Doença de Whipple: O que o Endoscopista Precisa Saber
A doença de Whipple é uma condição infecciosa sistêmica rara causada pela bactéria Tropheryma whipplei, que acomete principalmente homens brancos, entre 40 e 60 anos. Como pode simular diversas patologias e afetar vários órgãos, inclusive sem sintomas gastrointestinais, é essencial que o endoscopista esteja atento a esse diagnóstico diferencial.
Um pouco de história…
Descrita pela primeira vez em 1907, a doença foi inicialmente chamada de “lipodistrofia intestinal” devido ao acúmulo de gordura nos linfáticos intestinais. A etiologia infecciosa foi confirmada em 1991 com a identificação do T. whipplei via técnicas moleculares.
Epidemiologia:
Apesar de ser rara (cerca de 30 casos/ano), o T. whipplei é está presente no ambiente, especialmente em esgoto e solo. É mais comumente detectado em trabalhadores da área rural e de pouco saneamento. A doença clássica é rara mesmo entre os portadores assintomáticos da bactéria.
Manifestações clínicas
A apresentação clássica envolve quatro sintomas principais:
Artralgias migratórias (geralmente anos antes dos sintomas digestivos)
Diarreia crônica
Dor abdominal
Perda de peso
Podem ocorrer manifestações isoladas no sistema nervoso central ou em válvulas cardíacas. A doença também pode ser desmascarada por uso de imunossupressores, muitas vezes prescritos para doenças reumatológicas presumidas.
Papel do Endoscopista no Diagnóstico
A endoscopia digestiva alta com biópsias do intestino delgado (jejuno/proximal do duodeno) é essencial.
Achados Endoscópicos Mais Comuns:
Mucosa esbranquiçada ou amarelada
Aspecto de placas ou granulações finas na mucosa do duodeno ou jejuno.
Edema da mucosa
A mucosa pode parecer espessada, pálida ou opaca, com perda das pregas normais.
Linfangiectasia intestinal
Dilatação dos vasos linfáticos pode dar aspecto leitoso ou de mucosa brilhante e friável.
Nódulos milimétricos
Pequenos nódulos na mucosa, principalmente no duodeno, conferem um aspecto de “mucosa em pedra de calçamento”.
Aspecto de mucosa atrófica ou ulcerada
Em casos mais avançados, pode haver áreas de erosão, atrofia ou até úlceras superficiais.
Achados endoscópicos em um paciente com Doença de Whipple: pontos esbranquiçados com irregularidade de pregas duodenais e erosões. Na cromoscopia com NBI e magnificação se nota vilosidades engurgitadas com dilatação dos linfáticos.
Investigação
Histologia com coloração PAS positiva em macrófagos da lâmina própria
PCR para T. whipplei
Imuno-histoquímica
Doença de Whipple: macrófagos intensamente PAS-positivos ocupando a lâmina própria da mucosa. As células caliciformes também estão positivamente coradas. A borda em escova dos enterócitos aparece marcada (como uma linha roxa intensa). Fonte: Bures et al. Gastroenterology Research and Practice 2013.
Se a suspeita for alta, mas a endoscopia não for diagnóstica, é indicado investigar outros sítios acometidos (líquor, linfonodos, valvas, líquido sinovial).
Importante: mesmo pacientes com apresentação extraintestinal devem realizar endoscopia, já que a participação intestinal subclínica é comum.
Tratamento
A doença era fatal antes da era dos antibióticos. Hoje, o tratamento é efetivo e dividido em duas fases:
Fase inicial (parenteral):
Ceftriaxona 2g IV 1x/dia ou
Penicilina G 2-4 MU IV 4/4h
Duração: 2 semanas (4 semanas se acometimento do SNC ou endocardite)
Fase de manutenção (oral por 1 ano):
TMP-SMX (160/800 mg) 2x/dia
Importante: O T. whipplei é resistente a fluoroquinolonas e a atividade do TMP-SMX é atribuída apenas ao sulfametoxazol.
Considerações finais para o endoscopista
Suspeite da doença em pacientes com síndrome diarreica crônica, perda de peso e artralgias, especialmente se do sexo masculino e com exposição a solo ou esgoto.
A biópsia de intestino delgado é a chave diagnóstica.
O endoscopista pode ser o primeiro a levantar a hipótese diagnóstica.
Mesmo rara, a doença de Whipple é potencialmente fatal se não tratada, mas curável com antibioticoterapia adequada. Estar atento à possibilidade diagnóstica é essencial.
Referências
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Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa: Quando e Como Fazer?
A biópsia assistida por incisão de mucosa (mucosal incision-assisted biopsy, MIAB), denominada também biópsia por incisão única com Kneedle-Knife (incision needle‐knife biopsy, SINK biopsy) ou destelhamento, consiste em uma técnica endoscópica emergente e alternativa, descrita por Yokohata et al em 20075, utilizada para aquisição tecidual de lesões subepiteliais do trato gastrointestinal, que permite o diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico dessas condições.
O MIAB vem emergindo como método de abordagem de lesões subepiteliais, pois é de baixo custo-econômico e menor curva de aprendizado, mas com tempo de procedimento maior, sendo assim uma alternativa às punções ecoendoscópicas em centros de menor complexidade e com menos recursos.
Quando indicar?
O estabelecimento diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico das lesões subepiteliais possui importância fundamental na definição precisa de prognóstico, potencial de degeneração maligna e definição de conduta entre expectante, vigilância endoscópica e ressecções endoscópica ou cirúrgica.
Entretanto, como abordado no artigo de lesões subepiteliais, não são todas as lesões que devem ter diagnóstico anatomopatológico para definição de conduta e seguimento do caso, havendo indicações precisas para se realizar biópsias dessas lesões.
Em caso de necessidade de aquisição tecidual das lesões subepiteliais, deverá se optar por um dos três principais métodos diagnósticos: MIAB, punções ecoendoscópicas com agulha FNA (fine needle aspiration, EUS-FNA) ou com agulha FNB (fine needle biopsy, EUS-FNB).
As indicações do MIAB estão bem determinadas nos guidelines da Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) e Colégio Americano de Gastroenterologia (ACG).
A ESGE recomenda que para lesões subepiteliais maiores de 20 mm, MIAB ou EUS-FNB podem ser igualmente empregados. Entretanto, em lesões subepiteliais inferiores a 20 mm, o MIAB é a primeira escolha devido maior rendimento diagnóstico, sendo a EUS-FNB segunda escolha (tabela 1).1 Com relação a taxa de rendimento do MIAB, a mesma foi avaliada em algumas metanálises, sendo demonstrado rendimento diagnóstico de 89% (IC 95% 82,7%-93,5%) para lesões subepiteliais do trato gastrointestinal superior com diâmetro médio de 21 mm, sendo 94,8% das lesões localizadas no estômago1,29.
A ACG sugere o MIAB quando o diagnóstico definitivo é necessário e as punções ecoendoscópicas prévias (FNA ou FNB) tenham sido inconclusivas.14 A diretriz recomenda igualmente como primeira escolha EUS-FNB sem avaliação macroscópica do patologista em sala (rapid on-site evaluation, ROSE) ou EUS-FNA com ROSE. Afinal, já é bem determinado na literatura que agulhas FNA possuem limitações de aquisição tecidual e seu rendimento diagnóstico adequado depende de um citopatologista em sala para atestar a representatividade da amostra periprocedimento.
A ASGE e AGA em seus guidelines descrevem o MIAB como um método diagnóstico alternativo para as lesões subepiteliais. Entretanto, não se posicionam com relação a situações de aplicabilidade.
Além disso, na escolha do método é importante considerar não somente as recomendações dos guidelines, mas também as particularidades de cada procedimento, custos hospitalares e disponibilidade de recusos. O MIAB foi associado a um maior tempo de procedimento e a um risco de fibrose perilesional, o qual pode dificultar ou impedir futuras ressecções endoscópicas28.
Tabela 1. Recomendações da ESGE¹
Tamanho
Método de Escolha
LSE > 20 mm
1ª escolha: EUS-FNB ou MIAB
LSE < 20 mm
1ª escolha: MIAB 2ª escolha: EUS-FNB
Complicações
As taxas de complicações inerente ao MIAB são baixas. Os eventos adversos mais frequentes incluem: sangramento em cerca de 2 a 5% dos casos, os quais requisitaram transfusão sanguínea e/ou tratamento endoscópico na maioria dos trabalhos29, 30-32; fibrose perilesional pós-MIAB, impossibilitando ressecções endoscópicas futuras; e mais raramente perfuração, a qual não foi observada na maioria dos ensaios clínicos, metanálises e série de casos29, 33, 34.
Como fazer?
Primeiramente, é importante ressaltar os materiais necessários para o procedimento. Necessita-se de um gastroscópio convencional com cap, afinal o uso desse dispositivo permite visualização minuciosa da mucosa e do sítio manipulado por acumular menos resíduos na lente do endoscópio.
Uma faca eletrocirúrgica endoscópica é necessária, sendo sugerido o uso de Needle Knife, pois consiste no instrumento de maior poder de corte e menor poder de coagulação, uma vez que se objetiva realizar incisão precisa da mucosa seguida de divulsão dos tecidos. Um princípio básico relacionado às facas endoscópicas consiste no fato de quanto menor a área de contato do instrumento com a mucosa, maior será o poder de corte e menor será o poder de coagulação (figura 1). Sugere-se utilizar unidade eletrocirúrgica com corte em modo endocut, efeito 3 e 40 W.
