Terapia Endoscópica a Vácuo (TEV) no Tratamento da Hemorragia Digestiva Alta Não Varicosa

1. Introdução

A hemorragia digestiva alta (HDA) não varicosa é uma condição frequente na prática clínica, sendo um dos principais desafios para o endoscopista [1].

As terapias endoscópicas convencionais – como a mecânica (clipe metálico ou ligadura elástica), injetora e térmica – alcançam hemostasia inicial em até 90% dos casos [2]. No entanto, persistem situações em que a hemostasia não é atingida ou em que ocorre ressangramento após o controle inicial.

Casos mais complexos incluem:

  • Úlceras gigantes com fibrose intensa;
  • sangramento difuso de mucosa;
  • sangramento por isquemia;
  • lesões malignas com sangramento.

Dispositivos como o clipe over-the-scope (OTSC) e o pó hemostático podem ser úteis, mas apresentam limitações: baixa disponibilidade, taxa elevada de ressangramento (até 26,1%) com o pó hemostático [3] e dificuldades técnicas com OVESCO em lesões difusas ou de localização difícil.

A Terapia Endoscópica a Vácuo (TEV), que já está bem consolidada no manejo de deiscências e fístulas do trato gastrointestinal [4–6], tem surgido como opção promissora para o controle da HDA não varicosa. Seus mecanismos de ação incluem:

  • macro e microdeformação tecidual;
  • estímulo à angiogênese;
  • melhora da perfusão local;
  • remoção de exsudatos e secreções;
  • proliferação celular e formação de tecido de granulação.

Em 2022, de Moura et al. [7] publicaram uma série de três casos com excelentes resultados no controle de sangramento duodenal difuso em pacientes graves com COVID-19. Mais recentemente, o mesmo grupo ampliou essa experiência, publicando uma série de 19 casos de HDA não varicosa tratados com TEV [8].

Figura 1 Adaptado de Moura et al (7): sangramento duodenal difuso em pacientes com COVID-19 pré e pós tratamento endoscópico a vácuo.

2. Série de Casos de Mega et al. (resumo)

Mega et al. (8) publicaram uma série com 19 pacientes tratados com TEV para HDA não varicosa entre 2021 e 2024, tanto como terapia primária quanto como terapia de resgate.

  • Desfecho primário: sucesso clínico (hemostasia inicial + ausência de ressangramento em 30 dias).
  • Etiologias:

    • sangramento duodenal difuso relacionado à COVID-19 (42,1% – 8 casos);
    • úlcera péptica gástrica (2 casos);
    • úlcera actínica (2 casos);
    • úlcera gástrica pós-ablação com plasma de argônio para GAVE (1 caso);
    • esofagite erosiva intensa (1 caso);
    • úlcera gástrica pós-pancreatite grave (1 caso);
    • úlcera relacionada ao uso de AINEs (1 caso);
    • úlcera neoplásica (1 caso);
    • úlcera duodenal isquêmica pós-hepatectomia (1 caso);
    • úlcera marginal em anastomose gastrojejunal pós-gastroplastia (1 caso).

Em 11 pacientes (57,9%) a TEV foi utilizada como terapia de resgate e em 8 (42,1%) como primária. O tempo médio de tratamento foi de 11 dias (4 a 18), com média de duas sessões de revisão e troca do sistema.

Resultados:

  • Sucesso clínico em 89,5% dos casos (17/19).
  • Apenas 2 ressangramentos em 30 dias.
  • Nenhum evento adverso relacionado à TVE.
  • Mortalidade de 36,8% (7/19), sem relação direta com o sangramento.

3. Caso Clínico

Em publicação recente (9), relatamos o caso de um homem de 42 anos, vítima de queimadura grave com lesão de vias aéreas, que evoluiu com necessidade e de intubação orotraqueal, instabilidade clínica, insuficiência renal e uso de drogas vasoativas.

No 8º dia de internação, apresentou melena e instabilidade hemodinâmica. A endoscopia revelou mucosa gástrica friável, múltiplas ulcerações, coágulos e áreas de necrose, sobretudo no fundo gástrico. Não foi possível realizar terapia endoscópica.

Durante os dez dias seguintes:

  • manteve melena e necessidade diária de transfusões (1–2 CH/dia);
  • duas novas EDA mostraram achados semelhantes, sem possibilidade de terapia endoscópica (pó hemostático indisponível no serviço) (figura 1);
  • tomografia evidenciou pneumatose gástrica sem perfuração (figura 1);
  • arteriografia mostrou estenose do tronco celíaco, compatível com Síndrome do Ligamento Arqueado Mediano (figura 1), justificando isquemia gástrica.
Figura 2 Adaptado de Dall’Agnol et al (9):
A: Tomografia abdominal com pneumatose da parede gástrica (setas).
B: Angio-TC demonstrando estenose do Tronco celíaco (seta).
C: Arteriorgrafia confirmando estenose do Tronco celíaco (seta).
D: Úlcerações extensas e tecido necrótico com sangramento difuso no corpo gástrico.
E: Tecido necrótico extenso no fundo gástrico.
F: Passagem da sonda de Terapia Endoscópica a Vácuo (1a sessão).

Diante da impossibilidade das terapias endoscópicas convencionais e do alto risco cirúrgico, foi indicada TEV intragástrica para hemostasia, melhora da perfusão e reparação da mucosa (figura 1).

Evolução:

  • Nas primeiras 48h: necessidade de apenas 1 CH; drenagem sero-sanguinolenta.
  • Após 48h: drenagem passou a ser serosa, sem novas transfusões.
  • A TEV foi trocada semanalmente por 21 dias (figura 2 e 3).
  • Observou-se resolução completa das áreas de necrose e ulceração (figura 2 e 3).
  • O paciente não apresentou novo sangramento nem necessidade de transfusões, embora tenha evoluído a óbito posteriormente por complicações pulmonares.
Figura 3 Adaptado de Dall’Agnol et al (9):
A-C: 7 dias de TEV
D-F: 14 dias de TEV
Figura 4 Adaptado de Dall’Agnol et al (9):
A-C: 21 dias de TEV
D-F: 1 semana após término da TEV

4. Conclusão

A Terapia Endoscópica a Vácuo deve ser considerada como opção terapêutica em casos de HDA não varicosa, sobretudo em situações desafiadoras:

  • sangramento difuso,
  • isquemia,
  • falha das terapias endoscópicas convencionais.

Apesar da ausência de estudos prospectivos robustos, o racional fisiopatológico e os resultados de séries de casos demonstram taxas de sucesso próximas a 90%, com controle hemostático persistente e boa recuperação tecidual.

A TEV, portanto, surge como uma opção promissora e segura, especialmente como terapia de resgate em contextos de difícil manejo.

Referências

  1. Oakland, Kathryn. “Changing epidemiology and etiology of upper and lower gastrointestinal bleeding.” Best practice & research. Clinical gastroenterology vol. 42-43 (2019): 101610. doi:10.1016/j.bpg.2019.04.003
  2. Van Dam, J, and W R Brugge. “Endoscopy of the upper gastrointestinal tract.” The New England journal of medicine vol. 341,23 (1999): 1738-48. doi:10.1056/NEJM199912023412306
  3. de Rezende DT, Brunaldi VO, Bernardo WM et al. Use of hemostatic powder in treatment of upper gastrointestinal bleeding: a systematic review and meta-analysis. Endosc Int Open. 2019 Dec;7(12):E1704- E1713. doi: 10.1055/a-0977-2897.
  4. do Monte Junior, Epifanio Silvino et al. “Endoscopic vacuum therapy versus endoscopic stenting for upper gastrointestinal transmural defects: Systematic review and meta-analysis.” Digestive endoscopy : official journal of the Japan Gastroenterological Endoscopy Society vol. 33,6 (2021): 892-902. doi:10.1111/den.13813
  5. Luttikhold, Joanna et al. “Endoscopic vacuum therapy for esophageal perforation: a multicenter retrospective cohort study.” Endoscopy vol. 55,9 (2023): 859-864. doi:10.1055/a-2042-6707
  6. Loske, Gunnar, and Christian Müller. “Endoscopic vacuum-assisted closure of upper intestinal anastomotic leaks.” Gastrointestinal endoscopy vol. 69,3 Pt 1 (2009): 601-2; author reply 602. doi:10.1016/j.gie.2008.06.058
  7. de Moura, Diogo T H et al. “Endoscopic Vacuum Therapy for Duodenal Hemorrhage in Critically Ill Patients With COVID-19.” The American journal of gastroenterology vol. 117,4 (2022): 688. doi:10.14309/ajg.0000000000001643
  8. Mega, Paulo Ferreira et al. “Endoscopic vacuum therapy for the management of nonvariceal upper gastrointestinal bleeding: a valuable resource for the endoscopist’s toolbox.” Endoscopy vol. 57,8 (2025): 883-889. doi:10.1055/a-2544-6448
  9. Dall’Agnol, Marcelo Klotz et al. “Successful Endoscopic Vacuum Therapy in Diffuse Gastric Hemorrhage Secondary to Acute Ischemia: A Case Report”. iGIE, 2025, ISSN 2949-7086, https://doi.org/10.1016/j.igie.2025.10.001.

