    • Hipotensão postural (imediata). Se necessário administrar mais fluidos intravenosos;
    • Dor abdominal (primeiras 48 horas). É esperado pelo efeito de neurólise do álcool;
    • Diarreia transitória (primeiras 48h);
    • Alteração neurológica membros inferiores (primeiras 48h).

  • Após 48h é esperada reduz da dose de opioide, entretanto a maioria dos pacientes ainda necessitará de uso complementar de analgésicos.

Resultados e complicações

O alívio da dor bom ou excelente é esperado em 89% dos pacientes submetidos ao procedimento, nas primeiras 2 semanas, sendo mantida por 3 meses em cerca de 90% destes pacientes e alcançando eficácia significativa de 70 a 90% no momento da morte.6

Apesar de não haver aumento de sobrevida associada ao procedimento, há significativo aumento da qualidade de vida destes pacientes, com melhora do status funcional, capacidade de trabalhar, sono e aproveitamento de atividades de laser.7,8 Esses achados estão associados com a melhora da dor e com a diminuição dos efeitos colaterais associados aos analgésicos opioides.

A maior parte das complicações associadas ao procedimento são leves e transitórias (descritas acima na sessão referente à técnica: hipotensão postural, dor abdominal, diarreia, alteração neurológica em membros inferiores. Entretanto foram descritas na literatura casos isolados de complicações graves como trombose do tronco celíaco, paraplegia permanente por infarto da medula espinhal e abscesso retroperitoneal, provavelmente associados a erros técnicos na realização do procedimento.

Conclusão

A neurólise do plexo celíaco é um procedimento seguro e efetivo, que pode ser utilizado no manejo da dor abdominal crônica em doenças malignas e benignas (sobretudo neoplasia pancreática e pancreatite crônica dolorosa).9 Ele deve ser considerado um procedimento complementar no manejo destes pacientes e geralmente sua realização não leva a uma completa descontinuação do uso de analgésicos, porém ao promover sua redução, tem importante papel na melhora da qualidade de vida, especialmente quando indicado de forma mais precoce no manejo da doença.

Referências

  1. Koulouris AI, Banim P, Hart AR. Pain in patients with pancreatic cancer: prevalence, mechanisms, management and future developments. Dig Dis Sci 2017;62(04):861–870.
  2. Kelsen DP, Portenoy RK, Thaler HT, et al. Pain and depression in patients with newly diagnosed pancreas cancer. J Clin Oncol 1995;13(03):748–755
  3. Cornman-Homonoff J, Holzwanger DJ, Lee KS, Madoff DC, Li D. Celiac Plexus Block and Neurolysis in the Management of Chronic Upper Abdominal Pain. Semin Intervent Radiol. 2017 Dec;34(4):376-386.
  4. Seicean A. Celiac plexus neurolysis in pancreatic cancer: the endoscopic ultrasound approach. World J Gastroenterol. 2014 Jan 7;20(1):110-7.
  5. Wiersema MJ, Wiersema LM. Endosonography-guided celiac plexus neurolysis. Gastrointest Endosc. 1996 Dec;44(6):656-62. doi: 10.1016/s0016-5107(96)70047-0. PMID: 8979053.
  6. Eisenberg E, Carr DB, Chalmers TC. Neurolytic celiac plexus block for treatment of cancer pain: a meta-analysis. Anesth Analg 1995; 80(02):290–295
  7. Leblanc JK, Rawl S, Juan M, Johnson C, Kroenke K, McHenry L, Sherman S, McGreevy K, Al-Haddad M, Dewitt J. Endoscopic Ultrasound-Guided Celiac Plexus Neurolysis in Pancreatic Cancer: A Prospective Pilot Study of Safety Using 10 mL versus 20 mL Alcohol. Diagn Ther Endosc 2013; 2013: 327036
  8. Seicean A, Cainap C, Gulei I, Tantau M, Seicean R. Pain palliation by endoscopic ultrasound-guided celiac plexus neurolysis in patients with unresectable pancreatic cancer. J Gastrointestin Liver Dis 2013; 22: 59-64
  9. Pérez-Aguado G, de la Mata DM, Valenciano CM, Sainz IF. Endoscopic ultrasonography-guided celiac plexus neurolysis in patients with unresectable pancreatic cancer: An update. World J Gastrointest Endosc. 2021 Oct 16;13(10):460-472. doi: 10.4253/wjge.v13.i10.460. PMID: 34733407; PMCID: PMC8546561.