Fig. 1. Tipos de facas eletrocirúrgicas (knifes), demonstrando que a medida que reduz a área de contato do instrumento, maior será o poder de corte e menor o de coagulação. Retirado de: Miyajima NT17
Outros materiais necessários consistem em pinça de biópsia para divulsão dos tecidos e aquisição de material, assim como clipes metálicos para fechamento do sítio manipulado pós-procedimento. Caso haja necessidade de controle hemostático peri-procedimento, sugerimos o uso de pinça hemostática coagrasper.
O vídeo 1 e as figuras de 2 a 7 demonstram as etapas do procedimento.
Figura 2 a 7. Etapas da biópsia assistida por incisão de mucosa. Fig. 2. Localização da lesão utilizando gastroscópio convencional com cap.Fig. 3 e 4. Incisão na região central da lesão sob auxílio de needle-knife.Fig. 3 e 4. Incisão na região central da lesão sob auxílio de needle-knife.Fig. 5. Divulsão das camadas com pinça de biópsia.Fig. 6. Exposição da submucosa e da cápsula da lesão (seta verde).Fig. 21. Biópsias da lesão sob visão direta. Nota: Posteriormente, realizou-se incisão da cápsula da lesão para biópsia adicionais e, ao término, colocação de clipes para o fechamento do sítio manipulado. Fonte: arquivos do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP/HCFMUSP).
Referências
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Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas?
Resumo do artigo “Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study” publicado na GIE em março de 2025.
As próteses metálicas endoscópicas foram introduzidas na década de 1990 e tem aplicação no manejo de diversas patologias. No contexto das doenças benignas, que envolvem estenoses, fístulas, perfurações e sangramento refratário de varizes esofágicas, são utilizadas as próteses totalmente recobertas (FCSEMS). Estes modelos de prótese contam com um revestimento de silicone que previne o crescimento tecidual, permitindo sua remoção, porém apresentam maior potencial de migração.
Fig. 1 – Técnicas de fixação das próteses: Superior, clipe over-the-scope. Inferior, sutura endoscópica. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].
O trabalho de Amit Mehta e colaboradores avaliou o benefício da fixação das FCSEMS com clipes over-the-scope ou sutura endoscopica em patologias benignas do trato gastrointestinal superior quando comparados à não fixação. Foi realizado um estudo de coorte retrospectiva que incluiu os dados de 16 centros entre 2011 e 2022, avaliando defechos que envolveram duração dos procedimentos, migração das próteses, sucesso clínico, sucesso técnico e eventos adversos.
Foram incluídos 311 pacientes com 316 FCSEMS colocadas, sendo que em 122 pacientes (39,2%) não foi realizada fixação, em 95 realizada fixação com sutura (30,5%) e em 94 fixação com clipe over-the-scope (30,2%). A necessidade de tratamento endoscópico decorreu da presença de estenose benigna em 174 pacientes (56%), fístula ou perfuração em 135 casos (43%) e sangramento refratário de varizes esofágicas em 2 (0,6%).
A duração dos procedimentos foi de 41,7 ± 34,5 minutos para o grupo sem fixação, 79,5 ± 53,3 minutos no grupo da sutura endoscópica e 66 ± 44,9 minutos nas próteses fixadas com clipe over-the-scope, observando-se menor tempo de procedimento com diferença estatisticamente significativa (p<0,01) quando não realizada fixação da prótese em comparação aos demais grupos. Não houve diferença significativa do tempo de procedimento quando comparadas as duas tecnicas de fixação.
Ocorreu migração de 88 das 316 próteses, 49 (39%) quando não foram fixadas, 23 (24%) nas fixadas com sutura endoscópica e 16 (17%) quando fixadas com clipe over-the-scope, observando-se diferença considerada estatísticamente significativa na comparação da fixação com sutura endoscópica em relação à não fixação (P = .01) e da fixação com clipe over-the-scope com a não fixação (P = .001). Não houve diferença das taxas de migração quando comparados os dois métodos de fixação (P = .2).
Fig. 2 – Comparação de migração das próteses com e sem fixação. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].
Atingiu-se o sucesso clínico em 194 pacientes (62%), 98 dos que apresentavam estenoses (56%), 94 daqueles com fístula/perfurações (70%) e nos 2 pacientes com sangramento refratário por varizes (100%). Comparando-se ao grupo em que não foi realizada fixação (n = 64; 52%) houve maior sucesso clínico nos grupos submetidos à fixação das próteses. No grupo de sutura, 66 casos apresentaram sucesso clínico (69%; P = .02) e no grupo com fixação por clipe over-the-scope 64 pacientes (68%; P = .03).
No que concerne à possível dificuldade de remoção dos clipes over-the-scope, o trabalho destaca que, na maioria dos casos, estes puderam ser retirados apenas com uso de pinça dente de rato, sendo em apenas 7 casos necessário o uso de dispositivo específico.
O artigo realiza tambem uma breve comparação de custos no mercado americano entre a utilização de clipes over-the-scope e sutura endoscópica, que favoreceu numericamente a fixação com over-the-scope, destacando ainda a necessidade de uso de aparelho duplo canal para o dispositivo de sutura.
Os achados do estudo embasam o benefício da utilização de fixação para FCSEMS em patologias benignas do trato gastrointestinal superior, demonstrando redução significativa na taxas de migração e melhor resposta clínica, sem diferença observada entre os métodos de fixação avaliados. O maior sucesso clínico obtido quando fixada a prótese pode ser explicado como uma representação do benefício clínico de reduzir a migração, embora a obtenção de resposta clínica seja multifatorial, dependente da patologia de base e de fatores associados ao paciente.
Comentários
Neste trabalho, os dispositivos de fixação endoscópica demonstraram benefício na redução da migração das FCSEMS com potencial melhora na resposta clínica dos pacientes. À medida que eles se tornam mais disponíveis em nosso mercado, pode ser interessante considerar sua incorporação à prática para obtenção de melhores resultados.
Mehta A, Ashhab A, Shrigiriwar A, et al. Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study (with video). Gastrointest Endosc. 2025 Mar;101(3):589-597. doi: 10.1016/j.gie.2024.08.015. Epub 2024 Aug 22. PMID: 39179133
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Durante anos, a presença de vasos de grande calibre entre o ecoendoscópio e a lesão representava um obstáculo intransponível. Mas os tempos mudaram: a evolução técnica e a experiência crescente com punção transvascular guiada por EUS/EBUS (TVNA) mostram que esse caminho, antes temido, pode ser seguro e altamente eficaz, desde que bem indicado.
O que é a TVNA?
A TVNA é uma técnica de punção por agulha fina em que a agulha atravessa um vaso sanguíneo interposto (como a aorta, artéria pulmonar ou veia cava) para alcançar uma lesão torácica ou abdominal.
Objetivo: coletar tecido para análise citopatológica ou histológica
Guia: ecoendoscopia em tempo real com doppler
Público alvo: pacientes sem outra via de acesso para diagnóstico
Quando considerar?
Abaixo um fluxograma para indicar a técnica:
Evidências atuais:
Estudo multicêntrico espanhol (Garcia-Sumalla et al., 2020)
Pacientes: 49 (50 procedimentos)
Vasos transfixados: Aorta (n=19), sistema portal (n=17)
Figura: punção ecoguiada transfixando veia cava inferior com agulha 22G para investigação linfonodo suspeito. Imagem retirada de Garcia-Sumalla et al., 2020.
Meta-análise (Giri et al., 2023)
Estudos analisados: 17
Pacientes: 411
Acurácia diagnóstica: 85%
Adequação da amostra: 91,5%
Taxa de sangramento: 1,4% (todos autolimitados)
Técnica passo a passo:
Avaliação prévia com imagem (TC ou RNM)
Estudo cuidadoso com doppler
Evitar vasos com calcificação ou aneurismas
Escolher agulhas finas (FNA 25G ou 22G)
Preferir técnica com ROSE, se disponível
Após punção, monitorar área por 2 minutos com doppler
Observação clínica de 6 horas à 24 horas
Pontos-chave:
Permite diagnóstico de lesões “inacessíveis”
Evita procedimentos cirúrgicos mais invasivos
Alta acurácia quando bem indicada
Necessita de centro especializado
Contraindicado em coagulopatia ou hipertensão portal
Monitoramento rigoroso no pós-procedimento
Ainda sem estudos com FNB
Conclusão
A TVNA representa uma verdadeira virada de chave na econdoscopia diagnóstica. Ao vencer a barreira dos grandes vasos com precisão, segurança e racionalidade, ampliamos o espectro de pacientes que podem se beneficiar de diagnósticos menos invasivos e mais ágeis. É uma técnica que exige respeito, preparo e critério, mas que, nas mãos certas, torna o impossível acessível.
Referências
GARCIA-SUMALLA, Albert et al. Endoscopic ultrasound-guided transvascular needle biopsy of thoracic and abdominal lesions: a multicenter experience. Endoscopy International Open, v. 8, p. E1900–E1908, 2020. DOI: 10.1055/a-1288-0030
GIRI, Suprabhat et al. Efficacy and safety of endosonography-guided transvascular needle aspiration of thoracic and abdominal lesions: A systematic review and meta-analysis. Journal of Clinical Ultrasound, v. 51, n. 4, p. 723–730, 2023. DOI: 10.1002/jcu.23441
KAZAKOV, Jordan et al. Endobronchial and Endoscopic Ultrasound-Guided Transvascular Biopsy of Mediastinal, Hilar, and Lung Lesions. The Annals of Thoracic Surgery, v. 103, n. 3, p. 951–955, 2017.
