Rastreio de neoplasia pancreática em indivíduos com predisposição genética

A neoplasia pancreática apresenta habitualmente manejo desafiador, em virtude de seu comportamento biologicamente agressivo, resposta limitada às terapias oncológicas e estágio avançado da doença ao diagnóstico. A taxa reportada de sobrevida média em 5 anos é de cerca de 10% e aproximadamente 80% dos pacientes não são elegíveis à tratamento cirúrgico ao diagnóstico.  No entanto, a detecção em estágios iniciais da doença está associada a melhor sobrevida, podendo atingir 93% em 10 anos em diagnósticos no estadio 0 e até 39% em 5 anos em neoplasias estadio I.

Devido à natureza muitas vezes assintomática do câncer pancreático em estágios iniciais, a detecção precoce pode ser desafiadora e geralmente requer métodos de triagem em populações de alto risco.

Em 2022 a ASGE publicou guideline acerca das recomendações de triagem para adenocarcinoma ductal pancreático em indivíduos com susceptibilidade genética.

O guideline sugere a realização de rastreio de neoplasia pancreática em indivíduos com risco aumentado de câncer pancreático devido à suscetibilidade genética. Um total de 25 estudos foram analisados, envolvendo pacientes com síndrome de pancreatite hereditária familiar, síndrome de Peutz-Jeghers, síndrome familiar de melanoma múltiplo atípico e síndrome de Lynch, bem como aqueles com variantes patogênicas nos genes BRCA1, BRCA2, ATM e PALB2. As principais medidas avaliadas incluíram mortalidade por todas as causas, rendimento da triagem para lesões de alto risco, rendimento da triagem para lesões ressecáveis e limítrofes e danos causados pela triagem.

Um dado de destaque na análise dos estudos é que cerca de 60% das neoplasias detectadas pela triagem eram ressecáveis ou limítrofes, enquanto que na prática cotidiana, 20% dos casos sintomáticos são diagnosticados quando ressecáveis ou limítrofes, 30% em estágio localmente avançado e 50% são metastáticos.

Cabe-se ressaltar também possíveis malefícios decorrentes da realização de rastreio, notando-se que, embora no total de pacientes submetidos a rastreio a taxa de cirurgias que não evidenciaram tumores foi de 2,8%, dentre os 181 pacientes operados, 46,6% não apresentaram evidência de neoplasia na peça cirúrgica e a taxa de eventos adversos foi de 19,9%.

Quanto ao método de rastreio, o guideline sugere que tanto a realização de ecoendoscopia quanto de ressonância magnética ou a alternância entre estes métodos são estratégias viáveis.

A ecoendoscopia pode ser preferida em casos de pacientes com risco bastante aumentado para tumor de pâncreas, como na síndrome de Peutz-Jeghers e síndrome familiar de melanoma múltiplo atípico, em situações que pode ser combinada com exames de endoscopia e colonoscopia de rastreio, como nas síndromes de Lynch e Peutz-Jeghers, e em situações de contraindicação à realização de ressonância magnética. Sugere-se que sejam utilizados ecoendoscópios com probes setoriais pelo melhor rendimento diagnóstico.

Já a ressonância magnética pode ser o método de escolha em situações de risco aumentado para a sedação relacionada a procedimentos endoscópicos, em pacientes que priorizem métodos menos invasivos e na possibilidade de realização concomitante de outros exames de imagem.

A periodicidade sugerida do rastreio é anual para todos os grupos de pacientes com risco aumentado de câncer pancreático devido à suscetibilidade genética e as recomendações de idade para início do rastreio estão sumarizadas na tabela:

Variante patogênica / Síndrome Início do rastreio
BRCA2 / BRCA1 / PALB2
Heterozigotos ATM + fam. 1º/2º grau c/ neo de pâncreas
FPC (rastreio recomendado em fam. 1º grau dos afetados)
Lynch + fam. 1º/2º grau c/ neo de pâncreas
50 anos / 10 anos antes do fam. + jovem com neo de pâncreas
FAMMM 40 anos / 10 anos antes do fam. + jovem com neo de pâncreas
Peutz-Jeghers 35 anos / 10 anos antes do fam. + jovem com neo de pâncreas
Pancreatite hereditária autossômica dominante 40 anos

Referência

  1. Sawhney MS, Calderwood AH, Thosani NC, Rebbeck TR, Wani S, Canto MI, Fishman DS, Golan T, Hidalgo M, Kwon RS, Riegert-Johnson DL, Sahani DV, Stoffel EM, Vollmer CM Jr, Qumseya BJ; ASGE guideline on screening for pancreatic cancer in individuals with genetic susceptibility: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2022 May;95(5):817-826. PMID: 35183358

Como citar este artigo

Logiudice FP. Rastreio de neoplasia pancreática em indivíduos com predisposição genética. Endoscopia Teraupetica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/rastreio-de-neoplasia-pancreatica-em-individuos-com-predisposicao-genetica/




Ressecções de cólon com invasão acima de 1000 micras (sm1), acometimento linfovascular, pouco diferenciadas e budding de alto risco, tem sempre indicação cirúrgica?

O guideline da ESGE publicado em 2022 recomenda que ressecções R0 em monobloco, com invasão submucosa superficial (sm1), bem a moderadamente diferenciadas, sem invasão linfovascular e sem budding de graus 2 ou 3, devam ser consideradas curativas.1

Isto pois, tumores com pelo menos uma característica citada acima, podem estar associados a um risco acometimento linfonodal de até 20%.2 Dessa forma, tradicionalmente cerca de 65% desses pacientes são submetidos a ressecção cirúrgica.3

No entanto esse é um conceito que está sendo revisto. O mesmo guideline, apesar da baixa qualidade de evidência nesse quesito, sugere que pacientes ressecções R0 atendendo ao critério único de alto risco de invasão submucosa mais profunda que sm1 (bem a moderadamente diferenciada, sem invasão linfovascular e sem budding 2 ou 3), possam ser submetidos a quimioradioterapia ou mesmo apenas acompanhamento, após uma avaliação individual e multidisciplinar.

Essa conduta conservadora já é muito utilizada especialmente para reto. Apesar de lesões nessa topografia serem um fator de risco para acometimento linfonodal (OR 1,36, P = 0,003), as opções cirúrgicas são também mais agressivas do que no cólon (incluindo amputação abdominoperineal) com taxas de mortalidade de 3% e morbidade de até 40%.1,4,5

Pontos Chaves:

Ressecção R0 colônica curativa:

  • SM1;
  • bem a moderadamente diferenciada;
  • sem invasão linfovascular;
  • sem budding 2 ou 3.

Ressecção R0 T1 de alto risco (com um fator):

  • ≥ 1000µM;
  • pouco diferenciada;
  • invasão linfovascular;
  • budding 2 ou 3.

Com objetivo de avaliar pacientes submetidos a resseções R0 de alto risco, um recente estudo publicado comparou retrospectivamente entre 14 centros terciários, pacientes submetidos a complementação cirúrgica versus seguimento conservador (vigilância).6

Foram incluídos pacientes com pelo menos um dos fatores de risco citados e excluídos pacientes sem condições cirúrgicas com objetivo de homogeneizar os grupos. O grupo cirúrgico incluiu 107 pacientes e apresentou mais comumente riscos histopatológicos múltiplos e localização em cólon. No grupo vigilância foram incluídos 90 pacientes, sendo nestes mais prevalentes comorbidades clínicas e utilização da técnica ESD.6

Após um balanceamento das características dos grupos afim de se evitarem vieses, não foram encontradas diferença significativas nas taxas de morte e recorrência do câncer (taxa de risco ponderada 0,95; IC 95%, 0,52 -1,75). Não foram também encontradas diferenças significativas na sobrevida global entre os 2 grupos (1,19; IC 95%, 0,49-2,88) ou na taxa de morte e recorrência de câncer à distância (1,17; IC 95%, 0,66-2,1).6

Em uma análise de sensibilidade restrita a pacientes submetidos à ressecção em monobloco, comparando 87 pacientes submetidos à cirurgia com 75 pacientes controle, não foram encontradas diferenças significativas na taxa de morte e recorrência de câncer entre os grupos (1,42; IC 95%, 0,66-3,04).6

Apesar do contraste destes resultados com trabalhos anteriores, em um recente estudo multicêntrico retrospectivo, que incluiu mais de 200 pacientes submetidos a ESD com achados histopatológicos de alto risco, foram obtidos desfechos semelhantes.7 Numa meta-análise publicada, o risco de recorrência à distância da ressecção endoscópica comparado com ressecção endoscópica seguida de cirurgia adicional, foi também semelhante, 7,2% e 5,6%, respetivamente.8

Mesmo com maior presença de acometimento linfonodal nas ressecções de alto risco, estes pacientes não apresentam pior prognóstico clínico. A teoria que explica isso consiste em que os gânglios preservados são importantes para a educação imunológica, contribuindo para erradicação tumoral local. Entretanto esses achados não foram evidenciados em reto, demonstrando provavelmente um maior efeito imune no cólon.6

Novos estudos sugerem que pacientes com ressecções T1 de alto risco podem não se beneficiar de cirurgia adicional, especialmente na indicação de cirurgias retais ou em pacientes de alto risco cirúrgico. Pacientes devem estar sempre envolvidos na decisão, sendo informados sobre os riscos associados à cirurgia em relação à sua idade e comorbidades e os riscos de recorrência do câncer no longo prazo. Por outro lado, uma localização retal parece associado a um maior risco de recorrência, o que pode necessitar de tratamento adjuvante.