Como citar este artigo

Mendoça EQ e Matuguma SE. Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia. Endoscopia Terapeutica 2024 Vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tecnica-para-neurolise-do-plexo-celiaco-por-ecoendoscopia/




A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular

A canulação da papila duodenal maior (PDM) é uma das etapas fundamentais para o sucesso e minimização das complicações associadas ao procedimento de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), e as técnicas para alcançá-la sempre foram e continuarão sendo motivo de estudo e debate (1-3). Dentre todos os fatores que implicam em dificuldade no acesso biliar, o aspecto da papila duodenal é um dos pontos mais fáceis de serem reconhecidos. O objetivo deste artigo é apresentar duas classificações publicadas que tem o objetivo de analisar o aspecto macroscópio da papila, apresentando um alto potencial de aplicabilidade na prática do endoscopista.

Existem diferentes definições de canulação difícil, entretanto, desde 2016, a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE), recomenda o uso da definição proposta pelo grupo de estudo da Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (4), que mostra um aumento considerável nos eventos adversos quando qualquer um destes critérios está presente: mais de 5 minutos de tentativa, mais de 5 tentativas ou 2 passagens de fio no ducto pancreático.

Este mesmo grupo propôs uma classificação que divide a PDM em 4 tipos (Figura 1) assim descritos: regular (tipo I), que é o tipo mais comum, sem achados distintos, também referido como ‘aspecto clássico’; pequena (tipo II), com diâmetro menor do que 3 mm ou aproximadamente 2 vezes o diâmetro do papilótomo; protusa ou pendente (tipo III) se apresentando de forma saliente na luz duodenal, algumas vezes caída para baixo, com o orifício orientado caudalmente; e vincada ou estriada (tipo IV), na qual a mucosa ductal parece se estender distalmente para fora do orifício em forma de crista ou prega.

Fig. 1–tipos de papila descritos pela Associação Escandinava de Endoscopia Digestiva (6)

Em 2019 um estudo prospectivo multicêntrico conduzido pelo grupo escandinavo concluiu que o aspecto da PDM influencia na canulação biliar (5). Os resultados demonstraram que o tipo mais frequente de papila é o tipo I presente em 58% dos pacientes, seguido pelo tipo III em 23 %, pelo tipo II em 13 % e pelo tipo 4 com 8 %. A frequência de canulação difícil nos quatro tipos de papila propostos está demonstrada na figura abaixo (Figura 2), sendo possível notar a diferença estatística entre o tipo I e os tipos II e III.

Fig. 2 – Prevalência de canulação difícil pelo tipo de papila.

Uma outra classificação do aspecto papilar foi proposta pelo grupo da universidade de Cambridge, que fez uma análise consecutiva de 100 vídeos de canulação biliar realizada com sucesso. A classificação foi baseada em um aumento progressivo da proeminência da papila duodenal maior e também se divide em 4 tipos: plana (tipo 1), descrita como plana e imóvel, com epitélio biliar em continuidade com a parede duodenal, podendo ter um anel incompleto do epitélio papilar; proeminente (tipo 2), descrita como imóvel e elevada, com um anel claro e completo de epitélio papilar circundando o epitélio biliar; infundibular (tipo 3), descrita como imóvel e proeminente com infundíbulo e podendo ter uma prega mucosa transversal; e pendente (tipo 4), descrita como móvel, proeminente e pendente, com infundíbulo distendido, projetando-se no duodeno com um orifício voltado inferiormente (7).                

Analisando as classificações, é importante notar que ambas desconsideram a presença ou relação da papila com divertículos ou dobras e pregas duodenais. Além disso, a classificação britânica apresenta-se mais lógica do que a escandinava, já que a sequência reflete um aumento progressivo da proeminência e mobilidade da papila. Por outro lado, a classificação escandinava parece mais simples de ser utilizada e foi validada em estudo prospectivo com boa concordância entre observadores em um estudo multicêntrico prospectivo. A tabela abaixo (Tabela 1), traz uma correlação entre as classificações britânica e escandinava.