MOLINA, Juan Carlos et al. Transvascular endosonographic-guided needle biopsy of intrathoracic lesions. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, v. 159, n. 5, p. 2057–2065, 2020. DOI: 10.1016/j.jtcvs.2019.10.017
Drenagem biliar ecoguiada: resumo e considerações sobre o guideline americano (ASGE) de 2024
Imagem de fluoroscopia de drenagem biliar ecoguiada. Autoria e crédito: Dr. Mateus Pereira Funari.
Introdução
A drenagem biliar ecoguiada (EUS-BD) vem ganhando cada vez mais espaço na rotina do ecoendoscopista terapêutico com aumento da disponibilidade de materiais, desenvolvimento de próteses dedicadas e aumento da expertise nos centros de referência. A EUS-BD é uma das principais alternativas – junto com a drenagem biliar transparietohepática (DTPH) – para drenagem biliar após falha da CPRE. A EUS-BD também foi estudada como técnica primária comparada à CPRE. Uma metanálise de 2019 baseada em três ensaios clínicos randomizados comparando EUS-BD x CPRE como técnica primária para drenagem biliar em obstrução maligna distal, demonstrou menor disfunção de prótese na EUS-BD com sucesso técnico, clínico e eventos adversos sem diferenças em relação a CPRE (1). Apesar dos resultados, essa abordagem não ganhou espaço na maioria dos centros, de forma que a indicação mais consagrada da drenagem biliar ecoguiada permanece nos casos de falha da CPRE. Desde 2016, quando foi publicado o primeiro artigo sobre Drenagem Biliar Ecoguiada – Breve Revisão da Literatura neste portal, houve evolução técnica e amadurecimento sobre o tema, que ganhou mais relevância na prática clínica, levando ao desenvolvimento de um guideline pela “American Society for Gastrointestinal Endoscopy” (ASGE), publicado em 2024 (2). Faremos um resumo do guideline da ASGE neste artigo baseado nas 5 questões trabalhadas pelo grupo. Apresentaremos a recomendação formal, a literatura que suportou a recomendação, as considerações colocadas no guideline sobre a questão e um espaço para comentários a respeito da questão feito pelo autor deste artigo.
Definições
Drenagem biliar ecoguiada (EUS-BD) defini-se pela drenagem utilizando ecoendoscopia para puncionar a via biliar intra ou extra-hepática. Há quatro técnicas descritas: EUS-BD rendezvous, drenagem ecoguiada coledocoduodenal (EUS-CD), drenagem ecoguiada hepatogástrica (EUS-HG) e drenagem anterógrada.
EUS-BD rendezvous: punção ecoguiada da via biliar seguida de progressão do fio-guia até o duodeno (transpapilar). Troca de aparelho por duodenoscópio e canulação transpapilar auxiliada pelo fio-guia
EUS-CD: drenagem ecoguiada com prótese da via biliar extra-hepática através da janela bulbar, conectando a via biliar extra-hepática e o duodeno
EUS-HG: drenagem ecoguiada com prótese da via biliar intra-hepática esquerda através da janela gástrica, conectando a via biliar intra-hepática esquerda com o estômago
Drenagem ecoguiada da vesícula biliar (EUS-VB): drenagem ecoguiada da vesícula biliar com prótese através da janela gástrica ou bulbar, conectando a vesícula biliar com o estômago ou o duodeno
CPRE por acesso transgástrico ecoguiado: passagem de prótese metálica com aposição de lumens (LAMS) conectando o estômago excluso e o “pouch” ou o jejuno, possibilitando a progressão do duodenoscópio até o duodeno, em pacientes submetidos a gastroplastia redutora (“bypass”)
GATE (“Gastric Access Temporary for Endoscopy”): um termo mais amplo para técnica de conexão do estômago excluso com o “pouch” ou jejuno. Pode ser usado para realização de CPRE, ressecção/biópsias de lesões, sangramentos e outros motivos
EDGE (“Endoscopic Ultrasound Directed Transgastric ERCP”): termo mais específico para quando se faz um GATE para a realização de CPRE
OBS: muitas vezes GATE e EDGE são usados como sinônimos
Questões e recomendações da ASGE
EUS-BD vs. DTPH para pacientes com obstrução biliar após falha da CPRE
Recomendação: sugere EUS-BD em relação à DTPH em obstrução biliar após falha da CPRE (recomendação condicional, baixa qualidade de evidência)
Literatura: foram identificados 2 ensaios clínicos randomizados (ECR) e 11 estudos observacionais, com total de 379 pacientes no grupo EUS-BD e 376 no DTPH. A metanálise dos desfechos demonstrou menos eventos adversos e menos necessidade de reintervenção no grupo EUS-BD. Sucesso técnico e mortalidade em 30 dias foram iguais entre os grupos. Em relação ao sucesso clínico, as coortes demonstraram maior taxa no grupo EUS-BD enquanto nos dois ECR não houve diferença entre os grupos.
Considerações:
Suspeita de doença benigna: EUS-BD por rendezvous é a técnica preferida
Pacientes com ascite volumosa: considerar drenar ascite antes da drenagem biliar
Pacientes com possibilidade cirúrgica: discutir melhor via de drenagem com equipe cirúrgica
DTPH é preferível se: instabilidade hemodinâmica, suspeita de etiologia maligna, falta de expertise/material adequado para EUS-BD
Comentários: na discussão fica claro o receio dos autores em relação a possibilidade cirúrgica após EUS-BD, especialmente se realizada drenagem transmural coledocoduodenal, sendo recomendado nesses casos sempre discussão em equipe multidisciplinar. Um ponto controverso nessa primeira questão foi que, dentre as situações preferíveis para DTPH, foi colocado a etiologia maligna suspeita, porém na discussão não foi explicada essa questão. Dessa forma, ficou bastante controverso uma recomendação favorecendo EUS-BD no geral, porém dando preferência à DTPH em casos de suspeita de etiologia maligna, pois a grande maioria dos casos de obstrução biliar com falha de acesso pela CPRE são neoplásicas.
EDGE vs. CPRE assistida por laparoscopia (CPRE-LA) vs. CPRE por enteroscopia (CPRE-E) em pacientes com gastroplastia redutora tipo “by-pass” (BGYR) e obstrução biliar
Recomendação: sugere EDGE como primeira opção para pacientes com BGYR e indicação de CPRE (recomendação condicional, baixa qualidade de evidência)
Literatura: foram identificados 4 estudos observacionais e nenhum ECR, com total de 176 pacientes no grupo EDGE, 396 no CPRE-LA e 172 no CPRE-E. A metanálise dos desfechos comparando EDGE vs. CPRE-E demonstrou o grupo EDGE com maior sucesso tanto técnico quanto clínico, menos eventos adversos, menor necessidade de reintervenção e menor tempo de procedimento. A metanálise dos desfechos comparando EDGE vs. CPRE-LA demonstrou sucesso técnico, sucesso clínico e eventos adversos sem diferença entre os grupos, porém EDGE teve um menor tempo de procedimento.
Considerações:
EDGE é especialmente preferível à CPRE-LA quando: suspeita de lesão ampular, doença maligna ou necessidade de repetir CPRE no futuro
CPRE-LA é preferível à EDGE quando o paciente tem indicação de colecistectomia
Quando não há janela segura para EDGE, CPRE-LA ou CPRE-E podem ser realizadas
Fístula gastrogástrica persistente pós-GATE: 9% em seguimento médio de 182 dias; não houve ganho de peso nesses pacientes. Os autores consideram que o reganho de peso pós-GATE não deve ser uma preocupação.
Comentários: além dos óbvios vieses e limitações da metanálise de apenas 4 estudos observacionais, o que enfraquece a recomendação, é importante lembrar que o procedimento de EDGE é geralmente realizado em 2 tempos – acesso gastrogástrico com LAMS no primeiro momento e, cerca de 7 dias após, é feita a CPRE através da prótese num segundo momento. Apesar de alguns centros já realizarem EDGE em tempo único – especialmente em casos de emergência como colangite -, a técnica padrão preconizada ainda é em dois tempos. Dessa forma, quando observamos que a única diferença na metanálise entre EDGE e CPRE-LA foi o tempo de procedimento, devemos lembrar que se trata da soma dos tempos de procedimento dos dois tempos da EDGE versus o tempo total da CPRE-LA. Ou seja, o tempo “líquido” da EDGE foi menor, porém – considerando o procedimento em duas etapas – o tempo “bruto” (tempo decorrido do início do procedimento até a resolução da obstrução biliar) certamente foi menor na CPRE-LA.
EDGE vs. CPRE-E vs. DTPH em pacientes com outras alterações anatômicas cirúrgicas (Bilrroth II, pancreaticoduodenectomia, hepaticojejunostomia em Y de Roux) e obstrução biliar
Recomendação: sugere E-CPRE como abordagem inicial em pacientes com outras alterações anatômicas e obstrução biliar. Na falha, tanto EUS-BD quanto DTPH podem ser realizados (recomendação condicional, baixa qualidade de evidência).
Literatura: foram identificados 15 estudos observacionais e nenhum ECR, sendo 3 comparando EUS-BD vs. CPRE-E e 12 comparando EUS-BD vs DTPH. No total, foram estudados 299 pacientes no grupo EUS-BE, 92 no CPRE-E e 89 DTPH. A metanálise dos desfechos comparando EUS-BD vs. CPRE-E demonstrou maior sucesso técnico e clínico no grupo EUS-BD, porém com mais eventos adversos. A metanálise dos desfechos comparando EUS-BD vs. DTPH não demonstrou diferença entre os grupos em relação ao sucesso técnico, sucesso clínico, necessidade de reintervenção e eventos adversos.