Conclusão:

Ressecção R0 T1 de alto risco, em casos selecionados, pode ser optado pela vigilância ao invés do procedimento cirúrgico. Entretanto lesões de reto ainda devem receber tratamento adjuvante.

Referências

  1. Pimentel-Nunes P, Libânio D, Bastiaansen BAJ, et al. Endoscopic submucosal dissection for superficial gastrointestinal lesions: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guidelinedupdate 2022. Endoscopy 2022;54:591-622.
  2. Choi JY, Jung SA, Shim KN, et al. Meta-analysis of predictive clinicopathologic factors for lymph node metastasis in patients with early colorectal carcinoma. J Korean Med Sci 2015;30:398.
  3. Yoda Y, Ikematsu H, Matsuda T, et al. A large-scale multicenter study of long-term outcomes after endoscopic resection for submucosal invasive colorectal cancer. Endoscopy 2013;45:718-24.
  4. Ragg JL, Watters DA, Guest GD. Preoperative risk stratification for mortality and major morbidity in major colorectal surgery. Dis Colon Rectum 2009;52:1296-303.
  5. Lujan J, Valero G, Biondo S, et al. Laparoscopic versus open surgery for rectal cancer: results of a prospective multicentre analysis of 4,970 patients. Surg Endosc 2013;27:295-302
  6. Corre F, Albouys J, Tran VT, et al. Impact of surgery after endoscopically resected high-risk T1 colorectal cancer: results of an emulated target trial. Gastrointest Endosc. 2024 Mar;99(3):408-416.e2. doi: 10.1016/j.gie.2023.09.027. Epub 2023 Oct 2. PMID: 37793506.
  7. Spadaccini M, Bourke MJ, Maselli R, et al. Clinical outcome of noncurative endoscopic  ubmucosal dissection for early colorectal cancer. Gut 2022;71:1998-2004.
  8. van Oostendorp SE, Smits LJH, Vroom Y, et al. Local recurrence after local excision of early rectal cancer: a meta-analysis of completion TME, adjuvant (chemo)radiation, or no additional treatment. Br J Surg 2020;107:1719-30.

Como citar este artigo

Oliveira JF. Ressecções de cólon com invasão acima de 1000 micras (sm1), acometimento linfovascular, pouco diferenciadas e budding de alto risco, tem sempre indicação cirúrgica? Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/resseccoes-de-colon-com-invasao-acima-de-1000-micras-sm1-acometimento-linfovascular-pouco-diferenciadas-e-budding-de-alto-risco-tem-sempre-indicacao-cirurgica/




O uso de aplicativos de comunicação para sanar dúvidas sobre casos

Surge uma dúvida sobre um caso e você gostaria da opinião de outros especialistas sobre como conduzí-lo. Para isso, usa seu aplicativo de comunicação e os apresenta o caso. Como expor o caso seguindo das normativas às quais o médico está sujeito? Podemos pedir auxílio desta forma? Vamos ajudá-lo a esclarecer esta dúvida e para tal, trouxemos as conclusões de pareceres que podem nos ajudar. Como muitos deles são parecidos, expus os que trazem informações complementares entre eles.

Contas pessoais de aplicativos

No parecer do CFM 14/2017 (1) a Conjur opina afirmando que o uso, “no contexto da medicina, dos novos métodos e recursos tecnológicos é medida irreversível e que encontra amparo no atual cenário de evolução das relações humanas, já que, como dito, traz incontáveis benefícios ao mister do profissional médico na busca do melhor diagnóstico e do posterior prognóstico dos pacientes e de suas enfermidade”, sendo possível o uso do WhatsApp e outros congêneres “para formação de grupos formados exclusivamente por profissionais médicos, visando realizar discussões de casos médicos que demandem a intervenção das diversas especialidades médicas”, lembrando que esses assuntos são cobertos pelo sigilo médico; que os médicos devem ser registrados nos Conselhos de Medicina; que os casos clínicos e pacientes não devem ser referidos ou expostos de maneira que possam ser identificados; que todos do grupo “são pessoalmente responsáveis pelas informações, opiniões, palavras e mídias que disponibilizem em suas discussões”; “que os assuntos médicos sigilosos não podem ser compartilhados em grupos de amigos, mesmo que composto apenas por médicos, em virtude de seu aspecto recreativo e informal, não estando esses grupos comprometidos com a garantia do sigilo requerido para troca de informações de caráter científico ou clínico.”

O parecer 2771/2019 CRM-PR (2), além do exposto anteriormente, refere também o uso do aplicativo com pacientes: “É permitido o uso do WhatsApp e plataformas similares para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, para enviar dados ou tirar dúvidas, bem como em grupos fechados de especialistas ou do corpo clínico de uma instituição ou cátedra, com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem podem circular em grupos recreativos, mesmo que composto apenas por médicos.”

Adicionalmente, o parecer No 2568/2017 – CRM-PR (3) atenta que “o ideal é a troca de informação a respeito de pacientes SER DE MÉDICO PARA MÉDICO, e não para grupo de médicos. Não podemos nos esquecer de que quem envia e/ou recebe a informação está preso ao sigilo médico, conforme determina nosso Código de Ética Médica, nos artigos 73 e 75 (…)”

Contas comerciais de aplicativos

Nos últimos anos surgiram as contas comerciais, as quais profissionais de diversas áreas fazem uso. Neste caso, pode surgir uma pequena diferença sobre a questão do sigilo por parte do aplicativo.  Abrangendo esta dúvida, o CREMESP divulgou o parecer no 17.574/21 (4), do qual extraímos as seguintes informações:

  • sobre a conta pessoal: “Diante das informações que constam no site do WhatsApp e no aplicativo, as conversas entre particulares através do uso de tal aplicativo WhatsApp são, pelo menos aparentemente, segundo informado pela empresa, seguras e garantem a preservação do sigilo, podendo ser tal aplicativo utilizado como ferramenta de trabalho pelos médicos, principalmente diante da utilização da criptografia de ponta a ponta que, apesar da subscritora do presente parecer não possuir conhecimentos aprofundados sobre a área de tecnologia da informação, parece assegurar a privacidade das conversas.”
  • sobre a conta comercial: “(…) a nova política de privacidade, deixa de garantir essa proteção em conversas com contas comerciais, que são aquelas usadas por empresas. Isto porque muitas empresas que prestam atendimento pelo WhatsApp, o fazem através de ferramentas que gerenciam os seus chats. Tais ferramentas são vendidas por empresas de tecnologia e algumas delas oferecem opções de hospedagem dos diálogos com clientes, como é o caso do Facebook. Assim, como neste caso há um terceiro armazenando e gerenciando interações com empresas, o WhatsApp não consegue garantir a criptografia de ponta a ponta para esses chats. (…).”

Tal parecer conclui: “(…) que os médicos podem continuar a utilizar o aplicativo WhatsApp nas conversas realizadas entre particulares e grupos de particulares, desde que atendam o disposto no Código de Ética Médica e demais normativas em vigor emanadas do Conselho Federal de Medicina e dos Conselhos Regionais de Medicina. Porém, em conversas realizadas entre médicos e contas comerciais, o profissional deverá ter especial atenção e se abster de mencionar através de tal ferramenta qualquer informação que esteja protegida pelo sigilo médico.”

Assim, o uso destes aplicativos é permitido para que sejam tiradas dúvidas referentes a casos, respeitando-se os ditames legais e do Código de Ética Médico porém, não se recomenda que seja realizado por meio de conta comercial.