Como citar este artigo

Proença IM. Terapia Endoscópica a Vácuo (TEV) no Tratamento da Hemorragia Digestiva Alta Não Varicosa. Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/terapia-endoscopica-a-vacuo-tev-no-tratamento-da-hemorragia-digestiva-alta-nao-varicosa/




Metallic Silver Sign: mais um passo no auxílio para a detecção de neoplasia esofágica

A detecção precoce do carcinoma espinocelular do esôfago tem evoluído significativamente com o uso de técnicas endoscópicas avançadas. Entre os achados visuais mais promissores está o chamado
“Silver Sign” ou “Metallic Silver Sign” (MSS), que representa um marcador óptico sugestivo de neoplasia esofágica.
Aqui, vamos tentar compreender melhor a origem, a aplicação e o valor diagnóstico desse sinal.

O que é o Silver Sign / Metallic Silver Sign?

O Silver Sign é uma reflexão prateada ou metálica observada em lesões esofágicas sob luz de Narrow Band Imaging (NBI), especialmente após a aplicação de solução de lugol. Esse fenômeno foi descrito por Maselli et al. (2013) como uma evolução do tradicional Pink Color Sign (PCS) — uma mudança de cor observada em áreas iodo-negativas que se tornam rosadas após alguns minutos da aplicação de lugol, indicando possível malignidade.

No entanto, o PCS pode ser sutil e difícil de identificar, especialmente em lesões planas ou em pacientes com múltiplas áreas iodo-negativas. O MSS surge como uma alternativa visual mais nítida: sob NBI, essas áreas rosadas adquirem uma aparência metálica e brilhante, facilitando a identificação da lesão.

No estudo de Maselli et al., foram analisadas 123 lesões submetidas a ressecção endoscópica (EMR-Cap ou ESD). O MSS foi observado em 98,4% das lesões cancerosas, com correlação de 100% com o PCS, com apenas duas lesões sem apresentar nenhum dos sinais.

Figura 1. A. Lesão tipo 0-IIa localizada no esôfago proximal, observada por endoscopia com luz branca. B. Na cromoendoscopia com uso da solução de lugol. C. Um minuto após a exposição à solução de lugol, a lesão adquire coloração rosa. D. Aparência metálica prateada da lesão sob imagem por NBI (Narrow Band Imaging). Adaptado de Maselli R et al. (2013) [1].

Esses achados indicam que a presença do MSS é altamente específica para carcinoma espinocelular superficial, independentemente da morfologia macroscópica ou característica histopatológica. O MSS se mostrou mais evidente que o PCS – que pode ser difícil de ser observado devido sua baixa intensidade – tornando-se uma ferramenta valiosa para endoscopistas, especialmente em ambientes clínicos com tempo limitado para observação prolongada.

Tsunoda et al. (2019), amplia a discussão ao incorporar tecnologias mais recentes como o Linked Color Imaging (LCI) e o Blue Laser Imaging (BLI). Embora o foco principal do estudo não seja o MSS, ele reforça a ideia de que a diferenciação visual entre carcinoma e neoplasia intraepitelial pode ser aprimorada com técnicas de imagem que realçam contraste e textura.

Após aplicação de Lugol, áreas de carcinoma aparecem como verde no BLI e roxo no LCI, enquanto áreas de neoplasia intraepitelial podem apresentar coloração diferente (amarelo pálido ou marrom). Essa diferenciação cromática é significativamente maior com LCI e BLI do que com luz branca convencional.

Figura 2. 1. Imagens endoscópicas de neoplasia de células escamosas do esôfago. (A–C) Antes da coloração com iodo. (A) A imagem com luz branca mostra uma lesão levemente avermelhada entre as posições de 3 e 5 horas. (B) A imagem com Linked Color Imaging revela uma lesão roxa. (C) A imagem com Blue Laser Imaging mostra uma lesão marrom. (D–F) Três minutos e 35 segundos após a coloração com iodo. (D) Toda a lesão apresenta sinal positivo de coloração rosa na imagem com luz branca. (E) A Linked Color Imaging mostra uma área roxa na maior parte da lesão principal, mas com mucosa amarelo-pálida na posição de 4 horas (seta azul clara). (F) A Blue Laser Imaging revela uma lesão verde na maior parte da lesão principal, mas há mucosa marrom na posição de 4 horas (seta azul clara). Adaptado de Tsunoda M et al. (2019) [2].

Embora o MSS não seja diretamente abordado nesse estudo, os achados corroboram a ideia de que a interação entre corantes vitais e tecnologias ópticas avançadas pode revelar padrões visuais altamente específicos, como o brilho metálico observado no MSS.

A identificação do MSS tem várias implicações práticas: melhora a acurácia diagnóstica em pacientes com múltiplas lesões ou mucosa alterada; facilita o direcionamento de biópsias, reduzindo o risco de falsos negativos; complementa o PCS, especialmente quando este é pouco evidente; pode ser integrado a sistemas de inteligência artificial para reconhecimento automático de padrões visuais; pode ser útil em protocolos de rastreamento em populações de alto risco, como pacientes com histórico de neoplasias de cabeça e pescoço, tabagismo crônico ou consumo excessivo de álcool.

Cada vez mais a tecnologia tem auxiliado no diagnóstico precoce de lesões porém, seu uso e interpretação é profissional dependente. E você, iniciará a busca por lesões esofágicas utilizando estes sinais?

Veja mais: Padrão IPCL de CEC de Esôfago – classificação da sociedade Japonesa • Endoscopia Terapeutica

Referências

  1. Maselli R et al. (2013). The metallic silver sign with narrow-band imaging: a new endoscopic predictor for pharyngeal and esophageal neoplasia. Gastrointest Endosc. 78(3):551–553.
  2. Tsunoda M et al. (2019). New Diagnostic Approach for Esophageal Squamous Cell Neoplasms Using Linked Color Imaging and Blue Laser Imaging Combined with Iodine Staining. Clin Endosc. 52(5):497–501.

Como citar este artigo

Brito HP. Metallic Silver Sign: mais um passo no auxílio para a detecção de neoplasia esofágica. Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/metallic-silver-sign-mais-um-passo-no-auxilio-para-a-deteccao-de-neoplasia-esofagica/




Ressecção Endoscópica em Espessura Total (EFTR)

Definição

A ressecção endoscópica em espessura total (Endoscopic Full-Thickness Resection – EFTR) vem se consolidando como uma das mais novas abordagens dentro da endoscopia digestiva e consiste em técnica avançada para o manejo de lesões do trato gastrointestinal que permite a remoção completa de toda a sua parede (de mucosa à serosa), particularmente naquelas que apresentam alguma limitação para tratamento através de métodos convencionais como a mucosectomia (EMR) e a dissecção submucosa endoscópica (ESD).1,2

Técnicas

Basicamente existem dois tipos principais:

1. Ressecção seguida de fechamento

Consiste em uma modalidade na qual é realizada a remoção transmural da lesão, com exposição da cavidade peritoneal, seguida do fechamento endoscópico do seu leito

2. Fechamento seguido de ressecção

Nesse tipo, primeiramente é realizada a aproximação das camadas mais profundas, seguida da ressecção de espessura total, sem exposição da cavidade peritoneal, evitando portanto, a sua contaminação.

O sistema Full-Thickness Resection Device (FTRD®) é atualmente o dispositivo mais utilizado na prática endoscópica pois possibilita a ressecção transmural em monobloco por meio de um mecanismo que clipa o leito de ressecção antes mesmo da sua remoção, dando segurança maior em relação a complicações e evitando cirurgias.3

Indicação

Tal técnica tem se mostrado especialmente útil em alguns tipos de lesões como:

  • Lesões fibróticas ou que não se elevam
  • Adenomas recidivantes
  • Lesões localizadas em sítios anatômicos difíceis (ex. divertículos)
  • Tumores subepiteliais
  • Lesões suspeitas de invasão superficial (T1)4

Eficácia e Segurança

Trato gastrointestinal inferior (cólon e reto)

A EFTR apresenta taxas de sucesso técnico elevadas, em torno de 87%, com taxas de ressecção R0 (margens tumorais livres) próximas a 81%, no geral e ainda maiores dependendo da topografia e do tipo de lesão (94,3% em lesões subepiteliais). As taxas de eventos adversos, como sangramentos e perfurações, giram em torno de 12%, na maioria dos casos, manejáveis por via endoscópica.2

Trato gastrointestinal superior (esôfago, estômago e duodeno)

Embora mais bem estabelecida no cólon e reto, a técnica tem ganhado espaço também em lesões do trato digestivo superior, apresentando taxas de sucesso técnico igualmente elevadas (86,9%), ressecção R0 em torno de 80% e apesar de taxa de eventos adversos ligeiramente mais alta (18,6%) mostrou-se alternativa viável nesse segmento.1

Limitações

Apesar dos avanços, a EFTR ainda apresenta limitações, principalmente no que se refere ao tamanho da lesão com eficácia comprovada, sobretudo, em lesões ≤30 mm. Além disso, a localização anatômica impõe desafios, especialmente no duodeno, exigindo experiência avançada e criteriosa seleção dos casos. Além disso, eventos adversos tardios, embora infrequentes, devem ser considerados, particularmente no trato digestivo superior.