Considerações:
CPRE-E foi sugerida como 1ª opção devido a menor taxa de eventos adversos, apesar de sucesso técnico e clínico menor que a EUS-BD
O sucesso técnico da CPRE-E está diretamente relacionada ao tamanho da alça intestinal a ser percorrida até o acesso biliar. Os autores sugerem sempre que possível verificar a descrição cirúrgica para identificar esse dado e direcionar a melhor técnica
EUS-BD: é necessária dilatação da via biliar intra-hepática esquerda para possibilidade técnica nesses casos
Comentários: a recomendação de se tentar a CPRE-E como primeira opção é bastante racional tendo em vista a baixa taxa de eventos adversos envolvidos. Porém, em cirurgias com reconstrução em Y com alças longas, o sucesso técnico da CPRE-E é bastante reduzido, tanto pela dificuldade de acesso à anastomose enterobiliar quanto pela dificuldade e indisponibilidade de materiais dedicados à CPRE apropriados ao enteroscópio – que é mais longo e com canal de trabalho geralmente menor que o duodenoscópio. Apesar de não terem especificado quantos pacientes realizaram cada tipo de cirurgia em cada grupo – o que muda completamente o cenário -, podemos supor que uma quantidade considerável foram pacientes submetidos a gastrectomia com reconstrução a Billroth II, e o acesso à papila duodenal nesses casos pode ser realizada com gastroscópio, colonoscópio ou mesmo duodenoscópio, o que supera as limitações do uso do enteroscópio para CPRE. Dessa forma, utilizar a via enteral para realizar CPRE em paciente com Billroth II como primeira opção – preferencialmente utilizando outros aparelhos que não ou enteroscópio – é bastante óbvia. Por outro lado, em pacientes com reconstrução em Y de Roux e alças longas, a possibilidade de DTPH ou EUS-BD como técnicas primárias podem ser consideradas – apesar de uma primeira tentativa por CPRE-E ser válida.
EUS-VB vs. drenagem percutânea (DP-VB) vs. drenagem transcística por CPRE (CPRE-VB) para colecistite aguda em pacientes não cirúrgicos
Recomendação: sugere EUS-VB para resolução da colecistite aguda em pacientes não cirúrgicos (recomendação condicional, baixa qualidade de evidência).
Literatura: foram identificados 7 estudos observacionais e 1 ECR, sendo 5 comparando EUS-VB vs. DP-VB – incluindo 1 ECR – e 3 comparando EUS-VB vs. CPRE-VB. No total, foram estudados 346 pacientes no grupo EUS-VB, 276 no PT-VB e 163 CPRE-VB . A metanálise dos desfechos comparando EUS-VB vs. DP-VB demonstrou menor necessidade de reintervenção, menor readmissão e menor necessidade de colecistectomia no grupo EUS-VB. Não houve diferença na mortalidade em 30 dias nem no sucesso clínico. No ECR comparando as duas técnicas, ainda houve menos eventos adversos e menos colecistite recorrente após a drenagem no grupo EUS-VB. Os estudos observacionais a PT-VB apresentou maior sucesso técnico. Nos estudos comparando EUS-VB vs. CPRE-VB, a metanálise dos desfechos demonstrou maior sucesso técnico, maior sucesso clínico, menos pancreatite pós procedimento e menos colecistite recorrente no grupo EUS-VB. Não houve diferença em relação a mortalidade em 30 dias, eventos adversos, necessidade de reintervenção e necessidade de colecistectomia.
Considerações:
Preferência por DP-VB: perfuração da vesícula biliar; colecistite enfisematosa; instabilidade clínica; indisponibilidade de EUS-VB
Preferência maior por EUS-VB: prótese metálica ocluindo o ducto cístico; grande quantidade de cálculos na vesícula biliar
Evitar EUS-VB em pacientes candidatos a cirurgia após melhora clínica (colecistectomia ao transplante hepático)
Preferência por CPRE-VB: ascite volumosa; infiltração maligna da vesícula biliar; coagulopatia severa; indicação de CPRE por outro motivo (ex: coledocolitíase associada)–
Comentários: apesar da recomendação ser preferencialmente por EUS-VB, há dois principais pontos que devem ser considerados. O primeiro é em relação ao custo e disponibilidade da prótese adequada – que deve ser preferencialmente uma LAMS com eletrocautério. Apesar dos autores não terem identificado desfecho de custo nos estudos, sabemos que se trata de material mais caro e menos disponível que o dreno percutâneo na grande maioria dos hospitais, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil. O segundo ponto de atenção é em relação a possibilidade de colecistectomia após melhora clínica. Os autores colocam que deve ser evitada EUS-VB nesses pacientes pois a presença da prótese metálica transgástrica ou transduodenal pode dificultar a execussão da colecistectomia, de forma que a EUS-VB deve ser considerada em pacientes que não seriam candidatos a cirurgia mesmo antes do evento agudo – como pacientes com demência avançada, oncológicos avançados, paliativos em geral e outros -, limitando bastante o espectro de pacientes no qual a EUS-VB seria de fato a primeira opção.
Algoritmos
Com a intenção de sintetizar as recomendações, os autores sugeriram três algoritmos – traduzidos e adaptados a seguir – para o manejo das condições abordadas no guideline. É importante enfatizar que, devido a baixa qualidade de evidência de todas as recomendações e as inúmeras condições e considerações colocadas em cada questão, os algoritmos sugeridos devem ser utilizados com parcimônia e crítica.
Algoritmo proposto para drenagem biliar após falha da CPRE
CPRE: colangiopancreatografia retrógrada endoscópica; EUS-BD: drenagem biliar ecoguiada; DTPH: drenagem transparietohepática; EUS-CD: drenagem ecoguiada coledocoduodenal; EUS-HG: drenagem ecoguiada hepatogástrica. Adaptado de “American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on the role of therapeutic EUS in the management of biliary tract disorders: summary and recommendations”, GIE, 2024 (2)
Algoritmo proposto para drenagem biliar em pacientes com “bypass’ gástrico em Y de Roux
BGYR: by-pass gástrico em Y de Roux; CPRE: colangiopancreatografia retrógrada endoscópica; EDGE: “Endoscopic Ultrasound Directed Transgastric ERCP”; ECO: ecoendoscopia digestiva alta; EUS-VB: drenagem ecoguiada da vesícula biliar; CPRE-LA: CPRE assistida por laparoscopia. Adaptado de “American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on the role of therapeutic EUS in the management of biliary tract disorders: summary and recommendations”, GIE, 2024 (2)
Algoritmo proposto para pacientes com colecistite aguda sem condições cirúrgicas com necessidade de drenagem da vesícula biliar
VB: vesícula biliar; CCT: colecistectomia; EUS-VB: drenagem ecoguiada da vesícula biliar; DP-VB: drenagem percutânea da vesícula biliar; CPRE-VB: drenagem transcística por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica. Adaptado de “American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on the role of therapeutic EUS in the management of biliary tract disorders: summary and recommendations”, GIE, 2024 (2)
Conclusão
A drenagem biliar ecoguiada vem ganhando cada vez mais espaço na resolução dos distúrbios biliares em diversos contextos e patologias diferentes. Apesar de uma técnica relativamente nova, que exige treinamento especializado e materiais dedicados, já demonstra algumas vantagens em relação a outras opções técnicas em alguns cenários – em especial quando comparada à drenagem transparietohepática (DTPH), que apesar de segura e bastante difundida, apresenta limitações e inconvenientes ao paciente que podem ser superados com a drenagem ecoguiada. Apesar do guideline da ASGE sugerir a drenagem ecoguiada como preferência na maioria dos cenários discutidos, as recomendações devem ser interpretadas com cautela, tanto pela baixa qualidade das evidências que suportam as recomendações quanto pelas diversas condições e considerações colocadas. A discussão interdisciplinar considerando as peculiaridades de cada caso é imprescindível para a determinação da melhor conduta.
Referências
Logiudice, F. P., Bernardo, W. M., Galetti, F., Sagae, V. M., Matsubayashi, C. O., Madruga Neto, A. C., Brunaldi, V. O., de Moura, D. T. H., Franzini, T., Cheng, S., Matuguma, S. E., & de Moura, E. G. H. (2019). Endoscopic ultrasound-guided vs endoscopic retrograde cholangiopancreatography biliary drainage for obstructed distal malignant biliary strictures: A systematic review and meta-analysis. World journal of gastrointestinal endoscopy, 11(4), 281–291. https://doi.org/10.4253/wjge.v11.i4.281
ASGE Standards of Practice Committee; Pawa S, Marya NB, Thiruvengadam NR, Ngamruengphong S, Baron TH, Bun Teoh AY, Bent CK, Abidi W, Alipour O, Amateau SK, Desai M, Chalhoub JM, Coelho-Prabhu N, Cosgrove N, Elhanafi SE, Forbes N, Fujii-Lau LL, Kohli DR, Machicado JD, Navaneethan U, Ruan W, Sheth SG, Thosani NC, Qumseya BJ; (ASGE Standards of Practice Committee Chair). American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on the role of therapeutic EUS in the management of biliary tract disorders: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2024 Dec;100(6):967-979. doi: 10.1016/j.gie.2024.03.027. Epub 2024 Jul 29. PMID: 39078360.