Referências

  1. PARECER CFM nº14/2017. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2017/14
  2. PARECER Nº 2771/2019 CRM-PR. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/PR/2019/2771_2019.pdf
  3. PARECER Nº 2568/2017 – CRM-PR. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/PR/2017/2568_2017.pdf
  4. .PARECER Nº 17574/2021 CRM-SP Disponível em: https://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=18879

Como citar este artigo

Brito HP. O uso de aplicativos de comunicação para sanar dúvidas sobre casos. Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/o-uso-de-aplicativos-de-comunicacao-para-sanar-duvidas-sobre-casos/




ESD de Cólon – Dicas e Truques

Nesse artigo, darei continuidade às dicas e truques da dissecção submucosa endoscópica – ESD (clique aqui para saber mais sobre o artigo prévio de ESD gástrica) e abordarei informações necessárias sobre a técnica de ESD de cólon.

1. Acesse a lesão sem formar loops

Esse é um dos passos principais. O aparelho retificado responde aos comandos, enquanto a formação de loop leva a movimentos paradoxais, dificultando muito a ESD. Se você estiver tendo dificuldade de ver a lesão porque o aparelho está instável, é muito provável que a ESD não seja bem-sucedida. Então, não tenha medo de perder tempo retificando o aparelho para encontrar a melhor posição! 

OBS: Considere usar o gastroscópio para lesões no reto e cólon esquerdo e o colonoscópio pediátrico para as lesões no cólon direito. Avalie também se a lesão é acessível com o aparelho em retrovisão, pois pode ser que seja necessário usar essa estratégia. 

2. Posicione a lesão na direção do canal de trabalho

O canal de trabalho da maioria dos colonoscópios fica às 6-7hs. Posicionando a lesão nessa mesma posição, o knife fica paralelo à mucosa e a lente do aparelho permite visualizar todo o lúmen intestinal. Se a lesão está localizada às 12hs, por exemplo, o knife fica apontado para a camada muscular (aumentando o risco de perfuração) e o campo de visão é limitado (FIGURA 1). 

FIGURA 1: posição correta da lesão no quadrante inferior do aparelho.

3. Não insufle muito!

Quando trabalhamos sob baixa insuflação, o aparelho fica mais estável, pois pode se apoiar na parede do cólon (FIGURA 2). Além disso, a submucosa fica mais espessa, diminuindo o risco de perfuração (FIGURA 3).

FIGURA 2: com o cólon muito distendido, o aparelho fica “sambando” e tende a rodar. Quando o cólon está menos insuflado, o aparelho se apoia na parede, ficando mais fácil de controlar os movimentos.
FIGURA 3: com o cólon muito distendido, a submucosa fica mais fina.

Lesões que estão em localizações difíceis, como em angulações, quando aspiramos o lúmen, estas tendem a se aproximar do aparelho, facilitando a dissecção (FIGURA 4).

FIGURA 4: a aspiração do lúmen tende a retificar o cólon e
aproximar as lesões.

4. Não deixe as partes mais difíceis para o final.

Na ESD, vale a máxima: o que é difícil agora pode se tornar impossível depois. Portanto, comece a incisão nas partes mais complicadas, principalmente em localizações desafiadoras como próximas ao canal anal ou válvula ileocecal. Caso contrário, a abordagem fica muito mais difícil no final.

É de extrema importância também verificar a posição da lesão considerando o lado da gravidade. Geralmente, as partes que estão a favor da gravidade são as mais difíceis; então tentar manter a lesão no lado contralateral ajuda na dissecção. Esteja preparado (se o paciente estiver intubado, prepare o anestesista também!) para mudar o decúbito sempre que necessário!

5. Injete no plano certo

Dois erros frequentes são injetar muito superficial ou muito profundo. As camadas superficiais (mucosa e muscular da mucosa) possuem pouco tecido elástico e muitos vasos. Dessa forma, a tensão gerada pela injeção superficial causa um hematoma que tende a persistir durante todo o procedimento. O problema desse hematoma é que ele também prejudica a identificação das margens da lesão e do plano submucoso. Caso você veja que começou a formar um hematoma, pare imediatamente a injeção e puncione outro lugar. Se já foi formado, tente atingir a submucosa profunda dissecando por debaixo dele, para que o sangue não atrapalhe a visão endoscópica.

Ao contrário, quando a injeção é muito profunda, através da muscular, o líquido pode ir para cavidade peritoneal ou para a subserosa, formando uma bolha não tão proeminente e difícil de reconhecer. Isso não é incomum de acontecer no cólon, principalmente nos locais onde as paredes são mais finas, como no cólon direito. Suspeitar que a injeção está muito profunda quando estiver injetando e não houver elevação ou escape do líquido para fora. Como a submucosa não é elevada, isso prejudica a dissecção e aumenta o risco de perfuração. Nesse caso também, assim que você perceber que a injeção foi inadequada, recue a agulha para achar o plano correto ou a remova e injete em outro ponto.

Se a injeção inicial não correr bem e você fizer isso repetidas vezes, as condições pioram. Outro erro é injetar diversas vezes em pontos diferentes, pois isso pode aumentar a chance de sangramento, além de permitir o extravasamento da solução.

Dicas para fazer uma boa injeção na submucosa:

  1. Confirme que a agulha está completamente preenchida com a substância a ser injetada (“flush”)
  2. Na primeira punção, posicione a agulha tangencialmente e delicadamente contra a mucosa até sentir uma perda da resistência
  3. Peça para o auxiliar injetar a solução bem devagar para verificar se está no plano certo (formação de uma bolha que cresce rápido),
  4. Puxe a agulha lentamente enquanto injeta mais solução
  5. A próxima injeção deve ser feita perpendicularmente na borda da bolha anterior e não na mucosa que ainda não está elevada (FIGURA 5)

FIGURA 5: estratégia das injeções subsequentes. Se a primeira punção fizer uma bolha adequada, faça as demais injeções na borda da bolha anterior para aproveitar o plano.

O local de injeção também é muito importante! Ao contrário da mucosectomia, quando o objetivo é elevar somente a lesão, na ESD o objetivo é obter um plano de dissecção para entrar embaixo da lesão, então a injeção não deve ser feita muito próxima à lesão (geralmente, a injeção deve ser feita a uma distância média de 1cm da lesão, para que a bolha máxima – onde será feita a incisão- fique a uma distância de 0,5cm da lesão). Lembrar que o local onde puncionamos com a agulha não é onde a bolha fica mais alta! (FIGURA 6).

FIGURA 6: Se injetarmos muito próximo da lesão, não teremos espaço para fazer o “flap”.

OBS: Se a lesão estiver numa prega ou for grande e séssil, injete mais longe ainda (+1,5cm) para facilitar o posicionamento do endoscópio por debaixo da lesão e evitar que a muscular fique perpendicular ao plano de dissecção.

6. Faça uma incisão adequada no começo!

A incisão da mucosa é provavelmente o passo mais importante da ESD porque além de permitir que a ressecção seja feita com margens, permite também o acesso à submucosa.

A incisão deve ser iniciada em um ponto distante da lesão e com o instrumento perpendicular à mucosa, usando a corrente Endocut (FIGURA 7).

FIGURA 7: A incisão deve ser feita perpendicularmente à mucosa para atingir a submucosa.
FIGURA 8: Incisão da mucosa: após confirmar que o “knife” está na submucosa, continue a incisão no mesmo plano para os lados, de forma contínua, formando um semicírculo.
FIGURA 9: após a incisão, é importante destacar a muscular da mucosa através da dissecção (“trimming”). Obtenha um bom espaço antes de ampliar muito a incisão.

7. Disseque num plano adequado e mantenha a camada muscular sempre à vista

Geralmente, os vasos se ramificam perto da mucosa. Uma dissecção superficial pode danificar a lesão, enquanto a dissecção profunda pode causar perfuração. Portanto, mantenha um plano de dissecção constante na submucosa, com a camada muscular sempre à vista (FIGURA 10).

FIGURA 10: plano correto da dissecção.

8. Tenha uma estratégia em mente antes de começar o procedimento

Existem várias técnicas de ESD de cólon (convencional, túnel, pocket, etc). Escolha a mais adequada de acordo com as características da lesão e sua experiência!

Clique aqui para saber mais sobre uma das principais técnicas de ESD.

9. Não entre em pânico em caso de perfuração ou sangramento

Caso haja uma complicação durante a ESD, respire fundo e tente minimizar o dano. Lembre-se que a maioria das perfurações e sangramentos podem ser tratados de maneira eficaz com métodos endoscópicos!

Sangramentos são comuns, não sendo considerado uma complicação por si só. Se ocorrer durante a incisão ou a dissecção, continue cortando até expor melhor o vaso (geralmente mais umas duas pisadas no pedal), porque muitas vezes o sangramento ocorre nos vasos mais profundos ao plano de dissecção e não são facilmente visíveis. Uma dica útil é pressionar o local com o cap para obter uma hemostasia mecânica até que o local exato do sangramento seja visualizado. Tente primeiro hemostasiar com a ponta do knife (aplique a corrente nos dois lados do vaso, para só depois cortá-lo). Caso não haja sucesso, use Coagrasper ou Hot biopsy.