Especialmente o FTRD, requer treinamento com equipe especializada e está associada a um tempo médio de procedimento de 45 minutos.4

Conclusão

Sendo assim, a EFTR representa uma alternativa minimamente invasiva e eficaz para ressecção de lesões mais complexas do TGI, mostrando-se viável e segura, especialmente em pacientes com contraindicações operatórias ou em contextos que demandem estratégias conservadoras com preservação de órgão. Com o acúmulo de evidências e o contínuo aprimoramento tecnológico, espera-se uma ampliação progressiva de suas indicações, consolidando seu papel no arsenal da endoscopia terapêutica avançada.

Referências

  1. Abdallah M, Suryawanshi G, McDonald N, et al. Endoscopic full-thickness resection for upper gastrointestinal tract lesions: a systematic review and meta-analysis. Surg Endosc. 2023;37(5):3293–3305. doi:10.1007/s00464-022-09801-x.
  2. Nabi Z, Samanta J, Dhar J, Mohan BP, Facciorusso A, Reddy DN. Device-assisted endoscopic full-thickness resection in colorectum: Systematic review and meta-analysis. Dig Endosc. 2024 Feb;36(2):116-128. doi: 10.1111/den.14631. Epub 2023 Aug 7. PMID: 37422920.
  3. Mun EJ, Wagh MS. Recent advances and current challenges in endoscopic resection with the full-thickness resection device. World J Gastroenterol. 2023;29(25):4009-4020. doi:10.3748/wjg.v29.i25.4009.
  4. Mão de-Ferro S, Castela J, Pereira D, Chaves P, Dias Pereira A. Endoscopic Full-Thickness Resection of Colorectal Lesions with the New FTRD System: Single-Center Experience. GE Port J Gastroenterol. 2019 Jul;26(4):235-241. doi: 10.1159/000493808. Epub 2018 Dec 17. PMID: 31328137; PMCID: PMC6624659.

Como citar este artigo

Martins S. Ressecção Endoscópica em Espessura Total (EFTR) Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/resseccao-endoscopica-em-espessura-total-eftr/




Classificação de Hill

Objetivo

Avaliar endoscopicamente a competência da junção esofagogástrica por meio da observação da prega valvar gastroesofágica, classificando-a em graus que se correlacionam com o risco de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Critérios

A aparência da válvula ao retroflexo do endoscópio é graduada de I a IV:

  • Grau I: prega mucosa proeminente ao longo da pequena curvatura, firmemente adaptadas ao endoscópio.
  • Grau II: prega presente, mas com abertura intermitente durante a respiração, fechando rapidamente.
  • Grau III: prega pouco definida, fechamento incompleto ao redor do endoscópio; geralmente associada à hérnia hiatal.
  • Grau IV: ausência de prega; junção permanece aberta com visualização do epitélio escamoso; hérnia hiatal quase sempre presente.

Aplicação clínica

Predição de doença e necessidade de tratamento

  • Estudo de coorte (922 pacientes, 6 anos de seguimento, 2023):

    • Hill III–IV → fortemente associados a esofagite e necessidade de prescrição de uso de inibidores de bomba de próton ao longo do seguimento.
    • Hill IV → maior associação com esôfago de Barrett.
    • Hill II–III → maior frequência de esofagite quando comparados ao Grau I.
    • Observou-se que, à medida que o grau aumenta, cresce também a prevalência de sintomas de refluxo (pirose).

Implicações terapêuticas (ASGE)

  • Hill I–II → podem ser submetidos a procedimentos endoscópicos de correção de refluxo.
  • Hill III–IV → geralmente indicam necessidade de tratamento cirúrgico, dado o envolvimento anatômico do hiato e a insuficiência de terapias exclusivamente endoscópicas.

Importância na prática endoscópica

classificação de Hill fornece um marcador objetivo da barreira mecânica antirrefluxo na transição esofagogástrica, é recomendada por guidelines internacionais e, quando incorporadas à avaliação endoscópica de pacientes com suspeita de DRGE, podem auxiliar tanto o seguimento clínico quanto a estratégia terapêutica (endoscópica vs cirúrgica).

Referências

1- Hill LD, Kozarek RA, Kraemer SJM, Aye RW, Mercer CD, Low DE, Pope CE II. The gastroesophageal flap valve: in vitro and in vivo observations. Gastrointest Endosc. 1996;44(5):541-547. doi:10.1016/S0016-5107(96)70006-8

2- Cheong JH, Kim GH, Lee BE, et al. Endoscopic grading of gastroesophageal flap valve helps predict proton pump inhibitor response in patients with gastroesophageal reflux disease. Scand J Gastroenterol. 2011 Jul;46(7-8):789-96. doi: 10.3109/00365521.2011.579154. Epub 2011 May 26. PMID: 21615222.

3- ASGE Standards of Practice Committee; Desai M, Ruan W, Thosani NC, Amaris M, Scott JS, Saeed A, Abu Dayyeh B, Canto MI, Abidi W, Alipour O, Amateau SK, Cosgrove N, Elhanafi SE, Forbes N, Kohli DR, Kwon RS, Fujii-Lau LL, Machicado JD, Marya NB, Ngamruengphong S, Pawa S, Sheth SG, Thiruvengadam NR, Qumseya BJ; ASGE Standards of Practice Committee Chair. American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on the diagnosis and management of GERD: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2025 Feb;101(2):267-284. doi: 10.1016/j.gie.2024.10.008. Epub 2024 Dec 17. PMID: 39692638.

Veja mais: Você sabe avaliar o hiato diafragmático?

Como citar este artigo

Medrado B. Classificação de Hill. Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/classificacao-de-hill/




MAPS III (ESGE 2025): Novas Recomendações para Lesões Gástricas

A ESGE atualizou as diretrizes para o manejo de condições gástricas pré-neoplásicas e neoplasias precoces, incorporando novas ferramentas de estratificação de risco, vigilância endoscópica e recomendações práticas para a rotina do endoscopista.

Principais Novidades

  • Introdução do rastreamento endoscópico para câncer gástrico.
  • Estratificação de risco baseada em atrofia e metaplasia intestinal.
  • Definição de intervalos de vigilância conforme grau de alteração histológica.
  • Uso recomendado das classificações Kimura-Takemoto (atrofia) e EGGIM (metaplasia).
  • Implementação rotineira de cromoscopia virtual (NBI/BLI) para guiar biópsias.

O que Permanece

  • Protocolo de biópsias de acordo com o Protocolo de Sydney.
  • Erradicação do H. pylori como pilar central.
  • Critérios de indicação e cura pós-ESD.
  • Vigilância individualizada para grupos de risco.

Aplicações Práticas

1. Rastreamento populacional

Risco populacional:

  • Alto risco (>20/100.000): EDA a cada 2–3 anos.
  • Risco intermediário (10–20/100.000): EDA a cada 5 anos.
  • Baixo risco (<10/100.000): não indicado.

Risco familiar (1º grau):

  • Início da EDA aos 45 anos ou 10 anos antes do diagnóstico do familiar.
  • Testes não invasivos para H. pylori entre 20–30 anos.

Idosos (>80 anos assintomáticos):

  • Screening e vigilância devem ser suspensos.

2. Exame Endoscópico de Alta Qualidade

  • Cromoscopia virtual para rastreamento, estadiamento e vigilância.
  • Biópsias dirigidas: 2 fragmentos de antro/incisura e 2 do corpo.
  • Incisura angularis é opcional (útil se não houver cromoscopia).
  • Usar Kimura-Takemoto e EGGIM para estratificação de risco.
  • Caracterização detalhada de lesões (Paris, padrão mucoso e vascular, etc).
  • Fotodocumentação adequada.
  • Uso de IA, se disponível.

3. Exames de Estadiamento Pré-Ressecção

  • EUS, TC e RM não são rotineiros.
  • Indicados apenas se suspeita de invasão submucosa ou ausência de critério para ressecção endoscópica.

4. Exame Histopatológico

  • Avaliar grau de displasia, tipo histológico (Lauren/WHO).
  • Severidade de atrofia e metaplasia intestinal.
  • Infecção por H. pylori.
  • Usar termos metaplasia completa/incompleta (não usar tipo I/II/III).
  • Recomenda-se uso de OLGA/OLGIM para estratificação.

5. Indicações de Ressecção Endoscópica (não modificada)

  • Displasia em biópsias randomizadas: repetir EDA em 6-12 meses conforme o grau.
  • ESD é o tratamento de escolha nas lesões superficiais.
  • EMR: alternativa para IIa ≤ 10 mm de baixo risco.
  • Indicações de ESD: depende de diferenciação, ulceração e tamanho.