Como citar este artigo
Proença IM. Drenagem biliar ecoguiada: resumo e considerações sobre o guideline americano (ASGE) de 2024. Endoscopia Terapeutica, 2025 vol I. Dispnível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/drenagem-biliar-ecoguiada-resumo-e-consideracoes-sobre-o-guideline-americano-asge-de-2024/
Drenagem ecoguiada da vesícula biliar na colecistite aguda: o que diz a literatura atual?
Introdução
A drenagem da vesícula biliar guiada por ecoendoscopia (EUS-GBD) tem emergido como uma alternativa minimamente invasiva para o manejo de pacientes com colecistite aguda com alto risco cirúrgico para a abordagem cirúrgica por colecistectomia, podendo também ser utilizada para internalização de drenagem percutânea em pacientes que não serão candidatos à abordagem cirúrgica1.
As principais técnicas de drenagem incluem o uso de stents metálicos autoexpansíveis, com destaque para a utilização do stent metálico com aposição de lúmens (LAMS) – clique aqui para saber mais sobre LAMS. Em casos que envolvam dificuldade de posicionamento, vesícula fibrótica ou presença de drenos percutâneos que dificultem a visualização da vesícula, o uso de fio guia pode trazer maior segurança ao procedimento.
A escolha da janela de drenagem é indicada com base na anatomia do paciente e na proximidade das estruturas, sendo a distância de 10 mm entre a parede do TGI e o lúmen da vesícula considerada segura. O acesso pode ser realizado pela janela transgástrica ou transduodenal, sendo que a primeira tem por vantagem a facilidade de acesso cirúrgico ao sítio de punção em caso de colecistectomia posterior, enquanto que o posicionamento no bulbo duodenal pode reduzir a ocorrência de migração da prótese e impactação alimentar. O posicionamento de próteses duplo pig tail no interior da LAMS pode mitigar a ocorrência de sangramento e impactação alimentar2.
Algumas contraindicações ao procedimento incluem a presença de coagulopatia significativa, perfuração da vesícula biliar, peritonite biliar e ascite volumosa1,2,3.
Imagem de drenagem ecoguiada da vesícula biliar em etapas, adaptada de Irani et al., AGA Clinical Practice Update on Role of EUS-Guided Gallbladder Drainage in Acute Cholecystitis: Commentary. Clin Gastroenterol Hepatol. 2023 2
Resultados da literatura atual
Em comparação à drenagem percutânea, a EUS-GBD demonstra resultados que indicam vantagens, como menor risco de infecção e complicações pós-procedimento, podendo promover melhores resultados de longo prazo. Estudo randomizado multicêntrico com 80 pacientes, comparando as duas técnicas, demonstrou redução significativa de eventos adversos em um ano, reintervenções e internações hospitalares, com resultados similares em sucesso técnico, clínico e mortalidade4. Da mesma forma, uma metanálise abarcando 1155 pacientes em 11 estudos demonstrou menores eventos adversos, reintervenções e recorrência da colecistite na EUS-GBD com LAMS com eletrocautério acoplado, quando comparada à drenagem percutânea, porém, quando incluídos estudos com todos os modelos de próteses para EUS-GBD, não houve diferença estatística entre as abordagens5.
No que tange aos eventos adversos relacionados ao procedimento, os principais relatados envolvem obstrução ou deslocamento da prótese, peritonite, pneumoperitônio, abscesso e recorrência da colecistite. Em um estudo que realizou o seguimento dos pacientes ao longo de 3 anos a ocorrência de eventos adversos foi de 18%, 20% e 26% em cada ano, com recorrência de colangite em 4% dos casos6. Foi relatado ainda que os eventos sintomáticos relacionados à LAMS ocorriam principalmente no posicionamento gástrico em comparação ao duodenal6.
Podem também ocorrer eventos adversos intra-procedimento que envolvem sangramento, mal posicionamento ou deslocamento da prótese, perfuração e complicações cardiovasculares. Estes algumas vezes podem ser manejados por endoscopia com uso de métodos hemostáticos, reposicionamento ou colocação de novas próteses, mas por vezes podem requerer abordagem cirúrgica de urgência7.
A realização de colecistoscopia pode ser indicada após a resolução da colecistite aguda visando a remoção completa dos cálculos da vesícula biliar, nesta ocasião pode-se substituir a LAMS por prótese do modelo duplo pig tail. Outra abordagem, principalmente utilizada em pacientes de alto risco, é manter a LAMS, com realização de nova abordagem apenas caso necesário2.
Considerações finais
A EUS-GBD vem se tornando uma opção estabelecida no manejo de pacientes com colecistite aguda e alto risco cirúrgico, apresentando resultados favoráveis reportados na literatura. A adequada seleção de pacientes envolve abordagem multidisciplinar entre as equipes de endoscopia, radiologia intervencionista e cirurgia, devendo-se considerar fatores como comorbidades, potencial para abordagem cirúrgica posterior, características anatômicas e disponibilidade de profissionais e material.
Há tendência a escolha pela EUS-GBD em pacientes que não sejam bons candidatos à abordagens de repetição, presença de fatores de obstrução do ducto cístico e pacientes com múltiplos cálculos que possam se beneficiar da realização de colecistoscopia2
Tabela comparativa entre as técnicas de drenagem da vesícula biliar, adaptada de Irani et al., AGA Clinical Practice Update on Role of EUS-Guided Gallbladder Drainage in Acute Cholecystitis: Commentary. Clin Gastroenterol Hepatol. 2023 2
Irani SS, Sharzehi K, Siddiqui UD. AGA Clinical Practice Update on Role of EUS-Guided Gallbladder Drainage in Acute Cholecystitis: Commentary. Clin Gastroenterol Hepatol. 2023 May;21(5):1141-1147.
Pawa S, Marya NB, Thiruvengadam NR, et al. American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on the role of therapeutic EUS in the management of biliary tract disorders: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2024 Jul 29:S0016-5107(24)00188-3.
Teoh AYB, Kitano M, Itoi T , et al. Endosonography-guided gallbladder drainage versus percutaneous cholecystostomy in very high-risk surgical patients with acute cholecystitis: an international randomised multicentre controlled superiority trial (DRAC 1). Gut. 2020 Jun;69(6):1085-1091.
Hemerly MC, de Moura DTH, do Monte Junior ES, et al. Endoscopic ultrasound (EUS)-guided cholecystostomy versus percutaneous cholecystostomy (PTC) in the management of acute cholecystitis in patients unfit for surgery: a systematic review and meta-analysis. Surg Endosc. 2023 Apr;37(4):2421-2438.
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Como citar este artigo
Logiudice FP. Drenagem ecoguiada da vesícula biliar na colecistite aguda: o que diz a literatura atual?. endoscopia Terapeutica 2024, vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/rascunho-automatico/
Sistema de Última Geração da Olympus no Brasil: Aprenda Quais são as Recentes Tecnologias do EVIS X1
A Olympus lançou o novo sistema Evis X1 em 2020 na Ásia e Europa, chegando ao Brasil em 2024. Trata-se de uma tecnologia com melhoras em relação a processadora 190, a mais moderna que temos disponível até o momento no nosso país.
A processadora com o sistema de vídeo CV-1500 oferece novas tecnologias de imagens, estando combinado num mesmo box com a fonte que contém cinco luzes LED. Essa processadora é compatível com endoscópios das gerações anteriores da série 190 e com as futuras gerações de endoscópios.
Os novos recursos do sistema de endoscopia EVIS X1
1. TXI (TeXture and color enhancement Imaging)
O TXI é uma tecnologia de imagem realçada. Basicamente, o que o sistema faz é processar a imagem com luz branca após a captura, melhorando sua nitidez. Primeiramente, a imagem capturada é dividida em dois componentes (textura e cor); depois, cada componente é realçado e então a processadora as une de novo e entrega uma imagem com mais qualidade. O resultado é um aumento da claridade nas partes escuras, assim como uma maior nitidez das cores.
Existem dois modos: TX 1: realça tanto a cor quanto a estrutura. TX 2: realça basicamente só a textura.
Foto 1: luz branca. Fonte: Osaka International Cancer Institute.Foto 2: TXI modo 1. Fonte: Osaka International Cancer Institute.Foto 3: TXI modo 2. Fonte: Osaka International Cancer Institute.
2. RDI (Red Dichromatic Imaging)
Essa tecnologia aplica os mesmos princípios do NBI, ou seja, são colocados filtros de luz. A diferença é que o RDI usa filtros de comprimentos de onda mais longos objetivando melhorar a visualização dos vasos mais profundos. As áreas com maior concentração de hemácias ficam com a cor laranja ou amarelo escuro, enquanto as áreas com menor densidade, ficam amarelas claras. Isso ajuda na hora de identificar o foco de sangramento ativo durante as ressecções endoscópicas (ESD ou mucosectomia), diminuindo o tempo para atingir uma coagulação adequada.
Foto 4: sangramento ativo impossibilitando a identificação do vaso causador. Fonte: Osaka International Cancer Institute.Foto 5: Após o RDI, podemos observar um tom de amarelo mais escuro no círculo vermelho, compatível com o local do sangramento. Fonte: Osaka International Cancer Institute.
3. EDOF (Extended Depth of Field)
A incorporação do EDOF, ou campo de visão estendida, proporcionou uma melhora significativa na qualidade de imagem. Com o sistema anterior, o Near Focus produzia uma imagem ampliada, porém para atingirmos uma boa resolução, tínhamos que nos aproximar muito do foco de interesse e a imagem ao redor ficava desfocada. Para melhorar nesse aspecto, dois refletores (espelhos) foram colocados na ponta do aparelho, permitindo ver uma área de interesse de perto, porém mantendo a nitidez da área ao redor.