Tabela 1. Correlação entre classificações britânicas e escandinava

Classificação de Cambridge Classificação Escandinava Prevalência na população de Cambridge, % Prevalência na população Escandinava, %
Tipo 1 Tipos II e IV 20 21 (13 + 8)
Tipo 2 Tipo I 45 56
Tipos 3 e 4 Tipo III 38 (25 + 13) 23

                Diante do exposto, fica claro que o estudo dos tipos de papila e a sua correlação com dificuldade da canulação, bem como no risco de complicações associadas, é matéria que requer ainda investigação e discussão, podendo ter implicações por exemplo no ensino da CPRE, podendo os preceptores oferecer aos endoscopistas em treinamento tipos mais favoráveis à canulação. Outro ponto interessante seria a identificação de manobras técnicas mais favoráveis para a canulação difícil em cada tipo específico de papila, obedecendo o racional do acesso biliar proposto por Hawes e Deviere que consiste nos dois passos básicos: insinuação e canulação profunda (8). Independente da experiência do endoscopista ou da classificação escolhida, a mensagem final que fica é que devemos estar atentos aos tipos de papila na prática diária, procurando nos antecipar às possíveis dificuldades que serão encontradas na canulação.

Referências

  1. Adler DG. Guidewire cannulation in ERCP: from zero to hero! Gastrointest Endosc 2018;87:202-4.
  2. Hawes RH, Devière J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3.
  3. Reddy ND, Nabi Z, Lakhtakia S. How to improve cannulation rates during endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Gastroenterology 2017;152:1275-9.
  4. Halttunen J, Meisner S, Aabakken L, et al. Difficult cannulation as defined by a prospective study of the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy (SADE) in 907 ERCPs. Scand J Gastroenterol 2014;49:752-8
  5. Haraldsson E, Kylänpää L, Grönroos J, et al. Macroscopic appearance of the major duodenal papilla influences bile duct cannulation: a prospective multicenter study by the Scandinavian Association for Digestive Endoscopy Study Group for ERCP. Gastrointest Endosc. 2019 Dec;90(6):957-963.
  6. Haraldsson E, Lundell L, Swahn F, et al. Endoscopic classification of the papilla of Vater. Results of an inter- and intraobserver agrément study. United Eur Gastroenterol 2016;5:504-10
  7. Sinha A, Thiarya D, Patel S, et al. Anatomical factors affecting ease of common bile duct cannulation and efficacy of sphincterotomy during ERCP. Gut 2019;68:A9.
  8. Hawes R, Deviere J. How I cannulate the bile duct. Gastrointest Endosc 2018;87:1-3

Como citar este artigo

Mendoça EQ. A primeira impressão é a que fica? Aspecto da papila duodenal maior: o que saber antes de canular. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol 2. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/a-primeira-impressao-e-a-que-fica-aspecto-da-papila-duodenal-maior-o-que-saber-antes-de-canular/




Colangite por IgG4 como diagnóstico diferencial do colangiocarcinoma hilar

Relato de caso

Paciente de 50 anos de idade, obesa e diabética, iniciou quadro de mal estar, astenia e dor abdominal em hipocôndrio direito, sem perda ponderal, com piora progressiva ao longo de cerca de 40 dias. Na última semana a paciente evoluiu com síndrome colestática, com icterícia, colúria e acolia fecal e procurou pronto atendimento. Na investigação inicial foi verificada elevação de transaminases e enzimas canaliculares, além de hiperbilirrubinemia (15 mg/dL) às custas de bilirrubina direta.

Os exames de imagem (tomografia e ressonância magnética com colangiografia) evidenciaram dilatação de vias biliares intra-hepáticas (sobretudo à esquerda) com presença de espessamento na confluências dos ductos hepáticos, associada a estenose desta região, favorecendo a hipótese de um colangiocarcinoma hilar tipo IIIA de Bismuth-Corlette. Não havia sinais de metástases linfonodais ou à distância, nem invasões vasculares ou de outros órgãos, e a dosagem dos marcadores tumorais (CEA e Ca19.9) foram normais.

A equipe de cirurgia optou por drenagem transparieto-hepática para alívio da colestase com posterior programação cirúrgica de hepatectomia esquerda. Foi colocado um dreno transparietohepático de 12 fr no ramo posterior do hepático direito, com a extremidade distal internalizado para a luz duodenal (transpapilar), com alívio da icterícia.

A paciente foi então encaminhada para realização de procedimento endoscópico para diagnóstico histopatológico da lesão.

Ecoendoscopia

Primeiramente fizemos uma ecoendoscopia com punção da lesão do colédoco, com boa obtenção de material (foto).

Foto 1 – Imagem ecográfica da lesão

Foto 2 – punção ecoguiada

O resultado da punção evidenciou achados compatíveis com processo inflamatório agudo, acentuado, possivelmente com formação de abscesso, com abundante infiltrado neutrofílico, notando-se de permeio, ocasionais segmentos epiteliais mostrando alterações reativas evidenciadas pelo aumento da basofilia citoplasmática.