Nos casos de perfuração, o fechamento com clipe é o método ideal, principalmente para as perfurações pequenas (<10mm). Mantenha a calma e foque no primeiro clipe, que é o mais importante na hora de aproximar as extremidades. Algumas vezes, o clipe pode atrapalhar a continuidade da ESD, portanto, nos casos de microperfurações (<3mm), continue a dissecção e clipe somente no final. Para perfurações grandes (>10mm), tenha em mãos outros métodos de fechamento como endoloop, over-the-scope clips, suturas endoscópicas, clipes e fio.

OBS: O uso de CO2, considerado padrão para a ESD de cólon, diminui muito a morbidade e mortalidade relacionada às perfurações.

Referências

  1. Lambin T, Rivory J, Wallenhorst T, Legros R, Monzy F, Jacques J, Pioche M. Endoscopic submucosal dissection: How to be more efficient? Endosc Int Open. 2021 Nov 12;9(11):E1720-E1730. doi: 10.1055/a-1554-3884. PMID: 34790536; PMCID: PMC8589544.
  2. Yoshida N, Naito Y, Murakami T, Hirose R, Ogiso K, Inada Y, Abdul Rani R, Kishimoto M, Nakanishi M, Itoh Y. Tips for safety in endoscopic submucosal dissection for colorectal tumors. Ann Transl Med. 2017 Apr;5(8):185. doi: 10.21037/atm.2017.03.33. PMID: 28616400; PMCID: PMC5464937.
  3. Keihanian T, Othman MO. Colorectal Endoscopic Submucosal Dissection: An Update on Best Practice. Clin Exp Gastroenterol. 2021 Aug 3;14:317-330. doi: 10.2147/CEG.S249869. PMID: 34377006; PMCID: PMC8349195.
  4. Klein A, Bourke MJ. Advanced polypectomy and resection techniques. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2015 Apr;25(2):303-33. doi: 10.1016/j.giec.2014.11.005. Epub 2015 Feb 17. PMID: 25839688.
  5. Gweon TG, Yang DH. Management of complications related to colorectal endoscopic submucosal dissection. Clin Endosc. 2023 Jul;56(4):423-432. doi: 10.5946/ce.2023.104. Epub 2023 Jul 27. PMID: 37501624; PMCID: PMC10393575.

Como citar este artigo

Nobre R. Endoscopia Terapeutica. ESD de Cólon – Dicas e Truques, 2024 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/esd-de-colon-dicas-e-truques/




Técnica Convencional de ESD de Cólon

A técnica da dissecção submucosa endoscópica (ESD) é um técnica avançada que permite a ressecção com margem (R0) de lesões avançadas de cólon. Existem várias técnicas de ESD de cólon (convencional, túnel, pocket, etc) e o mais importante consiste em ter uma estratégia em mente antes de começar o procedimento de ressecção. Por isso, escolha a mais adequada de acordo com as características da lesão e sua experiência!

Dando continuidade às dicas e truques do ESD gástrica (clique aqui para visualizar o artigo prévio), irei abordar a técnica tradicional de ESD de cólon.

Basicamente, esses são os passos:

Etapa 1: Faça uma incisão inicial em U na parte anal para a confecção de um flap.

FIGURA 1: incisão semicircular na borda anal, seguido do “trimming”.

Etapa 2: Quando o flap dissecado estiver adequado, fazer a incisão na lateral que está a favor da gravidade.

FIGURA 2: incisão na lateral a favor da gravidade e novo “trimming”.

Etapa 3: Faça a incisão do lado oral para conectar com a incisão esquerda.

FIGURA 3: incisão na parte oral da lesão.

Etapa 4: Disseque por debaixo do flap da esquerda para o lado oral.

FIGURA 4: dissecção.

Etapa 5: Abra o lado direito para completar a incisão.

FIGURA 5: incisão completa.

Etapa 6: Complete a dissecção com a ajuda da gravidade.

FIGURA 6: término da dissecção.

No proximo artigo falarei mais dicas e truques para realizar ESD de cólon. São 9 dicas fundamentais para uma boa execução do procedimento. Se quiser conferir agora clique aqui: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/esd-de-colon-dicas-e-truques/

Referências

  1. Lambin T, Rivory J, Wallenhorst T, Legros R, Monzy F, Jacques J, Pioche M. Endoscopic submucosal dissection: How to be more efficient? Endosc Int Open. 2021 Nov 12;9(11):E1720-E1730. doi: 10.1055/a-1554-3884. PMID: 34790536; PMCID: PMC8589544.
  2. Yoshida N, Naito Y, Murakami T, Hirose R, Ogiso K, Inada Y, Abdul Rani R, Kishimoto M, Nakanishi M, Itoh Y. Tips for safety in endoscopic submucosal dissection for colorectal tumors. Ann Transl Med. 2017 Apr;5(8):185. doi: 10.21037/atm.2017.03.33. PMID: 28616400; PMCID: PMC5464937.

Como citar este artigo

Nobre R. Técnica Convencional de ESD de cólon. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/tecnica-convencional-de-esd-de-colon/




Síndrome de Lemmel

Introdução

A incidência de divertículos duodenais é rara e varia entre 1-27%, sendo mais frequente a localização periampular (70-75%). A síndrome de Lemmel trata-se da obstrução do ducto biliar devido a ação de um divertículo duodenal periampular quando o mesmo comprime ou obstrui a via biliar, podendo ocasionar sintomas como icterícia, dor abdominal e alterações nos níveis de enzimas hepáticas na ausência de coledocolitíase (vide Figura 1). É uma condição que precisa ser considerada em casos de obstrução biliar inexplicada, especialmente em pacientes com divertículos duodenais.

Fig 1. Divertículo duodenal. Ilustração cedida pela Dra. Fernanda Prado Logiudice (SP).

Classificação

Pode ser classificada de acordo com a posição da papila em relação ao divertículo: tipo I (intradiverticular), II (peridiverticular) ou III (próximo ao divertículo). Em nosso caso foi identificada através de duodenoscopia o tipo II, conforme ilustrado na imagem abaixo (Figura 2).

Fig 2. Duodenoscopia da papila duodenal maior peridiverticular (esq).
Imagem cedida por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).

Sintomatologia

A maioria dos casos é assintomática e diagnosticada incidentalmente durante exames endoscópicos, mas complicações podem ocorrer em 5% dos casos, como colangite, icterícia obstrutiva, sangramento, perfuração, diverticulite, pancreatite e coledocolitíase.

Diagnóstico

Exames laboratoriais podem estar alterados, como nível de bilirrubinas e enzimas canaliculares e hepáticas, entretanto, não são determinantes para o diagnóstico da Síndrome de Lemmel, pois podem estar dentro dos níveis da normalidade. Dentre os exames de imagem, a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) demonstra-se mais abrangente, já que utiliza a endoscopia de visão lateral (duodenoscopia) para identificação do divertículo periampular e a colangiografia para avaliar a dilatação da via biliar, além de possibilitar a terapêutica. Apesar disso, os exames de tomografia computadorizada, ressonância magnética e endoscopia digestiva alta são inicialmente mais utilizados devido ao fácil acesso. Além deles, outros exames de imagem também podem ser utilizados, como exame radiológico contrastado, ultrassonografia endoscópica ou mesmo a laparoscopia. No caso em questão, a paciente já havia realizado exame de ressonância de abdome (Figura 3) e ecoendoscopia, ambos corroborando a hipótese diagnóstica.

Fig 3. Colangiorressonância demonstrando dilatação da via biliar extra-hepática e divertículo duodenal identificado pela seta.

Tratamento

O tratamento, apesar de ainda não bem estabelecido pela literatura, é baseado na sintomatologia e, portanto, sendo recomendada abordagem conservadora em pacientes assintomáticos. A esfincterotomia através de CPRE com ou sem colocação de stent pode ser uma excelente opção terapêutica para pacientes com obstrução da via biliar ou mesmo colangite. Outra opção terapêutica possível é o tratamento cirúrgico através da diverticulectomia, entretanto, com elevada morbimortalidade. No caso ilustrado (Figuras 4-6), a paciente foi tratada com esfincterotomia e esfincteroplastia com balão, seguida de drenagem da via biliar com prótese biliar plástica.

Fig 4. Imagem colangiográfica da CPRE exibindo dilatação importante da via biliar principal.
Imagem cedida por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).
Fig 5. Papilotomia endoscópica (esq.). Dilatação endoscópica da papila com balão (dir.).
Imagens cedidas por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).
Fig 6. Drenagem endoscópica da via biliar com prótese plástica: imagem endoscópica (esq.) e imagem colangiográfica (dir.). Imagens cedidas por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).