Foto 6: Near Focus (Aparelho H190). Fonte: Osaka International Cancer Institute.Foto 7: Near Focus com EDOF (Aparelho EZ1500). Fonte: Osaka International Cancer Institute.
4. BAI-MAC (Brightness Adjustment Imaging with Maintenance of Contrast)
Por fim, essa tecnologia é uma nova técnica de processamento de imagens para corrigir os níveis de brilho em áreas escuras da imagem endoscópica, mantendo o brilho das áreas mais claras e aumentando a visualização à distância.
Notas: A autora declara que não há conflito de interesses nesse post.
Como citar este artigo
Nobre R. O sistema de última geração da olympus chegou no brasil! Aprenda quais são as recentes tecnologias do Evis x1. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol II. https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/Sistema-de-ultima-Geracao-da-Olympus-no-Brasil-Aprenda-Quais-sao-as-Recentes-Tecnologias-do-EVIS-X1/
Quando utilizar endoclipes profiláticos após polipectomia ou mucosectomia de lesões sésseis do cólon?
A colonoscopia e polipectomia de pólipos adenomatosos diminuem o risco do câncer colorretal, no entanto, o sangramento tardio pós-polipectomia (DPPB) é uma conhecida complicação potencialmente grave que ocorre entre 0,23% e 1,9% para pólipos em geral e em 7% para grandes pólipos ressecados através de mucosectomia (EMR). Os principais fatores de risco para o desenvolvimento do DPPB incluem o tamanho, a morfologia e localização do pólipo, bem como o uso de agentes anti-agregantes plaquetários e anticoagulantes.
A discussão do papel do fechamento profilático com endoclipes de forma rotineira para prevenção do DPPB já se arrasta há anos, sempre com resultados conflitantes entre os diversos trabalhos que abordam o tema (vide artigo prévio sobre SANGRAMENTO TARDIO PÓS-MUCOSECTOMIA DE CÓLON. SERÁ QUE PODEMOS EVITAR ESSE DRAMA?). Os defensores referenciam estudos que evidenciaram redução na incidência, enquanto os contrários apontam falta de evidência comprovada e o alto custo de sua implementação. De fato, o uso de endoclipes aumenta o custo do procedimento, com um estudo de Liaquat et al. estabelecendo o valor unitário de US$ 150,00 por clipe e estimando uma conta total de US$ 555,00 por paciente, em média. Todavia, a despesa do sistema de saúde decorrente do manejo de um DPPB pode facilmente suplantar o custo dos endoclipes, especialmente se houver necessidade de internação hospitalar e repetição da colonoscopia, ou menos frequentemente, se for necessária angiografia ou cirurgia.
O Guideline de 2017 da Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) para Polipectomia e EMR colorretal recomenda hemostasia profilática de rotina apenas para grandes pólipos pediculados (cabeça ≥ 20 mm ou pedículo ≥ 10 mm), usando injeção de adrenalina e/ou hemostasia mecânica (por exemplo, endoloops ou clipes). As diretrizes indicam que a hemostasia profilática mecânica pode ser superior à injeção de adrenalina, conforme evidenciado por estudos que descobriram que o uso de dispositivos mecânicos para pré-tratamento do pedículo do pólipo, sozinhos ou em combinação com injeção de adrenalina, diminuiu significativamente o sangramento pós-polipectomia em comparação à injeção de adrenalina sozinha. No entanto, para pólipos não pediculados (ou seja, sésseis), a diretriz da ESGE não recomendou o fechamento com endoclipes de rotina para evitar sangramento tardio.
Desde o Guideline de 2017, houve alguns ensaios clínicos randomizados (RCT) adicionais publicados que abordaram essa questão, portanto, uma reavaliação das evidências de alta qualidade se fazia necessária e foi efetivamente realizada por Kamal et al. (2020) numa meta-análise intitulada “Hemoclipes profiláticos na prevenção de sangramento tardio pós-polipectomia para pólipos colorretais ≥ 1 cm: Meta-análise de ensaios clínicos randomizados”. Buscando responder definitivamente à questão “clipar ou não clipar”, os desfechos primários de interesse foram DPPB com pólipos ≥ 2 cm e pólipos de 1 a 1,9 cm. Os desfechos secundários incluíram DPPB para todos os pólipos ≥ 1 cm, pólipos proximais, pólipos distais, uso de terapia anticoagulante/antiplaquetária, perfuração e síndrome pós-polipectomia. Um total de nove RCTs (oito publicações completas e um resumo) foram incluídos em sua análise, compreendendo 3764 pólipos, dos quais 1917 tiveram colocação de clipe profilático e 1847 não. Os resultados desta meta-análise demonstram uma redução significativa no DPPB com a colocação de clipe profilático em pólipos do cólon proximal ≥ 2 cm.
As conclusões da meta-análise de Kamal et al. são corroboradas por outra meta-análise publicada por Spadaccini et al (2020). Sua revisão de nove RCTs demonstrou uma redução de risco de quase 50% no DPPB com clipagem profilática em pólipos do cólon proximal ≥ 2 cm, mas nenhum benefício significativo da clipagem geral. Suas constatações se traduziram em um NNT (número necessário para tratar – com endoclipes) de 23 pacientes para prevenir um DPPB em lesões desse tamanho.
Por último, uma terceira meta-análise publicada em 2022 por Forbes et al. analisou dados individuais de pacientes em ensaios randomizados que avaliaram a eficácia do fechamento com endoclipes após EMR de pólipos colorretais não pediculados (LNPCP) do cólon proximal ≥20 mm para prevenção de eventos adverso. De 3145 citações, 4 ensaios foram incluídos, representando 1248 pacientes com LNPCP proximais. A taxa geral de sangramento clinicamente significativo pós-EMR foi de 3,5% e 9,0% em pacientes clipados e não clipados, respectivamente. Restou a conclusão, portanto, que o fechamento com endoclipes profilático é eficaz na prevenção e deve ser considerado um componente padrão pós-EMR de LNPCP no cólon proximal.
A despeito da evidência dos novos conhecimentos de que o fechamento com endoclipes de pólipos sésseis grandes (≥ 2 cm) do cólon proximal comprovadamente reduz o risco de DPPB, faz-se necessário algumas ponderações antes de adotar esta prática de maneira sistemática e irrestrita, uma vez que determinadas variáveis tem a capacidade de modificar o desfecho da custo-efetividade:
Tamanho da lesão – defeitos maiores exigem mais clipes para fechar e podem não ser passíveis de fechamento completo em muitos casos. Existem evidências de que o fechamento parcial ou incompleto do defeito da polipectomia ou EMR não é eficaz na redução do DPPB e que, mesmo em mãos de especialistas, 43% dos sítios de EMR com tamanho ≥ 20 mm não puderam ser totalmente fechados com clipes.
Custo-benefício – pode variar substancialmente dependendo do número de clipes necessários para cada caso, bem como do custo local de cada clipe.
Seguimento pós polipectomia ou EMR – considerando que significativa parte das ressecções de lesões >20mm ocorre em piecemeal, o que comprovadamente aumento chance de recidiva, os clipes podem dificultar a vigilância pós procedimento, uma vez que sua presença prolongada resulta no crescimento de tecido de granulação, tornando difícil, por vezes, distingui-lo de um adenoma. Mesmo depois de expelidos, a entidade bem descrita de “artefato de clipe” pode prejudicar a avaliação de locais de cicatriz de EMR/ polipectomia e, na ausência de experiência na interpretação de padrões de mucosas, potencialmente resultar em ressecção adicional desnecessária.
Novas técnicas de ressecção – técnicas emergentes como polipectomia e EMR com alça fria demonstram taxas muito baixas de sangramento tardio, mesmo para pólipos grandes, incluindo adenomas e lesões serrilhadas sésseis, sendo improvável que o fechamento com endoclipes de rotina nestas situações valha a pena.
Diante de todo o exposto, é bastante razoável considerar que consensos ou diretrizes futuras de sociedades de especialidade que abordem o tema aqui discutido passem a sugerir o fechamento profilático do leito cruento com endoclipes após polipectomias com alça quente (“hot snare”) ou EMR de pólipos sésseis do cólon proximal com tamanho ≥20 mm para fins de redução da incidência de DPPB. No entanto, ainda que eventualmente possa não ser recomendada como rotina padrão, devido a múltiplos fatores inerentes ao paciente, lesão e/ou procedimento que afetam os riscos e benefícios da aplicação profilática do clipe, sua consideração meticulosa pelo endoscopista em cada caso continuará sendo uma postura bastante apropriada.
Referências Bibliográficas:
Alexandra Marc et al. Prevention of delayed post-polypectomy bleeding: Should we amend the 2017 ESGE Guideline? Endoscopy International Open 2020; 08: E1111–E1114
Liaquat H, Rohn E, Rex DK. Prophylactic clip closure reduced the risk of delayed postpolypectomy hemorrhage: experience in 277 clipped large sessile or flat colorectal lesions and 247 control lesions. Gastrointest Endosc. 2013 Mar;77(3):401-7. doi: 10.1016/j.gie.2012.10.024. Epub 2013 Jan 11. PMID: 23317580.