    • Lesões bem diferenciadas (displasias ou neoplasia intramucosa)

      • qualquer tamanho se NÃO ulcerada
      • ≤ 30 mm se ulcerada

    • Lesões com invasão mínima da submucosa, NÃO ulcerada, pode ser considerado ESD nas seguintes situações:

      • bem diferenciadas e ≤ 30 mm
      • indiferenciadas e ≤ 20 mm
      • Levar em consideração idade e comorbidades na tomada de decisão

  • Levar em consideração idade e comorbidades na tomada de decisão

6. Critérios de Cura Pós-Ressecção (não modificados)

Curativo / muito baixo risco (risco de LFN < 0,5-1%): ressecção en bloc, displasia ou pT1a, bem diferenciado, sem invasão linfovascular – Sem necessidade de investigação ou tratamento adicional.

  1. independentemente do T se não houver ulceração OU
  2. ≤ 30 mm se ulcerado

Curativo / baixo risco (risco de LFN < 3%) – Estadiamento + discussão multidisciplinar

Ressecção en bloc, sem invasão linfovascular E:

  1. pT1b, invasão ≤ 500 µm, bem diferenciado, ≤ 30 mm OU
  2. pT1a, pouco diferenciado, ≤ 20 mm, sem ulceração

Risco local (muito baixo risco de LFN, alto risco de recorrência local ou persistência da lesão) – Vigilância, Retratamento)

Ressecção em piecemeal ou com margens horizontais comprometidas em lesão de muito baixo risco (ou baixo risco sem lesão submucosa na margem em caso de piecemeal ou sem margem horizontal positiva se pT1b)

NÃO curativo / Alto risco – ESTADIAMENTO e TRATAMENTO ADICIONAL (CIRURGIA)

  1. margem vertical positiva se CARCINOMA ou invasão LFV ou invasão profunda da submucosa (≥ 500 µm)
  2. pouco diferenciado se ulceração ou tamanho > 20 mm
  3. pT1b, bem diferenciado, SM ≤ 500 µm se ≥ 30 mm
  4. lesão intramucosa ulcerada > 30 mm

7. Seguimento

  • EDA em 3–6 meses e anual após ressecção curativa ou risco local de recorrência.
  • EDA 3/3 anos:

    • Kimura C3+, EGGIM 5+, OLGA/OLGIM III/IV.
    • Metaplasia gástrica intestinal em 1 segmento + história familiar 1º grau positiva ou metaplasia intestinal incompleta ou persistência da infecção pelo H. pylori

  • EDA 1–2 anos

    • Kimura C3+, EGGIM 5+, OLGA/OLGIM III/IV + história familiar 1º GRAU positiva

  • Sem seguimento: atrofia leve/moderada ou metaplasia restrita ao antro sem fatores adicionais.
  • Utilizar classificações endoscópicas validadas para estadiamento e estratificação de risco de atrofia e metaplasia intestinal (Kimura-Takemoto; EGGIM)
  • Preferir biópsias dirigidas em relação a biópsias randomizadas no seguimento por estadiamentos avançados de Olga/Olgim.
  • Recomenda-se erradicação do H. pylori em pacientes com gastrite (atrófica ou não), lesões pré-neoplásicas, neoplasia precoce após ressecção endoscópica, neoplasia avançada após ressecção cirúrgica.

Outras Recomendações

  • Erradicar H. pylori em gastrite, lesões pré-neoplásicas e após ressecção.
  • Cessar tabagismo.
  • Manter IBP se houver indicação clínica.
  • Considerar AAS em baixa dose se alto risco cardiovascular.
  • Não usar suplementos (probióticos) preventivamente.
  • Gastrite autoimune: EDA a cada 3 anos.
  • Síndromes hereditárias ou câncer gástrico difuso: seguir diretrizes específicas.

Referência

Dinis-Ribeiro M, Libânio D, Uchima H, et al. Management of epithelial precancerous conditions and early neoplasia of the stomach (MAPS III): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), and European Society of Pathology (ESP) Guideline update 2025. Endoscopy. 2025;57(5):504–554. doi:10.1055/a-2529-5025.

Como citar este artigo

Casamali C. MAPS III (ESGE 2025): Novas Recomendações para Lesões Gástricas. Endoscopia Terapeutica 2025, Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/maps-iii-esge-2025-novas-recomendacoes-para-lesoes-gastricas/




A Crioprevenção com Água Gelada: Uma Nova Ferramenta para Prevenir a Pancreatite Pós-CPRE

A pancreatite pós-CPRE (PPE) é, sem dúvidas, uma das complicações mais frequentes e preocupantes após a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). Além do seu impacto na recuperação dos pacientes, a gravidade de casos mais avançados exige atenção redobrada às estratégias preventivas. Nesse contexto, um recente estudo multicêntrico realizado no Japão trouxe uma alternativa inovadora: o resfriamento com água gelada, chamado de crioprevenção.

O Problema: Pancreatite Pós-CPRE

Apesar das taxas gerais de PPE rondarem 10% em pacientes sem qualquer profilaxia, o problema pode alcançar consequências fatais em quadros graves. Métodos tradicionalmente adotados para a profilaxia, como anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) retais, têm limitações específicas no Japão, principalmente devido a restrições do sistema de saúde sobre dosagens aprovadas e contraindicações em populações vulneráveis, como pacientes idosos.

A Crioprevenção: Uma Abordagem Simples e Eficaz

Adaptado de Azuma et al. 2025

O estudo, divulgado na Am J Gastroenterol, propôs um método simples e acessível: a irrigação da papila com 250 mL de água gelada ao final da CPRE. Esta técnica reduziu em 52,4% o risco relativo de PPC, com a taxa caindo de 6,8% (grupo controle) para 3,2% (grupo de crioprevenção). A segurança do método foi evidente, sem eventos adversos relacionados diretamente à intervenção.

Os pesquisadores apontaram que o resfriamento atua reduzindo o edema papilar, possivelmente por meio de vasoconstrição e controle da permeabilidade vascular, fatores-chave no desenvolvimento de PPE. O efeito foi ainda mais pronunciado em pacientes de alto risco, como aqueles submetidos a esfincterotomia endoscópica e canulação difícil.

Por Que Essa Técnica É Relevante?

Além dos resultados eficazes, algumas características tornam a crioprevenção uma alternativa promissora:

  • Simplicidade: A técnica utiliza apenas água gelada administrada com uma seringa, sem a necessidade de equipamentos ou medicamentos especializados.
  • Custo-baixo: Não há custos adicionais associados à compra de fármacos.
  • Adequação a Populações de Risco: Particularmente útil para idosos ou pacientes contraindicados ao uso de AINEs.
  • Segurança: Nenhum evento adverso significativo foi atribuído à crioprevenção.

Limitações do Estudo

Apesar dos resultados entusiasmantes, algumas limitações foram apontadas:

  • Não foi incluído um grupo controle que utilizasse irrigação com água em temperatura ambiente, impedindo a avaliação do efeito absoluto do resfriamento em relação à irrigação simples.
  • A ausência de AINEs como comparador limita a aplicabilidade global dos achados.
  • O volume de água gelada (250 mL) foi uma escolha arbitrária, sugerindo que estudos futuros possam investigar volumes ou durações diferentes para otimização dos resultados.
  • Por ser um estudo single-blind, a falta de cegamento total pode introduzir algum viés no protocolo.

Conclusão

A técnica de crioprevenção representa um marco no manejo profilático da PPE, oferecendo uma estratégia segura, eficiente e econômica para reduzir essa grave complicação. Especialmente em contextos como o Japão, onde o uso de AINEs é limitado, ou em populações de alto risco, o resfriamento local pode representar uma virada de chave no cuidado pós-CPRE.

Embora ainda existam pontos a serem avaliados em estudos futuros, como a sinergia com AINEs ou outros métodos profiláticos, a crioprevenção já se apresenta como uma ferramenta acessível para a prática clínica global. Afinal, a simplicidade, quando bem fundamentada, pode ser a mais poderosa das inovações.

Referência

  1. Azuma S, Kobayashi Y, Harada R, Yane K, Sawada K, Tsujimoto A, et al. Local post-procedure cryoprevention significantly reduces the incidence of post-ERCP pancreatitis: a multicenter randomized clinical trial. Am J Gastroenterol. 2025;00:1–9. Published online 2025 Jul 10. doi:10.14309/ajg.000000000000000

Como citar este artigo

Orso IRB, Martins BC. A Crioprevenção com Água Gelada: Uma Nova Ferramenta para Prevenir a Pancreatite Pós-CPRE Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/a-crioprevencao-com-agua-gelada-uma-nova-ferramenta-para-prevenir-a-pancreatite-pos-cpre/




Lesões Subepiteliais: do Diagnóstico a Abordagem

As lesões subepiteliais são conceitualmente definidas por lesões originadas das camadas muscular da mucosa, submucosa ou muscular própria, as quais podem ocorrer em qualquer órgão do trato gastrointestinal1. O termo lesões submucosas foi antigamente empregado para essas condições, mas não deve ser mais utilizado, pois essa antiga nomenclatura remete a injúrias restritas a camadas abaixo da submucosa2.