Referências

  1. Love JS, Yellen M, Melitas C, et al. Diagnosis and Management of Lemmel Syndrome: An Unusual Presentation and Literature Review. Case Rep Gastroenterol 2022; Dec 16;16(3):663-674. doi:10.1159/000528031.
  2. Battah A, Farouji I, DaCosta TR, et al. Lemmel’s Syndrome: A Rare Complication of Periampullary Diverticula. Cureus 2023; Mar 16;15(3):e36236. doi: 10.7759/cureus.36236.

Como citar este artigo

Martins S. e Logiudice FP. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-de-lemmel/




Manejo pós-drenagem ecoguiada de coleções peripancreáticas

Introdução

As coleções pancreáticas e peripancreáticas encapsuladas (CPE) – Pseudocisto Pancreático e Necrose Pancreática Delimitada (“Walled-off Necrosis” – WON) – podem evoluir com sintomas e complicações, sendo indicada a drenagem da coleção nesses casos. Com o desenvolvimento da ecoendoscopia terapêutica, a drenagem ecoguiada das CPEs tornou-se um procedimento muito realizado, apresentando bons resultados clínicos com baixas taxas de complicações associadas, sendo hoje considerado o tratamento padrão-ouro para abordagem dessas coleções. Clique para saber mais sobre Classificação de Atlanta para coleções fluidas peripancreáticas.

Apesar de se tratar de um procedimento tecnicamente simples para o endoscopista com treinamento em ecoendoscopia terapêutica, muitas dúvidas surgem após a drenagem ecoguiada em relação ao manejo desses pacientes:

  • Quando reintervir?
  • Quando retirar a prótese?
  • Quando estudar o ducto pancreático principal?
  • Quando realizar CPRE?

São questões pertinentes e controversas na literatura, não havendo uma padronização bem definida de consenso em muitos casos. Entretanto, tentaremos esclarecer ao menos parcialmente essas dúvidas e apresentaremos uma classificação proposta por Proença e col. que pode nos auxiliar no manejo pós-drenagem ecoguiada desses pacientes.

Reintervenções

As reintervenções após a drenagem ecoguiada devem ser pautadas pela evolução clínica e laboratorial do paciente. Caso haja piora dos parâmetros infecciosos ou uma melhora inicial não sustentada, deve ser realizada Tomografia Computadorizada para reavaliar as coleções e revisão endoscópica da drenagem.

Tomográfica computadorizada

Avaliar a presença de coleções perigástricas não contempladas pela drenagem inicial: mais de uma coleção organizada pode se formar, por vezes não havendo comunicação entre elas, tornando a drenagem única insuficiente. Nesse caso, são necessárias mais de uma drenagem ecoguiada, estratégia conhecida como “multi-gate”.

Revisão endoscópica

Avaliar a patência da prótese: a prótese pode estar obstruída por material necrótico ou outros resíduos. No caso de prótese metálica, podemos tentar desobstrui-la com lavagem de soro fisiológico (SF0,9%) e peróxido de hidrogênio (“água oxigenada”) ou ainda utilizando acessórios, como alça de polipectomia, para remoção do conteúdo obstrutivo. Caso não seja possível a desobstrução, pode ser necessária a retirada da prótese e troca por outra prótese metálica ou próteses plásticas tipo duplo “pig-tail”. Caso a drenagem inicial tenha sido realizada com próteses “pig-tail” e elas estiverem obstruídas, devem ser retiradas e trocadas.

Avaliar o conteúdo de drenagem e presença de necrose: caso seja observado drenagem de conteúdo purulento pela prótese, pode ser realizada a lavagem da coleção com SF0,9% e água oxigenada através da prótese (em caso de prótese metálica) ou através do orifício cisto-gástrico (em caso de próteses plásticas). Caso seja observado conteúdo necrótico associado, pode ser necessário a realização de necrosectomia endoscópica direta (NED). O acesso à coleção com o gastroscópio pode ser realizada através da prótese metálica, quando ela tiver um diâmetro maior que 10mm, ou através da gastrocistostomia após retirada da prótese e dilatação do trajeto com balão (entre 15 mm e 20 mm). Durante a NED, podem ser realizada lavagem direta com SF0,9% e água oxigenada, além de remoção do conteúdo necrótico com auxílio de alça de polipectomia, rede de captura ou outros acessórios. Podem ser necessárias mais de uma seção de NED até a completa remoção da necrose.

Estudo e tratamento do Ducto Pancreático Principal (DPP)

O estudo do DPP no contexto das CPEs pode trazer informações diagnósticas e prognósticas importantes, além de poder ter implicações terapêuticas. A European Society Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) recomenda o estudo do DPP antes da retirada da prótese transmural no contexto da drenagem ecoguiada de WON. Esse racional pode ser extrapolado também para os pseudocistos pancreáticos, apesar de lesões do DPP serem mais raras no contexto de pseudocistos do que no contexto de WONs, devido à fisiopatologia distinta da formação de cada tipo de coleção.

O estudo do DPP (pancreatografia) pode ser feito por via endoscópica (CPRE) ou por Ressonância Magnética (Colangio-RM) – preferencialmente com secretina para aumentar a sensibilidade e acurácia do exame. O momento em que deve ser realizado o estudo do DPP também é controverso, porém a maioria dos centros de referência realizam em algum momento após a drenagem ecoguiada e antes de retirar a prótese transmural.

Não há consenso quanto as possíveis intervenções terapêuticas no DPP no contexto do tratamento das CPEs. A abordagem do DPP com o propósito de drenagem transpapilar da coleção não é mais recomendada pela maioria das sociedades, sendo a drenagem transmural a via de escolha para esse propósito. Entretanto, alguns centros e consensos de especialistas, incluindo o Asian EUS group experts, sugerem tratamento da ruptura parcial do DPP com prótese pancreática “em ponte” e da estenose do DPP, por serem fatores que poderiam perpetuar a coleção e aumentar o risco de recidiva.

Por outo lado, há relativo consenso na literatura de que a Síndrome da Desconexão do Ducto Pancreático (SDDP) pode ser manejada com próteses transmurais plásticas de longa permanência por tempo indeterminado, não sendo recomendado a retirada das próteses plásticas transmurais quando diagnosticada SDDP.

Síndrome da Desconexão do Ducto Pancreático (SDDP): a SDDP é definida pela presença de dois critérios:

  • (1) ruptura completa do DPP;
  • (2) presença de tecido pancreático viável a montante do ponto de ruptura.

Essa condição está relacionada a maior tempo de internação hospitalar, maior taxa de recidiva e maior morbidade. Apesar de grande impacto prognóstico, a SDDP ainda é frequentemente subdiagnosticada, piorando o prognóstico do paciente. O tratamento padrão-ouro e definitivo é cirúrgica, seja por ressecção cirúrgica ou confecção de anastomose pancreato-intestinal do segmento pancreático desconexo. Mais recentemente, a abordagem endoscópica com a manutenção de próteses plásticas transmurais “pig-tail” de longa permanência tem sido proposta como alternativa eficiente e menos mórbida que a abordagem cirúrgica, apresentando baixas taxas de complicações em estudos recentes.

Retirada da prótese transmural

A retirada das próteses transmurais metálicas deve ser realizada no máximo até 4 semanas após a drenagem inicial. Após 4 semanas, a coleção é geralmente colapsada (total ou parcialmente) e a flange metálica estabelece contato com o retroperitônio, podendo ocorrer erosão de vasos retroperitoneais e sangramentos volumosos que podem ser fatais. Caso a coleção não tenha sido resolvida após 4 semanas de drenagem ou se houver indicação de manutenção de prótese transmural por mais tempo, é recomendada a troca da prótese metálica por próteses plásticas “pig-tail”.

No caso das próteses plásticas “pig-tail”, não há um tempo máximo que elas podem permanecer, e o momento da retirada vai depender de dois fatores: resolução da coleção e achados da pancreatografia – seja endoscópica ou não-invasiva por Colangio-RM. Após a resolução da coleção, deve-se considerar a retirada das próteses transmurais. Caso o DPP seja íntegro, a retirada pode ocorrer imediatamente após a resolução da coleção. Caso haja uma ruptura parcial (fístula) do DPP, a retirada deve acontecer após a resolução da fístula. Caso haja uma ruptura completa do DPP, é necessário investigar ativamente a possibilidade de SDDP – com tomografia ou ressonância magnética. Caso seja confirmada SDDP, as próteses plásticas transmurais devem ser mantidas por tempo indeterminado. No seguimento do paciente com SDDP, é possível que o tecido pancreático desconexo seja reabsorvido em algum momento, o que possibilitaria a retirada segura da prótese transmural com baixo risco de recidiva.