Monika Ferlitsch et al. Colorectal polypectomy and endoscopic mucosal resection (EMR): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline. Endoscopy 2017; 49(03): 270-297
Faisal Kamal et al. Prophylactic hemoclips in prevention of delayed post-polypectomy bleeding for ≥ 1 cm colorectal polyps: meta-analysis of randomized controlled trials. Endoscopy International Open 2020; 08: E1102–E1110
Marco Spadaccini et al. Prophylactic Clipping After Colorectal Endoscopic Resection Prevents Bleeding Of Large, Proximal Polyps: Meta-Analysis Of Randomized Trials. Gastroenterology 2020 Jul;159(1):148-158.e11.
Nauzer Forbes et al. Clip closure to prevent adverse events after EMR of proximal large nonpedunculated colorectal polyps: meta-analysis of individual patient data from randomized controlled trials. Gastrointest Endosc 2022;96:721-31.
As lesões císticas pancreáticas tem sido cada vez mais diagnosticadas, tanto pelo aumento da incidência dessas lesões quanto pela realização e acesso crescente a exames de imagem que eventualmente identificam tais lesões. A neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) é uma das principais lesões císticas do pâncreas, tanto pela sua incidência quanto pelo seu potencial de transformação maligna, porém sua apresentação e evolução apresentam um espectro amplo de possibilidades. Como o potencial maligno do IPMN de ducto secundário varia de 1 a 38%, é fundamental identificar quais lesões apresentam risco aumentado e quais podem ser apenas acompanhadas, evitando cirurgias desnecessárias que envolvem riscos e morbi-mortalidade consideráveis. Já o IPMN de ducto principal apresenta um potencial maligno maior, de 33 a 85%, sendo indicada a ressecção cirúrgica sempre que o ducto pancreático principal (DPP) esteja dilatado em 10 mm ou mais e o paciente apresente condições clínicas e expectativa de vida compatível com a abordagem cirúrgica (1).
Para padronizar o manejo dos IPMN com base nas melhores evidências disponíveis, a Associação Internacional de Pancreatologia (IAP) publicou o primeiro guideline contemplando as lesões císticas pancreáticas mucinosas – IPMN e cistoadenoma mucinoso – em 2006 (2). Este guideline foi revisado em 2012 (3) e, posteriormente em 2017, um novo guideline com foco apenas nos IPMN foi publicado, e ficou conhecido como o consenso de Fukuoka (4). Os critérios de Fukuoka foram amplamente divulgados e discutidos ao longo dos últimos anos, sendo ferramenta chave no manejo dos IPMN, que já foi tema de publicação no Endoscopia Terapêutica (clique aqui para Critérios de Fukuoka para IPMN). Mais recentemente, em 2022 no encontro da IAP realizado em Kyoto, o consenso de Fukuoka foi revisado, sendo o novo guideline publicado na Pancreatology em 2024 (5).
Neste artigo, iremos abordar o novo guideline de Kyoto, enfatizando o que mudou desde o último consenso em Fukuoka à luz do recente artigo publicado na The New England Journal of Medicine sobre o tema (1), sendo essas as duas referências para os próximos tópicos (1, 5).
2.Conceitos e definições
Não houve mudança em relação às definições dos três tipos de IPMN, que podem ser de ducto secundário (“Branch duct-IPMN” ou BD-IPMN), de ducto principal (“Main-duct IPMN” ou MD-IPMN) ou misto – quando contempla os critérios tanto para BD-IPMN quanto para MD-IPMN. Os cistos pancreáticos >5mm com comunicação com o DPP devem ser classificados como BD-IPMN, enquanto uma dilatação do DPP >5mm sem fator obstrutivo é classificado como MD-IPMN. A importância e manejo de cistos pancreáticos assintomáticos <5mm permanece controverso.
Figura 1: Tipos de IPMN na ressonância magnética. Adaptado de Ohtsuka T, et al. Pancreatology. 2024 (5).
Os IPMN podem apresentar displasia de baixo grau ou displasia de alto grau – que também pode ser chamada de carcinoma in situ -, podendo chegar a carcinoma invasivo (CI). O objetivo no manejo dos IPMN é distinguir os IPMN de baixo grau (maioria) dos de alto grau, que evoluirão para carcinoma invasivo.
Em relação aos subtipos morfológicos, são reconhecidos três tipos: gástrico (mais frequente e melhor prognóstico), intestinal e pancreatobiliar (maior risco de malignização). O tipo oncocítico foi separado como entidade própria, sendo denominado neoplasia oncocítica papilar intraductal, devido principalmente estudos genéticos que identificaram diferenças significativas.
3.Investigação diagnóstica e exames complementares
Os exames de imagem primários na avaliação dos IPMN são a ressonância magnética (RM) e a tomografia computadorizada (TC), sendo a ecoendoscopia indicada para avaliação de achados sugestivos de displasia de alto grau e carcinoma invasivo.
Punção ecoguiada
A punção ecoguiada não está indicada de rotina. Ela deve ser indicada apenas quando há dúvida diagnóstica para diagnóstico diferencial com outras lesões císticas ou em casos nos quais a punção poderá mudar a conduta. Quando há evidência de alto risco para displasia de alto grau ou carcinoma invasivo na RM, a cirurgia está indicada e não há indicação de punção ecoguiada.
Para o diagnóstico diferencial com as demais lesões císticas pancreáticas, o CEA e a amilase são tradicionalmente os principais marcadores utilizados, porém estudos mais recentes destacam a glicose como importante marcador para distinguir lesões mucinosas de não mucinosas. Glicose <50ng/ml apresenta sensibilidade de 93%, especificidade de 89% e acurácia que pode chegar até 90 a 94%, tendo um rendimento melhor que o CEA – que apresenta uma sensibilidade de 58% e especificidade de 87%. É importante ressaltar que tais marcadores não apresentam relação com displasia de alto grau ou carcinoma in situ.
Em relação a punção ecoguiada com o objetivo de identificar displasia de alto grau ou carcinoma invasivo em casos limítrofes, a sensibilidade para identificação citológica no fluido cístico é de apenas 28,7%, porém o achado suspeito ou positivo apresenta especificidade de 91-100% e 100% respectivamente, e a ressecção cirúrgica estaria indicada. Para superar a baixa sensibilidade da punção aspirativa, foram desenvolvidos “microforceps” para biópsias através da agulha, que apresentam maior sensibilidade, apesar de um risco um pouco aumentado de pancreatite e sangramento. A punção ecoguiada também pode possibilitar a análise genética do conteúdo, que pode se relacionar tanto na confirmação do diagnóstico de IPMN (alterações nos genes KRAS e GNAS) quanto com risco de displasia de alto grau e carcinoma invasivo (alterações nos genes TP53, CTNNB1, CDKN2A, SMAD4, e genes envolvidos na via mTOR) – estes apresentando alta especificidade (92-98%) porém baixa sensibilidade (9-39%). Quando identificada áreas sólidas, as punções (se indicada) devem ser dirigidas a estas áreas, onde o rendimento diagnóstico é maior. No caso de avaliação de nódulos murais, a ecoendoscopia com contraste pode definir o caráter neoplásico ou não-neoplásico do nódulo, evitando a necessidade de punção ecoguiada, que apresenta um risco de “seeding” de cerca de 0,3%.
Pancreatoscopia
Pode ser útil nos casos de MD-IPMN e tipo misto com indicação de cirurgia para delimitar a extensão da ressecção e evitar a pancreatectomia total em alguns casos. Ela não deve ser realizada no intra-operatório pelo risco de disseminação neoplásica peritoneal e pela possível super-estimativa da extensão da lesão a ser ressecada, uma vez que a acurácia para diferenciar displasia de baixo grau (que não precisa ser ressecada) de alto grau (que deve ser ressecada) é baixa. Dessa forma, quando indicada, a pancreatoscopia deve ser realizada antes do procedimento cirúrgico, ficando a margem intra-operatória a critério da avaliação anatompatológica de congelação.
O que mudou: 1) a análise genética do material da punção ecoguiada pode auxiliar no diagnóstico e identificação de lesões de alto risco. 2) a pancreatoscopia pode auxiliar em alguns casos de MD-IPMN e tipo misto e, quando indicada, deve ser realizada antes da cirurgia (e não no intra-operatório).
4. Avaliação do risco – estigmas de alto risco e características preocupantes
Talvez a principal contribuição dos guidelines que abordam os IPMN seja identificar os achados e fatores que aumentam o risco de evolução para câncer e atribuir condutas a partir desses fatores. Desde a publicação de 2012 os termos “estigmas de alto risco” (high risk stigmata – HRS) e “características preocupantes” (worrisome features – WF) vem sendo utilizados para identificar os fatores que apresentam alto risco e risco intermediário, respectivamente.
4. a) Estigmas de alto risco
Icterícia obstrutiva em paciente com lesão cística na cabeça do pâncreas
Nódulo mural com realce ≥ 5mm ou componente sólido
Ducto pancreático principal ≥ 10mm
Citologia suspeita ou positiva (caso tenha sido indicada punção ecoguiada)
O que mudou: citologia suspeita ou positiva foi definida como estigma de alto risco
Figura 2: Estigmas de alto risco. Adaptado de Gonda TA, et al. Pancreatic Cysts. N Engl J Med. 2024 (1).