O diagnóstico histopatológico definitivo das lesões subepiteliais é de grande importância, pois possibilita a definição do prognóstico, o risco de degeneração neoplásica e definição de conduta entre expectante, vigilância, ressecções endoscópicas ou tratamento cirúrgico. Isso se deve ao fato de existir uma ampla variedade de diagnósticos diferenciais possíveis, cuja evolução, quadro clínico, risco de complicações e taxa de degeneração neoplásica variam consideravelmente.

Epidemiologia

Apesar das lesões subepiteliais poderem ser encontradas em qualquer órgão do trato gastrointestinal, o principal sítio de localização consiste no estômago. Além disso, as exatas taxas de incidência e prevalência dessas condições são desconhecidas devido a carência de estudos epidemiológicos de condições cujo diagnóstico na maioria dos casos é incidental, dificultando o estudo na população geral. Entretanto, alguns dados na literatura já tentaram estimar essa informação, demonstrando uma prevalência de detecção de lesões subepiteliais em 1,9% das endoscopias digestivas altas realizadas na Coreia, sendo que 64,1% foi identificada no estômago.16,19 Outros estudos estimam uma incidência de cerca de 0,36% de lesões subepiteliais diagnosticas por endoscopias digestivas altas de rotina.20-23 Com relação ao prognóstico, a maioria das lesões subepiteliais são benignas ao diagnóstico, sendo estimadas lesões malignas em menos de 15% dos casos.16,18

Quadro Clínico

A grande maioria dos casos apresenta-se assintomático, principalmente lesões inferiores a 2 cm15. Dentre os casos sintomáticos, o quadro clínico é variável conforme localização, etiologia e tamanho das lesões.

Os sintomas mais frequentes são dor abdominal e hemorragia digestiva. Entretanto, podem ocorrer raramente sintomas de suboclusão do trato gastrointestinal, sendo esse quadro mais frequentemente associado a lesões no intestino delgado.

Com relação ao tamanho das lesões, a manifestação de sintomas será variável a depender do órgão acometido. Afinal, lesões menores no esôfago podem se manifestar com disfagia e no reto com alteração de hábito intestinal. A manifestação de sintomas suboclusivos no estômago dependerá da existência de lesões maiores diante do maior volume da câmara gástrica em relação aos demais segmentos do aparelho digestivo.

Apresentações Endoscópicas e Ecoendoscópicas das Lesões Subepiteliais

As lesões subepiteliais apresentam-se à visão endoscópica como um abaulamento ou protuberância de mucosa com tamanho variável. Em geral, a mucosa sobreposta a lesão é íntegra, mas dependendo da etiologia, é possível haver enantema, erosão ou ulceração devido efeito de pressão da lesão ou, mais raramente, degeneração maligna. Outros parâmetros endoscópicos podem ser avaliados e podem permitir uma impressão diagnóstica sobre a lesão, como: coloração, superfície, mobilidade e consistência da lesão.

Algumas manobras simples ao exame endoscópico podem garantir também maior segurança para estabelecer uma impressão de diagnóstico etiológico das lesões subepiteliais, podendo em alguns casos definir conduta expectante para essas lesões. As principais manobras consistem: sinal do travesseiro ou almofada (pillow sign), sinal do rolamento (rolling sign) e sinal da tenda (tenting sign) (figuras 1, 2 e 3).

O sinal do travesseiro consiste em manipular a lesão com a pinça de biópsia, empurrando a mesma. Caso a lesão seja compressível ao toque da pinça e haja retorno a morfologia habitual da lesão após a retirada do instrumento, a lesão é sugestiva de lipoma (98% de especificidade e 40% de sensibilidade)4.

O sinal do rolamento quando presente sugere que a lesão se encontra na muscular própria ou abaixo da mesma. É realizado sob auxílio de pinça de biópsia fechada, deslizando a mesma sobre a lesão, permitindo com que a lesão seja facilmente mobilizada.16

O sinal da tenda apresenta a mesma implicância clínica do sinal do rolamento.16 Sob auxílio de pinça de biópsia, realiza-se apreensão superficial da mucosa sobrejacente a lesão, permitindo com que a mucosa e submucosa se destaquem facilmente da lesão.

Com relação à ecoendoscopia, o método permite avaliar com muita precisão as camadas e interfaces do trato gastrointestinal, sendo o melhor método de imagem para avaliar e caracterizar as lesões subepiteliais. Com uma frequência de varredura entre 5 a 12 MHz, o ultrassom endoscópico permite distinguir as paredes do TGI em 5 camadas: mucosa superficial (1ª camada ou interface fluído luminal e mucosa), mucosa profunda (2ª camada ou muscular da mucosa), submucosa (3ª camada), muscular própria (4ª camada) e serosa (5ª camada) (figura 4)15,24-26.

A tabela 1 demonstra resumidamente os achados endoscópicos e ecoendoscópicos das principais lesões do trato gastrointestinal. E as imagens de 1 a 14 demonstram exemplos de casos de lesões com suas respectivas imagens endoscópicas e ecoendoscópicas.

Lesão Subepitelial Camada de Origem Sítios Principais Ecoendoscopia Endoscopia
Cisto de duplicação 1ª, 2ª, 3ª, 4ª ou extramural – Esôfago 
– Mediastino
– Anecoico
– Arredondado ou oval 
– Sem vascularização
– Normocorado ou ligeiramente translúcido
– Superfície regular
– Compressível à manipulação
GIST 4ª (principal)
2ª (infrequente)
– Estômato (65%)
– Delgado (25%)
– Hipoecoico
– Heterogêneo
– Com ou sem vascularização
– Normocorado
– Superfície regular, com erosão ou ulceração 
– Consistência endurecida
Leiomioma 2ª (principal)
4ª (infrequente)
– Esôfago – Hipoecoica
– Homogênea
– Calcificações no interior
– Normocorada
– Superfície regular
– Consistência endurecida
Linfangioma – Intestino delgado – Anecoico
– Septos internos
– Sem vascularização
– Massa protuberante semelhante a um cisto
– Consistência amolecida
Linfoma 2ª, 3ª ou 4ª – Estômago
– Intestino delgado
– Hipoecoico – Sem características específicas
Lipoma – Cólon – Hiperecoico
– Homogêneo
– Ovalado
– Amarelado
– Superfície regular
– Consistência amolecida
– Sinal do travesseiro positivo 
Metástase 1ª, 2ª, 3ª, 4ª – Qualquer sítio – Hipoecoica
– Heterogênea
– Sem características específicas
Pâncreas ectópico 2ª, 3ª ou 4ª – Estômago – Hipoecoica ou mista
– Estruturas ductais no interior
– Normocorado
– Umbilicação central (90%)
– Consistência endurecida
Pólipo fibroide inflamatório 2ª ou 3ª – Estômago – Hipoecoico
– Homogêneo
– Margens não definida
– Pólipo séssil
– Superfície regular ou com ulceração
Schwannoma, neuroma e neurofibroma 3ª ou 4ª – Estômago – Hipoecoico 
– Homogênea
– Normocorado
– Superfície regular 
– Consistência endurecida
Tumor de células granulares 2ª ou 3ª – Esôfago – Hipoecoico
– Heterogênea
– Amarelado ou branco-amarelado
– Superfície regular
– Consistência endurecida
Tumor glômico 4ª ou 3ª (menos frequente) – Qualquer sítio – Hipoecoico 
– Heterogeneo
– Calcificações no interior
– Com vascularização
– Normocorada
– Superfície regular 
– Consistência endurecida
Tumor neuroendócrino 2ª ou 3ª – Estômago
– Duodeno
– Reto
– Isoecoico ou ligeiramente hipoecoico
– Homogêneo
– Ovalado ou redondo
– Normocorado, amarelado ou avermelhado
– Superfície com erosão 
– Consistência endurecida
Varizes – Esôfago – Anecoica
– Serpinginoso
– Com vascularização
– Azulada
– Superfície regular
– Consistência compressível
Tabela 1. Achados Endoscópicos e Ecoendoscópicos das Lesões Subepiteliais do Trato Gastrointestinal
Adaptado de: ESGE1, ASGE27, ACG14, AGA11, Kim GH16

Abordagem Diagnóstica e Aquisição Tecidual

Como mencionado, a identificação de uma lesão subepitelial é na grande maioria das vezes incidental em uma endoscopia digestiva alta. Os achados endoscópicos somados a propedêutica em muitos casos não irão permitir o estabelecimento de uma conduta definitiva sem o diagnóstico histopatológico. Além disso, as biópsias convencionas de mucosa possuem um rendimento histopatológico extremamente baixo no diagnóstico de lesões subepiteliais, afinal as lesões em sua maioria são revestidas por mucosa íntegra. A realização de biópsias sobre biópsias também não apresenta rendimento significativo (55 a 65% para lesões da terceira camada e 40% para lesões da quarta camada)6,7, não sendo um método de abordagem recomendado. 

A Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) recomenda aquisição tecidual de lesões subtepiteliais quando: há suspeita de tumor estromal gastrointestinal (GIST), lesões superiores a 20 mm, lesões com estigmas de alto risco ou necessidade de tratamento cirúrgico ou oncológico. Em caso de lesões assintomáticas compatíveis com lipoma, varizes ou pâncreas ectópico, não há indicação de aquisição tecidual. 

Os métodos que permitem aquisição tecidual consistem nos seguintes: biópsia assistida por incisão de mucosa (mucosal incision-assisted biopsy, MIAB), punções ecoendoscópicas com agulha FNA (fine needle aspiration, EUS-FNA) ou com agulha FNB (fine needle biopsy, EUS-FNB). 

Em lesões superiores a 20 mm, a ESGE recomenda igualmente como primeira escolha MIAB ou EUS-FNB. Entretanto, lesões inferiores a 20 mm, a ESGE recomenda como primeira linha o MIAB, sendo a EUS-FNB segunda escolha (tabela 2). Afinal, nessas lesões, há menor rendimento diagnóstico com punções ecoguiadas diante de maior dificuldade técnica para aquisição de amostras significativas. Para uma discussão mais aprofundada sobre MIAB, confira esse outro artigo: Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa: Quando e Como Fazer?. Com relação às agulhas FNA, estudos prospectivos e retrospectivos vêm demonstrando que FNB possui melhor aquisição tecidual em relação a agulhas FNA quando comparadas a calibres (gauges) semelhantes, apresentando perfis de segurança semelhante e com precisão diagnóstica variando entre 75 a 100%.8-11 Portanto, o III Consenso Brasileiro de Ecoendoscopia recomenda o uso de FNB em relação ao uso de FNA para o diagnóstico de lesões subepiteliais maiores de 20 mm, sendo concordante com o guideline da ESGE13.

Tamanho Método de Escolha
LSE > 20 mm 1ª escolha: EUS-FNB ou MIAB
LSE < 20 mm  1ª escolha: MIAB
2ª escolha: EUS-FNB
Tabela 2 Recomendações da ESGE

Vigilância

A vigilância consiste no seguimento das lesões subepiteliais, podendo ser realizado por EDA e/ou ecoendoscopia a depender do tamanho da lesão. A ESGE sugere vigilância em lesões subepiteliais esofágicas e gástrica, desde que sejam assintomática e não tenham diagnóstico histopatológico definitivo. Recomenda-se realização de EDA em 3 a 6 meses como primeiro exame de vigilância, sendo seguida de EDA a cada 2 a 3 anos para lesões inferiores a 10 mm, e EDA a cada 1 a 2 anos para lesões entre 10 a 20 mm. Além disso, como alternativa a vigilância de lesões gástricas inferiores a 20 mm e sem diagnóstico definitivo, a ESGE sugere ressecção endoscópica para esses casos. 

Em caso de lesões superiores a 20 mm, assintomática e que não tenham sido ressecadas, a ESGE recomenda vigilância com EDA e ecoendoscopia necessariamente, sendo o primeiro controle em 6 meses, sendo seguido de intervalos de 6 a 12 meses. 

Além disso, nas seguintes situações, opta-se por conduta expectante, não sendo recomendado vigilância pela ESGE, desde que o paciente seja assintomático e o diagnóstico histopatológico seja definitivo: leiomiomas, lipomas, pâncreas ectópico, tumores de células granulares, schawannomas e tumores glômicos.

Veja Figuras sobre achados endoscópicos e suas correlações ecoendoscópicas a seguir:

Referências

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Como citar este artigo

Balbinot RS, Martins B. Lesões Subepiteliais: do Diagnóstico a Abordagem Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/lesoes-subepiteliais-do-diagnostico-a-abordagem/




Profilaxia de pancreatite aguda pós-CPRE: quando utilizar prótese pancreática?

A pancreatite aguda pós-CPRE (PEP, do inglês “post-ERCP pancreatitis“) é uma das complicações mais temidas associadas à colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). Sua incidência varia entre 3,5% e 9,7%, sendo que de 0,3% a 0,8% evoluem com pancreatite aguda grave, associada a disfunção orgânica persistente. Como não há tratamento endoscópico para PEP, é fundamental que os endoscopistas adotem medidas profiláticas eficazes para diminuir o risco, principalmente de casos graves. Em seu guideline de 2023, a American Society for Gastrointestinal Endoscopy (ASGE) destaca três medidas principais para a profilaxia da PEP: uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) via retal, hidratação intravenosa agressiva e a colocação de prótese pancreática (1). Neste artigo, analisaremos o estudo publicado em 2024 na Lancet por Elmunzer et al., que comparou o uso de AINE via retal com e sem a colocação de prótese pancreática em pacientes de alto risco para PEP, intitulado “Indomethacin with or without prophylactic pancreatic stent placement to prevent pancreatitis after ERCP: a randomised non-inferiority trial” (2).

Métodos

Trata-se de ensaio clínico randomizado (ECR) de não-inferioridade conduzido em 20 centros de referência nos Estados Unidos e Canadá entre 2015 e 2023. O estudo avaliou a eficácia da indometacina via retal em comparação com indometacina via retal associada à colocação de prótese pancreática profilática (PPP) em pacientes com alto risco de PEP.


A) Critérios de Inclusão

Os critérios de inclusão foram baseados nos principais fatores de risco para PEP, divididos em critérios maiores e menores.

Critérios Maiores (≥1):

  • História pessoal de PEP
  • Canulação difícil (≥6 min ou ≥6 tentativas)
  • Pré-corte
  • Esfincterotomia pancreática
  • Dilatação balonada da papila sem esfincterotomia
  • Suspeita de disfunção do esfíncter de Oddi

Critérios Menores (≥2):

  • Mulher com menos de 50 anos
  • Pancreatite aguda recorrente (2 ou mais episódios)
  • Injeção de contraste no ducto pancreático principal

Critérios de Exclusão:

  • Indicação de ampulectomia
  • Indicação de prótese pancreática terapêutica
  • Alergia a AINEs
  • Pancreatite aguda há menos de 1 semana
  • Baixo risco de PEP (ex.: esfincterotomia prévia)

B) Procedimentos

Os pacientes randomizados para o grupo de indometacina isolada (grupo IN) receberam 100 mg de indometacina via retal imediatamente antes do procedimento. No grupo da indometacina mais prótese pancreática (grupo PP) a mesma dose de indometacina foi administrada e o endoscopista tentou ativamente a canulação do ducto pancreático principal (DPP) para a passagem da PPP, sem padronização de tempo ou técnica.

C) Desfechos

  • Primário: Incidência de PEP, definida como dor nova ou crescente no abdômen superior e elevação das enzimas >3x até 24h pós-CPRE.
  • Secundário: Casos de PEP moderada ou grave.

D) Cálculo Amostral

O cálculo amostral foi realizado com uma margem de não-inferioridade de 5% entre os grupos, considerando uma taxa esperada de PEP de 9,7% e um poder de 85%, resultando em um total de 1950 pacientes.

Resultados

O estudo incluiu 1950 pacientes, com 975 em cada braço e apenas uma perda em cada grupo. O “crossover” no grupo PP – ou seja, pacientes nos quais foi tentado, porém não houve sucesso, na passagem da prótese pancreática – foi de quase 20%, enquanto no grupo IN foi de apenas 1,6% – pacientes que não deveriam ter recebido PPP pelo grupo de randomização, porém o endoscopista optou pela passagem da PPP.

Na análise por intenção de tratamento, foram observados 110 casos (11,3%) de PEP no grupo PP, sendo 58 (6%) PEP moderada ou grave, em comparação com 145 casos (14,9%) no grupo IN, dos quais 78 (8%) foram moderados ou graves. Três óbitos (0,3%) foram reportados, todos no grupo IN. A diferença de risco para PEP entre os grupos foi estatisticamente significativa (3,6% – IC95% 0,6-6,6) a favor do grupo PP (tabela 1).

Intenção de tratamento Por protocolo
Resultado Indometacina + PPP (n=975) Indometacina isolada (n=975) Diferença de risco (IC 95%) Indometacina + PPP (n=777) Indometacina isolada (n=951) Diferença de risco (IC 95%)
Desfecho primário
Pancreatite aguda pós-CPRE 110 (11,3%) 145 (14,9%)
3,6% (0,6 a 6,6)

90 (11,6%)
137 (14,4%)
2,8% (−0,3 a 6,0)
Desfechos secundários e de segurança
Pancreatite moderada ou grave pós-CPRE 58 (6,0%) 78 (8,0%)
2,1% (−0,2 a 4,3)
45 (5,8%) 74 (7,8%)
2,0% (−0,4 a 4,4)
Pancreatite grave 14 (1,4%) 20 (2,1%)
0,6% (−0,5 a 1,8)
12 (1,5%)
19 (2,0%)

0,5% (−0,8 a 1,7)
Óbito relacionado à pancreatite
0
3 (0,3%)
0,3% (0,0 a 0,7)

0
3 (0,3%)
0,3% (0,0 a 0,7)
Evento adverso grave 352 (36,1%) 355 (36,4%)
−0,3% (−4,6 a 4,0)
282 (36,3%) 345 (36,3%)
0,0% (−4,5 a 4,6)
Admissão na UTI 39 (4,0%)
29 (3,0%)

−1,0% (−2,9 a 0,9)

27 (3,5%)
32 (3,4%)
−0,1% (−2,2 a 2,0)
Tabela 1: desfechos primários e secundários (adaptado do estudo original – Elmunzer et al. (2)).