Alternativamente, em locais onde não há expertise ou materiais adequados para realização da pancreatografia endoscópica nem disponibilidade de Colangio-RM com secretina, é possível assumir o pior cenário – ou seja, a possibilidade de SDDP – e manter as próteses plásticas “pig-tail” transmurais de longa permanência por tempo indeterminado.

Caso as próteses plásticas transmurais de longa permanência migrem para o trato gastrointestinal e sejam expelidas, não há recomendação de realizar nova passagem de próteses, tanto pela questão técnica – em geral não há coleção nem espaço para proceder a passagem de novas próteses transmurais nesses casos –, quanto pela relativa baixa incidência de recidiva sintomática, sendo o risco e custo X benefício desfavorável nesse cenário. Logo, caso ocorra migração das próteses plásticas transmurais de longa permanência, deve ser mantido apenas seguimento clínico e, em caso de sintomas relacionados, novos exames de imagem devem ser solicitados para reavaliação.

Classificação de Lera-Proença para pancreatografia endoscópica

A classificação de Lera-Proença foi proposta por Proença e col. para classificar os achados da pancreatografia endoscópica no contexto das CPE pós-drenagem ecoguiada. O intuito é de facilitar a comunicação dos achados da pancreatografia e nortear o manejo pós-drenagem de acordo com esses achados.

A classificação divide os achados em quatro tipos principais (figuras 1):

  • Tipo I: DPP normal
  • Tipo II: Estenose do DPP
  • Tipo III: Ruptura parcial – há extravasamento de contraste no ponto de ruptura e o DPP contrasta a montante da ruptura
  • Tipo IV: Ruptura completa – o DPP não contrasta a montante da ruptura

    • IV-A: Há extravasamento de contraste para a coleção   
    • IV-B: Não há extravasamento de contraste com “stop” no ponto de ruptura

Figura 1: desenho esquemático da Classificação de Lera-Proença

Créditos e cortesia das imagens: Dr. Gustavo Luis Rodela Silva

Tipo I: DPP normal
Tipo II: Estenose do DPP
Tipo III: Ruptura parcial
Tipo IV-A: Ruptura completa com extravasamento de contraste
IV-B: Ruptura completa sem extravasamento de contraste e “stop”

É possível que mais de um achado seja identificado no estudo do DPP – por exemplo, estenose do DPP associada a ruptura parcial. Nesse caso, a pancreatografia deve ser classificada combinando os tipos identificados – no caso do exemplo citado, tipo II + III.

Manejo Conforme Classificação de Lera-Proença

Associada a cada tipo há um manejo relacionado conforme tabela.

Tabela 1: Classificação Lera-Proença e condutas relacionadas

Lera-Proença Achado Conduta
Tipo I DPP sem alterações Sem conduta adicional
Tipo II Estenose do DPP Prótese pancreática e/ou dilatação DPP
Tipo III Ruptura parcial do DPP Prótese pancreática “em ponte”
Tipo IV Ruptura completa do DPP Investigar SDDP com TC e/ou RM;
Considerar prótese transmural de longa permanência

Conclusões

O manejo pós-drenagem das CPEs é desafiador e em muitos aspectos ainda controverso. Podem ser necessárias reintervenções endoscópicas e associação de técnicas de drenagem percutânea por rádio-intervenção para resolução de casos complexos. O estudo do DPP deve ser realizado sempre que possível, seja por CPRE ou por Colangio-RM, e a SDDP deve ser suspeitada e investigada sempre que houver evidência de ruptura completa do DPP. Quando confirmada SDDP, deve ser considerada a manutenção de próteses plásticas “pig-tail” transmurais de longa permanência e avaliação por equipe de cirurgia especializada.

Referências:

  1. Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, et al. Classification of acute pancreatitis–2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013;62(1):102-111. doi:10.1136/gutjnl-2012-302779
  2. Arvanitakis M, Dumonceau JM, Albert J, et al. Endoscopic management of acute necrotizing pancreatitis: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) evidence-based multidisciplinary guidelines. Endoscopy. 2018;50(5):524-546. doi:10.1055/a-0588-5365
  3. Teoh AYB, Dhir V, Kida M, et al. Consensus guidelines on the optimal management in interventional EUS procedures: results from the Asian EUS group RAND/UCLA expert panel. Gut. 2018;67(7):1209-1228. doi:10.1136/gutjnl-2017-314341
  4. Proença IM, Dos Santos MEL, de Moura DTH, et al. Role of pancreatography in the endoscopic management of encapsulated pancreatic collections – review and new proposed classification. World J Gastroenterol. 2020;26(45):7104-7117. doi:10.3748/wjg.v26.i45.7104
  5. Verma S, Rana SS. Disconnected pancreatic duct syndrome: Updated review on clinical implications and management. Pancreatology. 2020;20(6):1035-1044. doi:10.1016/j.pan.2020.07.402
  6. Lera Dos Santos ME, Proença IM, de Moura DTH, et al. Self-Expandable Metal Stent (SEMS) Versus Lumen-Apposing Metal Stent (LAMS) for Drainage of Pancreatic Fluid Collections: A Randomized Clinical Trial. Cureus. 2023;15(4):e37731. Published 2023 Apr 17. doi:10.7759/cureus.37731
  7. Bang JY, Wilcox CM, Navaneethan U, et al. Impact of Disconnected Pancreatic Duct Syndrome on the Endoscopic Management of Pancreatic Fluid Collections. Ann Surg. 2018;267(3):561-568. doi:10.1097/SLA.0000000000002082
  8. Varadarajulu S, Rana SS, Bhasin DK. Endoscopic therapy for pancreatic duct leaks and disruptions. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2013;23(4):863-892. doi:10.1016/j.giec.2013.06.008

Como citar este artigo

Proença IM. Manejo pós-drenagem ecoguiada de coleções peripancreáticas. Endoscopia Terapêutica 2024 vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/manejo-pos-drenagem-ecoguiada-de-colecoes-peripancreaticas/




Perfuração na Colonoscopia: Cuidados e Manejo

Introdução

O câncer colorretal (CCR) se trata de uma preocupação global com incidência ascendente com o decorrer dos anos, chegando a uma estimativa do número atual de 1.960.000 chegar a 3.600.000 casos em 2050 segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) [1]. A colonoscopia tem um papel importante no diagnóstico do CCR e também para diminuir sua incidência e mortalidade através do tratamento de afecções colorretais através de polipectomias e ressecções de lesões pré-malignas [2, 3]. 

Como em todo ato médico intervencionista, podem ocorrer eventos adversos inerentes a qualquer procedimento, e no caso das colonoscopias são: náuseas, vômitos ou distensão abdominal pelo preparo intestinal; hipotensão arterial, bradicardia, depressão respiratória e broncoaspiração pela sedação; dor abdominal, sangramento e perfuração pelo procedimento.

Cada paciente é um indivíduo particular, podendo ter anatomia variada congênita ou por cirurgias prévias, sendo que os dispositivos de endoscopia e colonoscopia seguem um design para um biotipo padrão. Como conseguinte, complicações como a perfuração podem ocorrer independente da técnica e expertise do endoscopista. As perfurações são efeitos adversos raros, inerentes a qualquer procedimento endoscópico, potencialmente graves e sua incidência estimada globalmente é de 0,016 a 0,8% para colonoscopias diagnósticas e 0,02 a 8% para colonoscopias terapêuticas [4].

Os mecanismos associados às perfurações de cólon após colonoscopia são: 

  • trauma direto ocasionado pelo movimento progressivo do colonoscópio;
  • pressão lateral na parede do cólon decorrente de alças do aparelho;
  • passagem do colonoscópio por áreas doentes (estenoses, tumores ou divertículos);
  • barotrauma por insuflação excessiva de ar;
  • aplicação de corrente elétrica em ressecções endoscópicas.

Aproximadamente 45-60% das perfurações são diagnosticadas durante o procedimento e o restante é reconhecido após o exame com base em sinais e sintomas clínicos que se manifestam geralmente em até 48h como dor abdominal importante com distensão abdominal, sinais de peritonite, taquicardia, leucocitose e febre [4], ou identificados através de exames de imagem como radiografia simples ou tomografia computadorizada (TC) com sinais de pneumoperitônio. Um dos pontos mais críticos do manejo da perfuração tardia é o tempo do diagnóstico, já que a mortalidade nessas condições pode chegar a 5-25% [3,4].

Clique aqui para mais informações de perfurações de trato gastrointestinal alto.

Manejo

A depender de diferentes fatores, visando minimizar a morbimortalidade da perfuração por colonoscopia e se baseando na diretriz da World Society of Emergency Surgery [4], a conduta varia conforme diferentes cenários apresentados a seguir.