4. b) Características preocupantes (CP)
> Clínica
Pancreatite aguda
Aumento de CA 19-9
Início ou exacerbação aguda de Diabetes no último 1 ano
> Imagem
. Cisto ≥ 30mm
Nódulo mural com realce < 5mm
Paredes císticas espessadas ou com realce
Ducto pancreático principal ≥ 5mm e <10mm
Mudança abrupta de calibre do DPP com atrofia distal
Linfadenopatia
Crescimento cístico ≥ 2,5mm/ano
A presença de múltiplas CPs aumenta significativamente o risco de displasia de alto grau e carcinoma invasivo:
– 1 CP: 22% de risco – 2 CP: 34% de risco – 3 CP: 59% de risco – ≥4 CP: até 100% de risco
O que mudou: 1) um critério clínico novo foi incorporado – início ou exacerbação de diabetes no último ano; 2) um critério foi alterado – crescimento cístico ≥ 2,5mm/ano (antes era ≥ 5mm/2 anos; 3) foi incorporado o conceito de que múltiplas características preocupantes aumentam o risco de displasia de baixo grau e carcinoma invasivo.
Figura 3: Representação de 8 das 10 características preocupantes. Adaptado de Gonda TA, et al. Pancreatic Cysts. N Engl J Med. 2024 (1).
5) Fatores adicionais para avaliação nos pacientes com “características preocupantes”
Os pacientes que não têm estigmas de alto risco, porém apresentam alguma CP, devem ser avaliados para fatores adicionais que possam direcionar a conduta para o seguimento clínico ou uma tendência à indicação cirúrgica.
Foram alterados os três fatores considerados previamente em Fukuoka (que eram: presença de nódulo mural definitivo > 5mm, características suspeitas para envolvimento do DPP e citologia suspeita ou positiva). No atual guideline de Kyoto, esses fatores são: 1) pancreatite de repetição com piora da qualidade de vida; 2) múltiplas características preocupantes; 3) jovem com bom status clínico para cirurgia. A presença de um desses três fatores direciona para uma abordagem cirúrgica, enquanto a ausência dos três direciona para o seguimento clínico com exames de imagem periódicos.
O que mudou: os três fatores adicionais a serem avaliados em pacientes sem estigmas de alto risco porém com alguma CP – 1) pancreatite de repetição com piora da qualidade de vida; 2) múltiplas características preocupantes; 3) jovem com bom status clínico para cirurgia.
6) Seguimento de IPMN não ressecado
O risco de progressão dos BD-IPMN apresenta relação com o tamanho inicial do maior cisto ao diagnóstico, e, portanto, o seguimento preferencialmente com RM das lesões não candidatas à ressecção cirúrgica baseia-se no tamanho do maior cisto:
< 20mm: reavaliação em 6 meses. Se estável, a cada 18 meses
≥ 20 mm <30mm: reavaliação em 6 e 12 meses. Se estável, a cada 12 meses
≥ 30mm: a cada 6 meses
Em relação ao seguimento de lesões <20mm sem CP que permanecem estáveis, há controvérsia na literatura, de forma que o novo guideline admite duas possibilidades: manter o seguimento OU parar o seguimento após 5 anos. Dessa forma, os candidatos a interrupção do seguimento com exames de imagem são:
Cistos <20mm sem estigmas de alto risco ou CPs, estáveis por pelo menos 5 anos;
Pacientes não candidatos à cirurgia ou com expectativa de vida < 10 anos.
O seguimento dos IPMN é importante não só devido ao risco de progressão da lesão, mas também pelo risco aumentado em desenvolver adenocarcinoma de pâncreas sem relação com o IPMN, que pode ser até 5x maior do que a população geral, segundo estudos japoneses. Esse mecanismo foi chamado de “dupla carcinogênese” dos IPMN, e é um dos argumentos defendidos por aqueles que advogam em manter o seguimento mesmo em lesões pequenas estáveis.
Em relação aos BD-IPMN multifocais – que correspondem a 20-40% dos casos – não há risco aumentado de progressão e o manejo e seguimento deve ser de acordo com a maior lesão.
O que mudou: o seguimento de acordo com o tamanho do maior cisto, que antes distinguia quatro grupos (<1cm, 1-2cm, 2-3cm e > 3cm) foi reduzido para apenas três grupos (< 2cm, ≥ 2cm <30cm e ≥ 3cm).
7) Seguimento de IPMN não invasivo ressecado
Seguimento de IPMN não invasivo ressecado:
– Pancreatectomia total: seguimento por 5 anos;
– Pancreatectomia parcial: a cada 6-12 meses, até o paciente não ser mais candidato à cirurgia.
8) Algoritmo de manejo de BD-IPMN pelo guideline de Kyoto (adaptado)
Sublinhado em vermelho: critério novos;
Sublinhado em amarelo: critério que foram modificados em relação à Fukuoka.
Figura 4: Algoritmo de manejo de IPMN pelo guideline de Kyoto. Adaptado de Ohtsuka T, et al. Pancreatology. 2024 (5).
Referências:
Gonda TA, Cahen DL, Farrell JJ. Pancreatic Cysts. N Engl J Med. 2024;391(9):832-843. doi:10.1056/NEJMra2309041
Tanaka M, Chari S, Adsay V, et al. International consensus guidelines for management of intraductal papillary mucinous neoplasms and mucinous cystic neoplasms of the pancreas. Pancreatology. 2006;6(1-2):17-32. doi:10.1159/000090023
Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, et al. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-197. doi:10.1016/j.pan.2012.04.004
Tanaka M, Fernández-Del Castillo C, Kamisawa T, et al. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas. Pancreatology. 2017;17(5):738-753. doi:10.1016/j.pan.2017.07.007
Ohtsuka T, Fernandez-Del Castillo C, Furukawa T, et al. International evidence-based Kyoto guidelines for the management of intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology. 2024;24(2):255-270. doi:10.1016/j.pan.2023.12.009
Mucosectomia por imersão (underwater) com auxílio de cap – um alternativa para casos difíceis
Paciente masculino, 45 anos, previamente hígido, foi submetido a colonoscopia em outro serviço que identificou um pólipo séssil de 6 mm de diâmetro, 0-Is pela classificação de Paris, com superfície lisa e amarelada, localizado em reto médio. Na ocasião foi realizada ressecção parcial da lesão com alça a frio. Resultado anatomopatológico e imunohistoquímico evidenciaram tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens comprometidas.
Paciente veio encaminhado para realizar nova colonoscopia na tentativa de ressecção completa da lesão. Durante o procedimento foi observada uma diminuta lesão amarelada no reto, discretamente elevada, correspondente à área de polipectomia prévia com presença de lesão residual (Figuras 1, 2 e 3). Realizada tentativa de mucosectomia pela técnica de imersão (“underwater”), não havendo pega adequada com a alça para ressecção. Foi optado, então, pela realização da mucosectomia por imersão assistida por cap, que consiste na imersão do espaço intraluminal com água, seguido por sucção da lesão com auxílio de cap endoscópico, afim de formar um pseudopólipo, e assim facilitar a apreensão e ressecção da lesão (Figura 4). Com o uso dessa técnica foi possível apreender a lesão residual com a alça e realizar sua ressecção completa (Figuras 5 e 6). O resultado anatomopatológico confirmou a presença de tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens laterais e profunda livres.
Figura 1: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distalFigura 2: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distalFigura 3: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal com auxílio de NBIFigura 4: aspiração da lesão com auxílio de cap para formação de pseudopólipoFigura 5: apreensão do pseudopólipo com alça de polipectomiaFigura 6: aspecto pós ressecção endoscópica
Discussão
A mucosectomia underwater assistida por cap (CAP-UEMR) consiste na utilização de cap endoscópico para sucção da lesão a ser ressecada sob imersão em água, até que seja formado um “pseudopólipo” passível de apreensão e ressecção. Se a ressecção em monobloco não for possível, pode-se realizar novos “pseudopólipos” e ressecar à piece-meal, até que se alcance o resultado desejado, conforme ilustrado na figura abaixo:
Fonte: Ilustração de Uchima Hugo et al. Endoscopy 2023.
O estudo foi uma análise observacional retrospectiva de 83 procedimentos de ressecção endoscópica pela técnica CAP-UEMR, realizados em dois centros entre setembro de 2020 e dezembro de 2021. O desfecho primário foi o sucesso técnico, definido como ressecção completa macroscópica da lesão no índice CAP-UEMR. Os desfechos secundários foram as taxas de sangramento e perfuração. As 83 lesões tratadas tinham um tamanho médio de 20 mm. Foram incluídas 64 lesões deprimidas ou planas (18 previamente manipuladas, 9 com acesso difícil), 11 lesões do apêndice e 8 lesões da válvula ileocecal. Os resultados mostraram uma taxa de sucesso técnico de 100%, com ressecção macroscópica completa alcançada em todas as 83 lesões. Houve 7 casos de sangramento intraoperatório e 2 casos de sangramento tardio, todos tratados endoscopicamente. Nenhuma perfuração ou outras complicações ocorreram. Entre as 64 lesões com colonoscopia de acompanhamento, apenas 1 recorrência foi detectada, que foi tratada endoscopicamente.
Concluiu-se que a CAP-UEMR pode ser uma técnica segura e eficaz para facilitar a ressecção de lesões colorretais complexas. O estudo possui suas limitações, sendo as principais o possível viés de seleção e design retrospectivo e necessidade de estudos comparativos para determinar a eficácia específica do CAP-UEMR em relação a outras técnicas de ressecção.
Referência
Uchima H, Calm A, Muñoz-González R, Caballero N, et al. Underwater cap-suction pseudopolyp formation for endoscopic mucosal resection: a simple technique for treating flat, appendiceal orifice or ileocecal valve colorectal lesions. Endoscopy. 2023 Nov;55(11):1045-1050. doi: 10.1055/a-2115-7797. Epub 2023 Jun 22. PMID: 37348544.