Dos 188 pacientes que foi tentada passagem de PPP sem sucesso, 19 (10,1%) tiveram PEP.

Realizando testes estatísticos “post-hoc” – ou seja, após a obtenção e análise dos dados e, portanto, sujeitos a mais vieses – os autores identificaram que o grupo IN foi inferior na profilaxia de PEP e teve um risco 32% maior de PEP do que o grupo PP.

Na análise de subgrupos avaliando múltiplas variáveis, os fatores que mais impactaram a diferença entre os grupos favorecendo o grupo PP foram: técnica do duplo-fio guia, esfincterotomia pancreática e não realização de esfincterotomia biliar (tabela 2).

Tabela 2: análise de subgrupos (adaptado do artigo original – Elmunzer et al. (2)).

Ainda foi observado que quantos mais fatores de risco o paciente apresentava, maior proteção a PPP ofereceu, partindo de um número necessário para tratar (NNT) de 44 para os pacientes que tinham apenas 1 fator de risco e chegando a um NNT=7 para pacientes com 3 ou mais fatores.

Conclusão do estudo

Os autores concluem que a combinação de indometacina e prótese pancreática foi superior à indometacina isolada na prevenção de PEP em pacientes de alto risco, especialmente em pacientes com múltiplos fatores de risco. Ainda sugerem maior treinamento na passagem de próteses pancreáticas durante a especialização em CPRE, porém alertam para o cuidado em relação à técnica e ao tempo de tentativa, que não foram padronizados no estudo.

Análise Crítica

Embora o estudo seja um ECR robusto, seus resultados e conclusões devem ser interpretadas com cautela. É fundamental considerar que o estudo foi desenhado como um ECR de não-inferioridade, o que pode gerar inconsistências nas inferências de superioridade. Testes estatísticos “post-hoc” são importantes para aproveitar ao máximo os dados do estudo e levantar novas hipóteses, porém não devem ser a base para conclusões.

A concepção das intervenções nos grupos talvez seja a principal causa dos possíveis equívocos observados nos resultados, os quais levaram a conclusões imprecisas. A profilaxia com prótese pancreática é recomendada pelas principais sociedades de endoscopia dos Estados Unidos e da Europa – ASGE e ESGE – para pacientes de alto risco nos quais o DPP foi canulado de forma inadvertida (1,3). Portanto, esses pacientes deveriam ter recebido a PPP, mesmo quando randomizados para o grupo sem PPP (grupo IN) – o que não ocorreu na maioria dos casos.

Embora o estudo não apresente explicitamente o número de pacientes do grupo IN que sofreram canulação inadvertida do DPP, a Tabela 2 revela parte dessa informação: nesse grupo, houve 68 casos com uso da técnica de duplo fio-guia, 23 esfincterotomias pancreáticas e 1 injeção com acinarização pancreática – totalizando, no mínimo, 92 pacientes com indicação formal para PPP. Considerando que apenas 16 pacientes do grupo IN foram submetidos ao “crossover” para o grupo que recebeu a prótese, pelo menos 76 pacientes elegíveis deixaram de receber a PPP – provavelmente um número ainda maior.

Esse viés é reforçado pelo fato de que os subgrupos que mais contribuíram para a diferença entre as abordagens foram justamente aqueles nos quais ocorreu canulação inadvertida do DPP – como os que realizaram técnica do duplo fio-guia e esfincterotomia pancreática (provavelmente associada à técnica de acesso transpancreático).

Uma concepção metodológica mais adequada teria sido randomizar os pacientes entre dois grupos: um com tentativa ativa de canulação do DPP para passagem de PPP e outro sem essa tentativa. Dessa forma, todos os pacientes com canulação inadvertida do DPP receberiam PPP, independentemente do grupo para o qual foram inicialmente alocados.

É importante contextualizar que o estudo foi iniciado em 2015, quando as recomendações sobre o uso da PPP em casos de canulação inadvertida ainda não eram tão enfáticas quanto são atualmente. Assim, a concepção adotada pode ter sido considerada aceitável à época. Entretanto, como foi publicado em 2024, os autores deveriam ter considerado essas limitações, trazendo a conclusão de que na estratégia desenhada não foi demonstrada a não-inferioridade das abordagens, sugerindo estudos para avaliar se vale a pena ou não tentar ativamente cateterizar o DPP para passagem de PPP, ao invés de estimular essa abordagem – que pode ser perigosa e até aumentar o risco de PEP.

Mensagem Final

A pancreatite aguda pós-CPRE é uma complicação crítica que requer cuidados técnicos e medidas profiláticas. As principais estratégias incluem:

  • Uso de AINEs via retal antes do procedimento em pacientes sem contraindicação
  • Hidratação intravenosa agressiva em pacientes sem contraindicação
  • Colocação de prótese pancreática profilática em pacientes de alto risco com canulação inadvertida do DPP

Embora o estudo de Elmunzer et al. sugira a possibilidade de tentativa ativa de canulação do DPP para passagem de PPP em pacientes de alto risco para PEP, essa abordagem deve ser considerada com cautela, dadas suas implicações potencialmente prejudiciais, e não deve ser praticada de rotina. Trabalhos futuros devem estudar adequadamente essa abordagem antes de novas recomendações serem adotadas.

Veja mais sobre o assunto: Estratégias de prevenção de pancreatite pós CPRE: quais as recomendações mais atuais? • Endoscopia Terapeutica.

Referências

  1. Buxbaum JL, Freeman M, Amateau SK, et al. American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on post-ERCP pancreatitis prevention strategies: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2023;97(2):153-162. doi:10.1016/j.gie.2022.10.005
  2. Elmunzer BJ, Foster LD, Serrano J, et al. Indomethacin with or without prophylactic pancreatic stent placement to prevent pancreatitis after ERCP: a randomised non-inferiority trial. Lancet. 2024;403(10425):450-458. doi:10.1016/S0140-6736(23)02356-5
  3. Dumonceau JM, Kapral C, Aabakken L, et al. ERCP-related adverse events: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2020;52(2):127-149. doi:10.1055/a-1075-4080

Como citar este artigo

Proença IM. Profilaxia de pancreatite aguda pós-CPRE: quando utilizar prótese pancreática? Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Dispnível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/profilaxia-de-pancreatite-aguda-pos-cpre-quando-utilizar-protese-pancreatica/




Elaboração do laudo no exame de cápsula endoscópica do intestino delgado

O laudo da cápsula endoscópica do intestino delgado é um componente crucial no diagnóstico de diversas patologias gastrointestinais. Sua elaboração deve ser feita de forma detalhada, sistemática e precisa, uma vez que é baseado na análise de uma enorme quantidade de imagens geradas durante o exame. A qualidade desse laudo tem impacto direto tanto no diagnóstico quanto na condução clínica do paciente.

O processo de elaboração do laudo deve seguir uma estrutura lógica, que contempla aspectos anatômicos, localização dos achados, a natureza das alterações e uma estimativa de sua posição dentro do intestino delgado. Inicialmente, o laudo deve apresentar uma visão geral do exame. Devem ser incluídas informações sobre o tempo de percurso da cápsula pelo intestino delgado, a qualidade do preparo gastrointestinal e a presença de eventuais artefatos que possam interferir na interpretação, como reflexos luminosos, bolhas de ar ou resíduos. Também é importante relatar qualquer dificuldade técnica, como sobreposição de imagens ou imagens obscurecidas, e indicar se houve necessidade de intervenção endoscópica adicional. Outro ponto fundamental é informar se o exame foi completo, ou seja, se a cápsula alcançou o ceco.

Em seguida, o laudo deve detalhar as condições anatômicas e patológicas observadas ao longo do exame. Pontos de referência anatômicos reconhecíveis, como a passagem pelo piloro e pela válvula ileocecal, além de características das pregas intestinais e da vascularização, devem ser utilizados para orientar a descrição. Apesar das limitações impostas pelo movimento peristáltico, que faz com que a cápsula avance e retroceda de forma irregular, o exame busca estimar a localização dos achados em segmentos como duodeno, jejuno proximal, médio, distal e íleo terminal.