A paciente apresentou piora clínica evoluindo com quadro de febre, com leve elevação de bilirrubinas e leucocitose, sendo fechado diagnóstico de colangite e introduzida antibioticoterapia. 

Diante da piora clínica e da ausência do diagnóstico com punção ecoguiada foi optado pela realização de procedimento de CPRE com colangioscopia com Spyglass e biópsias da lesão.

Colangioscopia

Com o procedimento foi identificada, em topografia do colédoco proximal, presença de lesão intraductal elevada, de aspecto infiltrativo e inflamatório, com áreas de aspecto necrótico e presença de coágulos em sua superfície, que se estendia desde o colédoco proximal até próximo do ramo posterior do hepático direito, envolvendo o tronco do hepático esquerdo. Foram realizadas múltiplas biópsias com pinça SpyBite Max ®. Foi realizada também remoção do dreno transparietohepático e colocação de duas próteses biliares plásticas de 10 cm (10 Fr à direita e 8,5 Fr à esquerda), observando-se saída de grande quantidade de secreção purulenta após drenagem do hepático esquerdo.

Foto 3 – colangiografia demonstrando a estenose hilar

Foto 4 – colangiografia demonstrando o posicionamento do SpyGlass DS ®.

Foto 5 – aspecto final após colocação de próteses.

vídeo da colangioscopia

Anatomopatológico

A avaliação anatomopatológica das biópsias guiadas por colangioscopia demonstraram:

  • áreas de necrose e tecido viável com alterações reativas acentuadas do revestimento epitelial e estroma;
  • no estroma, edema, congestão vascular, proliferação de fibroblastos e infiltrado inflamatório misto acentuado, sem reação desmoplásica;
  • revestimento epitelial aparece hiperplásico e reativo, recobrindo a superfície e organizado em túbulos regulares, com formação de segmentos serrilhados ou eventualmente com aspecto degenerativo em túbulos com abscesso intraluminal e necrose do tecido adjacente;
  • epitélio viável apresenta atenuação celular e basofilia do citoplasma, mantendo polarização basal do núcleo, sem atipia nuclear.

O material foi enviado para análise imuno-histoquímica que evidenciou trechos de ulceração com crosta fibrino-leucocitária, intenso infiltrado inflamatório misto com plasmócitos, linfócitos e leucócitos polimorfonucleados, neoformação vascular e epitélio glandular adjacente com alterações reparativas, com o painel de marcadores demonstrado na foto 6.

Como comentários adicionais foi registrado o seguinte:

  • ausência de neoplasia nesta amostra;
  • observa-se borda de lesão ulcerada com importante infiltrado inflamatório misto, apresentando considerável componente plasmocitário;
  • observam-se áreas que demonstram subset de plasmócitos IgG4 positivos com mais de 10 células por campo microscópico de grande aumento;
  • nesta amostra não se observam outros fatores para diagnóstico morfológico de colangite por IgG4 como fibrose e alterações vasculares; neste caso, para firmar este diagnóstico é fundamental a correlação com dados clínicos, exames laboratoriais (como dosagem sérica de IgG4) e exames de imagem para definição diagnóstica. 

Foto 6 – tabela de marcadores da imuno-histoquímica.

Após o procedimento a paciente apresentou importante melhora clínica da dor e do quadro infeccioso.

A dosagem do IgG4 sérico foi negativa e, embora os achados da biópsia não apresentarem fibrose, o gastroenterologista assistente da paciente ficou inclinado a realizar um teste terapêutico com corticoterapia.

Discussão

A colangite associada ao IgG4 (CAI) é uma das manifestações de uma doença sistêmica autoimune que se caracteriza histologicamente com um infiltrado linfoplasmocítico com presença do IgG4.

As manifestações desta doença são amplas, podendo incluir a pancreatite autoimune do tipo 1, bem como nefrite tubulointersticial, sialoadenite, fibrose retroperitoneal e colangite esclerosante.

O diagnóstico depende de achados clínicos suspeitos, em conjunto com alterações em exames de imagem, dosagem sérica de IgG4 elevada e/ou presença de células positivas para IgG4 nas biópsias.