Suspeita de perfurações não identificadas durante a colonoscopia

Após colonoscopias diagnósticas ou terapêuticas recentes, devem ser orientados a procurar o pronto socorro e serem investigados para perfuração intestinal por exames laboratoriais e de imagem os pacientes que apresentem os seguintes sintomas:

  • dor abdominal persistente e refratária a sintomáticos;
  • distensão abdominal importante fora do habitual;
  • febre e calafrios;
  • sangramento retal.

Os marcadores bioquímicos solicitados no caso de suspeita de perfuração são essencialmente leucograma e proteína C reativa. A complicação pode ser confirmada com a demonstração de ar livre intra-peritoneal ou extra-peritoneal. A TC possui maior sensibilidade do que as radiografias abdominais para detectar pneumoperitônio.

Perfurações identificadas durante a colonoscopia

Caso a perfuração seja detectada durante o procedimento pelo endoscopista, os seguintes detalhes das informações ajudam na tomada de decisão:

  • Indicação de colonoscopia (ou seja, diagnóstica ou terapêutica);
  • Doença cólica associada (por exemplo, estenoses, pólipos, tumores);
  • Estado geral do paciente e presença de comorbidades;
  • Tipo de gás usado para insuflação;
  • Qualidade da preparação do cólon;
  • Hora da ocorrência da perfuração;
  • Localização e tamanho da lesão;
  • Se houve intervenção endoscópica pretendida ou sucedida.

O tratamento endoscópico pode ser considerado como uma abordagem inicial se for viável dentro de 4 horas após o procedimento, com paciente estável e pouca contaminação peritoneal, a depender:

  • Perfurações Menores que 2 cm: avaliar fechamento primário por via endoscópica com hemoclipes associado ou não a terapia a vácuo endoscópico, internação, jejum, hidratação endovenosa e antibioticoterapia por 3-5 dias com cobertura de Gram negativo e anaeróbio.
  • Perfurações Maiores que 2 cm: referir para a cirurgia. Pode-se de acordo com experiência do endoscopista e os recursos locais, características dos pacientes e localização da lesão avaliar a possibilidade de fechamento primário por via endoscópica e, seguir com mesmo processo das perfurações menores que 2 cm.

O manejo não operatório, conservador, das perfurações pode ser apropriado em pacientes selecionados, incluindo pacientes que estão hemodinamicamente estáveis, sem sepse, com dor localizada e sem líquido livre em exame de imagem. A TC abdominal é sugerida para ajudar a descartar peritonite ou formação precoce de abscesso. Um diagnóstico diferencial importante é a síndrome pós-coagulação.

Perfurações tardias

Em casos de perfurações confirmadas não identificadas durante a colonoscopia, deve-se avisar imediatamente a equipe de cirurgia e endoscopia, seguida de internação hospitalar, em UTI a depender do estado e comorbidade do paciente, e avaliar necessidade de intervenção cirúrgica.

Pacientes com pequenas perfurações, ausência de sinais de sepse e peritonite, preparo de cólon adequado, assintomático ou com melhora dos sintomas: 

  • internação;
  • jejum por 2-6 horas;
  • hidratação endovenosa;
  • antibioticoterapia com cobertura de Gram negativo e anaeróbio por 3-5 dias. 

A cirurgia de emergência é recomendada quando o paciente desenvolve sinais e sintomas de peritonite, em casos de deterioração clínica, suspeita de grande perfuração, falha no manejo conservador, preparo intestinal inadequado ou na presença de doença cólica subjacente que requeira cirurgia.

Fluxograma do Manejo da Perfuração na Colonoscopia

Fluxograma para perfuração na colonoscopia (adaptado de 2017 WSES guidelines for the management of iatrogenic colonoscopy perforation)

Referências

  1. Dados de Cancer Tomorrow da International Agency for Research on Cancer, da World Health Organization. https://gco.iarc.fr/tomorrow/en.
  2. Zauber AG, Winawer SJ, O’Brien MJ, et al. Colonoscopic polypectomy and long-term prevention of colorectal-cancer deaths. N Engl J Med. 2012 Feb 23;366(8):687-96. doi: 10.1056/NEJMoa1100370. PMID: 22356322; PMCID: PMC3322371.
  3. Lee J, Lee YJ, Seo JW, et al. Incidence of colonoscopy-related perforation and risk factors for poor outcomes: 3-year results from a prospective, multicenter registry (with videos). Surg Endosc 37, 5865–5874 (2023). https://doi.org/10.1007/s00464-023-10046-5.
  4. de’Angelis N, Di Saverio S, Chiara O, et al. 2017 WSES guidelines for the management of iatrogenic colonoscopy perforation. World J Emerg Surg. 2018 Jan 24;13:5. doi: 10.1186/s13017-018-0162-9. PMID: 29416554; PMCID: PMC5784542.

Como citar este artigo

Santos JB, Vilela Filho TF, Furuya Júnior CK, Kuga R, Kum AST. Perfuração na Colonoscopia: Cuidados e Manejo. Endoscopia Terapeutica 2024, Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/perfuracao-na-colonoscopia-cuidados-e-manejo/




Terapêuticas endoscópicas para manejo de coledocolitíase complexa

A coledocolitíase é uma complicação da doença calculosa da vesícula biliar que acomete 10 a 20% dessa população. A grande maioria dos casos (90%), possui resolução com técnicas de tratamento endoscópico convencional, entretanto, os 10% restantes compõem um grupo populacional que possui uma condição entitulada de coledocolitíase complexa [1].

Definição

A coledocolitíase complexa, também conhecida como “cálculo difícil” ou “calculo de difícil manejo”, é definida segundo alguns critérios que dependem das características do cálculo, localização do cálculo, anatomia do paciente e fatores associados aos pacientes.

  • Quanto às características dos cálculos: Cálculos de grande dimensão (>15mm), múltiplos cálculos (> 3 cálculos maiores do que 10mm), cálculos duros e aqueles com formato não-habitual (quadrado ou em barril) apresentam dificuldade de captura pelo basket e geralmente necessitam de litotripsia;
  • Quanto à localização dos cálculos: Cálculos intra-hepáticos, acima de estenoses, impactados no ducto colédoco ou associado a síndrome de Mirizzi oferecem dificuldade no acesso;
  • Quanto à situação anatômica: Alteração congênita ou cirúrgica da via biliar (Billroth II/ bypass gástrico com Y de roux) e divertículo duodenal com papila peri/intradiverticular que dificultam o acesso e limita o endoscópio e o manejo de acessórios;
  • Quanto ao paciente: Idade avançada, condições clinicas ruins, instabilidade hemodinâmica, tendência a sangramento e respostas paradoxais que favorecem a ocorrência de efeitos adversos;

Manejo

A coledocolitíase com cálculos não complexos geralmente alcança altas taxas de sucesso terapêutico com a técnica convencional de acesso e exploração da via biliar, geralmente com papilotomia e remoção com balão extrator. No caso de cálculos complexos, são necessárias técnicas adicionais para a completa resolução do quadro, como dilatação da papila com balão, uso de basket com sistema de litotripsia mecânica ou até mesmo uso de colangioscopia com litotripsia a laser.

Dilatação da papila com balão

A dilatação da papila com balão é um método que pode ser utilizado em associação ou não à papilotomia endoscópica e que tem potencial em reduzir de 30 a 50% o uso de litotripsia mecânica [2].

Dilatação balonada de papila duodenal maior com balão hidrostático via CPRE.

A dilatação da papila pode auxiliar na resolução de cálculos de pacientes que tenham chances aumentadas de sangramento pós-esfincterotomia e àqueles que a papilotomia completa não é tecnicamente possível (intradiverticular, papila com infundíbulo pequeno). Sugere-se uma seleção criteriosa de pacientes, evitando-se procedimentos forçados, duração ideal da dilatação e conversão imediata para procedimentos alternativos.

Clique aqui para mais informações sobre dilatação da papila com balão.

Litotripsia mecânica

A litotripsia mecânica (LM) é uma técnica geralmente utilizada após a falha na tentativa de remoção cálculo após realização de esfincterotomia e dilatação da papila com balão, geralmente, ocasionada por desproporção do cálculo em relação à via biliar distal. Possui taxa de sucesso relatado entre 79 a 96% e baixas taxas de mortalidade, bem como de efeitos adversos (3,5%) [3].

A cesta é utilizada para captura de cálculos e podem ser também instrumento para realização de quebra mecânica do cálculo de forma integrada ou com utilização de litotriptor de emergência.

Vídeo demonstrativo do funcionamento do basket litotripsor.