Para facilitar essa estimativa, adota-se uma divisão pragmática baseada no tempo de percurso da cápsula entre o piloro e o ceco. O tempo total é dividido em três partes iguais, correspondendo aproximadamente aos terços proximal, médio e distal do intestino delgado. Assim, mesmo que a cápsula percorra segmentos de maneira não uniforme — por exemplo, permanecendo mais tempo em um segmento específico — os achados são descritos com base nessa divisão temporal, o que, embora não totalmente preciso, auxilia no planejamento de intervenções subsequentes, como a enteroscopia. Entender como se estabelece essa possível localização ajuda a quem recebe o laudo a formular a melhor intervenção a ser realizada.

Além da localização, o laudo deve tentar caracterizar detalhadamente os achados. Devem ser descritos o tipo de alteração observada, sua aparência, a distinção entre anormalidades patológicas e variações anatômicas normais e, se possível, estimar seu tamanho. Entre os achados patológicos mais comuns estão úlceras, pólipos, angiectasias, áreas de edema e tumores. É essencial ainda avaliar se as características das lesões sugerem benignidade ou malignidade, informações que são fundamentais para guiar a conduta clínica.

Um dos grandes desafios na elaboração do laudo reside na identificação de lesões sutis. Algumas anormalidades podem ser pequenas ou apresentar características discretas, exigindo um olhar treinado para que não sejam negligenciadas. Outro fator complicador é a ausência de controle direto sobre o posicionamento da câmera, o que diferencia a cápsula endoscópica da endoscopia convencional. Isso limita a obtenção de imagens direcionadas e dificulta a captura de detalhes específicos.

Para aumentar a precisão e padronização do laudo, é recomendável utilizar terminologias e escores validados para descrever os achados. Isso facilita a interpretação por outros profissionais de saúde e contribui para a uniformidade dos relatos. É importante também reconhecer as limitações do exame. Caso alguma área não tenha sido adequadamente visualizada ou haja incerteza quanto à natureza de um achado, isso deve ser claramente explicitado no laudo, com recomendação, se necessário, de exames complementares.

O laudo deve ser concluído com um resumo dos principais achados, a provável localização das lesões, e uma avaliação do grau de certeza em relação às observações feitas. Além disso, recomendações para investigação adicional ou acompanhamento devem ser incluídas quando pertinentes.

Em resumo, a interpretação e elaboração do laudo de cápsula endoscópica do intestino delgado requerem um equilíbrio entre rigor técnico e pragmatismo clínico. A abordagem estruturada e a atenção aos detalhes tornam essa ferramenta diagnóstica extremamente valiosa na investigação de doenças do intestino delgado. Apesar das dificuldades para a leitura do exame, com um laudo bem elaborado é possível promover uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais precisa, contribuindo significativamente para o manejo eficaz das condições gastrointestinais.

Tenham excelentes laudos!

Referências:

  1. Rondonotti E, Spada C, Adler S, May A, Despott EJ, Koulaouzidis A, Panter S, Domagk D, Fernandez-Urien I, Rahmi G, Riccioni ME, van Hooft JE, Hassan C, Pennazio M. Small-bowel capsule endoscopy and device-assisted enteroscopy for diagnosis and treatment of small-bowel disorders: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Technical Review. Endoscopy. 2018 Apr;50(4):423-446. doi: 10.1055/a-0576-0566. Epub 2018 Mar 14. PMID: 29539652.
  2. Pennazio M, Rondonotti E, Koulaouzidis A. Small Bowel Capsule Endoscopy: Normal Findings and Normal Variants of the Small Bowel. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2017 Jan;27(1):29-50. doi: 10.1016/j.giec.2016.08.003. PMID: 27908517.

Como citar este artigo

Brito HP. Elaboração do laudo no exame de cápsula endoscópica do intestino delgado Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/elaboracao-do-laudo-no-exame-de-capsula-endoscopica-do-intestino-delgado/




Doença de Whipple: O que o Endoscopista Precisa Saber

A doença de Whipple é uma condição infecciosa sistêmica rara causada pela bactéria Tropheryma whipplei, que acomete principalmente homens brancos, entre 40 e 60 anos. Como pode simular diversas patologias e afetar vários órgãos, inclusive sem sintomas gastrointestinais, é essencial que o endoscopista esteja atento a esse diagnóstico diferencial.

Um pouco de história…

Descrita pela primeira vez em 1907, a doença foi inicialmente chamada de “lipodistrofia intestinal” devido ao acúmulo de gordura nos linfáticos intestinais. A etiologia infecciosa foi confirmada em 1991 com a identificação do T. whipplei via técnicas moleculares.

Epidemiologia:

Apesar de ser rara (cerca de 30 casos/ano), o T. whipplei é está presente no ambiente, especialmente em esgoto e solo. É mais comumente detectado em trabalhadores da área rural e de pouco saneamento. A doença clássica é rara mesmo entre os portadores assintomáticos da bactéria.

Manifestações clínicas

A apresentação clássica envolve quatro sintomas principais:

  • Artralgias migratórias (geralmente anos antes dos sintomas digestivos)
  • Diarreia crônica
  • Dor abdominal
  • Perda de peso

Podem ocorrer manifestações isoladas no sistema nervoso central ou em válvulas cardíacas. A doença também pode ser desmascarada por uso de imunossupressores, muitas vezes prescritos para doenças reumatológicas presumidas.

Papel do Endoscopista no Diagnóstico

A endoscopia digestiva alta com biópsias do intestino delgado (jejuno/proximal do duodeno) é essencial.

Achados Endoscópicos Mais Comuns:

  1. Mucosa esbranquiçada ou amarelada

    • Aspecto de placas ou granulações finas na mucosa do duodeno ou jejuno.

  2. Edema da mucosa

    • A mucosa pode parecer espessada, pálida ou opaca, com perda das pregas normais.

  3. Linfangiectasia intestinal

    • Dilatação dos vasos linfáticos pode dar aspecto leitoso ou de mucosa brilhante e friável.

  4. Nódulos milimétricos

    • Pequenos nódulos na mucosa, principalmente no duodeno, conferem um aspecto de “mucosa em pedra de calçamento”.

  5. Aspecto de mucosa atrófica ou ulcerada

    • Em casos mais avançados, pode haver áreas de erosão, atrofia ou até úlceras superficiais.

Achados endoscópicos em um paciente com Doença de Whipple: pontos esbranquiçados com irregularidade de pregas duodenais e erosões. Na cromoscopia com NBI e magnificação se nota vilosidades engurgitadas com dilatação dos linfáticos.

Investigação

  • Histologia com coloração PAS positiva em macrófagos da lâmina própria
  • PCR para T. whipplei
  • Imuno-histoquímica
Doença de Whipple: macrófagos intensamente PAS-positivos ocupando a lâmina própria da mucosa. As células caliciformes também estão positivamente coradas. A borda em escova dos enterócitos aparece marcada (como uma linha roxa intensa). Fonte: Bures et al. Gastroenterology Research and Practice 2013.

Se a suspeita for alta, mas a endoscopia não for diagnóstica, é indicado investigar outros sítios acometidos (líquor, linfonodos, valvas, líquido sinovial).

Importante: mesmo pacientes com apresentação extraintestinal devem realizar endoscopia, já que a participação intestinal subclínica é comum.

Tratamento

A doença era fatal antes da era dos antibióticos. Hoje, o tratamento é efetivo e dividido em duas fases:

  1. Fase inicial (parenteral):

    • Ceftriaxona 2g IV 1x/dia ou
    • Penicilina G 2-4 MU IV 4/4h
    • Duração: 2 semanas (4 semanas se acometimento do SNC ou endocardite)

  2. Fase de manutenção (oral por 1 ano):

    • TMP-SMX (160/800 mg) 2x/dia

Importante: O T. whipplei é resistente a fluoroquinolonas e a atividade do TMP-SMX é atribuída apenas ao sulfametoxazol.

Considerações finais para o endoscopista

  • Suspeite da doença em pacientes com síndrome diarreica crônica, perda de peso e artralgias, especialmente se do sexo masculino e com exposição a solo ou esgoto.
  • A biópsia de intestino delgado é a chave diagnóstica.
  • O endoscopista pode ser o primeiro a levantar a hipótese diagnóstica.

Mesmo rara, a doença de Whipple é potencialmente fatal se não tratada, mas curável com antibioticoterapia adequada. Estar atento à possibilidade diagnóstica é essencial.

Referências

  1. Günther U, Moos V, Offenmüller G, et al. Gastrointestinal diagnosis of classical Whipple disease: clinical, endoscopic, and histopathologic features in 191 patients. Medicine (Baltimore) 2015; 94:e714.
  2. Lagier JC, Fenollar F, Lepidi H, et al. Treatment of classic Whipple’s disease: from in vitro results to clinical outcome. J Antimicrob Chemother 2014; 69:219.
  3. Apstein MD, Schneider T. Whipple’s disease. Uptodate. 2024.

Como citar este artigo

Orso IRB. Doença de Whipple: O que o Endoscopista Precisa Saber Endoscopia Terapeutica 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/doenca-de-whipple-o-que-o-endoscopista-precisa-saber/