O espectro da colangite associada ao IgG4 envolve, em geral, estenoses biliareas intra e extra-hepáticas, e boa parte dos pacientes apresenta concomitantemente pancreatite autoimune do tipo 1 e níveis séricos elevados de IgG4. O uso empírico de corticoterapia pode ajudar a confirmar o diagnóstico se houver uma suspeição da doença. Alguns pacientes acabam sendo submetidos a ressecção cirúrgica por diagnóstico presumido de colangiocarcinoma.

Estudos descrevem uma alta associação entre a CAI e sintomas de icterícia obstrutiva, pancreatite autoimune, e aumento dos níveis séricos de IgG4 (1). A importância clínica da biópsia intraductal para o diagnóstico da CAI sempre foi visto como algo controverso antes da era da colangioscopia, com uma positividade para infiltrado linfoproliferativo para IgG4 (definido como mais do que 10 células positivas para IgG4 por campo de grande aumento) variando entre 18 e 88% e uma especificidade que se aproxima de 100% (1, 2-4). Até 10% dos pacientes com diagnóstico presumido de colangiocarcinoma e ausência de evidência de CAI que foram submetidos a ressecção em centros com experiência em cirurgia hepatobiliar são diagnosticados como doença hepatobiliar não maligna após a análise do espécime ressecado (5).

O tratamento empírico com corticoide pode ser utilizado para distinguir a CAI de outras causas de estenose biliar, porém realizado de forma seletiva e com acompanhamento próximo dos pacientes.

A colangite associada ao IgG4 pode mimetizar o colangiocarcinoma e boa parte destes pacientes apresentam elevados níveis de IgG4 sérico e segmentos longos de estenose biliar. Entretanto, em casos de obstrução hilar com dosagem sérica de IgG4 negativa, sem critérios definitivos para colangiocarcinoma a CAI deve ser considerada e a realização de biópsias guiadas por colangioscopia é atualmente o melhor método para obtenção de material para análise histopatológica para definição diagnóstica.

No caso apresentado, apesar da presença de mais do que 10 células positivas para IgG4 por campo de grande aumento na biópsia, a ausência de fibrose na espécime, bem como de outras manifestações sistêmicas associadas a doença por IgG4, gerou dúvida diagnóstica na equipe que acompanha a paciente. Nestes casos o tratamento empírico com corticoterapia pode ter grande importância propedêutica e terapêutica, devendo ser realizada em momento favorável, com o fator da colangite supurativa controlado e com uma boa drenagem biliar garantida.

Referências

  1. Ghazale A, Chari ST, Zhang L, et al. Immunoglobulin G4-associated cholangitis: clinical profile and response to therapy. Gastroenterology 2008;134:706-715.
  2. Naitoh I, Nakazawa T, Ohara H, et al. Endoscopic transpapillary intraductal ultrasonography and biopsy in the diagnosis of IgG4-related sclerosing cholangitis. J Gastroenterol 2009;44:1147-1155.
  3. Kawakami H, Zen Y, Kuwatani M, et al. IgG4-related sclerosing cholangitis and autoimmune pancreatitis: histological assessment of biopsies from Vater’s ampulla and the bile duct. J Gastroenterol Hepatol 2010;25:1648-1655.
  4. Zen Y, Nakanuma Y. IgG4 Cholangiopathy. Int J Hepatol 2012; 2012:472376
  5. Baskin-Bey ES, Devarbhavi HC, Nagorney DM, et al. Idiopathic benign biliary strictures in surgically resected patients with presumed cholangiocarcinoma. HPB (Oxford) 2005;7:283-288
  6. Zaydfudim VM, Wang AY, de Lange EE, Zhao Z, Moskaluk CA, Bauer TW, Adams RB. IgG4-Associated Cholangitis Can Mimic Hilar Cholangiocarcinoma. Gut Liver. 2015 Jul;9(4):556-60.

Como citar este artigo

Mendoça EQ. Colangite por IgG4 como diagnóstico diferencial do colangiocarcinoma hilar. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol 1. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/colangite-por-igg4-como-diagnostico-diferencial-do-colangiocarcinoma-hilar/




Quiz! Diagnóstico de exame pré-cirurgia bariátrica

Paciente de 36 anos, obesa (IMC = 37), sem doenças crônicas, vem para realização de endoscopia digestiva alta pré-operatória para programação de cirurgia bariátrica. O exame evidenciou os seguintes achados:

Foto 1 – Antro
Foto 2 – Incisura
Foto 3 – Corpo visão frontal
Foto 4 – Corpo retrovisão
Foto 5 – Fundo e cárdia
Foto 6 – Bulbo duodenal