Apesar disso, a LM pode necessitar de múltiplas sessões e ainda assim não ser eficaz na eliminação completa dos cálculos, portanto, sendo necessário de procedimentos adicionais com utilização de acessórios mais robustos como a colangioscopia com litotripsia eletro-hidráulica ou à laser.
A taxa de sucesso é inversamente proporcional ao diâmetro do cálculo, tendo 68% de chance de resolução em cálculos maiores que 28 mm e chegando a 90% em cálculos inferiores a 10mm de diâmetro [2]. Outro fator que reduz as chances de resolução são a impactação do cálculo na via biliar, formato moldado pela via biliar e cálculos endurecidos.

Stent biliar endoscópico

A inserção de stent biliar é opção terapêutica para pacientes com insucesso na remoção dos cálculos e necessidade de drenagem da via biliar, evitando-se assim a colangite. O atrito do stent sobre os cálculos promove sua fragmentação e aumentam as chances de resolução em uma abordagem posterior.
Os stents metálicos autoexpansíveis totalmente recobertos também podem ser utilizados para drenar a via biliar após uma remoção malsucedida de cálculos, entretanto, com custo-efetividade ainda questionável.

Litotripsia guiada por colangioscopia

A colangioscopia é um procedimento que permite a visualização do interior da via biliar e é realizado através do uso do colangioscópio, instrumento que é inserido através do canal do duodenoscópio para que seja introduzido na via biliar visualizando seus ductos e paredes. Esse é um procedimento idealmente realizado por endoscopistas experientes e equipe treinada para o manejo do acessório, chegando a alcançar taxas de sucesso superiores a 90% no clareamento da via biliar [1].
A litotripsia guiada por colangioscopia pode ser realizada através de duas modalidades: à laser (LL) ou eletro-hidráulica (LEH).

Clique aqui para mais informações sobre litotripsia por colangioscopia.

Uma importante metanálise, comparou a taxa de sucesso da litotripsia extracorpórea (LECO), LL e LEH no clareamento da via biliar, sendo 84,5%, 95,1% e 88,4%, respectivamente, bem como taxas de complicação mais altas nos procedimentos de LEH (13,8%), seguidos de LL (9,6%) e LECO (8,4%) [4]. Entretanto, outra metanalise mais recente, compara LL vs. LEH mostrando superioridade de sucesso nessa última com taxas de sucesso terapêutico de 88,6% e 91,4%, respectivamente [5].

Recomenda-se que tal procedimento deve ser reservado para uso em casos selecionados de insucesso com CPRE convencional, preferencialmente sendo realizada em centro de referência, devido a sua complexidade, custo e eventos adversos, apesar de alguns autores já deferem sua indicação como terapia de primeira linha para pacientes com coledocolitiase complexa a fim de redução de numero de intervenções e elevação de custo-efetividade.

Conclusão

A CPRE é procedimento terapêutico destinado a manejo de doenças das vias biliopancreáticas, incluindo o manejo dos cálculos nas vias biliares. A coledocolitiase complexa, apesar de pouco frequente, ainda é uma afecção que exige não apenas expertise na sua condução como também de conhecimento e habilidade dos endoscopistas. Hoje, temos um vasto arsenal para resolução desses casos, como uso de balão dilatador para correção da desproporção cálculo-papila e instrumentos de litotripsia (mecânica, extracorpórea e guiada por colangioscopia, seja a laser ou eletrohidráulica) e é de fundamental importância o treinamento de equipes para sua correta utilização em tais situações.

Referências

  1. Trikudanathan G, Navaneethan U, Parsi MA. Endoscopic management of difficult common bile duct stones. World J Gastroenterol. 2013 Jan 14;19(2):165-73. doi: 10.3748/wjg.v19.i2.165. PMID: 23345939; PMCID: PMC3547556.
  2. Tringali A, Costa D, Fugazza A, Colombo M, Khalaf K, Repici A, Anderloni A. Endoscopic management of difficult common bile duct stones: Where are we now? A comprehensive review. World J Gastroenterol. 2021 Nov 28;27(44):7597-7611. doi: 10.3748/wjg.v27.i44.7597. PMID: 34908801; PMCID: PMC8641054.
  3. Thomas M, Howell DA, Carr-Locke D, Mel Wilcox C, Chak A, Raijman I, Watkins JL, Schmalz MJ, Geenen JE, Catalano MF. Mechanical lithotripsy of pancreatic and biliary stones: complications and available treatment options collected from expert centers. Am J Gastroenterol. 2007 Sep;102(9):1896-902. doi: 10.1111/j.1572-0241.2007.01350.x. Epub 2007 Jun 15. PMID: 17573790.
  4. Veld JV, van Huijgevoort NCM, Boermeester MA, Besselink MG, van Delden OM, Fockens P, van Hooft JE. A systematic review of advanced endoscopy-assisted lithotripsy for retained biliary tract stones: laser, electrohydraulic or extracorporeal shock wave. Endoscopy. 2018 Sep;50(9):896-909. doi: 10.1055/a-0637-8806. Epub 2018 Jul 10. PMID: 29991072.
  5. Galetti F, Moura DTH, Ribeiro IB, Funari MP, Coronel M, Sachde AH, Brunaldi VO, Franzini TP, Bernardo WM, Moura EGH. Cholangioscopy-guided lithotripsy vs. conventional therapy for complex bile duct stones: a systematic review and meta-analysis. Arq Bras Cir Dig. 2020 Jun 26;33(1):e1491. doi: 10.1590/0102-672020190001e1491. PMID: 32609255; PMCID: PMC7325696.

Como citar este artigo

Martins S. Terapeuticas endoscopicas para manejo de coledocolitíase complexa. Endoscopia Terapeutica, 2024, vol 1. Disponivel em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/terapeuticas-endoscopicas-para-manejo-de-coledocolitiase-complexa/




Síndrome de Polipose Serrilhada (SPS)

A lesão serrilhada séssil (LSS) é o novo termo para lesões anteriormente chamadas de adenoma serrilhado séssil (SSA) e LSS com displasia é o termo usado para as lesões anteriormente chamadas de SSA com displasia. Uma revisão detalhada das lesões serrilhadas você encontra nesse outro artigo.

Com base nisso, a Síndrome de Polipose Serrilhada (SPS) é uma condição rara caracterizada por várias lesões serrilhadas colorretais e risco aumentado de câncer colorretal.

  • A prevalência varia de 0,03% a 0,5% em pacientes submetidos à colonoscopia.
  • O diagnóstico geralmente ocorre entre 50-55 anos, embora varie de 20-70 anos
  • Prevalência semelhante em homens e mulheres.

Clique aqui para saber de outras síndromes de polipose colorretal.

Critérios Atualizados para Polipose Serrilhada:

Em comparação com a edição anterior, a OMS em 2019 atualizou os critérios diagnósticos, permanendo apenas 2 dos 3 critérios clínicos para a definição de SPS:

  1. Critério: Pelo menos 5 lesões/pólipos serrilhados proximais ao reto, todos com tamanho ≥ 5 mm, sendo que pelo menos 2 com tamanho ≥ 10 mm.
  2. Critério: Mais de 20 lesões/pólipos serrilhados de qualquer tamanho distribuídos pelo cólon, com pelo menos 5 deles proximais ao reto.

  • Pacientes que atendem pelo menos um critério são diagnosticados com polipose serrilhada.
  • Todos os subtipos de pólipos serrilhados (lesão serrilhada séssil, pólipo hiperplásico, adenoma serrilhado tradicional, adenoma serrilhado não classificado) são incluídos na contagem.
  • A contagem é cumulativa ao longo de várias colonoscopias.
  • Estudos relatam risco de câncer entre 15–30% em pacientes com SPS, variando conforme idade, fenótipo do pólipo e características histológicas de alto risco.
  • Recomenda-se vigilância endoscópica rigorosa (colonoscopia anual).
  • Estudos mais recentes mostraram que a maioria dos pacientes apresentam controle endoscópico com diminuição do número e tamanho dos pólipos após 2-3 colonoscopias anuais, sugerindo espaçamento do intervalo de vigilância para 2 anos após essa etapa inicial [1].

Resumo das Alterações:

Critérios diagnósticos para Síndrome de Polipose Serrilhada de acordo com OMS 2019

Referência

  1. MacPhail M.E., Thygesen S.B., Patel N., Broadley H.M., Rex D.K. Endoscopic control of polyp burden and expansion of surveillance intervals in serrated polyposis syndrome. Gastrointest. Endosc. 2019;90:96–100. doi: 10.1016/j.gie.2018.11.016. 

Como citar este artigo

Martins BC e Tanigawa R. Síndrome de Polipose Serrilhada (SPS). Endoscopia Terapeutica, 2024 vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/sindrome-de-polipose-serrilhada-sps/